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Bússola americana
E mais...
● O Meio e o Homem
gira para a Ásia
– Belo Monte é uma
fonte de mitos, que cir-
culam como verdades, e
s siglas enigmáticas TTIP e TPP ainda
nem existem oficialmente, mas sinali-
zam a reorientação geral da política mundial
A
de incertezas reais super- dos Estados Unidos. TTIP são as iniciais em
ficialmente discutidas. inglês de Parceria Transatlântica de Comércio e
Pág. 3 Investimentos, um mega-acordo em negociação
● “Nós somos os filhos entre os Estados Unidos (e, portanto, todo o
P remiado pela rede internacional Games for Change e traduzido para o português Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)
por Gilson Schwartz, colaborador de Mundo e professor da ECA-USP, o videogame Revisão: Jaqueline Rezende
Pesquisa Iconográfica: Odete E. Pereira e Etoile Shaw
Ludwig chegará ao Brasil no segundo semestre. O projeto da empresa austríaca Ovos teve
Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise
o patrocínio do Ministério da Educação da Áustria e da Prefeitura de Viena. Há dois anos
atuando em escolas públicas e particulares com o game Conflitos Globais, Schwartz atuará Endereço: Rua Dr. Dalmo de Godói, 57, São Paulo – SP.
novamente em parceria com UOL Jogos. “Além dos jogos, nossa meta é ampliar a comu- CEP 05592-010. Tel/fax: (011) 3726.4069 / 2506.4332
nidade brasileira voltada ao uso E-mail: pangea@uol.com.br – www.facebook.com/JornalMundo
de games em sala de aula. Com Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos
Ludwig, o tema é conservação assinaturas individuais. Exemplares avulsos podem ser
de energia, física e meio am- obtidos no seguinte endereço, em São Paulo:
biente, tudo em um ambiente • Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900, São Paulo
3D com efeitos especiais e um Fone: (011) 3283.0340
personagem cativante”, adianta
Schwartz. O jornal Mundo é www.clubemundo.com.br
parceiro da Cidade do Conheci-
Infelizmente não foi possível localizar os autores de
mento da USP na promoção do todas as imagens utilizadas nesta edição.
game entre alunos e professo- Teremos prazer em creditar os fotógrafos,
caso se manifestem.
res em todo o Brasil.
Axé Silva
Especial para Mundo
vista jurídico, isso somente seria possível Belo Monte e seu entorno para agrovilas e o de investimentos voltados para a educação,
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Belo Monte
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Rio
Terras indígenas
cos, incluídos os potenciais energéticos, a trutura urbana e Incertezas legítimas cercam o tema dos
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Unidades de
pesquisa e a lavra das riquezas minerais em adequado sanea- custos da energia que será gerada por Belo
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Conservação
federal
Terras Indígenas só podem ser efetivados mento básico. Monte. Em tese, a hidrelétrica produzirá
Unidade de
com autorização do Congresso Nacional, Conservação
estadual
A polêmica en- energia suficiente para abastecer apro-
ouvidas as comunidades afetadas, ficando- Outras terras volve ainda o des- ximadamente 60 milhões de pessoas (o
demarcadas
lhes assegurada participação nos resultados matamento ocasio- equivalente a 40% do consumo residencial
Ri
o
Terras não
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da lavra, na forma da lei.” Mas essa pos- nado pela formação de todo o país), reduzindo os riscos de
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demarcadas
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sibilidade é um mito – ou uma arma na FONTE: adaptado do da represa. O lago “apagões”. E, acrescentam os defensores do
Instituto Socioambiental
polêmica política. que se formará, com projeto, o quilowatt-hora produzido por
A usina hidrelétrica não será construída cerca de 500 km2, uma hidrelétrica é, ainda hoje, mais barato
na área de cerca de 20 Terras Indígenas abrange superfície que o de outras fontes, como a térmica, a
situadas na região (veja o mapa). Também Cerca de 20 mil indígenas habitam pequena, em termos comparativos, o que nuclear, a solar e a eólica. Contudo, no
não há risco de que elas sejam total ou a bacia do rio Xingu, que sentirão os fica evidente quando se sabe que o desmata- caso de Belo Monte, o cenário econômico é
parcialmente alagadas, por conta da técnica impactos indiretos de Belo Monte. A mento anual na mesma Floresta Amazônica mais complexo e incerto. Justamente devi-
utilizada para a construção da barragem, obra atrai trabalhadores, e, nos arredores, – provocado por queimadas para expansão do à técnica de fio d’água, a geração efetiva
denominada fio d’água: o fluxo hídrico núcleos urbanos serão formados. É respon- agropecuária e retirada indiscriminada de apresentará fortes oscilações sazonais. Na
do curso fluvial passará pelas turbinas e sabilidade legal da Fundação Nacional do madeiras nobres destinadas ilegalmente ausência de um grande reservatório, a
voltará ao leito natural, sem a formação de Índio (Funai) assegurar os direitos das co- aos mercados nacional e internacional – é produção cairá verticalmente nos meses
um enorme lago. Segundo as estimativas, munidades indígenas, adotando medidas avaliado em cerca de 5 mil km2. A licença de estiagem. Os críticos têm razão quando
o reservatório principal terá apenas 503 para minimizar os efeitos eventualmente de instalação da usina, fornecida em 2011, ironizam os cálculos ufanistas baseados na
km2, sendo que 228 km2 correspondem ao prejudiciais derivados indiretamente da obriga o consórcio responsável pela obra a capacidade teórica de geração elétrica da
leito natural do rio na época de cheia. Por implantação da hidrelétrica. atender uma série de exigências do Instituto usina da discórdia.
esse motivo, a autorização do Congresso Não é mito, mas fato, que a constru- Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Nacional não foi necessária para o desen- ção afetará algumas centenas de mora- Naturais Renováveis (Ibama). Como medida Axé Silva é geógrafo formado pela USP,
professor e coautor do material didático do
volvimento da obra. dores ligados à agricultura e, também, compensatória pelas perdas ambientais, de- Sistema Anglo de Ensino
O dirigente máximo do Império Otomano, o sultão, explicitam, ainda que de maneira confusa, a sua rejeição aos
atribuía a si próprio título de Califa do Islã – isto é, diri- métodos truculentos de Erdogan e exigem a democracia.
gente máximo da comunidade mundial islâmica. Não por acaso, os manifestantes da praça
O sultão exercia um controle férreo sobre o vasto Taksim introduziram mais um tema extrema-
império, que entrou em decadência a partir do mente grave: o apoio à luta do povo curdo.
século XVII, como decorrência das transforma- “Polícia assassina, saia do Curdistão”, gritavam
ções no mapa geopolítico mundial possibilitado os manifestantes, em protesto contra o assas-
pelas grandes navegações e pela expansão do sinato de um jovem curdo, pela polícia, no
poderio das novas potências europeias. Às vés- distrito de Lice, no sudeste da Turquia. “Viva a
peras da Primeira Guerra Mundial (1914-18), o irmandade dos povos”, gritavam manifestantes
sultão fez uma aliança com a Alemanha contra turcos, árabes e curdos. Há décadas, a minoria
as potências aliadas (Inglaterra, França e Rússia). étnica curda reclama a independência da Tur-
A Inglaterra fomentou a revolta das tribos árabes quia e o direito a formar o seu próprio estado,
contra o Império Otomano (episódio narrado de ao lado de curdos que também habitam regiões
© Bulent Kilic/AFP
forma admirável por Lawrence da Arábia, filme de da Síria, do Iraque e da Ásia central. É uma das
1962 dirigido por David Lean), dando início ao questões mais explosivas de toda a região.
processo que iria redesenhar o mapa geopolítico A arrogância de Erdogan permitiu, assim,
do Oriente Médio, nos anos 1930 e 1940. a eclosão de grandes tensões na Turquia. O
Com a derrota da Alemanha e, por conse- quadro não poderia ser mais grave, dada a
quência, do Império Otomano, Kemal Ataturk Em Istambul, os “filhos de Ataturk” invocam situação extremamente volátil do Oriente
– então um conhecido e prestigiado oficial do exército um passado republicano mitológico, encarnado Médio como um todo – e, particularmente, na fronteira
– liderou o Movimento Nacional Turco, em nome do pelo “pai” da moderna Turquia (foto no alto), com a Síria.
qual negociou com os aliados a liquidação final do Im- contra o autoritarismo de Recep Erdogan
Gilson Schwartz
Especial para Mundo Mega-acordos articulados
“Q uem parte e reparte, mas não fica
com a melhor parte, é burro ou não
A Parceria Transpacífica move-se por meio de uma dúzia e meia de sessões de negociações. Até poucos meses atrás, contava
Japão veio em seguida. Esses novos participantes (...) injetaram uma dose de esteroides na TPP. (...) Surpreendentemente, o empu
tem arte!” A Pax Americana tornou-se in- de viram nela um motor de arranque para a economia. (...) Tomadas em conjunto, a TPP e a TTIP formam um esforço agressiv
discutível com a globalização das finanças, Desenvolvimento de Doha da OMC.
a universalização da internet e a reorienta-
ção dos investimentos militares da corrida (Bill Frenzel, “Free trade is not quite president Obama’s neglected stepchild,
espacial para a ocupação prioritária, efetiva
e segura do planeta Terra. E a distribuição
dos frutos dessa riqueza? Como fica o
comércio nos mercados globais criados
e mantidos pelo poder imperial? A hege-
monia financeira, tecnológica e militar
dos Estados Unidos tem como corolário
O s países da
África en-
traram no século
África: momentos da descolonização
OCEANO
ATLÂNTICO
MAR NEGRO
A expansão econômica dos países afri-
canos não foi uniforme. Nos últimos anos,
as economias da África do Norte cresceram
a segunda posição no quadro de parceiros comerciais dos
países africanos. Hoje, nesse quadro, a China figura à frente
das antigas potências coloniais europeias, sendo superada
XXI sem resolver MAR MEDITERRÂNEO abaixo da média, principalmente como de- apenas pelos Estados Unidos.
muitos de seus corrência das turbulências provocadas pela O Brasil quadruplicou seus fluxos de comércio com a
imensos proble- Primavera Árabe. Na África Subsaariana, em África na última década. Apesar disso, esse valor representa
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mas sociais – en- contraste, o crescimento tendeu a superar a apenas cerca de 5% do fluxo total do comércio exterior
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tre os quais a po- média do continente. Os destaques foram os brasileiro. Dos 50 maiores parceiros comerciais do Brasil,
breza endêmica, 2 exportadores de petróleo (veja o mapa 2). apenas seis – Nigéria, Argélia, Egito, África do Sul, Angola
o rápido processo Equador
Desde o início do século XXI, os preços e Marrocos – são africanos. Eles representam cerca de 80%
de urbanização, a OCEANO internacionais das matérias-primas minerais, do total do comércio do Brasil com a África, e com todos, à
ÍNDICO
integração nacio- OCEANO energéticas e agrícolas, abundantes na Áfri- exceção do Egito, a balança comercial é negativa. O déficit
ATLÂNTICO
nal, a desigual- ca, experimentaram forte crescimento. A deriva das importações brasileiras de petróleo e gás. O
dade de gêneros, Trópico de Capricórnio
demanda chinesa provocou uma disputada saldo negativo com a Nigéria está entre os maiores entre
3 acirrada pelas commodities, beneficiando todos os intercâmbios bilaterais do Brasil. Quase a totali-
a desnutrição, os
conflitos internos todos os exportadores. A dimensão da pre- dade dos produtos importados da Nigéria correspondem
e a violência polí- Escala: 1:40.000.000 sença chinesa no continente pode ser melhor a combustíveis, algo que se repete nos casos da Argélia e
tica. Essa situação Países independentes antes de 1960 avaliada quando se sabe que, nos últimos dez de Angola. Os destaques das exportações brasileiras para
é o resultado de Países independentes entre 1960 e 1970 anos, a potência asiática saltou da nona para a África ficam para o açúcar, aves e carnes. O mercado
uma combinação Países independentes após 1970 africano consumidor de manufaturados é dominado pela
de fatores exter- Ocupado pelo Marrocos desde 1975 Mapa 2 China, pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
nos e internos. A 1 Separou-se da Etiópia em 1993 O avanço das relações comerciais entre o Brasil e os
2 Separou-se do Sudão em 2011 Crescimento do PIB (2012/2013)
pesada herança 3 Libertou-se da África do Sul em 1990 MAR NEGRO países africanos é explicado por uma combinação de fa-
OCEANO
colonial deixou ATLÂNTICO tores, com ênfase na diminuição do número de conflitos
marcas profun- MAR MEDITERRÂNEO internos na África e numa ação diplomática mais agressiva
das nas sociedades do Brasil. A paz faz uma enorme diferença. Apesar da per-
africanas, que até hoje se manifestam. Governos ditatoriais sistência de cenários caóticos em países como a Somália e
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e elites corruptas retardam o desenvolvimento econômico. a República Democrática do Congo, e de tensões internas
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As consequências abrangem a supressão das liberdades, a significativas na região do Golfo da Guiné (Nigéria e Costa
violação dos direitos humanos e a pilhagem dos recursos do Marfim, por exemplo) e na faixa do Sahel (Mali, Níger
humanos, naturais e intelectuais, do continente. Equador
e Chade), a situação geral é mais estável do que aquela
Se, atualmente, a África tem 54 Estados soberanos, OCEANO
ATLÂNTICO
OCEANO que se verificava na década de 1990.
ÍNDICO
antes de 1960 esse número não chegava a dez. A maioria Acima de 5,0%
A diplomacia também tem seu peso. Atualmente, o
dos países africanos tem pouco mais de 50 anos de vida Entre 3,5 e 5,0% Brasil tem 38 embaixadas na África, e Brasília é a capital
independente (veja o mapa 1). Todavia, a África do início Entre 1,0 e 3,5%
Trópico de Capricórnio
latino-americana com o maior número dessas representa-
da segunda década do século XXI exibe uma paisagem Abaixo de 1,0% ções diplomáticas de países africanos. Para além da diplo-
diferente daquela do início dos anos 1960, quando se Ausência
de dados
macia clássica, o Brasil investe especialmente na troca de
libertava do jugo colonial. Os desafios de hoje não são FONTE: FMI, 2012 Escala: 1:40.000.000
conhecimentos nas áreas de agricultura, saúde, e formação
os mesmos ou, em diversos casos, apresentam dimensões profissional. O governo brasileiro perdoou ou reestrutu-
Mapa 3
diferentes no contexto atual. Foram feitos grandes pro- rou as dívidas de 12 países africanos, numa iniciativa que
gressos em matéria de educação e saúde, e alguns países O Brasil na África causou polêmica. A “estratégia africana” do Brasil tem a
conseguiram construir com algum sucesso sistemas demo- OCEANO
MAR NEGRO
meta de obter o apoio dos países do continente à pretensão
ATLÂNTICO
cráticos de governança. A dissolução do apartheid na África de Brasília de uma cadeira de membro-permanente no
MAR MEDITERRÂNEO ÁSIA
do Sul, em 1994, a queda de vários regimes autoritários Conselho de Segurança das Nações Unidas.
na última década e, mais recentemente, as profundas Ao mesmo tempo, empresas brasileiras estão cada vez
mudanças geradas pela Primavera Árabe no norte do mais presentes na África. A ação política do governo está
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continente abriram novas perspectivas de democratização atrás do fenômeno: o Banco Nacional de Desenvolvimento
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Reprodução
precisa determinar o rumo das ideias das pessoas – nem
mesmo no país do apartheid.
Ubuntu, um conceito ético tradicional dos povos ban-
tos, ensina que somos humanos apenas e exclusivamente Em momento crucial da história contemporânea da África do Sul, Nelson Mandela cumprimenta, em 24
através da humanidade dos outros. O arcebispo Desmond de junho de 1995, o capitão do time de rugby François Pienaar, vencedor da Copa Mundial; o evento é
Tutu, uma das figuras de proa nas lutas contra o apartheid, narrado no filme Invictus (2009), dirigido por Clint Eastwood
explicou que “você não pode existir como ser humano em
isolamento”, que “uma pessoa com Ubuntu não se sente Em 1994, ele convidou o carcereiro branco que o vigiava e, especialmente, aos movimentos pelos direitos civis nos
ameaçada pela capacidade e grandeza dos outros, pois sabe na ilha de Robben para a cerimônia de inauguração de Estados Unidos. Com isso, os jovens negros urbanos da
que pertence a uma totalidade maior e que é diminuída sua presidência. Na Copa do Mundo de Rugby de 1995, África do Sul enviavam a mensagem de que não queriam
quando os demais são humilhados ou diminuídos”. Man- convenceu os negros a torcerem pela seleção quase toda ser xhosas, zulus, tswanas, sothos ou tsongas, mas sul-
dela falou muitas vezes sobre Ubuntu depois de atravessar branca de um esporte identificado com a sociedade do africanos. Mandela estava na prisão há 14 anos quando os
o portão da ilha de Robben, ensinando aos brancos que o apartheid – e os brancos responderam em 2010, celebran- estudantes de Soweto entraram em revolta. Mas ele tirou
apartheid os havia diminuído e aos negros que a revanche do a seleção negra de futebol na Copa do Mundo da África todas as conclusões daqueles acontecimentos na hora em
só poderia diminuí-los. do Sul. Aqueles gestos ousados e especiais asseguraram a que, finalmente, assumiu o governo do país.
A política da raça contaminou a África do Sul muito transição pacífica para o governo da maioria. Não faltam críticas a Mandela. Hoje, duas décadas
profundamente. Nas colônias bôeres do Transvaal e do Durante o apartheid, o tema da raça provocou cisões depois da abolição completa do apartheid, a África do
Orange, encravadas nos platôs interiores da África Austral, no movimento de resistência. Em 1959, Robert Sobukwe, Sul continua a exibir desigualdades sociais vergonhosas.
a escravidão perdurou até a Guerra dos Bôeres (1899- uma liderança da Liga da Juventude do CNA, rompeu À antiga elite branca, somou-se uma reduzida elite negra
1902). As primeiras leis de segregação racial – entre elas, para formar o Congresso Pan-Africanista (PAC). O PAC muito rica, composta por empresários ligados à cúpula
as leis do passe, que determinavam perímetros geográficos discordava da meta de um Estado unitário, democrático do CNA, mas a massa da população enfrenta a pobreza
exclusivamente brancos – foram promulgadas pelos britâ- e não racial. No lugar dela, erguia a bandeira da unidade e o subemprego. Os guetos negros continuam separados
nicos, mais de meio século antes da instalação oficial do geopolítica de toda a África e defendia a ideia de que o das grandes cidades, não agora por leis de segregação,
apartheid, em 1948. As grandes greves de mineiros brancos continente africano pertencia aos negros. Mandela, por mas pelas marcadas fronteiras de renda. A corrupção
que eclodiram em 1922 na região aurífera do Rand opu- outro lado, sempre disse que os brancos sul-africanos são contamina parcelas expressivas da administração pública.
nham-se à contratação de operários negros. Numa triste tão africanos quanto os negros – e que o Estado não tem o A transição política foi realizada, mas o país ainda espera
ironia, a chamada “Revolta Vermelha” do Rand foi dirigida direito de regular os direitos de cidadania com base na cor reformas sociais capazes de oferecer um sentido prático
pelo Partido Comunista Sul-Africano e tinha como lema da pele. Quando deixou a ilha de Robben, passou a falar para o princípio da igualdade perante a lei.
“trabalhadores brancos de todo o mundo, uni-vos!”. de uma “nação do arco-íris”, um conceito que tem uma Há algo de perverso em atribuir a Mandela as res-
Contudo, o polo principal de resistência ao apartheid importante implicação: na democracia, as divergências se ponsabilidades por esses fracassos. Ele governou durante
jamais sucumbiu à noção de uma guerra racial. O Con- organizam em torno de propostas políticas, não das linhas apenas cinco anos, até junho de 1999, retirando-se depois
gresso Nacional Africano (CNA) nasceu em 1912, mas criadas pela noção de raça. disso da cena política. Na condição de “pai da nação”, teria
alcançou a maturidade política quatro décadas depois, O longo declínio do regime do apartheid começou força para alterar as leis à vontade, a fim de permanecer no
quando adotou a Carta da Liberdade. O programa dizia: com a Revolta de Soweto, em 1976. Foi um levante dos poder até o dia da morte, como fizeram vários líderes das
“A África do Sul pertence a todos quantos nela vivem, estudantes secundaristas da vasta township (gueto) negra independências africanas. Preferiu não fazê-lo, oferecendo
negros e brancos...” e definia o “povo” sul-africano como de Johanesburgo que teve como estopim a decisão go- uma aula derradeira de política democrática. Quando se
“negros e brancos juntos iguais, compatriotas e irmãos”. vernamental de ampliar o uso do africâner (a língua dos retirou, estava dizendo que a nação não precisa de um “pai”
Mandela, que já era uma das principais lideranças da or- brancos de origem bôer) nas escolas negras. Os estudantes – e, muito menos, de um “ditador iluminado”. Ubuntu:
ganização, só teria mais uma década de liberdade. A longa não exigiram o ensino nas línguas étnicas de seus pais e viva Mandela.
estadia na prisão não o afastou do compromisso original. avôs, mas em inglês, a língua que os conectava ao mundo
Na Jordânia, o encontro
da Geografia com a História
C heguei à Jordânia vindo de Israel,
através da ponte Rei Hussein, uma
A Jordânia e seus vizinhos
Damasco
De Amã, seguimos em direção sul por
cerca de 300 km de deserto, percorrendo
MAR MEDITERRÂNEO
LÍBANO
das várias existentes sobre o rio Jordão, SÍRIA uma estrada que conecta a capital a Aqaba.
curso fluvial que serve de fronteira entre os A Jordânia conta com uma fachada litorâ-
3
dois países. A Jordânia é uma monarquia nea de escassos 26 km, todos eles no mar
que se tornou independente em 1946 e o 2 Vermelho. Aqaba é o único porto marítimo
CISJORDÂNIA
2
Tel Aviv
rei que dá nome à ponte governou o país de do país. A parada seguinte foi em Petra,
Amã
1952 a 1999. Após sua morte, o país tem 1 uma incrível cidade, escolhida pela Unesco
sido regido por seu filho, o rei Abdullah ARÁBIA SAUDITA como uma das sete maravilhas do mundo
JORDÂNIA
II. A família real jordaniana pertence ao ISRAEL moderno e Patrimônio Mundial. Petra foi
1
ramo hachemita, grupo que se considera construída – esculpida talvez seja o termo
a 42ª geração de descendência direta do mais preciso – em rochas sedimentares de
profeta Maomé. Petra variadas cores pela ação da erosão e dos na-
Com cerca de 90 mil km 2, pouco bateus, povo que antecedeu os árabes e que
menor que Santa Catarina, a Jordânia faz EGITO ali se instalou mais de dois mil anos atrás.
Áqaba Fluxo de refugiados
fronteiras com Israel, Síria, Iraque e Arábia 1 Palestinos
Os nabateus habitaram a região de
ELHO
2 Sírios
VERMAR
Saudita (veja o mapa). Quase 90% do 3 Iraquianos Petra por séculos e deixaram como he-
M
Escala: 1:13.500.000