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Síntese do 1º tópico:
AD (emergência da disciplina no campo dos estudos da linguagem; rupturas epistemológicas;
diálogos teóricos; noções de condições de produção; de sujeito e de discurso).
Pêcheux e Brandão Nagamine.
Segundo Brandão (2003), os anos 50 do século passado foram decisivos para a
linguística que até então operava apenas a partir do modelo fonológico, estruturalista e determinada
pelos padrões cartesianos. Saussure através da conceituação, conseguiu distinguir o objeto língua
dos demais fatos de linguagem, partindo da análise de dois aspectos básicos da língua, as ideias e os
sons. Embora reconheça que língua e fala sejam recortes diferentes do mesmo objeto, Saussure opta
pelo campo da língua porque é categorizável e sistematizável; os estudos linguísticos foram, dessa
forma, durante bom tempo demarcados pela oposição língua/fala.
Entretanto, as opções Saussure foram colocadas em questão, reconheceu-se, que uma
linguística que se limitava ao estudo interno da língua não dava conta do seu objeto como um todo.
E passou-se a rever aquilo que havia sido posto de lado, especialmente o que se considerou como
pertencente ao “domínio da fala”.
O reconhecimento da existência de uma dualidade constitutiva da linguagem, isto é, do
seu caráter ao mesmo tempo formal e atravessado pelo subjetivo, social e histórico provoca um
deslocamento nos estudos linguísticos. Passa-se a buscar então, uma compreensão da linguagem em
nível situado fora do estritamente linguístico. Começa-se aí a procura por procedimentos para
elaborar uma teoria que superasse o impasse da dicotomia língua/fala acreditando-se que a
problemática pudesse ser resolvida deslocando a questão para a polaridade da fala.
De acordo com Brandão (2003) surgiram várias tentativas de elaboração de uma teoria
do discurso; porém essas sofriam da ausência de definição de seu objeto, resultante de uma referência
implícita ou explícita aos termos fala e diacronia.
A partir de diferentes abordagens, surgiram duas linhas da Análise do Discurso (AD): a
europeia e a americana (ou anglo-saxã). Ambos importantes e produtivas: A primeira, considerada
um marco inicial da AD, foi a obra de Harris (1952) denominada de “Análise do Discurso”. Ela se
apresentava como uma tentativa para elaborar um procedimento formal de análise dos segmentos
superiores à frase. Embora a obra de Harris possa ser considerada o marco inicial da AD, ela se
coloca ainda como simples extensão da linguística, visto que, o seu procedimento de analise não
visava buscar o sentido do texto, excluindo qualquer reflexão sobre a significação e as considerações
sócio históricas de produção (que vão distinguir e marcar posteriormente a Análise do Discurso de
orientação francesa); e a segunda, a obra de Benveniste de 1970 “O aparelho formal da enunciação”.
Nesse modelo de teoria, a noção de enunciação constitui a tentativa mais importante para ultrapassar
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os limites da linguística da língua, permitindo-se elaborar um conceito que possibilitasse colocar em


relação língua e fala.
Jakobson e Benveniste são os pioneiros das pesquisas sobre a enunciação; apesar das
diferenças de abordagem, seus trabalhos convergem ao colocarem em evidência uma classe de
unidades da língua que se definem por suas propriedades funcionais nos discursos: os embreantes
para Jakobson, ou elementos indiciais (ou dêiticos) para Benveniste. O domínio desses elementos
parece situar-se na intersecção do “código” e do “ato” de fala. Esta descoberta funda a oposição
enunciado/enunciação e abre uma nova perspectiva à análise do texto: este não manifesta apenas o
funcionamento da língua, mas remete para a ‘linguagem assumida como exercício pelo indivíduo’.
Para Benveniste, o que transforma a língua em discurso é o ato de enunciação – ato
pelo qual o sujeito falante se apropria do aparelho formal da língua. Nota-se que assim, que a
subjetividade é inerente a toda linguagem, sendo constituída mesmo quando não se anuncia o 'eu' ou
mesmo quando se tenta apagar o sujeito de linguagem.
Pode-se dizer que essas tentativas de superação de uma linguística restrita à língua
não atingiram seu objetivo, com a constituição de um objeto novo, o discurso, porque continuaram
presas à dicotomia saussuriana, assimilando a questão do discursivo à fala, com exclusão da
história, concebendo o sujeito de forma idealizada.
A Análise do Discurso é rica em diálogos e confrontos teóricos, no qual de pode falar
de lugares múltiplos sobre sujeitos discursivos. Essa movimentação coloca o sujeito no centro das
atenções. Compreende-se que esse sujeito é a elaboração simultânea de uma força de controle e uma
força criativa. Isso mostra que o homem não é livre para fazer o que quiser, que não pode livrar-se
do outro para ser ele mesmo; mas que pode, ao mesmo tempo, reinventar essa alteridade: uma fonte
para acontecimentos que nunca se repetem. Esse sujeito exerce vários papéis em diferentes espaços
discursivos, ele se apresenta dividido e heterogêneo. Por causa disso, percebe-se que a noção de
sujeito da enunciação, vai aos poucos se alterando. Consequentemente, esse deslocamento passa a
afetar a questão do sujeito, noção fundamental para a AD: O sujeito é visto em algumas teorias
como na Linguística da Enunciação, centrado na figura do locutor, cuja subjetividade se funda no
exercício da língua e se deixa conhecer por meio de marcas formais que inscreve no enunciado. Em
Pêcheux,
O sujeito é concebido como histórica e socialmente determinado, assujeitado a uma formação
discursiva que o domina. O autor fala do sujeito histórico, assujeitado, que nele opera uma memória
discursiva, definida por Pêcheux como “aquilo que, face a um texto, vem restabelecer os
‘implícitos’ (os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) ”. Já
para a Semiolinguística de Charaudeau, o sujeito é limitado pelo contrato de comunicação, mas ao
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mesmo tempo consegue se individualizar por meio de estratégias. Passa-se então para à noção de
um sujeito que trabalha a linguagem e se constitui nesse processo, assumindo diferentes posições
enunciativas e ideológicas quer com elas se aliando quer com elas se confrontando. Diversas
teorizações sobre esse sujeito são possíveis, mas, sejam quais forem, considera-se que esse sujeito
se encontra em uma relação de intersubjetividade com o outro da linguagem (princípio da
alteridade).
Voltando a conjuntura teórica da França dos anos 1968-70, momento em que começa
o esgotamento do estruturalismo, surge a emergência da disciplina que mais tarde passará a ser
denominada de AD de linha francesa. O seu desenvolvimento significou a passagem da Linguística
da "frase" para a Linguística do "texto". Essa mudança no objeto de análise provocou
transformações na ideia aceita de que a "fala" é individual, assistemática e, portanto, não passível de
análise científica. O fato de a AD tomar uma unidade de análise maior do que a frase, fez que o
estudo do texto passasse a ocupar lugar central nos estudos linguísticos. E, exatamente por tomar
esse objeto, é que a AD seguiu várias direções, com diferentes concepções epistemológicas e
metodológicas. O que as unifica, no entanto, é o fato de tomarem o seu objeto do ponto de vista
linguístico e de procurarem, no texto, o estudo da discursivização.
Para Brandão (2003), a AD tem uma dupla fundação, centrada na atuação de Dubois e
Pêcheux. Há, no entanto, diferenças fundamentais entre eles. Em Dubois, “a AD é pensada num
continuum: a passagem do estudo das palavras (lexicologia) ao estudo do enunciado (análise de
discurso) é ‘natural’, é uma extensão, um progresso permitido pela linguística”. Em Pêcheux, ao
contrário, a análise de um discurso é pensada como uma ruptura epistemológica em relação ao que
se fazia antes, articulando a questão do discurso com as do sujeito e da ideologia.
Talvez possa-se dizer que a obra de Pêcheux seja um momento de uma virada dentro
dos estudos sobre a linguagem, criando assim um novo paradigma linguístico e extralinguístico.
Influenciado pelos estudos de Althusser (ideologia), Lacan (Psicanálise) e de Foucault (discurso),
Pêcheux, nos anos 70, elabora seus conceitos presidido por uma “tríplice aliança”: o materialismo
histórico, para explicar os fenômenos das formações sociais; a Linguística, para explicar os
processos de enunciação; e a teoria do Sujeito, para explicar a subjetividade e a relação do sujeito
com o simbólico. Portanto, para Pêcheux, o discurso é visto como um objeto de estudo que não tem
fronteiras definidas. É tridimensional e possui base de diálogo - está na intersecção do linguístico,
do histórico e do ideológico.
Para Pêcheux discurso é um dos lugares em que a ideologia se manifesta, isto é, toma
forma material, se torna concreta por meio da língua e em uma relação com a história. O sujeito é
constituído no discurso. Sentido e sujeito se constituem num processo simultâneo através da
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ideologia. Assim, a noção de sujeito em Pêcheux, é determinada pela posição, pelo lugar de onde
se fala. E ele fala do interior de uma formação discursiva (F.D.) (conceito relacionado com o
Sujeito, em seu duplo aspecto de constituição: linguístico e sócio histórico), regulada por uma
formação ideológica (F.I.) (perspectiva de mundo de uma determinada classe social visando a
manutenção dos papéis sociais de cada indivíduo). Será no interior de uma formação ideológica
(F.I.), que serão formuladas indefinidas formações discursivas (F.D.) responsáveis por reger “o que
pode e o que deve ser dito”. Tudo isso leva Pêcheux a conceber uma subjetividade assujeitada às
coerções da F.D. e da F.I.; portanto, um sujeito marcado por uma forte dimensão social, histórica,
que na linguagem é balizada pela F.D. Todavia, com o tempo, Pêcheux reformula sua noção de FD,
ao reconhecê-la em uma relação paradoxal com seu “exterior”, ao ser constitutivamente “invadida
por elementos que vêm de outras FDs que se repetem nela, sob a forma de pré-construído e de
discursos transversos”. O diálogo com Authier-Revuz é um dos responsáveis pela reformulação,
feita por Pêcheux, no modo como a relação língua-discurso vinha sendo tratada na teoria, e pela
mudança na maneira de analisar a materialidade discursiva. Surge então a noção de
interdiscursividade para designar o “exterior específico” que irrompe no interior de uma FD. O
sujeito assujeitamento, vai sendo contaminado pela percepção do exterior como constitutivo do
interior discursivo, que leva ao reconhecimento do discurso como um objeto heterogêneo
Nos fins dos anos 70 a primeira fase da AD estava de certa forma consolidada em
estudos concretos que lhe conferiam realidade. Assim, depois de 1975, AD passa a uma segunda
fase, a partir das desconstruções e reconfigurações provocadas pelas transformações da conjuntura
francesa à época. No campo da linguística, é a chegada da pragmática, da filosofia da linguagem, da
análise da conversação, é a crise das linguísticas formais e o sucesso da linguística da enunciação,
da recepção de Bakhtin. Esse movimento traz novas referências, abre possibilidades de recursos,
favorece a emergência de objetos novos.
Posteriormente, as ideias de Bakhtin (1979) se fazem sentir também na AD pela
dimensão sócio interacionista da sua concepção de linguagem. Concepção esta, de que toda palavra
é dialógica por natureza, porque pressupõe sempre o outro; o destinatário a quem está voltada toda
alocução, a quem se ajusta a fala, de quem se antecipam reações e se mobilizam estratégias. Mas, na
concepção bakhtiniana, o outro é ainda os outros discursos que atravessam toda fala numa relação
interdiscursiva.
Nesse quadro teórico discursivo, só se pode conceber ao sujeito uma posição
privilegiada, que coloca a linguagem como o lugar da constituição da subjetividade, em que as
relações interativas se estabelecem entre sujeitos cooperativos, co-construtores na produção do
sentido.
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Esse é um sujeito social, histórico e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o
outro. A identidade se constrói nessa relação dinâmica com a alteridade.
Articulada ao princípio dialógico e a noção de sujeito, surge outra noção fundamental
na teoria bakhtiniana de linguagem: a polifonia formulada anteriormente por Ducrot e tão
necessária à recuperação da noção de historicidade de Bakhtin; bem como, a verificado da relação
entre o sentido e o sujeito - constituído de tensão, contradição e dispersão, assumindo diversas
vozes sociais constituídas na questão da historicidade e da ideologia. Enquanto o dialogismo se
refere às conversações que estruturam uma dada linguagem, a polifonia tem como principal
propriedade a diversidade de vozes controversas no interior de um texto.
Numa outra relação interdisciplinar, a AD tem, se valido de conceitos desenvolvidos
pela linguista Authier- Revuz. Influenciada pela concepção polifônica da linguagem de Bakhtin e
pela psicanálise, a autora tem feito seus estudos a partir da noção de que a linguagem é
constitutivamente heterogênea. Podemos ver a manifestação dessa heterogeneidade mostrada na
própria superfície discursiva, que pode ser marcada e não-marcada, quando marcada, em que
formas que acusam a presença do outro, explicitada ou não, por marcas unívocas na frase.
Como vimos, no interior da própria Análise do Discurso, houve um profundo
deslocamento teórico e metodológico em relação ao objeto discurso: de uma concepção de discurso
circunscrita à noção estrutural, homogeneizante de uma F, e dominada por uma FI, passa-se para
uma concepção de linguagem enquanto diálogo e de discurso enquanto espaço de heterogeneidades,
de interação intersubjetiva e interdiscursiva, de negociação, confronto, polêmica entre o um e o
outro.
Hoje em dia, o estudo da linguagem sob a perspectiva discursiva está bastante
difundido, havendo várias abordagens do fato linguístico como: a pragmática, a teoria da
enunciação e a linguística textual. Apesar de cada vertente ter suas idiossincrasias, tais
peculiaridades proporcionam uma riqueza de pensamento e de possibilidades de análises de
corpora; as vertentes guardam entre si um ponto comum: um modo de reflexão sobre as relações
intersubjetivas e as condições enunciativas de realização, base de seu funcionamento. Dessa forma,
as abordagens do discurso privilegiam a compreensão dos mecanismos que são inerentes à prática
linguística, concebem a ação interativa e cognitiva das entidades subjetivas e propiciam um
questionamento sobre a participação do ambiente social (situação) na produção do ato de
comunicação. Todas as vertentes da AD demonstram uma preocupação com a relação entre sujeito
e sociedade e operam sem se furtar ao diálogo interdisciplinar, sem perder, a identidade, pois uma
disciplina que preza a historicidade, não pode se deixar congelar por qualquer tipo de imobilismo ou
fixidez.
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Atualmente podemos também falar de estudos franceses que aliam a Teoria da


Enunciação ao levantamento de gêneros textuais/regularidades composicionais do discurso (com
destaque para Adam; Bronckart, Maingueneau e Charaudeau) e que remonta à teorização fecunda
de Bakhtin.
Já pelo lado da Análise do Discurso não francesa, há a considerar várias perspectivas:
a que se centra na relação entre as regularidades textuais e as finalidades comunicativas
correspondentes (Halliday, o britânico); a que foca as formas de exercício de poder que se
estabelecem no discurso (de Van Dijk, o holandês) e a que assume uma perspectiva interacional de
raiz etnometodológica (de Jefferson, o norte americano).
Ver a língua de um ponto de vista discursivo é, portanto, ir além dos horizontes dados
pela gramática. Nos discursos produzidos pelo homem está toda a sua história, aquilo que foi dito e
foi silenciado (que, entretanto, podemos recuperar pelas marcas, pistas deixadas), as alianças, as
relações de interação, de intercâmbio e também as relações de oposição, polêmicas e antagonismos
estabelecidos.
  Em linhas gerais, a AD se faz entender mais claramente a partir de suas rupturas
(recortes). Uma peculiaridade das teorias linguísticas é que que elas não se efetivam pelo acúmulo
de conhecimento, mas pelas superações em relação às teorias precedentes. Deste modo, a ruptura,
surge como uma opção de renovar uma problemática, ou como uma revolução científica. Surge à
medida em que a teoria do discurso vai tomando corpo, em que a prática de análise vai colocando
questões ao aparelho conceitual que vinha sendo construído. Os deslocamentos teóricos que vão se
processando se constituem exatamente em um diálogo/embate entre teoria e prática. E passado o
primeiro momento em que se produziram respostas e questões, o dispositivo de análise começa a
apontar para a transformação da própria teoria.
Assim, para a AD, o estudo da língua está sempre aliado ao aspecto social e histórico.
Dessa forma, as condições de produção, pensadas em um sentido estrito, dão conta do contexto
imediato da enunciação; pensadas em sentido amplo, incluem o contexto sócio histórico e
ideológico.
Do mesmo modo, as condições de produção é o papel social dos interlocutores, a situação que pode
ser definida como o conjunto dos elementos que cerca a produção de um discurso: o contexto
histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde falam, a imagem que fazem de si, do outro e do
assunto de que estão tratando. Todos esses aspectos devem ser levados em conta quando
procuramos entender o sentido de um discurso. Por isso a análise do discurso possui um enfoque
articulador entre o linguístico e o social, com ênfase no papel do sujeito no processo de enunciação:
sua posição como locutor/alocutário num determinado lugar de fala.
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