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8 DE MARÇO DE 2020
SÓ O EVANGELHO MUDA A CULTURA HUMANA
INTRODUÇÃO
Os cristãos vivem grandes desafios todos os dias e, um deles, sem dúvidas, é a sua relação com
a cultura onde estão inseridos. A cultura sempre foi, e sempre lhes será, um grande desafio. Ao
enfrentá-lo, algumas opções lhes são apresentadas: Amoldar-se a ela, rejeitá-la completamente,
ou tentar viver de maneira a lhe trazer redenção. O Brasil é um país de rica e diversificada
cultura. A miscigenação do povo brasileiro é algo que não se repete em outros povos com
tamanha intensidade e evidência. O resultado disso é uma cultura eclética que traz consigo
traços dos mais diversos povos que construíram a população - europeus, africanos e os nativos
indígenas. Segundo o Dr. Augustus Nicodemus, toda cultura é “uma mistura de coisas boas
decorrentes da imagem de Deus no ser humano e da graça comum, e coisas pecaminosas
resultantes da depravação e corrupção do coração humano. Toda cultura, portanto, por mais
civilizada que seja, traz valores pecaminosos, crenças equivocadas, práticas iníquas que se
refletem na arte, música, literatura, cinema, religiões, costumes e tudo mais que a compõe”.
Por causa dessas questões, os cristãos que levam a Bíblia a sério costumam ter uma atitude, no
mínimo, cautelosa em relação à cultura, exatamente por perceberem nela traços da corrupção
humana. Contudo, é bom ressaltar que, nem tudo que envolve a cultura é pecaminoso e mal. O
homem, como expressão da imagem de Deus, foi dotado de criatividade para exercer o domínio
sobre a criação e ser uma bênção na edificação de uma sociedade segundo a vontade de Deus
(Gn 1.26-30; 2.1-15). Este “mandato cultural”, bem como suas prerrogativas, foi determinado a
todos os homens, independente de sua fé. Chama-se esta bênção de “graça comum”, uma vez
que ela age tanto em cristãos quanto em não cristãos. Os servos de Deus precisam ter
discernimento para julgar a cultura e, biblicamente, refletir sobre tudo o que a envolve a fim de
não praticar ou apoiar aquilo que, pode ser bom e bonito aos olhos humanos, porém, reprovado
diante do Senhor. As advertências bíblicas atestam que, a liberdade que o cristão tem no Senhor,
não deve ser usada para justificar quaisquer práticas pecaminosas (Gl 5.13) e, a despeito de tudo
ser lícito, nem tudo lhe convêm fazer (1Co 6.12). Vamos pensar maduramente a fé cristã?
I – O QUE É A CULTURA
3. A cultura do povo de Deus. A cultura do povo do Antigo Testamento, assim como o gentio,
estava manchada pelo pecado, corrompida porque era produzida por um coração que não estava
inteiramente reto diante de Deus. O mesmo é verdadeiro na Nova Aliança, não esqueçamos
disso. No entanto, o nascido de Deus procura colocar em prática 1 Coríntios 10.31, procurando
em sua liberdade crista, bem como o comportamento mais comum, e ser conduzido de maneira
a honrar a Deus (Ez 36.23). Por muito tempo foi ensinado em nosso meio uma espécie de
dicotomia de mundo, onde dividia-se o mesmo em “sagrado” e “secular” ou “mundano”, como
a política, a arte, o esporte, o entretenimento, o conhecimento secular etc. Essa dicotomia é uma
“tendência gnóstica profundamente arraigada de depreciar um domínio da criação (sociedade
e cultura) com relação a outro”. Para o cristão, só há o sagrado, tudo pertence ao Senhor:
“Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente.
Amém!” (Rm 11.36). Deus e a fonte, o sustentador e o justo fim de tudo o que existe. Assim, é
bom ressaltar que, nem tudo que envolve a cultura é pecaminoso e mal, sendo possível ao
cristão apreciar o que é produzido culturalmente, desde que estas, logicamente, não firam o
princípio bíblico. De maneira geral, a cultura se define como “o conjunto de valores, crenças e
práticas de uma sociedade em particular, que inclui artes, religião, ética, costumes, maneira de
ser, divertir-se, organizar-se, etc”. Toda esta mescla de ingredientes constitui a beleza da
cultura, mas também a torna potencialmente perigosa, especialmente no tocante ao
relacionamento do cristão com a mesma. Por quê? Porque não existe cultura neutra, pura ou
inocente. Toda expressão cultural traz consigo o reflexo da situação moral e espiritual de todos
que a compõem. Como escreve Michael Horton, em “O Cristão e a Cultura”, publicado pela
Cultura Cristã: “Para iniciar, quero definir alguns termos, Primeiro, estarei usando o termo
“cultura” no seu senso mais amplo, referindo-me tanto à cultura popular (esportes, política,
ensino público, música popular e diversões, etc. e a alta cultura ( horticultura, academicismo,
música clássica, ópera, literatura, ciências, etc.). Uma definição útil e abrangente de “cultura”
para nossa discussão pode ser “a atividade humana que intenciona o uso, prazer e
enriquecimento da sociedade”. Segundo, por “igreja” estou dizendo a igreja institucional, -
“onde a Palavra de Deus é pregada e os sacramentos são administrados corretamente”, como
diziam os reformadores. Quando, por exemplo, se diz que a igreja não deve confundir sua
missão com as esferas da política, arte, ciência, etc., não se está sugerindo que os cristãos
como indivíduos devessem abandonar esses campos (muito pelo contrário), mas que a igreja
como instituição deve observar a sua missão divinamente ordenada. Essa igreja institucional
deve ser entendida como expressão visível do corpo universal de Cristo através de todos os
séculos e em todo lugar. A igreja institucional recebeu a comissão única de pregar a Palavra e
fazer discípulos, Meu emprego da palavra “igreja”, portanto, não é apenas uma referência ao
corpo coletivo de cristãos individuais, mas ao organismo vivo fundado por Cristo, ao qual foi
confiado o seu próprio ministério pessoal.”
2. A cultura do homicídio. Lameque matou uma pessoa em legítima defesa. Ele disse às suas
esposas que não precisavam ter medo de serem alvos de algum mal resultante da morte que ele
havia provocado porque, se alguém tentasse retaliar, Lameque retaliaria e mataria o agressor.
Ele achava que, se Deus havia prometido vingar-se sete vezes de alguém que matasse Caim,
Deus se vingaria setenta vezes sete de quem atacasse Lameque. A descendência de Satanás, os
decaídos rejeitadores de Deus, enganadores e destrutivos, tinham dominado o mundo,
corrompendo-o e enchendo-o de violência (Gn 6.11).
3. A cultura do erotismo. Em Gênesis 4.19 Lameque toma duas esposas. Não é dada a razão por
que Lameque tomou duas esposas, tornando-se o primeiro exemplo de bigamia. Por causa da
sua violação da lei do casamento, Lameque conduziu sua descendência em rebelião aberta
contra Deus. Lembremos que esta era a descendência de Caim, homens decaídos e corruptos.
4. A cultura do consumo irrefreado. Apostasia se refere à pessoa que renuncia ou renega uma
crença ou religião da qual fazia parte, a descendência ímpia de Caim não negaram uma fé, eles
estavam já totalmente apartados de Deus. Em Mateus 24.37 “assim como foi nos dias de Noé”, a
ênfase de Jesus não é tanto na extrema impiedade dos dias de Noé (Gn 6.5), mas na
preocupação das pessoas com os assuntos corriqueiros do dia a dia ("comiam e bebiam,
casavam e davam-se em casamento"; v.38), quando o castigo sobreveio repentinamente. A
passagem não fala de consumismo mas de uma atitude relapsa para com as advertência do
pregador Noé. Eles haviam recebido advertências, na forma da pregação de Noé (2Pe 2.5) e
mediante a arca em si, que era um testemunho do castigo que estava próximo. Mas eles não se
preocupavam com tais assuntos e, portanto, foram destruídos inesperadamente no meio de suas
próprias atividades diárias. De fato, a cultura consumista hoje está em voga. As pessoas sempre
gostaram de adquirir bens e sempre houve uma tendência de se viver para o mundo material em
vez de se viver para Deus. Se temos “bens” suficientes, nos sentimos seguros e até
autossuficientes. Todavia nem mesmo o rico insensato na parábola de Jesus em Lucas 12 teve a
infinidade de opções com a qual nos deparamos em nossa sociedade sobre onde podemos gastar
o nosso dinheiro.
1. Jesus nasceu num contexto cultural. Transcrevo a seguir, parte do artigo “Encontros do
Evangelho com a cultura nos ministérios de Jesus, da igreja primitiva e de Paulo | Por Marcos
Orison Nunes de Almeida”, disponível em Práxis Missional: “Jesus não somente esvazia-se da
condição divina, mas assume a forma cultural de um judeu da época. Alguns poderiam até
pensar que dada a eleição de Israel por Deus e aliança histórica com esse povo, essa seria a
cultura do próprio Deus. Esse equívoco, inocente e exclusivista, significa o mesmo que
desprezar a posição de Deus como criador e senhor de todos os povos e culturas. Sabemos que
a esperança e promessa messiânica eram provenientes da aliança com o povo de Israel e sua
revelação escriturística, mas a divindade não está restrita a qualquer cultura, e ao assumir a
cultura judaica ela o faz com a intenção de continuar o seu processo comunicativo de
proclamação do Evangelho. (...) Partindo, então, do pressuposto de que Jesus assume a cultura
judaica para se comunicar primeiro com os judeus e imediatamente depois com aqueles com
quem convivia naquele contexto, analisaremos algumas passagens interessantes, que relatam
encontros de Jesus com pessoas, em que ocorre a interação entre o Evangelho e aspectos
daquela cultura. Nos relatos dos evangelhos podemos perceber que Jesus é plenamente judeu
no que concerne às situações mais comuns e gerais da cultura. Nascido em uma família da
tribo de Judá, na cidade de Belém, desenvolveu a sua infância e adolescência em Nazaré da
Galileia como filho de um carpinteiro. Foi circuncidado, consagrado como primogênito no
templo de Jerusalém e novamente levado ao templo aos doze anos, na transição para a
adolescência. Induzimos que ele falava, se vestia, se comportava e agia conforme qualquer
judeu galileu. Uma forma bastante significativa de percebermos sua integração na cultura é no
comparecimento às festas tradicionais do povo. Vale ressaltar que as festas, ao mesmo tempo
em que tinham origem e componente religiosos, extrapolavam o ambiente da religião tornando-
se uma expressão da cultura popular ao incluir a peregrinação para Jerusalém, a ocupação
dos espaços públicos, o uso de músicas, danças, comidas, etc. Os evangelhos comentam a
participação de Jesus, ao longo dos seus anos de ministério, nessas festas (Jo 2.23; 4.45; 5.1;
10.22; 11.55; 13.1). Provavelmente, ele não participava apenas das festas de fundo religioso,
mas também das festividades menores, típicas de qualquer cultura, além de refeições especiais,
como convidado. Essa característica da vida de Jesus era tão marcante que ele diz ter sido
estereotipado como “comilão e beberrão” (Lc 7.34). O bom exemplo dessa integração plena na
cultura talvez seja o relato do início de seu ministério ocorrido no casamento de Caná,
registrado no capítulo 2 do livro de João. Essa rica passagem indica que a família de Jesus foi
convidada para o casamento e que eles não apenas foram, mas, principalmente, impediram que
a família do noivo fosse envergonhada diante dos convidados pela falta de vinho na festa. Toda
a significância desse milagre, quase sem importância, parece voltar-se para uma questão
cultural. Naquela cultura, havia grande expectativa sobre o anfitrião para que servisse da
melhor forma possível, e com abundância, aos seus hóspedes. Explorando um pouco mais esse
hábito de Jesus de participar de refeições, temos o relato do encontro que ele teve com o chefe
dos cobradores de impostos chamado Zaqueu (Lc 19.1-10). O protocolo da cultura judaica
pressupunha que um mestre, como Jesus, sendo uma pessoa temente a Deus e modelo para seus
discípulos, não se sentasse à mesa com um cobrador de impostos. Sentar-se à mesa com
alguém, naquela cultura, significava compartilhar a comida e a casa, um sinal de
aproximação, aceitação e comunhão entre o anfitrião e o convidado. O cobrador de impostos,
ou publicano, era considerado um pecador e traidor por representar a opressão romana sobre
o povo judeu e por ser corrupto. Já um mestre judeu era uma pessoa destacada socialmente por
seu conhecimento e capacidade de atrair e ensinar pessoas. Esperava-se dos mestres um
comportamento exemplar e conforme a moral da cultura judaica. O comportamento de Jesus,
no entanto, é contrário ao estipulado pela convenção cultural. Antes de tentarmos concluir
qual o critério adotado por Jesus para que em determinadas situações ele se adaptasse
plenamente à cultura e em outras ele a confrontasse, vejamos outros encontros interessantes
ocorridos em sua caminhada ministerial. João 4.1-30 narra o encontro de Jesus com uma
mulher samaritana com muitas nuances e temas transversais. Particularmente, gostaria de
atentar para pelo menos dois padrões culturais confrontados por Jesus nesse episódio. O
primeiro padrão consistia no costume de não ser considerado de bom grado homens
conversarem com mulheres desconhecidas em ambientes públicos (Jo 4.27). Uma abordagem
furtiva poderia ser interpretada como assédio ou coisa pior. O segundo padrão cultural, para
os judeus, era o de não se relacionar com os samaritanos, considerados como impuros. A
condição cultural era tão séria que em uma viagem, como a que Jesus estava fazendo,
conforme narrado no texto, entre a região da Judéia e da Galileia, embora o caminho mais
curto fosse cruzando o território de Samaria, os judeus preferiam contorná-lo (Jo 4.9). Jesus,
no entanto, quebra esses dois protocolos culturais tanto passando por Samaria quanto
conversando com uma mulher daquela região junto ao poço público ao meio-dia. Ainda outra
situação de confronto cultural se deu no encontro de Jesus com as crianças. Naquele contexto,
as crianças eram desprezadas e alijadas da maioria das situações e ambientes da sociedade,
principalmente dos espaços públicos ou dos que envolviam autoridades, pessoas de destaque e
atividades de adultos. Na passagem de Lucas 18.15-17, vemos pessoas, talvez mães, tentando
levar suas crianças para serem tocadas ou abençoadas por Jesus. Não sabemos se a intenção
era a expectativa de cura de alguma enfermidade ou a simples bendição vinda do mestre, mas o
fato é que como a situação feria o padrão cultural, os discípulos tentavam rechaçar as
crianças. Jesus, então, não apenas repreende essa atitude dos discípulos como acolhe as
crianças e as usa como referência metafórica no seu ensino. Procurando encontrar algum
princípio conclusivo que governa a atitude de Jesus ora integrando-se à cultura, ora
contrapondo-se a ela, podemos afirmar que toda vez que uma prática cultural se interpõe ao
acesso de Jesus às pessoas, ele se permite romper com o padrão visando o bem maior que é a
comunicação do seu Evangelho. Nos casos em que as práticas culturais não passam de
atividades cotidianas, que não ferem qualquer valor do Evangelho, Jesus se adapta plenamente
a elas. O que percebemos é que, para Jesus, tudo aquilo que culturalmente estabelece uma
barreira para o seu relacionamento com as pessoas passa a ser reorientado, para não dizer
confrontado, mesmo que como consequência ele esteja passivo de receber algum tipo de
censura.”
CONCLUSÃO