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Instituto Politécnico de Lisboa

Escola Superior de Música de Lisboa

A Viola Caipira: da Tradição a Outros Géneros


Musicais

Gustavo Neves Roriz

Dissertação apresentada à Escola Superior de Música de Lisboa


como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Música

Agosto 2016
Orientador: Prof. Ricardo Pinheiro
Agradecimentos

A Escola de Música Superior de Lisboa, ao meu orientador Prof. Ricardo Pinheiro, a todos
os funcionários e professores pela dedicação ao trabalho e pela oportunidade que tive de
fazer um curso de Jazz com um instrumento étnico como a viola caipira.

Aos meus pais, Angela Maria Neves Roriz e Tarcizo Paulo Roriz por tudo que fizeram por
mim e pelo apoio e incentivo aos meus estudos.

A minha companheira Carla Ruaro, pelo apoio incondicional prestado em todo instante
desde o dia em que nos conhecemos.

A minha amiga e parceira Emília Isabel Vizcaíno Jaén, ou simplesmente Mili, por ter me
levado pessoalmente a ESML para fazer a inscrição e por ter estado sempre ao meu lado
desde o primeiro dia de aula até a entrega desta dissertação.

Aos meus amigos que me incentivaram directa ou indirectamente a seguir esse caminho,
Pablo Lapidusas, Ruca Rebordão, Gabriel Godoy, Máximo Ciuro, Rolando Semedo, Arthur
Dorweiler, Henrique Macide, Múcio Sá, Olga Kakosimou, Chris Wells, Marcelo Coelho,
Liliana Ribeiro, Sebatian Scheriff e Fábio Bergamini.

Aos colaboradores entrevistados, os tocadores José Barros, Nilson Dourado, Ivan Vilela,
Junior da Violla e Paulo Freire pela boa vontade que tiveram em contribuir com essa
pesquisa.

A minha inseparável viola caipira que fez a música reaparecer em meu coração.

A Deus
Índice

Resumo 2
Abstract 3
Introdução 4
Revisão da Literatura 6
I. Ligação ao Interior, Idiomatismo, Afinações e Construção 8
II. Atitudes Musicais 11
III. Técnicas 13
Metodologia 15
I. Entrevistas: Cuidados éticos e formas de transcrição 16
II. Sobre a análise 17
Debate 19
I. Tabela resumida com a opinião dos entrevistados 23
Conclusão 24
Bibliografia 28
Anexo I 32
Anexo II 34
Anexo III 35

1
Resumo

O propósito do presente trabalho é o de averiguar se a viola caipira, um instrumento


tradicional e secular, estaria em condições de migrar para outros estilos, tais com jazz,
choro, samba, salsa, música africana, pop, rock, etc, analisando previamente possíveis
entraves dessa migração, e ao mesmo tempo questionar de que forma e em que contexto
essa transição pode ser feita..

Derivada das tradicionais violas de arame portuguesas, aparece no Brasil uma


variante colonial designada viola caipira. As violas portuguesas chegaram ao Brasil no
século XVI, nas mãos dos jesuítas e colonos e foram utilizadas intensamente no processo de
catequização dos nativos, assim em momentos de diversão dos colonos, iniciando-se assim
um grande processo de difusão pelo Brasil (Castro, 2007). Apesar de ainda existirem,
ficaram marcadas como instrumentos ligados ao folclore e pouco se utilizou na música
urbana ou em registos fonográficos ligados ao consumo de massa, com uma pequena
excepção por artistas do género rotulado como música sertaneja e não muito mais que isso,
aprisionando sua sonoridade às manifestações musicais do interior do país sem expandir
todo seu potencial sonoro para outros estilos musicais. Até ao momento, sua existência está
maioritariamente adstrita às manifestações culturais rurais, com pouca participação nos
géneros urbanos em se tratando de manifestações musicais.

Através desta pesquisa baseada em leituras de livros e dissertações, assim como


entrevistas de carácter semi-estruturadas, tentou perceber-se quais os elementos essenciais
para que suas raízes e linguagem tão vincadas ao universo da música tradicional, pudessem
ser aplicadas a outros domínios e também por outros executantes de diferentes culturas.

Palavras Chaves: viola caipira, tradição, violeiro, migração, performance, atitude.

2
Abstract

The purpose of the present work is to inquire if the viola caipira, a traditional and
secular instrument, would be able to migrate to other styles such as jazz, choro, samba,
salsa, African music, pop, rock, etc, analyzing previously possible obstacles that migration,
at the same time question how and in which context this transition can be made.

Derived from the traditional Portuguese wire violas, appears in Brazil a colonial
variant designated viola caipira. The Portuguese violas came to Brazil in the sixteenth
century, in the hands of the Jesuits and settlers and were used extensively in the
indoctrination process of the natives, as well as fun times of the settlers, thus beginning a
great process of diffusion in Brazil. Although there still exist, they were marked as
insstruments linked to folklore and it was few used in urban music or sound recordings
linked to mass consumption, with a small exception for artists from the musical style labeled
as Brazilian country music and not much more than that, imprisoning its sound to musical
demonstrations from the country area without expanding all its potential sound to other
musical styles. So far, its existence is mainly timited to the rural cultural events, with little
participation in urban genres when it comes to musical events.

Through this research based on readings of books and dissertations, as well in semi-
structured interviews, it attempts to perceive what the essential elements to their roots and
language so linked to the world of traditional music, they could be applied to other areas and
also by other performers from different cultures.

Key words: viola caipira, tradition, violeiro, migration, performance, attitude.

3
Introdução

A viola caipira é um instrumento secular, mas na sua longa existência esteve


basicamente ligada às tradições culturais oriundas das zonas rurais do Brasil, tais como o
sertão, pantanal, interior do sudeste e centro-oeste. Em sua própria denominação torna-se
clara a sua origem e o seu principal interlocutor, pois o conceito de caipira é atribuído a
coisas ou pessoas oriundas do campo1. Apesar de ser um instrumento proveniente do
universo rural brasileiro, procurei perceber se a viola caipira poderia ser utilizada no âmbito
de outros géneros sem nenhuma barreira cultural, podendo desta forma vir a ser aplicada em
outras manifestações musicais assim como por executantes de outros grupos sociais fora de
seu contexto habitual.

No âmbito deste projeto, através de um estudo exploratório com base em entrevistas


semi-estruturadas com diversos executantes da viola caipira, os denominados violeiros,
procurei responder à questão anteriormente formulada, analisando algumas temáticas
relevantes como por exemplo tentar perceber em que patamar se encontra o instrumento ao
nível da construção, qual a possível problemática das chamadas afinações abertas para
géneros diferentes daqueles para os quais foram concebidas, uma análise das técnicas
tradicionais e se é necessária outra abordagem técnica, a atitude do violeiro em relação à
viola no contexto de outros estilos musicais e também qual o impacto social que poderia
causar tal mudança. Por outras palavras, tentei indagar se a viola caipira poderá ter o mesmo
destino da guitarra acústica, que embora seja originária em Espanha é utilizada em outras
partes do mundo. Por exemplo, o Brasil, Estados Unidos, e Portugal desenvolveram as suas
próprias abordagens a este instrumento, em conformidade com as suas manifestações
musicais, sócio-culturais e por vezes religiosas (Vilela, 2011).

Segui a hipótese de que a viola caipira talvez pudesse de ter um papel musical
preponderante em outros universos musicais, apesar da sua sonoridade muito característica.
Poderiam contudo surgir algumas condicionantes, como tradicionais e seculares formas de
tocar a viola que levam o instrumento a um idiomatismo próprio, assim como as inúmeras
maneiras de afinar o instrumento, que surgiram em conformidade com as necessidades

1 Caipira (origem controversa, talvez do tupi)


Que ou quem mora no campo, na roça. = MATUTO, ROCEIRO

4
culturais de grupos sociais isolados e fechados. Esses ambientes culturais isolados acabam
por gerar executantes que aprenderam a tocar por tradição oral, os chamados violeiros.
Ainda em muitas cidades do interior paulista conhecidos como Municípios Curureiros,2
seguem fiéis à tradição do interior brasileiro (Nepomuceno, 1999). Portanto, é esperada por
parte dos violeiros uma atitude individual menos aberta a qualquer mudança. É importante
salientar que a componente da tradição constitui um ingrediente fundamental para a
manutenção da utilização do instrumento, pois as violas de 5 ordens duplas ou também
conhecida como viola de 10 cordas oriundas de Portugal, das quais surgiu a viola caipira,
estão ligadas à história do Brasil desde o início da colonização portuguesa, da qual era
movida pelo trinómio fé, lei e rei (Vilela, 2011). Já desde essa época regista-se a utilização
da viola de 10 cordas na catequização dos índios do Brasil, onde persistem diversas
referências às violas em documentos relacionados com as missões jesuítas, confirmando a
visão aceite sobre a popularidade e a importância do instrumento nesse contexto (Holler,
2010).

Para além de todos os elementos apresentados, e que eventualmente poderiam


dificultar a apropriação da viola por outros estilos, há um que talvez seja o mais difícil de se
transpor. Trata-se da mística que carrega a viola caipira. Possivelmente é o instrumento
brasileiro que mais carrega em seu universo essa característica tão peculiar de acordo com
Pedro PereiraCurry em A Viola e Suas Modas: Caminhos, Transformações e Modernidade
(2012). Entretanto, observei nas entrevistas e nas pesquisas efectuadas que tocadores
oriundos de áreas urbanas já se sentem mais desprendidos da mística tradicional, assim
como são estimulados diariamente por outros estilos musicais, como é o caso dos violeiros
da cidade de São Paulo.

Resumidamente, o seu potencial sonoro, devido às cordas de aço duplas, associados


aos entraves apresentados, formaram um conjunto de elementos estimulantes para se
aprofundar sobre se tal instrumento poderá ser visto simplesmente como uma viola de 10
cordas , e se a partir daí ela terá resultados efectivos em outros géneros musicais.

2 Os Municípios Curureiros, em referencia ao ritmo do cururu, são localidades no interior do Estado de São
Paulo onde a música tradicional ainda é muito preservada, como Piracicaba, Botucatu, Porto Félix.
(Nepomuceno, 1999)

5
Revisão da Literatura

A aprendizagem da viola caipira tem por base a tradição oral, mas o processo de
escolarização dos aprendizes da viola vem se desenvolvendo nas últimas décadas na região
centro-sul do Brasil (Dias, 2010). O primeiro curso de viola caipira na Escola de Música de
Brasília aparece por iniciativa de Roberto Côrrea em 1985 (Dias, 2010). São, portanto, 30
anos de criação de um meio acadêmico frente a mais de 4 séculos e meio de tradição oral
espalhada em grande parte do território brasileiro, como menciona o pesquisador Ivan Vilela
no Anexo III. O próprio Roberto Côrrea editou no ano 2000 um método de viola intitulado A
Arte de Pontear a Viola, onde regista estudos e temas instrumentais em partituras assim
como traz áudios referenciais desses temas e estudos sobre a viola caipira (Corrêa, 2000). O
livro tem por base a linguagem e repertórios tradicionais e traduz um mapeamento das
afinações brasileiras assim como a identificação geográfica da utilização da viola no país
(Nogueira, 2008). Nesse mesmo segmento do processo de escolarização, a USP criou em
2005 um curso efectivo de bacharelado3 em viola caipira, mas, até 2013 só havia 5
formados4. Também outras faculdades e conservatórios que oferecem cursos de viola
caipira, tais como o Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba, a Faculdade
Cantareira em São Paulo, e o Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz em Cascavel.
É importante salientar que para além da recente prática nas escolas e conservatórios,
contrária à sua escola construída nos moldes da tradição oral, a viola de arame esteve
durante grande parte de sua existência associada aos pobres, escravos, camponeses, entre
outras classes classificadas como “menores” pelos residentes dos centros urbanos, ao
contrário da diáspora da viola de arame pela Europa (Taborda, 2002). É provável que esses
factores tenham também contribuído para o desinteresse das pessoas da classe média das
cidades pela viola caipira.

A presença da guitarra acústica, referida no Brasil como violão 5 com a sua afinação

3 Bacharelado no Brasil é o mesmo que licenciatura na Europa.


4 Dados do censo revisitado (n.d.) Retirado do site da USP 19 de Maio de 2015. USP cria curso de viola
caipira em Ribeirão Preto, SP - Jornal da EPTV 1ª Edição – G1 Franca e Ribeirão -
(http://lambari.fmrp.usp.br/videos/174/usp-cria-curso-de-viola-caipira-em-ribeir%C3%A3o-preto,-sp-jornal-
da-e
5 A palavra violão, empregada única e exclusivamente nos países de língua portuguesa, designa o instrumento
de cordas dedilhadas em forma de oito, constituído por uma caixa de ressonância de madeira com flancos
encurvados e fundo chato, acoplada a um braço dividido em trastes em cuja extremidade são fixadas suas seis

6
maioritariamente em intervalos de quartas perfeitas, nos meios urbanos no século XIX, fez
frente à utilização da viola caipira no papel de acompanhadora dos cantores, menestréis e
seresteiros contribuindo gradativamente para o seu desuso nas cidades(Taborda, 2002). A
viola caipira e a sua construção inicial de natureza rústica, cordas duplas e suas afinações
diversificadas, na sua maioria constituídas em intervalos de terceiras e com sonoridades
abertas em algumas tonalidades maiores como sol, dó, mi, ré, também se apresentam como
potenciais elementos para uma escolha da população em geral pelo violão (Vilela, 2011).

Quanto à essas afinações diversificadas, Roberto Corrêa Nunes na sua dissertação


Viola caipira: das práticas populares a escritura da arte, sublinha a importância de constar
as notas dos pares e indicar se o terceiro par é uníssono ou oitavado, e exemplifica as
afinações abertas tradicionais mais utilizadas como no exemplo abaixo. Entre parênteses, as
cordas são descritas sempre na direcção das mais graves para as mais agudas.

Cebolão Ré maior (A2-A1, D3-D2, F#3-F#2, A2-A2, D3-D3).


Cebolão Mi bemol maior (Bb2-Bb1, Eb3-Eb2, G3-G2, Bb2-Bb2, Eb3-Eb3).
Cebolão Mi maior (B2-B1, E3-E2, G#3-G#2, B2-B2, E3-E3).
Natural (A2-A1, D3-D2, G3-G2, B2-B2, E3-E3)
Boiadeira (G2-G1, D3-D2, F#3-F#2, A2-A2, D3-D3)
Rio Abaixo (G2-G1, D3-D2, G3-G2, B2-B2, D3-D3)
Meia-guitarra (G2-G1, C3-C2, G3-G2, B2-B2, D3-D3).

Por ser um instrumento utilizado no Brasil desde o início da sua colonização até os
dias de hoje (Taborda, 2002), procurei nesse projeto de pesquisa observar as razões, sociais,
culturais, religiosas ou técnicas, que levaram a viola caipira a ser tão pouco utilizada na
música industrializada, para efectivamente perceber se a viola estaria em condições de ser
utilizada por outros grupos sócio-culturais em seus contextos musicais. Se assim fosse, a
viola caipira estaria desassociada do conceito ligado ao interior e aos costumes caipiras,
apresentando uma avaliação do instrumento em busca da sua sonoridade puramente como
um cordofone com 10 cordas duplas de aço.

cordas simples. Nas outras ínguas, manteve-se o étimo guitarra (do grego Kithara para designar este
instrumento: em francês, guitare; em gitarre; em inglês, guitar; em italiano, chitarra e em espanhol, guitarra
(TABORDA, 2002).

7
As seguintes temáticas relevantes foram assim selecionadas:

1. O forte idiomatismo da viola caipira e sua ligação ao interior


2. preocupação ideológica do seu enraizamento pelos seus executantes.
3. A atitude dos executantes
4. Afinações abertas
5. Construção e transformação do instrumento.
6. Violeiro urbano e o violeiro tradicional.
7. A Técnica

Em contrapartida, num âmbito mais geral, já se percebe a existência de uma possível


e real ponta do fenómeno da transformação e migração da viola nos últimos 20 ou 25 anos,
quando guitarristas com formação erudita migraram para a viola caipira, ou seja, deixaram
de tocar simplesmente de tocar a guitarra acústica ou também assimilaram a viola,
utilizando-a como base para um trabalho instrumental (Oliveira, 2004).

I. Ligação ao Interior, Idiomatismo, Afinações e Construção


“este instrumento que, aos poucos, tornou-se um porta-vozes do Brasil
Interior.” (Vilela, 2008-2009).

A viola caipira foi-se tornando gradualmente um instrumento ligado às


manifestações culturais do interior do Brasil, como observou o violeiro e pesquisador Ivan
Vilela (Vilela, 2008). Gradualmente, pois a viola caipira já foi um instrumento muito
utilizado também na área urbana, mas substituída em meados do século XIX pelo violão,
marcando um período onde se estabelecem novas formas de sociabilidade nas camadas mais
populares do Brasil (Taborda, 2002). Relatos do século XVI marcam a presença da viola no
Brasil (Taborda, 2002), mas mesmo sendo um instrumento presente na cidade, a população
que a executava era composta por pessoas de classe social baixa, como por exemplo
escravos, negros forros6, ou mestiços. Raras excepções relatam a presença da viola caipira

6 Refere-se às pessoas de origem africana que não eram escravos no Brasil Colonial e Imperial, ou seja, ex-
escravos que possuíam a carta de alforria.

8
em salões da nobreza, o que contraria o caminho que a viola de arame percorria nessa época
no continente europeu, onde foi amplamente divulgada e executada por nobres como Luís
XIV, rei da França, e que foi aluno de Francisco Corbetta (Taborda, 2002). Desta forma, a
viola de arame é um instrumento associado às classes mais baixas da sociedade urbana, que
posteriormente foi difundida pelos bandeirantes na expansão para o Brasil interior (Vilela,
2011). Márcia Taborda transcreve um exemplo que define bem a forma como a viola caipira
era vista no Brasil já no final do século XIX, onde foi retratada como uma invasora do meio
urbano e sua cultura.

França Júnior, em crônica publicada nos anos de 1880,


surpreendido pela presença da viola no palco de um
teatro em plena cidade do Rio de Janeiro, atesta o fato:
“[...] o cenário da viola é a senzala, o rancho do tropeiro,
a casinha de sapé, o alpendre da venda, e o terreiro da
fazenda em noite de festa. […] não vinha ali acompanhar
um fado, ser cúmplice de um cateretê ou requebrasse
dengosa nos sapateados de um voluptuoso samba. A sua
missão era outra: alcançar foros de cidade!” (Sandroni,
2001).

Mesmo com sua utilização da viola caipira na música sertaneja produzida nas
cidades, o vínculo a essa representação também acabou por distanciar sua utilização em
outros gêneros. É possível dizer que a própria linguagem da viola acabou por restringi-la,
causando a impressão de que o idioma do instrumento não pudesse ser alargado (Dias,
2010).

No que diz respeito às afinações, para além das possíveis 9 advindas de Portugal,
mais 15 surgiram no Brasil (Vilela, 2011). Apesar de existirem tantas maneiras de afinar o
instrumento, as mais usuais são: Paraguaçu, Boiadeira, Meia-Guitarra, Natural, Cebolinha,
Rio Acima, Rio Abaixo, Cebolão, Cana Verde, Paulistinha. (Vilela 2011). Todas estas
afinações possuem um carácter idiomático muito presente e apresentam-se como afinações
abertas, onde em principio tornam mais característico sua utilização assim como sua
procedência de contextos musicais tradicionais. Também se encontram marcas de
religiosidade em algumas afinações, como é o caso da afinação São João, referência ao

9
apóstolo cristão (Dias, 2010). Para além da relação entre a viola caipira e a religião, também
está presente a mística onde se associa tocar bem ao diabo, Esta ideia acompanha toda a
história da viola caipira, e resulta numa antítese entre o cristão e o profano, como descreve
Sandro Alves Dias.

“Segundo os violeiros, o que implica considerar


variações sobre o tema, está afinação é decorrente de um
canoeiro muito bom, que encantava a todos, tinha o hábito de
tocar sua viola subindo com sua canoa rio acima (o que sugere
o nome de outra afinação, rio acima). O diabo, desejoso de
atrair mais pessoas para o pecado, aprendeu a tocar viola, mas
sempre que pegava a canoa, ia com ela rio abaixo, daí o nome.”
(Dias, 2011).

Entretanto, esta afinação muito utilizada no norte de Minas Gerais é uma afinação de
origem portuguesa, utilizada na viola amarantina ou de dois corações, oriunda de Amarante,
Portugal, região do santo padroeiro dos tocadores de viola, São Gonçalo (Vilela, 2008).

Relativamente à construção, as primeiras violas no Brasil mantiveram a estrutura


próxima das violas portuguesas, não apresentando grandes mudanças durante os séculos em
que os portugueses colonizaram o Brasil (Cury, 2012). Assim como em Portugal se usava
tripa de animal e o braço não continha mais de 10 trastes, acabando no ponto em que se
tocava a ilharga. No livro Nova Arte de Viola, de Manoel da Paixão Ribeiro, publicado em
1789, em Coimbra, defende a utilização do aço em detrimento das tripas pela sua
uniformidade e qualidade sonora produzida. Esse importante relato do fim do século XVIII é
a primeira evidência do uso de cordas metálicas na viola (Corrêa, 2002), que levou a que
estas violas tradicionais passassem a ser reconhecidas como violas de arame (Curry, 2012).
No citado livro de Manoel Paixão encontram-se através de textos e gravuras visíveis
semelhanças entre as violas de Portugal e a viola brasileira. Posteriormente, a brasileira foi
denominada de viola caipira, conforme já referido. Inicialmente, eram violas de 5 ordens
onde as duas ordens mais graves eram triplas e as outras 3 eram duplas. Posteriormente
passaram a ser construídas apenas violas com 5 ordens duplas, portanto 10 cordas e não 12
(Curry, 2012). Havia também semelhanças nas cravelhas, cavalete e trasteira 7, que ficava ao

7 Onde se fixa o traste.

10
nível do tampo. Hoje a estrutura da viola mais próxima à do violão é a corrente no mercado,
onde a principal alteração é a trasteira colada ao tampo e alcançando a boca do instrumento,
oferecendo ao tocador mais do que os habituais 10 trastes. Essa alteração trouxe benefícios,
mas também alguns problemas, uma vez que retirou uma particularidade de alguns
acompanhamentos nos quais se batia no tampo produzindo um som mais percussivo. Com o
braço mais alto essa forma de acompanhamento tornou-se cada vez menos usual. (Curry,
2012). O violeiro Roberto Corrêa menciona que as cravelhas passaram a ser de metal e o
número de trastes passou de 10 para 12. O famoso luthier Renato Vieira chegou ao modelo
de viola Xadrez, e passou a ser o padrão de medidas de violas caipiras feitas no Brasil
(Curry, 2012). Entretanto, há novas variações nas medidas como espessura da caixa,
ilustrado por Roberto Corrêa em sua tese Viola Caipira: das praticas populares a escritura
da arte, 2014. Muitos padrões de construção foram utilizados desde o aparecimento da viola
no Brasil até se chegar às violas modernas (Corrêa, 2014).

II. Atitudes Musicais

Na década de 1960 tiveram lugar alguns acontecimentos relevantes à utilização da


viola caipira em outros contextos musicais. Em 1960 deu-se a primeira tentativa de inserção
do instrumento no universo erudito, através de obras de Ascendino Theodoro Nogueira. As
obras foras executadas pelos violonistas Barbosa Lima e Geraldo Ribeiro, devido à falta de
violeiros que lessem música (Dias, 2010). Paralelamente, na mesma década, inicia-se um
processo de releitura do mundo rural com impacto directo na visão sobre a viola caipira.
Surge em 1962 a primeira orquestra de violeiros, na cidade de Osasco (Corrêa, 2013). No
ano de 1966 o compositor Geraldo Vandré evidenciou a viola, tornando-a o elemento
principal na canção Disparada, em parceria com Theo de Barros (Dias, 2010). Para além de
Geraldo surgem na sequência Edu Lobo e Capinam com o tema Ponteio, e a importante
participação de Heraldo do Monte como violeiro dos grupos Trio Novo e posteriormente do
Quarteto Novo, que actuaram juntos a esses compositores mencionados (Dias, 2010). O
Quarteto Novo foi provavelmente o primeiro grupo a emancipar a viola caipira, inserindo-a
no contexto mais jazzístico, através da perícia técnica de Heraldo do Monte (Queiroz, 2010).
O disco Quarteto Novo, editado em 1967 e remasterizado em 1993 traz no seu encarte 8
trechos de uma entrevista com Hermeto Pascoal que afirma o inédito do uso da viola caipira

8 Este encarte exibe trecho de uma entrevista de Hermeto Pascoal concedida à Jovino Santos Neto, datada de
03 de Maio de 1993 (Queiroz, 2010).

11
naquele contexto (Queiroz, 2010).

Renato Andrade9, violeiro renomado no Brasil, iniciou o seu contacto com a música
através do violino, entretanto ao conhecer a viola caipira deixou de tocar violino para seguir
seus estudos com a viola. Com técnica aprimorada acabou por levar o instrumento a salas de
concerto. Em 1977 começa essa nova fase da viola caipira com o lançamento do seu disco
intitulado A Fantástica Viola de Renato Andrade. Incentivou assim outros músicos a
dedicarem-se à viola caipira (Soboll, 2007). Sua presença na gravação de Romaria do
compositor Renato Teixeira10, interpretada pela cantora Elis Regina também em 1977, criou
uma ligação entre o interior paulista e a música urbana brasileira nomeadamente conhecida
como MPB marcando a importância desse ano (Sousa, 2005).

Na década de 1990 Renato Andrade e Almir Sater 11 começam a criar outras


possibilidades estéticas para o cenário do instrumento (Dias, 2010). Almir Sater, violeiro,
cantor e compositor é natural de Campo Grande-MS, foi o músico que inseriu a viola
também no contexto musical e harmônico da MPB. Virtuoso da viola caipira, registou dois

9 Natural de Abaeté (MG,1932-2006), em 1977, apresentado pelo maestro Guerra Peixe, o violeiro conquistou
o Troféu Villa-Lobos com o seu primeiro disco, o LP A Fantástica Viola de Renato Andrade na Musical
Armorial Mineira. Neste disco, e nos seguintes, fica clara a intenção de aproximar os universos da música
caipira com o da música erudita (Renato também estudou violino e, portanto, possuía e se utilizava das
técnicas e concepções eruditas, deixando estes traços evidentes em sua obra), ou como ele próprio relatava: a
união entre “o concertista e o capiau” (NEPOMUCENO, 1999, p.178).
10 Renato Teixeira, santista, era compositor típico da MPB universitária, tocava bossa-nova no violão. Com o
sucesso de Romaria por Elis Regina, Renato Teixeira mudou de carreira, dedicando-se à música caipira.
11 O ex-estudante de direito e conceituado violeiro influenciado por técnicas de violão erudito (seu
instrumento antes da viola), por elementos do blues, jazz, country, bossa-nova, e principalmente pela música
caipira do Pantanal Matogrossense, Almir Sater grava em 1985 o disco Instrumental (Som da Gente), e em
1990 Instrumental, vol.2 (Eldorado). Almir, que também estudara os “toques” de Tião Carreiro, seguiu a idéia
de Renato Andrade (outro de seus grandes referenciais musicais) em apropriar de maneira culta as matrizes
caipiras e uni-las a outras linguagens mais contemporâneas. Além de ter participado do Free Jazz Festival
(1990) e conquistado dois prêmios Sharp (1991) o músico teve acesso à grande mídia a partir de seu trabalho
como ator e violeiro nas novelas “Pantanal” (1990), “Ana Raio e Zé Trovão” (1991) e “Rei do Gado” (1996).
Isto permitiu que seu trabalho atingisse um grande público desde as classes mais baixas até a classe média. Ao
passar a imagem de uma espécie de “galã rural”, Almir elevou o “status” do violeiro que agora, além de tocar
muito bem, é jovem, um tanto romântico e bem apessoado, abrangendo desta forma também o público jovem e
o de classe média. Nas palavras dele próprio, “Minha imagem na televisão trouxe de arrasto minha música.
Meu trabalho não era tão popular e as novelas me ajudaram muito” (Nepomuceno, 1999, p.391).

12
discos antológicos na história da música instrumental brasileira (Vilela, 2011). Para além
deste facto, Almir também foi ator em telenovelas brasileiras, o que ajudou o aumento do
prestígio do instrumento face ao grande público, fazendo com que os jovens construíssem
um outro olhar sobre a viola, o que atraiu novos interessados para a execução do
instrumento. Estes novos instrumentistas eram oriundos não só do campo, mas também das
grandes cidades. Houve visivelmente uma redução na faixa etária dos interessados em
aprender a tocar viola (Vilela, 2011).

Em comparação com outros instrumentos e seus contextos musicais, podemos referir


os exemplos dos americanos John Graas e Julius Watkins. John Grass fez a primeira
tentativa de utilizar trompa para o jazz junto à Indianapolis Simphony, entretanto sem
grande sucesso. Graas tinha a atitude, mas foi muito criticado pelos colegas por conta de sua
articulação, afinação, estilo performático, descritos como não apropriados para o jazz. Por
outro lado, a segunda tentativa feita por Julius Watkins, que ao entrar para a banda de Milt
Buckner, novamente trouxe a trompa para o jazz no final da primeira metade do século XX
por conta de sua agilidade técnica, articulação e sobretudo por sua atitude de trazer um
instrumento que não era comumente utilizado por improvisadores no âmbito do jazz (Smith,
2005).

Regressando à viola, mesmo com todo esse historial ligado ao interior aqui já
apresentado, a viola caipira vem gradativamente voltando para os meios urbanos, mas ainda
com sotaque do campo. O instrumentistas Roberto Côrrea criou em 1985 o primeiro curso
de viola caipira na Escola de Música de Brasília, a capital federal brasileira (Dias, 2010).
Isso se realizou 105 anos depois que França Junior publicou sua crônica aqui já referida. A
partir desse ponto já se pode averiguar que o perfil dos violeiros que surgiram depois dessa
formação acadêmica vão aos poucos se distânciando do binómio viola e caipira.

III. Técnicas

Dos primeiros métodos de viola até o presente momento há uma evidência em


ressaltar a cultura sertaneja da viola caipira, como saber terças e sextas paralelas,
portamento, baixo pedal, ligados e mordentes, rasgueados e escalas duetadas 12 tipicamente

12 Escalas duetadas é como ao tocadores classifical as escalas ou melodias feitas com intervalos de terceiras
ou de sextas maiores ou menores.

13
utilizados na execução da viola caipira (Amaral Pinto, 2008). Em contrapartida, surgiu o
conflito do violeiro de tradição oral com o novo violeiro que trouxe parte da técnica
utilizada na guitarra clássica, sobretudo para a forma de abordar a viola caipira com a mão
direita (Araújo, 1998). Essa nova abordagem traz um conflito identitário ao tocador de viola
tradicional e todos aqueles que a defendem, pois as palavras raiz, tradição, sertanejo, e
termos afins, são constantes no vocabulário que cerca o instrumento. Tonico & Tinoco, no
seu métodos de viola caipira de 1959, já apresentava uma técnica diferenciada do violão,
reforçando ainda mais estas características identitárias (Dias, 2013). Para além desse facto a
diáspora da viola caipira no Brasil está distribuída por uma dimensão territorial vasta
criando muitas nuanças de afinações, repertório assim como diferentes formas de se tocar o
instrumento (Dias, 2010).

Contudo, é possível que a abordagem da guitarra clássica acústica não seja


propriamente a mais adequada para um instrumento de corda dupla de aço, em
contraposição ao violão com cordas simples e muitas vezes de nylon (Sautchuk, 2009).
Como se trata de um cordofone de cordas de aço duplas, a viola caipira aproxima-se dessa
característica da guitarra portuguesa. Não encontrei nenhuma referência bibliográfica sobre
a utilização da técnica utilizada na guitarra portuguesa na viola caipira. Entretanto,
verifiquei nas entrevistas semi-estruturadas se os entrevistados conheciam e se estariam de
acordo com que essa abordagem pudesse ser uma possibilidade técnica para ser utilizada
também na execução da viola caipira.

Quanto à técnica da guitarra portuguesa, José Ricardo Cardoso Silva cita, em sua
dissertação O Fado e a Guitarra Portuguesa no 3ºCiclo do Ensino Básico, o relato de
Caldeira Cabral sobre a técnica de mão direita utilizada nesse instrumento.

[…] a mão direita deve repousar naturalmente e sem esforço, com o dedo
mínimo sobre o guarda-unhas ou diretamente sobre o tampo harmónico e
com os dedos indicador e anelar em plano oblíquo ao das cordas e com o
punho levemente levantado, de forma a evitar qualquer posição de rigidez
(…)
As técnicas da mão direita recebem o nome de “dedilho”, “figueta” e “dois
dedos” (Silva, 2012, pg. 36).

14
Pretende-se nesse estudo saber se tal abordagem poderia ser uma também aplicável à
viola caipira, por ser uma abordagem sem as características idiomáticas da tradição sertaneja
ao mesmo tempo já se sabe que resulta em cordas duplas de aço num instrumento também
de origem portuguesa. Há registos de uma técnica próxima utilizada na viola machete no
recôncavo baiano conhecida como “pinicado” que consiste na utilização de apenas o
indicador e o polegar para efeitos harmônicos ou melódicos (Lima, 2008).

Metodologia

Previamente foram relacionados elementos importantes para tentar dicernir quais as


componentes essenciais para a uma possível migração do instrumento para estilos alheios ao
tradicional, compreendendo os valores e razões agregados à viola caipira que poderiam
ainda sustentá-la nessa posição. Averiguei se o idiomatismo característico à viola caipira é
de facto indispensável para sua execução, ou se o instrumento poderia ter outra característica
musical desprendido de sua cultura tradicional, assim como de sua mística agregada a rituais
relacionados com sua aprendizagem no interior do país (Vilela, 2011). Tentei desta forma
compreender se seria possível o surgimento de novos executantes desvinculados do
ambiente tradicional da viola caipira através de uma análise isolada de sua história e de sua
tradição.

A presente pesquisa foi incentivada pela simples intuição de que a viola poderia ser
abordada tecnicamente a partir de novos pressupostos, ou seja, de uma forma que
possibilitasse outras sonoridades para além da tradicional alicerçada maioritariamente em
terceiras e sextas, por exemplo. Após a leitura de livros e dissertações referenciados aqui na
bibliografia, surgiram outros tópicos que julguei pertinente estudar, como por exemplo: se a
viola foi concebida apenas para as suas manifestações culturais com a qual está ligada
historicamente, se seria necessário propor um modelo de alteração da sua construção, ou
ainda se as afinações seriam entraves, assim como as técnicas tradicionais limitavam de
alguma forma sua execução em outros universos musicais.

Esse estudo visa proporcionar uma maior proximidade com a problemática


mencionada, objetivando torná-la explícita ou definir hipóteses através de uma busca para
aprimorar novas ideias. Possui um planeamento flexível, envolvendo, em geral, pesquisa

15
bibliográfica, a realização de entrevistas com músicos que tiveram experiências práticas com
o problema pesquisado e análise de exemplos similares. Numa fase inicial realizei pesquisa
bibliográfica e levei a cabo análise de estudos de casos semelhantes àqueles indicados na
revisão da literatura. Procedi à formulação de problemas, levantamento de hipóteses, e
identificação e operacionalização das variáveis. (Gil, 2006; Dencker, 2000). Pelo facto de
haver ainda um conhecimento muito escasso sobre o assunto pesquisado optou-se por um
estudo exploratório (Collis; Hussey, 2005), ou seja, colher dados através de entrevistas a
cinco músicos tocadores de viola de arame, também designados violeiros. Estes músicos têm
perfis diferenciados, o que permitiu a busca de uma investigação de natureza qualitativa,
onde não se pretende recolher dados estatísticos, mas sim realizar uma observação dos
relatos, argumentos e história de vida musical dos participantes (Collis, 2005).

Esta investigação foi enformada por um guião com questões relacionadas com as
temáticas observadas na revisão da literatura - afinação, construção, técnica, posicionamento
dos violeiros em relação à expansão do universo musical da viola, manutenção da
linguagem, e o percurso de cada um, com o intuito de perceber se o futuro do instrumento
poderia ser também fora da música tradicional.

I. Entrevistas: Cuidados éticos e formas de transcrição

Para a obtenção dos dados necessários à realização da investigação, foram efetuadas


entrevistas de carácter semi-estruturado com os músicos descritos, nas quais:

1. Houve desde o princípio o consentimento informado à respeito do conteúdo e


objectivo da pesquisa (Cozby, 2003). Antes de cada entrevista tomei o
cuidado de informar todos os entrevistados sobre a pergunta de investigação,
assim como a natureza da investigação e também foram informados do facto
de que a entrevista seria gravada e para qual instituição de ensino o
entrevistador científico realizava a pesquisa. Estas medidas são sugeridas
pela Associação Psicológica Americana (APA), de acordo com o chamado
Código de Ética (Cozby, 2003).
2. Dentro de um contexto, todos responderam as mesmas perguntas, embora se
tenham gerado dúvidas durante as entrevistas, que por sua vez levaram a
outras perguntas. Como se trata de uma conversa informal onde o

16
entrevistado esteve à vontade para falar, por vezes a pergunta foi feita com
algumas palavras diferenciadas, mas o contexto foi sempre o mesmo.
3. Nenhum dos entrevistados recebeu as perguntas antes das entrevistas, e o teor
da pesquisa foi facultado previamente, conforme já descrito, o que configura
esta pesquisa como um “experimento honesto” (Rubin, 1973). As mesmas
foram feitas de surpresa para saber a reacção imediata dos entrevistados.
4. Em relação ao vocabulário usado, certos regionalismos foram postos de parte,
pois o que se procurava na entrevista era o conteúdo da conversa. Por vezes,
algumas expressões foram mantidas, caso estas fossem consideradas
relevantes ao contexto emocional.
5. As interrupções às respostas dos entrevistados ocorreram quando surgiram
dúvidas sobre a pergunta, se fugiu demasiado a resposta, ou por motivos de
falha de conexão. Essa última razão deve-se ao facto de que algumas das
entrevistas foram concedidas através da plataforma Skype, onde eventuais
falhas na transmissão de dados ocorreram. Entretanto, não se perdeu o curso
das entrevias mesmo com a ocorrência dessas suspensões.
6. Por vezes,foram abordados outros assuntos na entrevista. Parte desses
diálogos não tinham a ver com o objectivo da entrevista e foram suprimidos
das transcrições. Por outro lado, outros diálogos foram relevantes em termos
d a informação sobre a viola caipira. Por esse motivo, decidi manter essas
informações nas transcrições por estas poderiam ser úteis no decorrer da
pesquisa.
7. Para uma rápida identificação nas transcrições das entrevistas (Anexo III),
aparecem numeradas e em negrito as perguntas mais importantes,
consideradas perguntas chave (Anexo II). Falas aleatórias, perguntas de
apoio, comentários ou interrupções feitas pelo entrevistador científico (E.C.)
foram transcritas, mas não aparecem em destaque.

II. Sobre a análise

Através de análise de material descrito na bibliografia e também das entrevistas


recolhidas com esses violeiros com perfis diferenciados, onde alguns são renomados, outros
com formação, e também um entrevistado engajado à música tradicional, foi procedida uma
análise qualitativa de dados cruzados onde tentou-se perceber a relação entre as informações

17
recolhidas (DENCKER, 2000). Neste caso específico, indaguei sobre se o caminho do
instrumento poderia ser alargado para outras áreas, ou seja, se o mesmo já estaria em
condições de ser utilizado em outros mercados sem ser associado ao tradicional. Foram
escolhidas 10 perguntas (Anexo II) com as temáticas relacionadas às já descritas
anteriormente nesse capítulo.

É apresentada uma avaliação do instrumento assim como dos seus executantes,


através da qual se tenta compreender a abrangência musical da viola caipira enquanto uma
viola de 10 cordas de aço duplas e não enquanto um instrumento ligado à sua história e
linguagem musical. Analisei as respostas e procedi à comparação das mesmas, verificando o
nível de concordância e de discordância entre os entrevistados. Procurei aprofundar qual a
coerência e a relação entre as respostas obtidas. Tentei identificar e isolar questões
emocionais ligadas ao engajamento cultural vinculado à história do instrumento, buscando
dentro das respostas afirmações desprendidas desse tema.

18
Debate

A viola é uma instrumento de engajamento? Provavelmente muitos dirão que sim.


Chamo a atenção para o documentário Cordas Caipiras: A viola como Instrumento de
Resistência (2013), produzido por Samuel Leite e Victor Prates que deixa claro essa posição
por parte dos entrevistados do documentário, assim como no material literário descrito na
bibliografia desse relatório. Após analise das entrevistas que recolhi, constatei que essa é
uma postura presente de forma unânime. Em alguns casos mais engajados que outros, como
por exemplo o posicionamento de José Barros em sua entrevista (Anexo III), um grande
defensor da música tradicional portuguesa e seus cordofones. Por outro lado, esse
engajamento não apresenta qualidades negativas, pois ajudou à não extinção da viola caipira
ao longo desses quase 500 anos, sobretudo depois da chegada da guitarra espanhola no
Brasil no século XIX (Taborda, 2002). Esses músicos vêm mantendo viva a tradição desse
cordofone, e a viola caipira é ainda um realidade por conta de todas essas gerações de
tocadores engajados. Portanto, não se pretende com essa pesquisa criticar esse engajamento,
tão pouco denegrir todas as características descritas, ou seja, o idiomatismo, a afinação, as
técnicas tradicionais, a mística e religiosidade. O objectivo deste relatório foi o de tentar
identificar se o instrumento estaria pronto para ser transportado para outros géneros musicais
para além dos seus habituais estilos.

Como é possível ver através da tabela resumida das respostas às perguntas feitas aos
entrevistados (Anexo II), todos eles, pelo menos por uma vez tocaram outros estilos
musicais. Entretanto, são efectivamente ligados à música tradicional e demonstraram
durante a entrevista o valor e sua importância. Alguns de forma mais discreta e outros de
forma mais entusiasta. No caso específico da viola caipira, essa relação com a tradição
aparentemente dificultou a sua dissociação em relação ao seu repertório e técnicas originais.
Essa ligação ao tradicional é manifestada mesmo por quem levou a viola a outros géneros
musicais, como o violeiro Ivan Vilela, que afirma, caso utilize o instrumento nas suas
afinações tradicionais, como o cebolão, ou o rio abaixo, fará uso de técnicas e linguagens
tradicionais pelo facto de isto ser vantajoso, podendo desta forma tirar-se mais partido do
instrumento. Sobre essa questão declarou:

As afinações nossas aqui são construídas na ideia de campo harmónico de manutenção das terças de
distância das cordas. Que se você faz ali com a viola afinada em cebolão, terceiro e quarto par uma

19
escala duetada com os dois dedinhos você está utilizando o primeiro e o terceiro grau do campo
harmónico. Se você fizer com a terceira corda e com a segunda corda uma escala duetada, você vai tá
utilizando o terceiro e o quinto grau do campo harmónico. Então, essa coisa de você explorar essa
potencialidades que a afinação lhe sugere é uma coisa inteligente até.(Vilela, 2015)

Paulo Freire, já aqui descrito como famoso violeiro residente em Campinas, ao longo
da sua carreira utilizou a viola em outros géneros como o jazz, a música barroca, tendo feito
até uso de pedais de efeitos com a viola caipira. Freire também assume que ter a forma
tradicional de executar a viola caipira é uma mais valia, e que não se deve desapegar dessas
características quando em outros géneros.

[...] quanto mais você toca a viola como ela é tocada de verdade, com a linguagem de viola, afinação
de viola, técnica de viola, quanto mais você toca a viola dessa maneira, mais você consegue entrar nesse
mundo e mais esse mundo te aceita e você percebe uma riqueza muito grande dessa junção. Agora, se
for tocar uma viola que nem um violão de 10 cordas por exemplo, aí eu acho que perde a graça, né?
(Freire, 2015)

Hoje em dia muitos violeiros em destaque no Brasil são oriundos ou residentes no


meio urbano, como a cidade de São Paulo, o maior repositório da cultura popular do país,
assim descrito por Ivan Vilela em sua entrevista (Anexo III). Aparte disso, os violeiros
urbanos demonstram ligação ao repertório e técnicas desenvolvidas pelos violeiros do
campo, e assim seguem seus estudos dentro dos conceitos da tradição do instrumento
desenvolvida nas zonas rurais.

[…] porque tem um conceito de viola também, que eu não acho errado, mas que ajuda um pouco a
isso achar que o violeiro ele tem que ser além de um instrumentista, ele tem que saber a vida da roça,
conhecer os passarinhos, tem que ficar meio à toa vendo a Natureza, tudo bem, mas tem que estudar
pra caramba também, não é? (Paulo Freire, 2015)

Sobre a atitude dos novos violeiros, o entrevistado José Barros menciona em sua
entrevista que um músico ao optar por esses instrumentos, em geral, está à procura da
música tradicional e não da música de consumo ou de outros géneros (Anexo III). Ou seja,
possivelmente o próprio tocador de viola caipira contribui para manter o instrumento ligado
à tradição.

Em relação às afinações variadas, os entrevistados tocam em alguns semelhantes

20
assim como em outras distintas, como Cebolão em mi, Cebolão ou ré, Rio Abaixo. Nenhum
dos entrevistados afirmou qual a afinação que deveria ser a mais apropriada para se tocar a
viola caipira, ou qual seria melhor para outros estilos como o jazz, o rock, o samba, o choro,
alheios aos tradicionais cururu, recortado, pagode, cipó preto, por exemplo. É do senso
comum nos entrevistados que cada um pode eleger sua própria afinação, ou até mesmo mais
do que uma. Portanto, a problemática das afinações tradicionais pode ser irrelevante, pois o
instrumento naturalmente permite que o executante navegue entre elas, ou até mesmo que
crie uma afinação original. Ivan Vilela apresenta uma solução através da seguinte afirmação.

Você pensando que no Brasil você tem umas 15, 20 afinações, problema não vai haver, porque
sempre vai ter uma que vai resolver. Não existe o problema. (Vilela, 2015)

Paulo Freire sugere que a solução passaria mais pelo estudo aprofundado do músico,
nomeadamente em extrair o máximo de possibilidades harmónicas e melódicas das
afinações escolhidas.

[...] acho que essa questão da afinação, eu acho que não é problema se a pessoa é estudada. (Freire,
2015)

Relativamente à construção, e se seria necessário alterar algo com o intuito da viola


caipira ser transportada para outros géneros, os entrevistados foram enfáticos afirmado que
não seria necessária nenhuma alteração num primeiro momento. Entretanto, Ivan Vilela,
José Barros e Junior da Violla relataram posteriormente que fizeram pequenas alterações,
mas que não houve variação na qualidade sonora do instrumento. No caso do Ivan Vilela,
foi alterado o tamanho da caixa e a viola tem mais volume, provavelmente devido ao facto
de ser também concertista a solo, posição que possivelmente o levou a essa necessidade para
projectar melhor o som da viola caipira em salas de teatro e auditórios. Junior da Violla,
mandou fazer uma viola com 6 ordens duplas, resgatando uma viola construída no Brasil em
meados do século XX, utilizando-a em géneros como rock, blues, e por isso possivelmente
lhe surgiu a conveniência de inserir mais um par de cordas. José Barros nesse momento tem
uma viola braguesa a ser feita pelo construtor Ferroni no Brasil, na qual mandou colocar
mais trastes, aumentando o seu número dos tradicionais 10 para 16, conforme relatou na
entrevista. Nilson Dourado observou que há no mercado variados tipos de viola com
destintos recursos em relação ao timbre, portanto não faltaria material para trabalhar, ou

21
seja, para tocar outros estilos. Paulo Freire pensa também que não há necessidade de alterar
nada a nível de construção da viola caipira. Portanto, concluo que a viola caipira atingiu um
patamar elevado onde encontramos instrumentos com excelência máxima em sua
construção. Nota-se que o instrumento está muito evoluído, entretanto, pode vir a ter
eventuais alterações consoante a necessidade de cada músico. Alterações essas que não
apresentem mudanças no caráter do timbre instrumento. Ou seja, por mais que se faça
alguma alteração, desde medidas ou mesmo no número de trastes o ordem de cordas, vai
sempre soar e ser identificada como uma viola caipira.

Em relação a técnica, houve no inicio da pesquisa a intuição de que esta seria o


elemento primordial para a mudança de rumo do instrumento. Foquei então na possibilidade
de utilização na viola caipira da técnica de mão direita conhecida como dedilho e figueta
(ver pg. 14), a mesma que os guitarristas de fado utilizam na guitarra portuguesa. Optei por
esse caminho devido a guitarra portuguesa também possuir cordas duplas de aço. Os
entrevistados conheciam essa técnica e acham que é factível a utilização da mesma, com
excepção de Paulo Freire, que curiosamente não sabia que era esse o nome atribuído à essa
forma de tocar, mas curiosamente já fazia uso da técnica com frequência, porém sem a
utilização das habituais próteses utilizadas na execução da guitarra portuguesa. Apesar da
técnica ser uma ferramenta importante no estudo de qualquer instrumento, no caso da viola
caipira talvez não é a mais relevante para o propósito de transportá-la para outros estilos.
Talvez a busca de uma nova forma de tocar o instrumento desvinculada da tradição, seja
relevante apenas caso haja alguma necessidade por parte músico, ou seja, se dentro dos
novos estilos pretendidos os mesmos obriguem que os executantes busquem outras formas
de abordar um instrumento.

Eu acho que a função de um instrumento, a principal função do instrumento, é transmitir a essência do

músico que o toca. (Dourado, 2015)

22
I. Tabela resumida com a opinião dos entrevistados
Tabela 1
Ivan Vilela Paulo Freire José Barros Nilson Dourado Junior da
Entrevistas
Violla
Tocou outros estilos Sim Sim Sim (restrito) Sim Sim
Problemática da Alguma, mas
Afinação Para depende da Acha que deve ser
Divergente e pouco Dependendo do
Outros Estilos Nenhuma capacidade e alterada consoante a
conclusiva estilo sim
conhecimento de cada situação
cada executante
A Restrição da
Viola à Música Discorda Discorda Pouco Conclusivo Discorda Discorda
Tradicional
Alteração na
Não Não Não Não Não
Construção
Manutenção das
Técnicas e
Sim Sim Sim Sim Sim
Linguagens
Tradicional
Mudou alguma
coisa na sua Sim Sim Sim Sim Sim
própria técnica
Conhecimento da Não sabia do nome,
Técnica do Dedilho Sim mas já conhecia de Sim Sim Sim
forma prática
Utilização da
técnica do Dedilho Aprova Aprova Aprova Aprova Aprova
na Viola Caipira

23
Conclusão

Numa primeira avaliação, é possível que haja uma uma iniciativa colectiva de um
desabrochar da viola para outros géneros, assim como uma aceitação maior por parte dos
tocadores de viola caipira. Talvez para que o instrumento alcance outros universos musicais,
concluo que seja necessária uma nova atitude por parte do executante de viola caipira, assim
como um preparo aprofundado da linguagem para qual ele queira usar o instrumento em
outros estilos, como mencionou José Barros em sua entrevista (Anexo III). Propriamente em
relação à viola caipira, até o momento não identifiquei executantes do instrumento que não
tenham passado pelo estudo tradicional da viola caipira, embora muitos hoje tenham
preparação e conhecimento musical suficientes para tocarem também outros géneros. O
cenário actual é bastante destinto do da década de 60, onde houve um tentativa de inserção
do instrumento no universo erudito através de obras de Ascendino Theodoro Nogueira, mas
sem grandes efeitos, como já descrito aqui neste relatório.

O instrumento precisa ser mais divulgado? É evidente que se fosse mais conhecido e
se em outros países comercializassem a viola caipira, ela seria possivelmente assumida pelos
músicos desses locais e possivelmente com uma abordagem mais relacionada às suas
respectivas culturas. Presumo que se houvesse uma descontextualização do instrumento e se
atribuíssem a técnica pesquisada, assim como possíveis outras ainda não experimentadas,
seria completamente viável e talvez uma realidade próxima da qual vivemos.

É claro que é possível procurar uma outra forma de abordar o instrumento que não
carregue tanto as características da tradição. A abordagem técnica sugerida na revisão da
literatura (dedilho e figueta) é viável e aceitável, pois também consegue criar novos rumos à
viola caipira, mas ao mesmo tempo permite que o instrumento também soe da forma
tradicional. Por outro lado, essa técnica esbarra em alguns pormenores que devem ser
trabalhados pelo executante que navegam fora do estilio denominado fado, onde ela é muito
utilizada.

Os instrumentos de corda dupla de aço são naturalmente mais difíceis de se obter um


som mais claro em oposicão a guitarre eléctrica e a guitarra acústica, por exemplo. Ao usar a
técnica do dedilho e figueta é importante salientar que as nostas mais fortes e interessantes

24
da melodia devem ser com a palhetada para dentro e não para fora. No fado, sobretudo na
escola de Lisboa, existe o recusrso de trinar a nota para que a última seja para dentro. Em
estílos mais onde as notas são mais estacatas, como o choro, por vezes algumas notas
interessantes da melodia ficam com a palhetada para fora. O mesmo acontece quando
executa-se melodias tercinadas dos standarts de jazz. A soluçaõ que encontrei é de tocar na
corda com ao meio e não com a ponta da palheta, obtendo uma sonoridade mais cheia e um
som mais uniforme tanto na palhetada para dentro quanto na palhetada para fora. Observei
essa situação nos tocadores de guitarra de Coimba (figura 2), pois os de Lisboa toca-se com
a ponta da palheta para que se obtenha mais trinados (figura 1), uma forte característica do
fado lisboeta. Entretanto, essa forma de tocar não pode ser aceite como exclusiva, pois a
técnica utilizada deve estar adaptada às necessidades de cada músico.

Figura 1 Figura 2

As alterações na afinação não têm um papel determinante na identidade sonora da


viola. Como já foi constatado, a viola caipira possui dezenas de afinações catalogadas e
nenhuma delas fez com que o instrumento perdesse sua identidade. Trata-se, portanto, de
uma questão de escolha e não uma problemática para a passagem para outros ritmos.
Entretanto, para que se possa tirar melhor partido de acordes com sétimas, nonas, décimas
terceiras, entre outros, resolvi abdicar da fundamental do acorde e utilizar as terças, quintas,
sétimas e extensões seguindo a mesma lógica utilizada pelos pianistas de jazz na formação
dos acordes ou seja:

A: 3, 5, 7, 9 e B: 7, 9, 3, 5, assim como a alterando para A: 7, 3, 5, 2 e B: 3, 7,


9, 5 (figura 3), consoante a região do braço e ou a tonalidade que estiver
tocando. Um questão de escolha.

25
Figura 3

De acordo com o esquema de acordes sugerido para o piano é possível obter acordes
com extenções, porém sem grande nescessidade de abertura dos dedos (figura 4). É
importante ressaltar que essas formações de acordes aqui sugeridas são para as afinações
cebolão em mi, já aqui mencionada na página 7.

Figura 4

Também é importante observar que para acordes dominantes, ou seja, acordes


maiores com a sétima menor, foi supremida a quinta, sendo assim substituída pela décima-
terceira nas sugestões apresentadas.

Em relação a contrução ficou claro que a viola caipira está muito avançada. São
muitos construtores com elevado nível de conhecimento, e os entrevistados deixaram bem
claro essa questão. Não encontrei nenhum empecilho relacionado a sua construção que
possa limitar sua execução num âmbito geral.

Por fim, através de uma conclusão mais abrangente, constatei que a viola caipira é
um instrumento que possui todas as condições para ser utilizada em diversos outros estilos
musicais para além dos seus inúmeros e habituais géneros tradicionais. O que ficou evidente
é que essa mudança passa primordialmente pelo desejo e pela atitude do violeiro, embora
essa atitude esteja ainda apontada para a direcção da música tradicional, um cenário que
parece mudar pouco a pouco.

26
Como sou também violeiro, pretendo no fim do projeto apresentar um material
sonoro onde possa mostrar a alteração do carácter da viola caipira através de uma técnica
diferenciada da tradicional. Recentemente, em Janeiro de 2015, o grupo D’Alambre editou o
disco Tierra Seca y Caramelo com o selo da Primetime, onde a viola caipira é apresentada
como um dos actores principais do projeto e de uma forma mesmo distante do universo
folclórico da viola caipira, onde foi executada somente com a técnica do dedilho figueta,
afinada em cebolão em Mi, afinação tradicional da região Sudeste do Brasil. Nesse disco,
dentro de universo ibero-latino-americano a viola surge com a sua sonoridade, mas com
outro vocabulário, desprendida de seu universo tradicional num disco com canções em
espanhol e em português. Também apresento o disco Sem Fronteiras onde a viola caipira
também é utilizada em contextos musicais distantes do esperado, mas também com temas de
compositores do meio rural tradicional, mas com uma releitura fora desse contexto e
executada por músicos de outras áreas, sobretudo a música africana. Esses dois materiais
fonográficos seguem anexo ao projeto. O disco Tierra Seca y Caramelo como suporte físico
e o disco Sem Fronteiras em uma master, pois está disponível apenas em formato digital até
o momento em que este relatório foi finalizado.

27
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Silva, José Ricardo Cardoso. (2012) O Fado e a Guitarra Portuguesa no 3ºCiclo do Ensino
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Soboll, Renate Stephanes. (2007). Arranjos de Música Regional do Sertão Caipira e Sua
Inserção no Repertório de Coros Amadores. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.

Sousa, Walter de. (2005). Moda Inviolada: Uma História da Música Caipira. São Paulo:
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Taborda, Márcia. (2011). Violão e Identidade Nacional. Rio de Janeiro: Ed. Civilização
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Júnior, 55-61. Salvador: Fundação ADM.

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Vilela, Ivan. (2011). Cantando A Própria História. São Paulo: Universidade de São Paulo.

30
Vilela, Ivan. O Caipira e a Viola Brasileira. São Paulo: Calibre 0.8.20.

Vilela, Ivan. Estudos Avançados 24 (69). (2010). Artigo: Viola Vem Cantando. p. 323 –
p.347São Paulo: USP.

Documentário

Cordas Caipiras: A viola como Instrumento de Resistência, produzido por Samuel


Leite e Victor Prates - Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto – 2013.

Internet

YouTube: Ze Côco do Riachão - Escada do Céu Inhuma

https://www.youtube.com/watch?v=T1SN6H_hGSw. Acesso em 18 de Setembro de


2015.

CD

Tierra Seca y Caramelo (2015) – D’Alambre. Editora: Primetime Records.

Sem Fronteiras (2016) – Gustavo Roriz. Editora: Primetime Records.

31
Anexo I
Biografia dos colaboradores

Ivan Vilela
Renomado violeiro do cenário brasileiro, possui uma técnica muito bem trabalhada e
uma longa carreira como instrumentista, compositor, professor e pesquisador. Entusiasta da
viola caipira, licenciou-se pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e fez
doutoramento pela Universidade de São Paulo (USP). Engajado na pesquisa da viola caipira,
abordou o instrumento com uma nova técnica onde executa corda por corda, sem atacar os
pares em simultâneo. Essa abordagem foi registada no disco Dez Cordas. Para além desse,
Ivan Vilela editou mais 3 discos e 3 DVDs. Editou dezenas de artigos e em 2013 o livro
Cantando a Própria História, Ivan Vilela ´uma das referências máximas da vila caipira
tradicional e moderna do país.13

Paulo Freire
Também renomado violeiro brasileiro, Paulo Freire teve também uma formação
musical bem aprofundada sendo aluno de violão e guitarra eléctrica no CLAM, escola
dirigida pelo Zimbo Trio. Entretanto, sua formação de viola caipira foi de acordo com a
tradição oral na pequenina vila de Urucuia, Minas Gerais. Mais precisamente em um
povoado chamado de Porto Manga. Seu mestre de viola foi Manuel de Oliveira, também
conhecido como Manelim, um grande violeiro tradicional, utilizador da afinação rio abaixo
e utilizador de uma técnica muito semelhante a do dedilho, utilizando o polegar e o
indicador. Com 10 Cds editados, mais participação em dois outros, e com 8 livros no
mercado, Paulo Freire se destaca no mercado da viola caipira14.

Junior da Violla
Desde cedo ouvia músicas tradicionais como Tonico & Tinoco, Tião Carreiro &
Pardinho, Zé Carreiro & Carreirinho, mas ao mesmo tempo ouvias os sucessos das rádios
FM como Blitz, Paralamas, Legião Urbana, entre outros. Seu interesse pela viola começa ao
ver Almir Sater na novela Rei do Gado. Levou a viola por estilos como Blues e Rock,
13 Informação mesclada entre dados da entrevista e o site do artista http://www.ivanvilela.com.br acessado em
25/05/2015
14 Informação mesclada entre dados da entrevista e o site do artista http://www.paulofreirevioleiro.com.br
acessado em 25/05/2015

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passando por grupos como Blood Eyes e WhyRock. Diversidade essa que sempre o
acompanhou ao longo de sua carreira. Nesta época revezava-se entre a viola de 10 cordas e
o violão de 12 cordas ja que os dois instrumentos possuem similaridades. O ano de 1999
marca o início de sua carreira solo como concertista de viola e o direcionamento total a viola
de 10 cordas. Em Janeiro de 2000 conheceu o professor Rui Torneze de Araújo, o qual se
tornou seu mestre e principal influência e começa a compor suas primeiras obras
instrumentais como "Rio Sorocaba" e "Chão Marcado"15.

Nilson Dourado
Nilson Dourado é brasileiro, natural de São Paulo – capital; é multi instrumentista,
compositor, arranjador e produtor. Auto didata em vários instrumentos como guitarra
elétrica, percussão, clarinete, baixo, piano, entre outros. É formado em viola caipira (viola
brasileira-dez cordas), pela (Universidade Livre de Música – Tom Jobim) em São Paulo,
onde estudou o instrumento com Rui Torneze16. Nilson Dourado é o único entrevistado que
teve orientação de um professor desde o início de seus estudos na viola caipira. Hoje reside
em Portugal e é conhecedor dos movimentos culturais tradicionais do Brasil e de Portugal.

José Barros
Músico português, é o único entrevistado que não tem a viola caipira como o seu
principal instrumento, mas sim a viola braguesa. Foi escolhido por ser reconhecido como
conhecedor da cultura tradicional portuguesa, mas também das tradições da viola caipira.
Com uma discografia perto de 20 discos, José Barros é líder, compositor e arranjador do
grupo Navegantes. Sua tentativa de tocar a braguesa em outros géneros é mínima, e sua
postura é a mais engajada de todos os entrevistados, característica já conhecida previamente
de forma pessoal.

15 Informação mesclada entre dados da entrevista e o site do artista http://http://www.juniordaviolla.com.br


acessado em 25/05/2015
16 Informação mesclada entre dados da entrevista e o site do artista http://www.nilsondourado.com acessado
em 25/05/15

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Anexo II

Segue nesse anexo com o guião das perguntas utilizadas para as entrevistas.

1. Fale rapidamente sobre a carreira.

2. Acha que a viola foi feita só para tocar música tradicional?

3. Já tocou outros estilos com a viola? Quais?

4. A afinação é um problema para tocar outros estilos?

5. Seria necessário alterar alguma coisa na construção do instrumento?

6. Acha que deve ser mantido o "sotaque" da viola em outros estilos?

7. A técnica utilizada habitualmente no instrumento poderia ser mantida, ou acha que ela
fortalece suas características tradicionais ou chegou a alterar algo na técnica para tocar
outros estilos?

8. Conhece a técnica do dedilho e figueta?

9. Poderia ser utilizada essa técnica no instrumento?

10. A migração da viola para outros géneros é ainda muito pouco desenvolvida. Qual a
principal razão que acha na sua experiência?

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Anexo III

PROTOCOLO DAS ENTREVISTAS

1. Transcrição da Entrevista com o violeiro Ivan Vilela

Data de realização: 06 de Abril de 2015


Horário: Das 14:54h às 15:29h
Local: Através do Skype acessado na Calçada de Santa
Apolónia, nº 34 Lisboa – Portugal
Investigador Científico: Gustavo Neves Roriz (E.C.)
Entrevistado: Ivan Vilela (Ivan Vilela)

(E.C.) 1 - Acha que a viola foi feita só para tocar música tradicional?

(Ivan Vilela) Não, de forma alguma. Nenhum instrumento é feito para tocar. Você tem
instrumentos com caráter idiomático porque o idiomatismo foi resultado dele ter sido
utilizado largamente por determinadas culturas, mas nenhum instrumento, ou você pensa
que todos são idiomáticos. O violino é hindu, é cigano, ali dos hindus, depois que veio para
a Europa. Você tem o alaúde árabe você pode tocar música árabe, você pode tocar um monte
de coisa com ele. Isso é um equivoco achar que instrumento ele é só idiomático, porque todo
instrumento em algum momento da vida foi idiomático depois deixou de ser.

(E.C.) 2 - Já tocou outros estilos com a viola? Quais?

(Ivan Vilela) Já, já toquei de tudo. Já trabalhei com um grupo de musica medieval aqui n

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Brasil, o Ânima. Toquei muita coisa da renascença e do barroco e toco musica instrumental
de maneira geral hoje. Toco muita música caipira, já toquei mais na realidade, né. Quando
eu tive ligado ai à direção de orquestras de viola que até to voltando agora a fazer esse
trabalho, então é um repertório mais caipira. Mas, a viola é um instrumento, ela é idiomático
no Brasil, mas ela não é só caipira, ela é nordestina também. Foi aonde ela se desenvolveu,
nessas duas regiões. Mas, é um instrumento pelo de potencialidades. Eu não acredito que um
instrumento é feito para tocar só um tipo de música.

(E.C.) 3 - A afinação é um problema para tocar outros estilos?

(Ivan Vilela) Você pensando que no Brasil você tem umas 15, 20 afinações, problema não
vai haver, porque sempre vai ter uma que vai resolver. Não existe o problema. Pro exemplo,
eu toco muita coisa do rio abaixo, que é uma afinação amarantina. Sabe o rio abaixo, aquela
afinação em sol, né? O sol, ré, sol, si, ré. Eu toco em boiadeira, que é sol, ré, fa sustenido, lá
ré. Então, assim, você adapta as coisas para tocar. Mas, não existe problema nenhum em
relação essa coisa da afinação. Essa diversidade de afinação acaba sendo útil para você
conseguir tocar outras coisas, né.

(E.C.) Então toca em várias afinação, Ivan?

(Ivan Vilela) Eu propriamente não toco em várias afinações, mas eu adapto tudo para... Tiro
outras coisas nas afinações que eu domino mais, que é cebolão, boiadeira, coisas assim, né.

(E.C.) Te ouvi muito em cebolão em ré.

(Ivan Vilela) É o cebolão e ré, exactamente. Porquê não em mi? O ré é um tom mais
amigável. Você vai tocar com cordas todos os instrumentos tem ré e lá soltos nas cordas
friccionadas. Você vai tocar com um saxofone, ré é menos doloroso do que um mi, entende,
para um cara que está afinado em si bemol, um cara que está afinado em mi bemol.

(E.C.) Fá sustenido ninguém aguenta, é óbvio.

(Ivan Vilela) Exactamente, então fica muito complicado. O ré é um tom mais amigável.

36
Agora a minha escolha ela se deveu também ao facto de eu trabalhar muito solo, o ré... esse
um tom aí, você tocar uma hora, uma hora e meia a solo um tom abaixo faz uma diferença.
Para o ouvido das pessoas para a densidade da música, fica melhor. Eu gosto de tocar com
cordas mais aveludadas e não com cordas estridentes.

(E.C.) 4 - Seria necessário alterar alguma coisa na construção do instrumento?

(Ivan Vilela) Não, não. No caso do Brasil a viola, é o que eu te falei ela acompanhou a
lutheria do violão. Mas, a minha viola, por exemplo é uma viola pequena e com a caixa
muito fina, mas ela tem uma sonoridade absurda. Então, aí vai o segredo de cada construtor,
a maneira como ele abre o leque ali dentro do instrumento, né. Então eu não creio que seja
necessário, né. O que eu acho é que talvez a ligação com a cultura popular aí em Portugal e
até a própria estrutura cultural de Portugal que é menos removente que a do Brasil. No
Brasil as coisas são mais mutáveis. É uma cultura, como eu falei, com uma cultura oral
muito forte as coisas mudam com muita facilidade, elas se adaptam. O Brasil teve essa
maleabilidade de adaptar a viola ao desenvolvimento organológico do violão e eu acho que
Portugal não se deu conta disso ainda, é a sensação que eu tenho.

(E.C.) 5 - Acha que deve ser mantido o "sotaque" da viola em outros estilos?

(Ivan Vilela) Olha, a viola, no caso das afinações que a gente usa. As afinações nossas aqui
são construídas na ideia de campo harmónico de manutenção das terças de distância das
cordas. Que se você faz ali com a viola afinada em cebolão, terceiro e quarto par uma escala
duetada com os dois dedinhos você está utilizando o primeiro e o terceiro grau do campo
harmónico. Se você fizer com a terceira corda e com a segunda corda uma escala duetada,
você vai está utilizando o terceiro e o quinto grau do campo harmónico. Então, essa coisa de
você explorar essa potencialidades que a afinação lhe sugere é uma coisa inteligente até. Por
exemplo, eu fiz um arranjo de Beatles e chega um momento do Eleanor Rigby, não sei se
você já ouvi. Tem hora que eu uso terças para fazer o refrão ali, em terçãs. Então, você
utiliza recursos de idiomatismos que não são propriamente da viola, mas da afinação da
viola. É complicado a gente tratar um instrumento como idiomático, no caso da viola é
muito mais a afinação que é idiomática. Que se eu uso uma afinação natural eu vou poder
tocar igual o violão.

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(E.C.) É verdade, tem gente que usa numa boa.

(Ivan Vilela) Sim, no Nordeste é a mais comum. Então o primeiro método de viola que a
gente tem notícia que é de 1789 do Manuel da Paixão Ribeiro em Coimbra, eu tenho uma
versão faximilar dele aqui, que se você não tiver eu posso te mandar.

(E.C.) Eu gostava de ter.

(Ivan Vilela) Tá óptimo, eu mando para você. É a afinação natural.

(E.C.) O que é essa afinação natural?

(Ivan Vilela) Mi, si, sol, ré lá17. Essa afinação é da Renascença. Essa afinação é
Renascentista.

(E.C.) Mi, si, sol, ré lá. Você está pensando da mais aguda para a mais grave?

(Ivan Vilela) Isso! Igualzinho ao violão.

(E.C.) Igualzinho ao violão. É como se fosse um violão sem o mi. Sem o bordão mi.

(Ivan Vilela) Exactamente!

(E.C.) Que interessante. Que engraçado e é uma afinação antiga.


Ivan Vilela: É uma afinação antiga da Renascença.

(E.C.) Curioso. Não sabia que usavam essa afinação.

(Ivan Vilela) é uma afinação muito usual. No nordeste só se usa ela, no Rio de Janeiro
também o pessoal trabalha muito com essa afinação e com o rio abaixo, que é uma afinação
portuguesa. Agora o cebolão, embora já exista uma afinação em ré na viola Campaniça, não

17 Essa sequência é da mais aguda para a mais grave. Muitos músicos no Brasil falam a sequência da mais
grave para a mais aguda.

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existia nos registros antigos do Ernesto Veiga Oliveira que é aquele livro Instrumentos
Musicais Populares Portugueses, que você já deve ter tido acesso aí, né?

(E.C.) Do, desculpa?

(Ivan Vilela) Ernesto Veiga Oliveira. É o livro mais completo que tem n o mundo sobre
instrumentos de cordas, né.

(E.C.) Eu vou já anotar isso aqui porque estou muito além dessas informações.

(Ivan Vilela) Nossa, rapaz, esse livro inclusive a FNAC, ou melhor, a Calouste Gulbenkian
fez uma edição belíssima dele aí, sabe.

(E.C.) Já vou atrás essa semana. Não sabia que havia um tesouro desse aqui ao lado da
minha casa, porque a Gulbenkian é aqui ao lado da minha casa.

(Ivan Vilela) Nossa rapaz, é uma edição belíssima. Eu quando fui peguei uma liquidação eu
paguei 11€ nesse livro. Não eram 11€, eu paguei 11$. Não era nada. Estava liquidando.
Inclusive tinha um livro na loja e eu fiquei revirando a loja inteira para achar o livro, sabe.
Então, é um livro bem interessante. Você vai achar muita informação e a afinação no caso o
cebolão é uma afinação paulista, é uma afinação feita para tocar música caipira. Ela é uma
afinação que aceita muito uma disposição rítmica assim bem forte, diferente do rio abaixo.
Você bater pagode caipira no não soa tão fácil como no...18

(E.C.) É uma afinação que eu me adaptei mais.

(Ivan Vilela) O rio abaixo.

(E.C.) Não o cebolão.

(Ivan Vilela) Cebolão! Certo.

18 Ele não completou a frase, mas ficou evidente que se referia ao cebolão fazendo uma comparação entre as
duas afinações.

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(E.C.) Dá para ocar outras coisas.

(Ivan Vilela) Entendi.

(E.C.) Dá para fazer uns acordes, para tocar uma música africana, por exemplo.

(Ivan Vilela) Que bacana! Que legal!

(E.C.) 6 - A técnica utilizada habitualmente no instrumento poderia ser mantida, ou


acha que ela fortalece suas características tradicionais ou chegou a alterar algo na
técnica para tocar outros estilos?
(Ivan Vilela) Mudei, mudei! Eu acabei desenvolvendo uma outra idéia que é você não tocar
5 pares, mas você tocar 10 cordas independentes.

(E.C.) Sim, eu acho que há um disco chamado Des Cordas!

(Ivan Vilela) É! Esse disco na realidade é um exemplo desses arranjos todos que eu fiz. Que
eu agora resolvi separar fazer disco autoral e de arranjo por causa de direitos autorais. Então
esse disco é um disco inteiro, mas o próximo também do Do Corpo à Raiz e enfim, todos os
outros arranjos que eu tenho, até o que eu to gravando agora, utiliza muito essa idéia das dez
cordas, você tocar os pares as notas separadamente em cada para. Então eu toco por
exemplo o terceiro par eu toco só a grave, eu toco só a aguda.

(E.C.) Chegou a alterar a construção do instrumento para ter mais espaço?

(Ivan Vilela) Não a construção do instrumento não. Não alterei nada a construção, eu
simplesmente abri um pouquinho a distância entre as notas do mesmo par para poder dá
conta de fazer isso.

(E.C.) Interessante, né? Ou seja, quase que hora ou outra quase que virou outro instrumento
porque não tem as duas cordas ao mesmo tempo.
Ivan Vilela: Exactamente, você tem uma... Na realidade eu busquei isso aí pelo seguinte.
Você consegue uma interlocução melhor entre melodia e harmonia. Você deixa a melodia
mais solta dentro da sua estrutura. É como se tivesse dois instrumentos mesmo trabalhando.

40
Então a ideia foi essa. Porque na realidade o primeiro cara que vai fazer isso é em 1962 um
compositor chamado Acendino Teodoro Nogueira, ele faz umas adaptações de Bach para a
viola que ele acba utilizando isso, mas o Geraldo Ribeiro para tocar ele coloca a corda grave
em cima da aguda, aí fica fácil né? (…) Aí é mais fácil vocês acertar só uma. No caso não,
eu mantive. O Renato Andrade trabalhou muito essa ideia em harpejos, mas ninguém tinha
trabalhado efectivamente essa ideia melódico-hamornicamente falando, que foi o que eu
comecei a fazer.

(E.C.) Deve ser muito difícil.(...)

(Ivan Vilela) Não, não é assim. Me deu muito trabalho, deu muita dor na mão, por que na
hora que eu abri o espaço entre as cordas eu comecei a ter um flan na hora de tocar. Não
tocava mais pan, tocava pa-ran. Aí eu tive que aumentar a velocidade, só que quando você
aumenta a velocidade você aumenta o volume. Aí eu tive que ficar umas duas semanas para
conseguir aumentar a velocidade sem alterar o volume porque quando você quer tocar uma
nota mais forte você não usa a força, melhor coisa que você usa é a velocidade. Você fazer
um crescendo ele fica muito mais perfeito se você trabalhar a velocidade do que a força, né.
Então deu muito trabalho e depois foi um ano e meio de trabalho de conseguir tirar a
intensidade nas notas com movimentos muito curtos dos dedos. Então foi um trabalho, tive
que ficar aí um ano e meio na Técnica de Alexandro que foi dando muita tensão na mão,
essa coisa toda, para poder fazer isso. Mas, depois que você começa a tocar fica fácil, não
tem muito segredo não.

(…)

(E.C.) 7 - Conhece a técnica do dedilho e figueta?

(Ivan Vilela) Daquela coisa da guitarra portuguesa? Sei, muito bacana.

(E.C.) 8 - Poderia ser utilizada essa técnica no instrumento?

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(Ivan Vilela) Eu acho espectacular. Rapaz, toda contribuição é importante, sabe? Essa coisa
da gente ficar, que é uma coisa muito presa na música clássica. Na música clássica você tem
os compositores e tem os interpretes que vão tocar sempre as mesmas músicas dos
compositores, e no nosso caso não, a gente é mais livre para isso. A gente é mais livre para
poder inventar as coisas, criar novos modos, música popular tem essa versatilidade. E é uma
versatilidade imensa, tanto que quando pessoal fala “Ah! O tonalismo acabou.”. Acabou o
cacete, entende? Esse encontro do tonalismo com novas perspectivas rítmicas nas músicas
do continente americano e modalismos também, deram uma outra cara para esse tonalismo.
Você vai dizer que o tonalismo acabou no final do século XIX? Bobagem! Entende, na
música brasileira e no jazz os caras continuaram abrindo muito essa coisa.

(E.C.) 9 - A migração da viola para outros géneros é ainda muito pouco desenvolvida.
Qual a principal razão que acha na sua experiência?

(Ivan Vilela) A viola está na moda agora.(...)


Eu acho que vai imigrar, é uma questão de tempo. O grande representante da viola no Brasil
é o estado de São Paulo e Minas Gerais19, né. Eu em 2004/2005, eu organizei um Prêmio
Nacional de Música Instrumental de Viola, um prêmio muito grande aí. Tinha etapa de
Recife até Curitiba, como várias etapas (Interrupção do Telefone).

E então, eu tinha uma média de 60/70% das inscrições do Brasil do estado de São
Paulo, e dessas 60% da Cidade de São Paulo. Que é o grande repositório de cultura popular
do Brasil hoje, que o povo vem para cá. Você pega São José dos Campos, São José tem 8
folias de reis, Campinas tem 7 folias de reis, uma cidade com um milhão de habitantes com
7 folias. Então, essas coisas são muito interessantes. E o que acontece é que... Puta, perdi o
fio da vez, esse telefone aí me tirou o fio da....

(E.C.) Nós estávamos falando da migração do instrumento para outros estilos.

(Ivan Vilela) Ah, sim! A migração é inevitável a medida em que outras pessoas vão
utilizando o instrumento. Você tem um movimento chamado Caipira Groove ou Viola
Turbinada que são várias bandas de roque que utilizam a viola aqui, né. Tem até festivais no
19 São Paulo e Minas Gerais são dois estados distintos. Foi referido dessa forma por uma questão de sotaque
regionalista do entrevistado, não utilizando o plural na forma informa. O mais formal seria “Os grande
representante da viola no Brasil são os estados de São Paulo e de Minas Gerais.”

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SESC20 aqui desse género, né. Então a tendência é essa. Eu gravei agora um disco que vai
sair esse ano. Eu gravei ele em Novembro do ano passado com a Orquestra do Estado do
Mato Grosso, um disco inteiro de viola e orquestra. E o que eu estou fazendo agora é um
disco de viola instrumental com um baixo upright, bateria, teclado, mas fazendo umas
camas ali, e uma viola de arco.

20 SESC: Serviço Social do Comércio. Neste caso específico trata-se do SESC do Estado de São Paulo.

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2. Transcrição da Entrevista com o violeiro Paulo Freire

Data de realização: 16 de Abril de 2015


Horário: Às 18:42h
Local: Através do Skype acessado na Calçada de Santa
Apolónia, nº 34 Lisboa – Portugal
Investigador Científico: Gustavo Neves Roriz (E.C.)
Entrevistado: Paulo Freire (Paulo Freire)

(E.C.) 1 - Acha que a viola foi feita só para tocar música tradicional?

(Paulo Freire) É, bom, eu não acho não. Eu tenho a impressão, Gustavo, é assim, mas é
tudo impressão, não é? Porque o violão assim, por exemplo, formou uma escola de violão,
né? Então, eu acho que mesmo quando começou a se popularizar a viola aqui no Brasil já,
não sei talvez você saiba isso melhor que eu, acho que lá na Espanha já devia ter uma escola
de violão mais sólida, mais firme, sei lá, começo do Séc. XX. Não tinha já? O violão já não
era mais?...

(E.C.) É, o método de violão, acho que já até falei isso numa entrevista. Acho que é do
início do Séc. Xx mesmo.

(Paulo Freire) É, né... Então, eu acho que essa escola do violão ele foi se formando não é,
e, interessante por que... essa pergunta, né? Por que que a viola... bom... É, eu vou pra sua
segunda pergunta pra ver se eu consigo chegar na primeira.

Eu já toquei outros gêneros sim de viola. Eu participei de um grupo Orquestra


Popular de Câmera de São Paulo que eram vários instrumentistas e a viola num mundo mais
spot mais jazzista brasileiro, mais, é... com vária influências do mundo inteiro. Bom, o
grupo Ânima também, né. Toquei viola que é ligado mais a música antiga, como também
música tradicional que a viola faz. Tem alguns disco que eu toco a viola com, mais
precisamente no disco “Vai Ouvindo” que eu ligo a viola numa pedaleira, o disco é

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fundamentalmente em trio – viola, baixo e bateria. Não sei, uma viola mais pesada, mais...
não é tanto ligado ao, não sei se é ligada ao rock porque é o, é... mas, tem um rap de viola,
tem uma coisa mais pesada uma hora, como se fosse um bombardeio em Canudos
remetendo ao que o Hendrix fez no bombardeio no Vietnam. Então, eu acho que a viola ela
se dá bem nesses mundos, agora o que eu percebi tocando com outras pessoas, eu gravei
também no disco do Arnaldo Antunes, da Mônica Salmaso, que quanto mais você toca a
viola como ela é tocada de verdade, com a linguagem de viola, afinação de viola, técnica de
viola, quanto mais você toca a viola dessa maneira mais você consegue entrar nesse mundo
e mais esse mundo te aceita e você percebe uma riqueza muito grande dessa junção. Agora,
se for tocar uma viola que nem um violão de 10 cordas por exemplo, aí eu acho que perde a
graça, né?

E.C.) Perde a graça...

(Paulo Freire) E tem uns exemplos actualmente como Moda de Rock, por exemplo, do
Ricardo Vignini e do Zé Helder que eles fazem as músicas... você conhece?

(E.C.) Não, essa não.

(Paulo Freire) Paulo Freire: Então dá uma olhada na Internet. Chama Moda de Rock. Eles
pegam esses clássicos dos Led Zepling e transformam em tudo linguagem pra duas violas.
Agora, como eles são... O Ricardo principalmente é violeiro mesmo. Então soa tudo como
viola e parece que é música de viola mesmo, mas você vê que são esses grande clássicos. É
muito legal!
E tem, assim, tem gente fazendo outras coisas com a viola. Agora por que que a
viola?... Eu não sei se ela tem uma... Essa questão da afinação aberta, né, eu não sei se isso
não permite você... quer dizer, você tem que acabar estudando mais pra chegar numas
harmonias de... mais, mais... Mais complicadas ou melodicamente. Ah, Gustavo, eu não sei
te responder isso não, viu? Boa pergunta!

(Risos)

(…)

45
(Paulo Freire) Mas, você sabe que me ocorreram duas coisas. Primeiro eu acho que tem
uma questão grande do preconceito dos dois lados, né? Tem o preconceito do violeiro em
relação a música caipi... dos caipiras mesmo, né... da viola de você ter que ser aquela coisa
da música raiz de você não aceitar. Esse disco que eu fiz que chama “Vai Ouvindo” tem um,
eu lembrei, eu faço o ‘Round Midnight com viola de coxo, né. Que casou super bem com
baixo acústico, tal. Ou essa viola com os pedais. O pessoal desceu a lenha, né. Os mais
tradicionais que era um absurdo que eu estava fazendo, tava... aquela conversinha. E eu acho
que também tem o preconceito das pessoas, digamos que, das pessoas em relação à viola. As
pessoas mais cultas, eruditas em reacção a vila. O Renato Andrade, ele tem uma frase muito
boa encima desse preconceito que ele falava o seguinte que “a viola é que nem mortadela.
Todo mundo gosta, mas tem vergonha de comer na frente dos outros.” Então acho que tem
esse preconceito dos dois lados que acho que acba atrapalhando que a viola entre, e eu acho
que também que tem esse negócio de você, é... talvez se você pegar a viola colocar no, e
tocar... isso eu já fiz assim no começo da minha carreira quando eu não sabia tocar viola, eu
peguei a viola e toquei com a linguagem de violão. Então, eu acho que isso também não
anda também. Não acrescenta nada você pegar um violão de 12 cordas você vai acabar
fazendo a mesma coisa. Então eu acho que aquilo que eu falei, a partir do momento que
você pega a viola e toca com a linguagem dela mesmo, aí você pode entrar nos outros cantos
e acaba ficando enriquecedor pros dois lados. Talvez você vai entrar num monte de caminho
pra chegar nessa resposta.

(E.C.) 2 - A afinação é um problema para tocar outros estilos?

(Paulo Freire) Então, acho que a afinação é... depende, né. O pessoal que defende uma
viola mais tradicional, eles também [indecifrável] … tem uma certa preguiça em estudar
mais em se aprofundar musicalmente falando.

(E.C.) Desculpa, houve um corte “o pessoal que defende a música tradicional” e cortou
aqui.

(Paulo Freire) É, não todas, mas uma boa parte acha que você não tem que fazer acordes
mais complicados, que você não tem que buscar melodias diferentes, porque se não isso sai

46
da tradição. Deu essa interrompida, qual que era a pergunta mesmo?

(E.C.) Se a afinação era um problema.


(Paulo Freire) Ah, Afinação...

(E.C.) Pra outros estilos.


(Paulo Freire) Então que acho que essa questão da afinação, eu acho que não é problema se
a pessoa é estudada. Você sabe bem, você faz esse trabalho, achei tão bonito. Você sabe que
você tem que grudar no instrumento, porque tem um conceito de viola também, que eu não
acho errado, mas que ajuda um pouco a isso achar que o violeiro ele tem que ser além de um
instrumentista, ele tem que saber a vida da roça, conhecer os passarinhos, tem que ficar meio
a toa vendo a Natureza, tudo bem, mas tem que estudar pra caramba também, não é? Eu
acho que tem esses dois lados e afinação também tem uma coisa interessante que eu li a
pouco tempo o livro do Keith Richards, né. E o Keith Richards ele tá usando o rio abaixo
que é a afinação que eu adotei, né. E muita coisa assim que ele conta no livro dele, ele fez
tudo em rio abaixo. Eu achei o mais legal desse livro é assim que por mais louco que a gente
sabe que ele é, né. Não que ele aparenta ser, mas que ele sabe que ele é, ele desenvolveu
uma linguagem da guitarra pra tocar, e um cara que trabalha pra caramba tocando e encima
de uma afinação que as pessoas acham que pode ser limitada, mas não é, ela te leva à
lugares diferentes.

(E.C.) 3 - Seria necessário alterar alguma coisa na construção do instrumento?

(Paulo Freire) Para tocar com outros instrumentos?

(E.C.) Não, para tocar outros estilos. Pra viola tocar jazz, música erudita, ou rock ou o que
seja fora da tradição. Acha que há uma necessidade de alterar a construção do instrumento?

(Paulo Freire) Não, eu acho que não, acho que pelo contrário, você tem que manter o
instrumento como ele é, né? Mas, você tem que ter o cuidado de ser um instrumento com
uma afinação boa, né, fazer... é, você tem que ter o cuidado técnico em... com o som do
instrumento e com... Porque o som da viola também depende da forma dela, da construção.
Agora o Roberto Corrêa ele diz também ,né, que muito da evolução desses novos violeiro

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que apareceram vieram também com bons instrumentos que começaram a a parecer, né. Se
for pegar uma viola que é tocada na roça, por exemplo, já toquei bastante em folia de reis, é
uma viola que tem o som muito legal, mas não afina, não te dá recurso pra você desenvolver
outras coisas. Então eu acho que você tem que juntar as duas coisas, a parte técnica do
instrumento de você construir um instrumento bom, que soe bem, que afine, e com aquela
coisa mais, com a sonoridade da viola também. Isso também né. Gustavo. Sem contar as
partes mais mágicas da viola que a gente pode falar também.

(E.C.) Sim, sim, sim. A parte mística, né?

(Paulo Freire) Isso!

(E.C.) 4 - Acha que deve ser mantido o "sotaque" da viola em outros estilos?

(Paulo Freire) Então, quando lancei esse CD “Vai Ouvindo” teve uma critica, acho que foi,
não sei se foi da Guitar Player. Então, ele gostou, mas ele falou assim “a música que eu uso
uma pedaleira, olha isso não acrescenta nada, porque isso assim é como se fosse um som de
guitarra. Não parece uma viola sendo tocada.” Eu acho que pra parecer uma viola, porque
sonoramente você passar uma viola por uma pedaleira, dificilmente você vai ouvir um som
de viola. É como se fosse uma guitarra mesmo. Agora, se você tiver a linguagem de viola
das terças; das quintas, aí você pode chegar um pouco mais perto. Mas, eu meio que defendo
assim você tocar tudo num estilo de viola enquanto você está tocando viola, mesmo...
Porque eu acho que se você tem essa linguagem da viola, do som da roça, da música caipira
você pode enriquecer muito o trabalho que você tiver participando com essa linguagem de
viola.

(E.C.) 5 - A técnica utilizada habitualmente no instrumento poderia ser mantida, ou


acha que ela fortalece suas características tradicionais ou chegou a alterar algo na
técnica para tocar outros estilos?

(Paulo Freire) Então, eu vou te contar um causo desse, Gustavo. Quando eu estava
morando lá no sertão eu grudei no Seu Manuel de Oliveira, que é um lavrador, super

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violeiro, toca viola super bem. E eu já tocava violão, guitarra, tudo. E fiquei lá morando na
casa dele e a viola que eles tocam lá, essa viola em rio abaixo, só com o indicador e o
polegar. O indicador ele funciona como uma palheta pra cima e pra baixo e o polegar vai
fazendo os baixos, e as batidas de viola que com todos os dedos. O grosso da coisa deles é
com esses dois dedos, porque tem... eles chamam os toques de viola que tem relação com a
natureza. E tem muita música instrumental de viola que eles fazem sempre com esses dois
dedos. Bom, e eu quando eu vi o seu Manuel tocar e eu quis tocar igual a ele eu penei muito,
porque essa técnica do indicador indo pra cima e pra baixo é uma coisa assim meio difícil de
fazer, você tem meio que esquecer o violão, passar pra viola. Então eu ficava assim
estudando muito, estudando, estudando. Um dia eu cheguei na casa do seu Manuel um
violão lá. Aí eu peguei o violão do seu Manuel e comecei a tocar um choro aí depois eu
peguei e comecei a tocar viola. Ele falou assim “ô, Paulo, espera aí. Com o violão você usa
todos os dedos, mas com a viola você só usa dois.”. Falei “não, seu Manuel, é porque eu
quero tocar viola que nem o senhor com a técnica que o senhor toca, com indicador que vai
pra cá.” E o seu Manuel muito sério, ele parou um pouco e falou assim “Paulo, você tá
muito certo. Você toca viola que nem eu com os dois dedos, mas você sabe usar ou outros,
então usa os outros também.” E isso assim ficou uma coisa que era muito simples na época,
mas eu fui entender isso de uma coisa maior mais pra frente, porque de facto eu tive que
aprender daquele jeito com os dois dedos e eu uso muito essa técnica do seu Manuel. Mas
quando eu voltei lá do Urucuia eu quis fazer o meu trabalho, eu morava em São Paulo na
época, então eu queria tocar igual ao seu Manuel, eu queria fazer as coisas que nem ele, mas
eu nunca vou tocar que nem ele, né, porque tem milênio ali de tradição de sertão, de chuva...
[Indecifrável].

(…) Eu penso que só (…) o caminho (…) Quando eu comecei a usar as outras coisas
que eu já tinha (…) de música, como o jazz, a escola do Zimbo Trio com improvisação, ou
mesmo com uma pegada de rock, ou música brasileira, ou choro, então eu comecei a usar
essas coisas também que seriam, assim figurativamente falando usar os outros dedos, né. E
também comecei a usar os outros dedos da mesma fora que eu uso o indicador eu uso o
médio também, às vezes eu vou pra cima e vou pra baixo, então eu fui desenvolvendo uma
técnica encima dessa técnica do rio abaixo. Agora, a técnica do pagode do cebolão eu sou
totalmente cego. Eu não sei tocar, eu não sei direito. Agora, eu acho que essas técnicas
usadas pra essas afinações elas são muito importantes, mas eu acho que elas tem que ser
desenvolvidas. Eu acho que está se criando uma escola de viola, uns métodos ainda, alguns

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professores, vídeo aulas. Então eu acho que isso pode ser explorado cada vez mais. O
Fernando Deghi, você conhece?

(E.C.) Conheço, conheço sim.

(Paulo Freire) Então, o Deghi ele tem um trabalho muito bonito também e eu acho que ele
teve um problema no dedo também que ele acabou desenvolvendo uma coisa pro outro lado.
É aquilo que que a gente tava falando também, é uma escola nova da viola, o violão teve um
desenvolvimento muito grande, talvez por isso que ele tenha entrado mais nos outros
géneros, né, porque a viola você vê que é uma escola mais recente. E tem também uma outra
coisa que tem gente que acha que a viola não deve ser ensinada numa sala de aula, né. Tem
que ser ensinada na roça e tem gente que acha que não, curiosamente.

(E.C.) Então, curiosamente esse relato do seu Manuel. O seu Manuel estava onde? Em que
lugar do Brasil?

(Paulo Freire) O seu Manuel ele mora numa cidade chamada Urucuia. Quando morei lá ela
se chamava Porto de Manga, era um povoado. Noroeste de Minas perto de Goiás com a
Bahia.

(E.C.) Manuel do que, desculpe?

(Paulo Freire) Manuel de Oliveira. Ele é conhecido também por Mestre Manelinho.

(E.C.) O Riachão também tocava assim.

Paulo Freira: Então, o Riachão... ele é... a região lá é parecida, lá de Montes Claros. Então,
todo aquela região eles... eu acho até que o violeiro tradicional de São Paulo, mais antigo
assim, ele também usa esses dois dedos, mas como o rio abaixo você não tem os solos tanto
nas cordas graves que nem você tem o cebolão, né. Eu acho que o rio abaixo ele acabou
favorecendo mais essa técnica desse indicador indo e voltando.

(E.C.) Curiosamente esse relato tem haver com a próxima pergunta, que era se conhecia a
técnica do dedilho e figueta que é o nome que dá a essa técnica aqui na Europa, que é tocar

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só com o polegar e com o indicador.

(Paulo Freire) Ah é? E esse indicador ele vai e volta também?

(E.C.) É.

(Paulo Freire) E esse indicador ele vai e volta também?

(E.C.) É. Ele faz um movimento de vai e vem. É como se fosse uma palheta, né. É a técnica
que eu uso pra tocar. Foi a que eu escolhi pra tocar, que eu mais me adaptei. Eu não me
adaptei às outras técnicas.

(Paulo Freire) E é com a unha mesmo, você não põe nada assim no dedo.

(E.C.) Não, ponho. Eu depois abro o vídeo e te mostro. Eu to sempre com minha unha falsa.

(Paulo Freire) Não tem o alaúde que é tocado assim também?

(E.C.) O alaúde eles usam, o alaúde marroquino eles usam uma palheta comprida.

(Paulo Freire) Isso é... Mas, não tem um outro que você coloca também, tipo uma dedeira
no indicador também? Não sei que instrumento que é.

(E.C.) Tem um baixo, que é uma espécie de baixo marroquino que também se usa no
instrumento. É aquela mistura de percussão com cordas, né.

(Paulo Freire) Mas, ô Gustavo, é uma unha postiça ou é uma coisa típo uma palheta?

(E.C.) É uma unha que a gente faz mesmo em casa. Quer dizer, respondendo a pergunta
você conhece a técnica. Relatou agora tudo. Conhece a técnica do dedilho e figueta, enfim.

(Paulo Freire) Então, mas eu nem sabia que tinha nome. É uma técnica portuguesa?

(E.C.) Aqui em Portugal chama dedilho e figueta porque é utilizada pra tocar a guitarra

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portuguesa. A guitarra portuguesa só se soca com dois dedos.

(Paulo Freire) Pô, que legal.

(E.C.) Aquele som, né. Os trinados vem desse... As outras violas de arame portuguesa, as
violas de 10 cordas, da qual a viola caipira é uma variação colonial, soa tudo muito
parecido. Eles trinam muito. O trinado é uma coisa muito comum aqui em Portugal.
Bem, enfiam, as duas próximas perguntas praticamente foram respondidas porque é
“conhece a técnica do dedilho e figueta” e se ela poderia ser utilizada se essa técnica, na tua
experiência, se acha que essa técnica poderia ser utilizada na viola caipira.
Paulo Freire: Ah! Então, é sem dúvida, né. É o que eu venho fazendo. Eu acho que esse
negócio da escola da viola, é bacana isso que você está fazendo, por que se precisa se
descobrir muita coisa, né. Eu acho que tem muito chute também, né Gustavo? De gente que
dá muito “parpite” sem se aprofundar no negócio. Então, eu fico vendo assim n que eu
mais me aprofundei que foi essa música desse sertão mais longínquo, que tem pouquíssima
influência de rádio. Eu vejo assim tanta gente que vai lá, passa um fim-de-semana e chega
falando um monte de coisa, né. Que eu acho super importante que firmem posição mesmo e
expliquem o negócio como deve ser feito, né?

(E.C.) 6 - A migração da viola para outros géneros é ainda muito pouco desenvolvida.
Qual a principal razão que acha na sua experiência?

(Paulo Freire) Bom, é essas coisas que eu falei, né? O preconceito dos dois lados. Eu acho
que a falta de conhecimento do músico em tocar a viola como se toca viola. Se a gente for
pensar, tem a viola nordestina também que tem um outro sotaque. A viola nordestina, quem
começou a desenvolver mais lá que foi o Heraldo, ele toca com afinação de violão, mas ele
toca com a linguagem do nordeste, mas como se fosse um violão. Ele até reclama às vezes
que quando ele vai tocar viola que falta uma corda que seria a sexta corda. É, mas agora tem
uma turma lá tocando viola que tá indo prum outro lado, que é o Caçapa, o Hugo Lins, que
estão usando a viola com uma linguagem nordeste, mas com uma linguagem de viola lá do
Nordeste mesmo. Tem essa viola de cocho do Pantanal também, com uma linguagem toda
própria. Na verdade, por incrível que pareça, né, o Brasil está descobrindo a viola de uns
tempos pra cá. Que há aquela coisa do preconceito que o Renato Andrade falava, então ela

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tá conseguindo se firmar mais nesses lugares e... eu acho que tem um longo caminho que é
bom para os dois lados, tanto pra quem toca viola como pra quem participa de um grupo e
que leva uma pessoa que toca uma viola de verdade. Que não tá... é que falar que tá
chutando é chato, né, mas que não conhece a linguagem do instrumento. Acho que é, que
nem você pegar dois instrumentos, um sax soprano... Ah, não, isso eu não vou comparar
não.
E eu acho que tem outra coisa da viola também. Que é importante que é aquela coisa
da mística da viola, né, que desde que cheguei la no Urucuia a primeira coisa que falaram,
nas primeiras coisas que falaram foi o pacto com o diabo, né. E como eu tinha lido o
Guimarães Rosa que falava muito nisso eu achei assim fantástico que lá, né no meio da roça,
no sertão, eles ligassem a história do diabo com o instrumento, né. Que depois eu fui ver que
o Paganini que falavam também que ele tinha pacto e tal, que assim, a gente pode explicar
de várias maneiras, né, e uma das maneiras é que as pessoas não se dão conta, ficam muito
impressionados com o virtuosismo do violeiro de tanta beleza que ele cria, então eles acham
que só pode se coisa do diabo mesmo, né. Como é que eles conseguem tocar tanto? Então,
eles põe uma coisa assim meio demoníaca que é você sair do normal, né. Você sair daquela
coisa mais comum de tá acompanhando uma folia de reis e de repente o cara tá tocando
viola de um jeito totalmente dois e sapateando na parede, então o cara já começa a ficar
meio diferente assim. E esse lado da viola que liga com esses aspectos também, talvez isso
tenha distanciado um pouco a viola doas... da música, né. Porque eu acho que a viola, para
além de ser um instrumento musical é um instrumento que carrega muita história. Não sei se
eu to viajando muito aqui...(risos) Então, acho que talvez isso dificulte um pouco a entrada
dele nos outros meios. Por exemplo, essa Orquestra Popular de Câmara que eu tocava lá em
São Paulo com, tinha a Mônica Salmaso, Benjamim Taubikin, Teco Cardoso, Mané Silveira,
Silvinho Mazuka, grandes músicos da cena paulista assim. E quando eu entrei [Indecifrável]
eu falei “nossa, eu to tocando junto com os caras, né.” E quando eu foquei a viola, mesmo
com harmonias diferentes, tinha que tocar tudo que ele estavam tocando. Mas, quando eu
focava naquela técnica da viola e eles pediam pra eu contar ”cuaso”21 em show. Então eu
contava história. A viola o mais da terra possível. Isso gerava uma nova música mesmo, né.
O Teco uma vez ele fez uma comparação que ele nem falou pra mim, eu vi ele falando
naquele programa Metrópolis. Que ele falava que como se fosse, se tivesse feito uma casa
assim né, como se fosse uma casa de pau a pique se tivesse construído assim a casa e o barro
que você tá colocando na parede é o som da viola. Então, o tijolo assim, que não é o tijolo

21 O Mesmo que um acontecimento. Contar um “causo” é relatar uma história na linguagem caipira.

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que é o barro amaçado é a corda da viola numa casa construída. Então tem essa coisa poética
da viola também, que eu acho que é bom por um lado, mas por outro lado pode ser que
afaste um pouco de uma questão puramente musical.

3. Transcrição da Entrevista com o tocador de viola braguesa José Barros

Data de realização: 22 de Março de 2015


Horário: Às18:27h
Local: Por telefone na Calçada de Santa Apolónia, nº 34 Lisboa
– Portugal
Investigador Científico: Gustavo Neves Roriz (E.C.)
Entrevistado: José Barros (José Barros)

(E.C.) 1 - Acha que a viola foi feita só para tocar música tradicional?

(José Barros) Hum, eu tenho muitas dúvidas que algum dia alguém tenha pensado que estas
violas de arame eram só para tocar isto ou aquilo. Eu acho que quando um músico toca a sua
viola, toca nessa viola porque é a viola que gosta, tudo aquilo que ouve, tudo aquilo que
gosta, tudo aquilo que sente. Esse repertório poderá ser realmente o repertório que melhor
conhece, com o qual lida de perto, que é provavelmente o repertório popular. E nesse caso
provavelmente (apesar) resumir a uma determinada região, nem sempre a um país, porque
quem toca a viola no Alentejo toca a viola como se toca no Alentejo, como aprendeu com o
repertório do Alentejo, provavelmente com muito pouca ligação ao repertório (da) de uma
viola braguesa, por exemplo. E portanto, (essa é) quem toca essa viola e quem toca uma
viola de arame, toca essa viola por um gosto profundo pela sua sonoridade. Muito também
pelo seu repertório, é verdade. Mas, quem toca sabe que pegar numa viola poderá sempre
tocar tudo aquilo que quiser, ah, o que pode acontecer muitas vezes. E portanto eu acho que
realmente quem toca uma viola tradicional como essas violas de arame não toca apenas o

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repertório, até porque isso é muito... Poderá ser uma coisa que limite muito o próprio, o
próprio músico, não é? E quanto melhor um músico conhecer as outras músicas e quanto
melhor experimentar as outras músicas na sua própria viola, melhor conseguirá entender
tudo no seu repertório tradicional e toda sua cultura própria. Portanto, esse contacto com as
outras músicas, com as outras culturas faz com que realmente se desenvolva também um
apreço maior pela sua própria viola. É quase que uma contradição, não é? Ouvindo as outras
coisas mais se gosta da nossa. Porque nos obriga a situarmos e nos obriga nos a pensar que,
bom! A pensar no que sou eu, é que pensar que posso pegar nessa viola e no mundo inteiro
que podes tocar essa viola e podes tocar todo o repertório. Eu nunca vi muito quem toca, eu
só vou tocar repertório tradicional.

(E.C.) Mas, não é quem toca. Eu digo assim acha que o instrumento foi feito para tocar
aquilo?

(José Barros) Há músicos tão fabulosos que poderão achar e em sim de certa parte em
termos técnicos poderão ter razão de que a viola, por exemplo, a viola caipira não é como a
viola braguesa. As violas tradicionais portuguesas tem apenas 10 trastes. A viola caipira
chega a ter 16 e às vezes até mais. E portanto, eu não acredito que alguém possa pensar que
essa viola foi feita só para aquele repertório ou não. Agora, que um instrumento é limitado e
tem limitações próprias. Não há volta a dar nisso. Esses instrumentos tem muitas vezes
afinações temperadas, ou seja, preparadas para determinado repertório, para se tocar de
determinada maneira e obviamente que querendo sair dali para outras coisas poderá não ser
fácil, poderá às vezes não ser fácil. Curiosamente muitas vezes há temas, há canções e
música do mundo que resultam muito bem nessas violas. O Deghi toca, penso que é a Ave
Maria, não sei se ele já tocou no [indecifrável] se não. É assim, nós ouvimos algum
repertório, por exemplo de cravo. E dizemos, bom, podia ser a braguesa. Agora em termos
técnicos, neste caso a braguesa porque tem poucos trastes, portanto 5 corda, portanto obvias
limitações. Mas, essas limitações poderão esgotar-se em si mesmo para quem desenvolver
tecnicamente o instrumento. Mas a questão é essa, é que esse instrumento não foi um
instrumento criado para se explorar totalmente no seus aspectos técnicos, portanto, quanto
melhor for pelos músicos tanto melhor. Quantos mais dicionários de música o músico que a
tocar tiver, tanto melhor. Será sempre melhor ter o máximo de conhecimentos musicas para
tocar as violas tradicionais que é uma coisa que em certa altura há alguém que dizia que para
tocar isso não é necessário tanto. Não, é necessário e muito. Agora, o que depois o que pode

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acontecer que esta é uma viola realmente de muitas culturas e de uma cultura muito própria
muitas vezes com uma identificação própria. A sua própria sonoridade poderá não ser fácil
de incluir em tantas outras coisas. Mas, provavelmente há outras que não se pressuporia que
poderiam resultar e resultam de uma forma alegremente incrível. Portanto, o que acontece é
que exactamente todas essas questões que estou a por faz com que realmente que a viola não
se esgote em si própria. Quem esgotar tecnicamente o aspecto técnico dos acordes, da
harmonia nesta viola, mas depois não quiser sentir esse coisa, então volta à música popular e
volta a cultura popular porque a cultura popular obrigada outras questões que não só a
questão técnica, que é a forma de tocar de sentir, de fazer as coisas nesta viola que não são
de outro instrumento, que são desta. Estas violas de arame de cordas duplas de aço obriga
realmente a uma outra atitude, e essa atitude é uma atitude que muitas vezes resulta
nalgumas coisas e outras pode não resultar. Eu gosto de pegar na minha viola e de pensar
que nela posso tocar tudo ou quase tudo. Pode acontecer é que eu não vou tocar como
provavelmente se tivesse a tocar um violão ou a tocar um piano, não é, que tem toda a sua
harmonia do que nós temos nestas violas. Agora, o que a torna mais bela ainda é que a
forma como nós a vamos tocar nessas músicas diferentes é que a trona ela totalmente única
porque é totalmente diferente usar uma viola de cordas duplas de arame num tema com que
ele seja ele roque seja o que for. Eu, por exemplo, aqui não me choca nada electrificar uma
braguesa desde que se tinha bom gosto. Eu sei de alguns músicos, por exemplo, neste
momento no Brasil que usam imensos pedais e que tocam muito bem. E que também elevam
a viola para outros campos. É evidente que quem toca essas violas tem uma queixa muita
grande pelo o cool acústico. Que realmente essa viola permito a palavra cool e groove é uma
palavra universal para explicar melhor o balanço, este sentir esta própria viola. Agora, eu
realmente acho que com essa viola nós podemos realmente tocar tudo. A mim não me
limita, acho que o que pode limitar mais é o pensamento a quem achar que esses
instrumentos tradicionais estão muito limitados, [indecifrável] mas, nunca foram tão assim
tão, tão tão explorados que saiba quais são as suas limitações imediatas. Porque sua cultura é
mais vasta do que o aspecto harmônico poderá pressupor.

(E.C.) 2 - Já tocou outros estilos com a viola?

(José Barros) Eu já toquei! Eu não sei que estilos que já toquei com essa viola. Mas, por
exemplo, em Portugal eu não posso perfeitamente tocar a maior parte dos temas de origem
[portugueses] com esse instrumento.

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(E.C.) Não, mas tipo, desculpa, fora do tradicional. Já tocaste fora do tradicional com
instrumento, sim ou não?

(José Barros) Sim, sim, sim!

(E.C.) Quais os estilos, se sim?

(José Barros) Eu com esta viola já fiz algumas brincadeiras inclusivamente com alguns
grupos de música por rock há alguns anos atrás. Não é para [indecifrável] pelo resultado que
deu ou não, mas sim por uma parte do pouco interesse que alguma pop se conseguiria se
resolver essa situação. Não tinha grande... Não tinha... Não é... Não ter espaço. Os próprios
temas é que não tinham muito para dar para eu perceber por onde é que eu poderia ir, mas
por exemplo...

Sem ser os tradicionais, já toquei, já experimentei em casos que resultam, em casos


que não resultam, como por exemplo, na música clássica se nós quisermos usar estes
instrumentos em termos de música clássica nós conseguimos objectivamente tocá-los. Eu
dei ainda a pouco aquela. Eu poderia dar aqui uma série de temas. Eu na braguesa tenho
alguma tendência para tocar um temo que agora eu não me recordo, da música clássica, que
é a do Barbeiro de Sevilha, por exemplo, na viola braguesa resulta perfeitamente. Estava a
falar ainda a pouco dizendo da viola do Deghi a tocar a Ave Maria de “Goudod” 22. Há
alguns temas clássicos, da música clássica que se consegue perfeitamente usar essa viola. O
que eu usei já foi em diversos tipos de músicas, não só a música popular, que coisas que não
tinham haver com o fado, tinham haver mais com música ligeira, e já toquei nalguns casos,
inclusivamente na televisão com algumas apresentações em que o regimento resultava
obviamente. Poder-se-á dizer que, pronto, era música ligeira mas tinha haver com a música
portuguesa. xBom, á partir do momento em que nós usamos uma braguesa ou usamos um
cavaquinho olhamos novamente para a música portuguesa, porque são instrumentos com um
poder e uma cultura tão forte e tão... é... tão impositiva que realmente nota... acaba por dar
um cunho muito especial. Mas, eu por exemplo, eu toco a música italiana, as... Por exemplo,
também é música tradicional, mas é italiana. E algumas, por exemplo, a música espanhola.
Por exemplo, eu nunca experimentei porque não, nunca desenvolvi as técnicas, mas, por

22 O Entrevistado quis dizer Gounod

57
exemplo, sei que o Deghi toca, por exemplo, coisas do flamenco com essa a viola. Essa
viola permite tocar outras coisas.

(E.C.) Mas, eu queria focar em ti. Nas tuas coisas.


(José Barros) Bom, nas minhas coisas eu não posso dizer que tenho uma vasta experiência.
Porque tirando a música tradicional, que poderá ir até ao fado, mas o fado faz parte da
música tradicional portuguesa, e de alguma música ligeira que eu pudesse usar a viola. Na
verdade há outras coisas que eu não apeteço experimentar a viola nem eu próprio
experimentar, portanto, não sei se isso vai resultar ou não. As minhas poucas experiências
na pop foram ali nos anos 80 e foram interessantes, e exactamente só por isso, mas não... é
que o vasto campo acústico e de instrumento ligado ao acompanhamento seja do canto, seja
musical, seja instrumental é tão rico que realmente eu nunca tive uma apetência muito
grande para experimentar isto nos outros âmbitos musicais. Não é para experimentar esta
braguesa, é eu próprio experimentar seja o que for fora deste âmbito que é realmente um
âmbito que eu acho que... Quando eu achar que estar totalmente explorado por mim eu
provavelmente irei por outros campos, mas não é o caso.

(E.C.) Ainda estás muito ligado, explorando o tradicional, não é isso?

(José Barros) O tradicional e principalmente explorando, por exemplo... Por que o meu
repertório da música, o meu repertório dos grupos que eu fiz sempre parte, e isso é que é
uma parte interessante de dizer, é: Eu to ligado a uma música tradicional, sim. Mas, os meus
discos desde sempre, e são perto de 20, há só 40% dos temas que eu toco nos meus discos é
que são temas tradicionais adaptados. Os outros 60% são temas meus que eu componho
através desta viola. E não são temas tradicionais. São temas que eu compus, são temas meus
registados em meu nome feitos por mim. Que muitas vezes poderão, pela carga que esses
instrumentos transportam, poderá ser pensado “ups, são temas tradicionais”. Não, não são.
São temas meus originais. Só que estas violas tem um peso muito grande, e portanto quando
nós as usamos estamos imediatamente a colar a uma cultura tão forte que não é fácil depois
dizer o que que é música tradicional e o que que não é. Eu, por exemplo, eu uso estes temas
em músicas que eu faço, não são temas tradicionais, são temas originais. Eu componho com
essa viola desde a trinta e tal anos, não é, são temas originas, não são temas tradicionais. Se
depois o cunho popular, se a origem e aquilo que se escuta é realmente uma sonoridade que
é portuguesa e que poderia ser tradicional, bom é uma questão de cultura, porque não são

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temas tradicionais e as músicas tradicionais.

(E.C.) 3 - Acha que a afinação é um problema para se tocar outros estilos?

(José Barros) Eu não considero porque há algumas violas tradicionais em Portugal que por
terem a afinação do violão acabaram mais cedo do que outras. Eu vou dar um exemplo: Por
exemplo, a viola beiroa. Perdão, a viola toeira de coimbra. É uma viola que já há duzentos e
muitos anos, antes do próprio Puyol ter o tratado da sua guitarra clássica, já em Coimbra se
tocava mi, si, sol, ré, lá. Com a afinação do violão menos a última mi grave, que é a corda de
cima. E portanto, essa viola toeira era muito famosa na altura, porque era realmente uma
afinação que permitia, provavelmente porque [Indecifrável] enquanto a guitarra clássica
permitia realmente muita harmonia. Mas o que que aconteceu com os anos? Com os anos o
violão desenvolveu-se te tal maneira que o próprio repertório desta viola toeira que tinha
praticamente a mesma afinação de guitarra normal, do violão normal perdeu-se e essa viola
perdeu-se. Portanto o que que eu acho? Acho que quando nós usamos uma determinada
afinação nestas violas. Usamos e dizemos assim “bom, mas esta afinação limita tocar tantas
outras coisas.” O que que nos atrai registar? Pois, mas pode tocar tantas outras que os outros
violões não podem. Portanto, se nós transformarmos estas violas com afinações muito
próprias, quisermos transformar duma viola de 12 cordas 5 cordas com afinações muita
próprias, quisermos transformar uma guitarra de 12 cordas, ganhámos um violão incrível,
não? Uma guitarra de 12 cordas é um instrumento incrível. Não vai é tocar as coisas que nós
podemos tocar nestas afinações que pressupõem realmente acordes muitas vezes não
perfeitos com inversões naturais e com harmonias que em desta nossa viola são quase
normais e banais mas que muitas vezes não são acordes naturais. Muitas vezes começam na
primeira, na segunda e na terceira inversão, e portanto esta invenção harmónica que estas
violas permitem muitas vezes provocam um campo limitado em tantas outras coisas, mas
por outro lado abrem um vasto campo noutras que realmente os violões e aquelas guitarras
eléctricas e acústicas que às vezes não conseguem lá chegar e que estas violas conseguem de
uma forma quase mágica. Pronto, esta cultura própria desta viola limita-se a ela própria, é
verdade, mas por outro lado cria tantos outros campos de riqueza que realmente uma pessoa
até esquece que é um instrumento que poderá ser limitado tecnicamente.

(E.C.) 4 - Seria necessário alterar alguma coisa na construção do instrumento?

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(José Barros) Eu neste momento mandei fazer uma viola braguesa a uma construtor amigo
que ao invés de ter os tradicionais 10 trastes da braguesa vai ter 16. É um pouco como a
viola caipira. Isso vais ser uma espécie de pequena novidade de saber que tenho um
pouquinho mais de escala para poder explorar de forma diferente do que eu tenho agora. Eu
na minha opinião não me apetece muito experimentar variações nesta afinação. Serão
sempre variações da própria afinação desta viola e não doutra.

(E.C.) Mas, variações na construção do instrumento?

(José Barros) Eu na construção ao longo do anos fui criando as minhas próprias alterações
e eu nesse momento tenho, por exemplo, a minha braguesa não sei se mais alguém terá
alguma igual a minha, provavelmente não. Eu toco a trinta e poucos anos, e portanto fui
criando a minha própria fora da braguesa, a forma que eu queria. Mas, esta questão é uma
questão que... As minhas braguesas, por exemplo, tem os leques iguais aos da guitarra
portuguesa. Mais ou menos as violas braguesas, a campaniça não, mas as violas braguesas e
amarantinas, algumas tinham já desde toneladas de dezenas de anos também o leque como a
da guitarra. Eu gosto porque lhe dá uma sonoridade, o facto por estar ligada ao metal dá
também uma sonoridade própria. Mas, de certa forma do encaixe das cordas que nas minhas
violas são diferentes já a tornam estes instrumentos um pouquinho diferentes. Eu agora
acrescentei esse aspecto da caixa. Eu to a fazer com o instrumento aquilo que todos os
nossos antepassados músicos fizeram ao longo de centenas de anos, que é a própria
evolução do instrumento para processos normais das tecnologias vigentes que nós temos,
porque não vale a pena nós criarmos aquela ideia de que “ah, nós amplificamos a braguesa,
mas antigamente não era amplificada!” Pois, antigamente também não havia comutadores
não havia nada disso, nem sequer havia prés, agora há. E portanto, nós temos que adaptar
este instrumento aos tempos de hoje. As cordas destes instrumentos aqui a uns louvados
anos não eram em Portugal, por exemplo muitas caicas23, não tinham grande qualidade. Eu
uso neste momento cordas para tirar melhor partido deste instrumento, e portanto isto
também é uma alteração. Eu não sei se mais alguém usas as cordas que eu uso, por exemplo.
Eu só uso cordas Earnie Ball americanas de nickel, inclusive não são de cromo, são
perfeitamente normais. E são cordas individuais, não há encordoamento como o que eu uso.

23 Não foi encontrado o significado de caicas aqui mencionada por Zé Barros. Presume-se que seja algo
depreciativo pelo contexto aqui apresentado pelo entrevistado.

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Portanto, todos nós temos essa tendência ara escolher o nosso próprio encordoamento destes
instrumentos, e é uma riqueza, todos nós fazemos isso, todos nós.

(E.C.) Desculpa interromper...

(José Barros) Eu não penso que tenha que haver reconstrução nem grandes alterações pra
isso poder chegar e poder tocar com outros géneros musicais. Eu acho que o repertório
possível e a forma de tocar deste instrumento não parece que seja com a evolução da
construção ou de mudar outros conceitos para tornar viável noutros géneros musicais. Eu
acho que um instrumento como este que tem cordas duplas tem no imediato uma função e
uma posição musical muito óbvia. Nós não conseguimos mudar determinados conceitos. O
que que nós poderemos fazer em relação a um bandolim que também tem cordas duplas?
Sabemos que quando um bandolim entra é uma sonoridade muito própria para determinadas
coisas podendo não resultar noutras. Por exemplo, a guitarra portuguesa que é um
instrumento também riquíssimo em termos melódicos e harmônicos. O que que nós
podemos ir [] porque se calhar passou tá noutras coisas, viemos que mudar. Eu gostaria de
pensar de outra forma. Eu acho que os outros géneros de música deviam tá um pouquinho
mais abertos à esta forma de ser própria destas violas, e não esperar que estas violas se
transformem para irem ao encontro de outras músicas. Acho é que as outras músicas só tem
a ganhar quando vêem tem com estas violas e as querem como elas próprias são. Porque elas
transportam... elas em si mesmo na forma como já estão, transportam em si mesmo uma tal
riqueza e uma tal cultura que sendo como estão já podiam faziam mais do que se pensam.
Mas, pronto, isso também poderá ser uma opinião própria de quem usa e toca estes
instrumentos com uma paixão também muito própria e com uma atitude musical
provavelmente dos conceitos comercias vigentes, porque isto é uma cultura realmente
muito própria.

(E.C.) 5 - Acha que deve ser mantido o "sotaque" da viola em outros estilos?

(José Barros) Eu acho que quando nós... Há uma questão que é importante nós pensarmos
que é: Nós só conseguimos objectivamente usar este instrumento quando o percebemos
perfeitamente no seu habitat natural, ou seja, eu tenho amigos que também tocam braguesa e
que ligam aos pedais e desatam a tocar a braguesa e alteram a afinação como se fosse uma
viola (guitarra) e durante uns dias aquilo resulta e depois a seguir é que começa-se a pensar

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“bom, então pá tar a tocar assim com esta afinação, então vou tocar a guitarra de 12 cordas”.
Portanto, isso perde-se. O que eu acho é que estas violas têm, quando se vai ao fundo delas e
se vai e se conhece bem a viola. Conhecer bem não significa passar a vida a estudar os
velhos tocadores e ouvi-los, mas significa ouvi-los com atenção e humildade necessária pra
perceber que função é que tinham essas violas nas mãos desses velhos tocadores pra ter
aquela função muitas vezes social e da própria vida de uma comunidade, não é? Seja uma
viola caipira, ou seja uma braguesa, ou uma viola campaniça, quem tocava uma viola era
uma pessoa importante pra comunidade. E essa função, essa cultura, o instrumento
transporta. Portanto, quando eu pego nesta viola braguesa, e eu tenho tocado muitas vezes
nos últimos com músicos de vários países. E há uma curiosidades. Há instrumentos
riquíssimos feitos [] em Espanha, e estas violas de arame perderam-se no Séc. XIX e hoje
em dia eu tenho amigos músicos que lamentam que tenha se perdido. Porque eles têm
bandurras e têm outros instrumentos um bocado europeizados, não é? Da Grécia, Espanha,
Inglaterra e própria França, e são instrumentos que... quer dizer, okay são interessantes, mas
não têm... falta-lhes cultura, portanto são instrumentos que foram feitos na Corte e não junto
do povo. E portanto hoje em dia estes instrumentos [indecifrável]. Eu, por exemplo em Itália
eu uso a minha braguesa pra tocar as tarantelas e pra tocar as pizzicas e uso como braguesa.
Obviamente que os ritmos da tarantela e da pizzica eu tenho que me adaptar à eles. Mas,
quando eu toco esta viola, ela soa na tarantela ou na pizzica soa muito bem, porque eles
dizem que realmente que a viola soa muito bem, até porque os italianos têm no sul, tem a
guitarra batente que é uma viola descendente destas violas de arame. Na Europa é um dos
países que ainda tem a viola de arame, a Itália, a guitarra batente. E quando eu toco, e já
toquei com algumas destas guitarras batentes a grande curiosidade é que eles todos olham o
ritmo tá lá todo, portanto pra tocar a tarantela e as pizzicas, mas a sonoridade da braguesa
mantém-se, ou seja, distingue-se, mantém a sua própria cultura. Eu acho que isto é a riqueza
do instrumento.

(E.C.) Achas que é natural, então? É natural, o instrumento mantém o sotaque


naturalmente?

(José Barros) Tem, tem. Esse sotaque natural... Eu já toquei com alguns músicos brasileiros
a viola caipira com a braguesa e é curioso, porque sendo instrumentos com cordas duplas e
às vezes até com proximidade de afinações, mas a forma de tocar e estando a tocar o mesmo
tema, a forma de tocar é realmente complementar, mas de uma forma belíssima e que

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significa realmente o carácter do próprio instrumento. Quando eu estou a tocar com um
amigo brasileiro, um tema brasileiro da tradição brasileira e com a caipira e a braguesa, e
estamos a tocar o mesmo tema, sente-se perfeitamente a caipira no seu ambiente quase total,
não é? E a braguesa que acompanha perfeitamente o tema sempre num plano diverso de
diferente. Mas, é o mesmo tema, é a mesma forma de tocar e muitas vezes a música flui. E
depois quando é um tema tradicional português vai se sentir ao contrário, vai se sentir o
sotaque da viola caipira num tema que poderá ser A Triste Viuvinha, um tema minhoto, um
vira em que a braguesa faz uma coisa numa forma muito objectiva e a viola caipira anda por
ali com o seu sotaque. Então portanto, os sotaques são a própria essência destas violas. Eu
acho que a maior riqueza que estas violas têm é exactamente ter este sotaque, esse carácter,
essa cultura que transporta e que muitas vezes consta em que determinados géneros de
música possa resultar. Porque um blues, por exemplo. Pode resultar num blues, mas
perfeitamente, é um instrumento que resulta no blues perfeitamente. Só que a sua sonoridade
traz-no imediatamente para a realidade destas violas e não pro blues, portanto, estas vilas
têm esta características muito próprias que as tornam únicas que são teu sotaque, e penso
que é sem dúvida sua maior riqueza porque é uma cultura secular que elas transportam que
não é fácil elas adaptarem-se às outras músicas e as outras músicas adaptarem-se à ela. O
que acontece é na minha opinião mais interessante que é, vamos tocar aqui um tema, sei lá
russo, e vamos tocar com braguesa. Havia a Balalaika, mas a braguesa é completamente
fora. Bom, por isso mesmo é que pode resultar, porque é uma coisa completamente fora e
estes sotaques vão se cruzar e isso pode ser uma mais valia. Eu gosto de dizer que com estas
violas podemos tocar no palcos do mundo sem ter qualquer (pejo) de estar em cima de um
palco a tocar com a nossa viola ao pé dos monstros sagrados da música ligeira ou pop,
porque eu nunca teria problemas em tocar a minha braguesa num palco desses porque
quando escutassem o som dessa viola a primeira coisa, a primeira reacção que teriam não
era a de fazerem comparações ou... era de ouvir a sonoridade e primeiro que tudo ficarem
surpresos, porque é outra coisa e portanto, e é isso que a torna realmente única, não é?

(E.C.) 6 -A técnica utilizada habitualmente no instrumento poderia ser mantida, ou


acha que ela fortalece suas características tradicionais ou chegou a alterar algo na
técnica para tocar outros estilos?

(José Barros) Eu não uso só uma técnica da braguesa [eu gosto de tenta...]

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(E.C.) [Então dessas] técnicas em geram, tu achas que devem ser transmitidas e
transportadas para outro estilo?

(José Barros) Sim, quer dizer, eu acho é que as várias formas de tocar o instrumento, seja
em dedilhados com os dedos sem unhas, seja com uma unha no indicador e no polegar e ir
tocando com o indicador e com o polegar, ou só com o polegar, que é uma característica dos
antigos tocadores e de velhos tocadores que tocavam só com o polegar. Em nalguns casos,
nalguns repertórios como por exemplo o da campaniça, é muito difícil não tocar a maior
parte das coisas só com o polegar. Mas, depois eu na braguesa, por exemplo, mas eu mesmo
na campaniça que é essencialmente com o polegar, eu uso os dedos todos muitas vezes, e
uso a unha no indicador e no polegar. Na braguesa, por exemplo, eu uso a unha no indicador
e no polegar exactamente, técnica que os tocadores da guitarra portuguesa com as mesmas
cordas duplas usam, usam o indicador e o polegar, mas também uso os dedos para dedilhar,
é uma das preferidas e que mais uso, tal como uso a palheta, porque a palhete permite-te em
termos rítmicos tu poderes jogar muito melhor em ritmos compostos, num 12/8, por
exemplo com o que se usa nas pizzicas e na tarantela, é uma riqueza incrível. Na música
portuguesa, obviamente antigamente, por exemplo no caso da braguesa sente-se desenvolver
imenso a forma de tocar porque assentava essencialmente num forma rasgada de tocar com
paleta ou com unhas, mas rasgado, portanto sem pontear, sem dedilhar. Portando, estas 3
técnicas, ou mais, as que puderem juntar à estas, eu uso as 3 dependendo do género que vou
tocar. Por exemplo, com as pizzicas e a tarantela eu uso palheta, na música, por exemplo que
eu toco com o Navegantes a maior parte das vezes é com o indicador e com o polegar. Mas,
por exemplo, também há temas em que eu preciso de dedilhar e de fazer um
acompanhamento com um ritmo muito próprio, uma forma de tocar que o dedilhado
permite, por exemplo, e uso só dedilhado. E portanto, essas várias formas eu acho que nós
podemos usar as técnicas que nós achamos adequadas a cada género musical que a gente
faça e essa é, ainda voltando naquela primeira questão “que géneros”, bom eu não acho que
a gente deva tocar com a nossa técnica e depois tocar tudo com a mesma técnica. Bom, cada
género musical pode ser usado uma determinada técnica, uma determinada forma de tocar.
Isso pra mim é um estado de espírito em aberto. Eu toco com os vários géneros musicais de
forma diferente, com unhas, sem unhas quando é dedilhado, com palheta quando é
necessário rasgar, digamos assim. E portanto, essas várias técnicas é que são, poderão ser
sempre mais valia. Precisa-se de trabalhar o espírito para usar qualquer uma delas e não ficar
agarrado apenas a uma só forma de tocar, porque se é assim poderá ser óptima para quem

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desenvolve uma determinada forma de repertório,mas poderá limitar depois noutras. Tenho
a ideia de que a pessoa não necessita porque depois a técnica não é adequada, né. Eu acho
isso tremendo. O instrumento permite tocar tudo. As várias técnicas é que tem que estar
sempre em aberto pra nós podermos usufruir de maiores possibilidades pra depois ir ao
encontro de outras músicas, que é fundamental.

(E.C.) 8 - Conhece a técnica do dedilho e figueta?


Essa pergunta já foi respondida no discurso anterior do entrevistado. Para além disso, José Barros é português
e conhecedor do fado, portanto sabe que essa é a técnica usada pelos guitarristas de fado. Informação adquirida
anteriormente à entrevista.

(E.C.) 9 - Poderia ser utilizada essa técnica no instrumento?

(José Barros) Eu a uso na viola de arame. Eu sempre usei. Minha primeira técnica na viola
de arame foi sempre polegar e indicador.

(E.C.) Com unhas postiças?

(José Barros) Com unhas postiças, sim. Sempre com unhas postiças. Minhas unhas não
valem nada. E sempre com unhas postiças sempre toquei com indicador e polegar. Muitas
vezes quando não preciso de ser assertivo, digamos assim, ou seja quando posso tocar como
forma de acompanhamento e não necessariamente ter que ser objectivo em determinados
acordes, em determinadas melodias, neste caso toco só em dedilhados. Mas, quando quero
ser assertivo, quando vou tocar e preciso naquela altura que as coisas saiam de uma
determinada maneira eu toco sempre com unhas. Mas, noutros casos, como por exemplo
[acontece...]

(E.C.) Mas, especificamente com o dedilho e a figueta, acredita então que ela pode ser
utilizada, que a viola de arame é receptiva à essa técnica?

(José Barros) Não. Há aí um […] Na minha opinião é: eu durante um tempo pensei que,
bom, mas os dedos sem as unhas nas cordas de arame duplas não fazem o trinado
necessário. Mas, não é verdade. Não tem realmente aquele trinado de sentir o ataque das
duas cordas pelo toque da unha, não é, que é um toque muito mais duro do que propriamente

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o dos dedos, que é muito mais suave e que amortece de certa forma a corda. Obviamente, dá
um cunho diferente. Mas, o dedilhado sem unhas também permite outras coisas, e hoje em
dia essa técnica de podermos fazer o dedilhado podemos usá-la mais do que antigamente
poderíamos usar, porquê? Porque nós agora a maior parte das vezes temos os instrumentos
amplificados e não há aquele problema de quando estávamos a tocar ao vivo acusticamente
em que as coisas tinham que ouvir e só o dedilhado com os dedos saía mais baixo que o
normal, não é? Porque quando nós tocamos com unhas o volume é outro, quando tocamos
em dedilhado o volume é mais baixo, portanto. Mas, esse problema que agora com a
amplificação dos instrumentos deixou de ser um obstáculo. Se nós percebermos bem as
possibilidades do dedilhado nestes instrumentos, percebemos também a riqueza e onde é que
nos pode levar. Eu, por exemplo com esse dedilhado sem as unhas torna-se muito mais fácil
chegar à determinados... praticamente tantos anos de música, muito mais facilmente
conseguimos do que propriamente com os ponteados com o polegar e o indicador, porque o
polegar e o indicador transportam do imediato pro trinado, e o trinado pressupõem logo
realmente estas cordas duplas. Enquanto que o dedilhado permite outras leituras. Portanto,
são várias as leituras. Eu, por exemplo, as várias técnicas... eu, por exemplo ando sempre à
ver. O Deghi toca de uma forma incrível. Porque ele não toca com... toca com os dedos que
não são, diria eu, normais. Mas, depois há outros músicos que tocam com outras técnicas, eu
ando sempre a olhar paras técnicas e as técnicas são diferentes, ainda bem. Porque estes
instrumentos quando ficaram parados no tempo sem que fossem reinventados na forma de
tocar e na forma de […] e da construção, quando ficaram parados morreram. Portanto, estes
instrumentos estão vivos exactamente porque estão em constante movimento. Há uns que
tocam assim, outros que tocam assado, outros tocam rasgado, outros que tocam... Os
resultados são diferentes a tocar a mesma coisa, e os resultados são realmente diferentes.
Mas, as técnicas são fundamentais pra permitir outras leituras.

(E.C.) 10 - A migração da viola para outros géneros é ainda muito pouco desenvolvida.
Qual a principal razão que acha na sua experiência?

(José Barros) Eu acho, bom... Bem, o violão a afinação mi; si; sol; ré; lá; mi é uma afinação
que em termos técnicos permite um campo muito mais vasto em termos harmónicos e
técnicas harmónicas e possibilidades que aquela afinação permite. Não há dúvidas que
realmente é. Estas violas tradicionais, principalmente aquelas que tem algumas afinações
temperadas, com afinações, por exemplo algumas em ré, outras em dó, outras em sol […]

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nesses acordes quase naturais, quase, nem sempre são. Se torna mais fácil de tocar em
determinadas harmonias em determinadas tonalidades, na minha opinião o violão tem um
campo técnico muito mais vasto que estas violas. Estas violas têm 5 cordas, muitas vezes,
como por exemplo no caso da braguesa tem cordas dobradas, ou seja, a primeira e a quarta
corda são ou têm o mesmo som, são a mesma nota, embora uma delas tenha uma oitavada
mais grave pelo bordão, mas são duas notas iguais. Portanto, temos 5 cordas em que duas
notas são iguais. Obviamente que isto acaba por limitar em termos harmónicos o próprio
instrumento, não é? Mas, tal como disse, por outro lado também permite outras coisas que às
vezes o violão não permite. Outro tipo de abordagem que estas violas permitem que o violão
não permite. Eu acho, quando digo que é um instrumento um pouco mais limitado,
obviamente que uma pessoa olhando pra uma escala que tem 10 trastes e olhando pra uma
viola que normalmente tem 18, ou mais, ou 20. A maior parte das vezes 20 e às vezes mais.
Obviamente um instrumento que tem 10 trastes para um instrumento que tem a possibilidade
de tocar em 18 ou 20, eu penso que naturalmente em termos harmónicos, é... ficamos
conversados, não é? Há outras possibilidades de em termos técnicos e harmónicos que as
violas com 5 cordas e algumas delas repetidas às vezes não permitem. Mas, estes são os
condicionalismo destas violas que perdem em nalguns campos, mas ganha numa cor, numa
forma de ser e de estar que realmente é única. Quando nós usamos, nós sabemos muito bem
que quando nós usamos uma destas violas, seja em que projecto for, seja em que projecto
for, nós estamos a dar um cunho logo muito especial.

(E.C.) Sim, mas a saída desses instrumentos que ainda é pouco desenvolvida. Eu queria é
que me desse alguma... se tens alguma ideia porquê que ela não foi desenvolvida.

(José Barros) Eu penso que tem haver com formas diferentes e atitudes diferentes dos
músicos que procuram estes instrumentos. Ou seja, quem procura estes instrumentos procura
uma forma de cultura diferente, por exemplo de um músico de rock. Um músico de rock
procura objectivamente oportunidades de […] pra levar para determinados campos que
tenha haver com sua atitude pop e tudo que essa atitude pop, que é uma coisa moderna, e
uma atitude que vai, não direi sempre, não acontece sempre e temos muitos casos em que
isso não acontece, mas com uma atitude pop rock em que é uma atitude em contraste total
com a cultura popular, e portanto, quando alguém vai a tocar uma viola eléctrica eu não to a
ver essa pessoa a dizer assim “eu gostava de tocar também tocar viola braguesa”, porque é
oposto, naturalmente oposto. Não vai mal nenhum ao mundo, como se costuma dizer, mas

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são coisas opostas. A atitude cultural com que se pega numa viola e numa guitarra eléctrica
e quer se desenvolver as técnicas com a guitarra eléctrica e a atitude de quem pega numa
viola de cordas de arame não é a mesma. E depois os objectivos acabam por ser
naturalmente diferentes. A forma musical que se procura é outra, e portanto quem faz uma
coisa por oposição a outra, não quer ir buscar outra em contraponto à si próprio. Ou seja, eu
quis escolher a guitarra eléctrica e não a viola caipira, ou eu quis escolher o baixo eléctrico e
não a viola braguesa. Quando faz essas opções pop rock ou seja hard rock, seja lá o que for,
em contraponto muitas vezes. Eu, por exemplo, eu escolhi que gosto dos instrumentos
tradicionais de corda e gosto da cultura popular e naturalmente isso põe-me em contraponto
com outros amigos meus que, por exemplo tinham uma atitude cultural pop rock
verdadeiramente assumida, com a mesma atitude que eu assumi essa minha pelas culturas
populares e tradicionais. E não vem mal ao mundo, são atitudes diferentes, são formas de
ver. Agora, depois quando ouvimos a música, muitas vezes as coisas aproximam-se até
porque depois é a musicalidade que determina tantas outras coisas. Mas, é uma atitude
oposta que faz com que provavelmente e naturalmente ao longo do anos não se tenha feita
tantas aproximações quantas as que se devia ter feito. Mas, se nós pensarmos muito bem,
sabemos o seguinte que a cultura centenária de determinados instrumentos é muito mais
poderosa do que a cultura pop rock, não é? Porque nós temos uma cultura pop rock para aí
com 50 anos, não é? 50 60 anos. E portanto, essa cultura pop rock que terá à volta de 60
anos, provavelmente, é uma cultura que está ainda desfasada destas culturas, destes
instrumentos que são seculares, não é? Há temas, há músicas e há melodias destes
instrumentos tradicionais de corda que têm 200 e 300 anos até chegar à nós. Obviamente
foram-se alterando, foram sendo transmitido de forma diferente e a cultura pop rock tem 60,
70 anos. Ainda anda sempre a procura de afirmação própria. E enquanto à andar a fazer esse
tipo de afirmação própria, provavelmente não anda desperta para as possibilidades que
alguns instrumentos destes quando certos músicos com outras possibilidades e outra atitude
decidirem experimentar. Eu penso que esse campo em aberto é um campo que até agora
ainda não foi explorado, porque provavelmente a própria música pop e rock ainda anda a
assentar arraiais. Quer dizer, é assim... não tem assim, não tem uma cultura tão vasta como
estes instrumentos tradicionais. Estes instrumentos tradicionais que nós tocamos, as violas
de... a corda. São instrumentos que se tocavam a 300 anos em Portugal, e a 400, não é? E
depois foram levados pro Brasil, e que depois foram para outros países também que falam
português. E na Europa também. Em Itália, por exemplo a guitarra batente tem uma história
centenária, não é? Obviamente que depois a música pop rock que anda a procura ainda de se

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consolidar a si própria, provavelmente vai experimentando outras novidades tecnológicas
muito mais apetecíveis pra aquilo que pretendem, não é? É o caso, por exemplo dos teclados
que ao longo das últimas décadas têm permitido autenticas revoluções musicais e as próprias
técnicas hoje em dia de gravação, mas provavelmente esse trabalho que é a aproximação aos
instrumentos tradicionais de uma forma agora diferente, provavelmente ainda não
aconteceu. Mas, ainda não aconteceu porque ainda não houve tempo. Parece que já estamos
aqui todos a falar desta mesma coisa há centenas de anos, mas não, estes instrumentos de
corda têm centenas de anos, a música pop rock não.

(E.C.) Sim, mas tas a atribuir a não migração, pelo que eu percebi, ao músico executante?

(José Barros) Eu penso que não tem haver com o músico executante, [Porque eu acho...].

(E.C.) [É que eu não... Então eu não percebi] Deixa-me tentar refazer a pergunta. Ainda não
vemos a viola, não só no mundo pop rock, não é? No Jazz, ou na música clássica, ou no
samba, ou no choro, ou na salsa, em outros géneros não se vê a viola de arame. A pergunta
é: Essa não ida da viola de arame para outros géneros, qual seria a principal razão que tu
achas?

(José Barros) Eu acho que é o tipo de atitude cultural que é realmente diferente. Há
instrumentos, por exemplo, que eu não imagino que possam resultar. O que que nós
podemos, por exemplo dizer de um instrumento que descende directamente das violas de
cordas de arame, que é o caso da guitarra portuguesa, que neste momento tem uma
implantação muito grande através do fado no mundo inteiro? E nós não estamos a imaginar
que agora por ser um instrumento e com o nome que está nas bocas do mundo inteiro
através do fado como patrimônio mundial, e no entanto nós não estamos a ver as guitarras
portuguesas num mundo pop. Porquê? Porque provavelmente não tem que ser. Porque as
coisas andam em contraponto uma à outra, não é? Quem escolhe realmente um género
musical... Agora, eu acho que se algum músico se quiser dar ao trabalho de explorar esse
campo, poderia fazê-lo. Já que estamos assim a falar das violas e estamos só a falar das
violas de arame, por exemplo das cordas duplas. E já que estamos a falar, por exemplo em
guitarra, há um músico português que toca guitarra portuguesa que chama Ricardo Rocha. O
Ricardo Rocha explorou, e quem o conhece sabe que sim, os vastíssimos campos técnicos,
por exemplo, de uma guitarra portuguesa, e mesmo assim ele chegou a um ponto e disse

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“pronto, este é um instrumento limitado e eu já não sei onde é que eu posso ir mais.” Ele
tratou de explorar tecnicamente o instrumento em todas as suas vertentes, mas ele
provavelmente em poucos momentos deve ter pensado agora vou pegar nessa viola e ver
como resulta na música pop ou como é que resulta no jazz. Ele nunca teve essa atitude e
provavelmente poderia fazê-lo. Mas, provavelmente a cultura que ele [...] para tocar aquele
instrumento afastou peças dessas opções musicais. Portanto, eu penso que os instrumentos
tradicionais, estes instrumentos tradicionais não estão a resultar na música pop, no jazz e não
sei o que, apenas e só, apenas e só, porque as opções musicais que levam a escolher este
instrumento nos levam para outros caminhos. Não tem haver na minha opinião com questões
técnicas, tem haver com opções musicais, com culturas próprias, com atitude própria
cultural e musical em contraponto à esses. Tem muito mais, na minha opinião e na minha
forma de ver, tem muito mais haver com isso que propriamente em resultar ou não resultar.
Não, os músicos que tocam estes instrumentos é que não sentem esta necessidade. Eu, por
exemplo não sinto necessidade. Eu gosto de jazz, gosto de algum jazz. Mas, por exemplo,
nunca senti necessidade de ir com a braguesa de tocar jazz. Sinceramente, mesmo quando
fiz aquela pequena experiência na música pop, não achei que aquilo resultasse. E não foi
porque a viola soasse bem ou soasse mal. Foi porque aquela música não me interessava,
aquele atitude cultural não me interessava. O maior contraponto não vermos hoje em dia
mais experiência destes instrumentos noutros gêneros musicais tem haver apenas e somente,
na minha forma de ver, com atitudes culturais diferentes dos músicos que tocam, que não
querem realmente. Fizeram uma opção pelo acústico, por alguma certa forma de tocar,
mesmo compondo originais. Mesmo compondo coisas originais vão por outro campo. (...)
Por exemplo, neste momento a viola caipira tem em termos musicais e técnico-musicais um
desenvolvimento em relação, diria que a viola de origem, portanto as violas de arame que
foram daqui e que deram origem a vila brasileira, a viola caipira ou a viola brasileira, como
gosta de dizer o Deghi, e muito bem, com esta sonoridade própria. E no entanto nós hoje em
dia temos fabulosos músicos no Brasil a tocar outros géneros musicais, e alguns até arriscam
tocar algumas coisas um bocadinho fora. Eu conheço um que vai lá de vez em quando, mas
volta logo a seguir. Porque, okay, é muito giro usar sendo um repertório próprio é mais fácil,
não é? Sendo um músico a pegar numa viola tradicional e disser assim “vou pra outro
campo. Vou pra música pop rock, mas vou afincadamente com esse instrumento”. Eu penso
que só assim, um caso pessoal não de grupo é que as coisas poderão resultar. Mas, não
resultam exactamente porque os músicos têm atitudes diferentes. E há músicos fabulosos a
tocar no Brasil que são capaz de irem até a música clássica, como disse por causa da

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apetência do instrumento pela semelhança com o cravo, mas não os vejo muito a ir, e são
milhares e a tocar muito bem no Brasil, milhares. Em Portugal provavelmente teremos
algumas dezenas de músicos a tocar razoavelmente braguesa e poucos a tocar muito bem,
pouquíssimos. E eu, se calhar nem me incluo neles. Mas, realmente esses milhares, poderia
poder ser[...] Tantos milhares e nenhum vai pra pop e pra rock? Não porque são atitudes
diferentes. O que os levou a escolher aquele instrumento é uma atitude, é uma forma de vida
e uma opção de vida. Quem toca estes instrumentos faz um opção, e tu tas a fazê-la, por
exemplo. Tu andas a fazê-la, por exemplo, já vendeste o contrabaixo. Então, portanto andas
a fazer essa mesma opção. Portanto, eu acho que são coisas diferentes.
Sabes, uma das coisas mais bonitas que eu estou a fazer nesta pequena entrevista a ti,
é que desde que tu começaste a falar comigo é que eu to a olhar pros meus instrumentos
todos aqui na minha sala.
(Risos)
Que todos têm cordas duplas, só dois, ou três, ou quatro é que não têm. E quando
estou a falar a tempo disto e estou a olhar pra eles e portanto sinto-me inspirado, por isso é
que tu tens que me mandar calar. Já deves estar farto de me ouvir.
(Risos)
4. Transcrição da Entrevista com o violeiro Nilson Dourado

Data de realização: 26 de Março de 2015


Horário: Às 14:32h
Local: Calçada de Santa Apolónia, nº 34 Lisboa – Portugal
Investigador Científico: Gustavo Neves Roriz (E.C.)
Entrevistado: Nilson Dourado (Nilson Dourado)

(E.C.) 1 - Acha que a viola foi feita só para tocar música tradicional?

(Nilson Dourado) Não. É uma pergunta delicada, porque um instrumento quando ele é feito
ele tem sempre um propósito ali naquele universo onde ele é feito. Então, talvez no universo
em que ele foi feito ele tenha um propósito mais objectivo, mais delineado, como a guitarra
portuguesa para o fado, talvez como a viola caipira para a música caipira, para a música
popular desses povos rurais, dessas comunidades que envolvem o universo caipira. Mas, é

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um instrumento que inevitavelmente acompanhou essa transição do caipira, do rural para o
urbano. E então, eu acho que nesse sentido ele está numa fase nesse momento que eu vejo
que é realmente uma fase de transição de ultrapassar a porteira, digamos assim da fazenda,
do universo rural, para um universo de diálogo com os instrumentos urbanos, com os
instrumentos que estão mais ligados à música moderna, digamos assim, feitas nos grandes
centros e tal. Tanto que é um instrumento que chegou à universidade no Brasil, né? É um
instrumento que hoje está inserido no contexto da universidade e académico. Ta inserido na
escola. E acho que o facto da viola caipira ter passado tantos anos somente mesmo nos
desígnios da música tradicional e da tradição oral, realmente foi um fator que delimitou
muito o universo dela. E a partir do momento em que hoje ele tem voz académica, ela tem
voz nesse universo académico e no universo de estudantes que põem o instrumento para
frente em termos de linguagem de composição e de abordagem técnica e tudo isso. E
também põem em contacto com outras culturas musicais. E põem o instrumento nesse
diálogo, nesse caldeirão do diálogo de diversas culturas. Então, ela hoje está no rock’n’roll,
está no jazz, está na música instrumental, está na música erudita, está numa zona de
fronteira.

(E.C.) Efectivamente acha que ela já está nesse outro universo?

(Nilson Dourado) Acho que ela está chegando. Ela está a caminho. Ela está chegando.
Você já encontra a viola presente em cada um desses universos. Agora, é claro que ainda é
uma presença tímida. Ainda é uma presença pontual. Um pouco mais aqui, às vezes um
pouco mais ali, mas é um presença muito pontual ainda. Muito tímida.

(E.C.) 2 - Já tocou outros estilos com a viola? Quais?

(Nilson Dourado) Sim, já toquei. Não muitos estilos, mas já toquei alguma coisa no
universo do jazz e da música instrumental, dentro dessa linguagem mais jazzística. Já toquei
alguma coisa dentro do universo mais erudito de música de câmara, e já toquei também
alguma coisa dentro do universo do fado e da música oriental, desde que eu vivo aqui em
Portugal, desde que eu vivo na Europa, e também dialogo um pouco com essas linguagens.

(E.C.) 3 - Acha que a afinação é um problema para tocar outros estilos?

72
(Nilson Dourado) Essa é uma boa pergunta. Eu toco com duas violas com afinações
distintas. Eu uso o cebolão em ré e o rio abaixo em sol. E realmente, cada afinação abre um
certo leque de cores, de linguagens, de abordagens mais possíveis para cada uma daquelas
afinações. É claro que também parte do nosso desafio próprio como instrumentista superar
esses limites, né? E conseguir enxergar formas de inserir o instrumento em qualquer que
seja a linguagem. Mas, é claro que a afinação delimita também um pouco dessas
possibilidades.
Por exemplo, a afinação do rio abaixo ela me facilita alguns caminhos para algumas
linguagens assim como o cebolão em facilita alguns caminhos para outras linguagens

(E.C.) Que outras linguagens está dizendo aí, dentro da linguagem tradicional?

(Nilson Dourado) Fora! Fora da linguagem tradicional. Porque o que acontece? A tua
pergunta é inteligente porque realmente as afinações, como elas são afinações tradicionais
elas partem de um pressuposto aonde naquele contexto tradicional ela já está inserida. E ela
já por si só ela tem ali fundamentos para resolver as questões da linguagem tradicional. Por
exemplo, tanto o rio abaixo quanto o cebolão em ré ou em mi, são afinações que estão
completamente inseridas no contexto da folia de reis, do pagode caipira. O rio abaixo no
chamamé, o rio abaixo no contexto da música mais de fronteira que onde ele está inserido na
cultura matogrossense, e tal, as querumanas, os chamamés, e aquela coisa toda. E sim, o
cebolão na cultura caipira, na moda de viola, nos cururus e nessa coisa toda, né? E nas folias
de reis, né? Ambas estão ali super contextualizadas. Realmente a afinação dificulta um
pouco alguns caminhos em algumas linguagens específicas, e no meu ponto de vista,
principalmente quando a gente tem que lhe dar com harmonias mais sofisticadas, né? Porque
as afinações abertas muitas vezes trabalham com um […] Regra geral acabamos por ter três
notas destintas numa afinação de cinco pares para jogar. E então, se você não joga com
corda solta para poder abrir um pouco o leque, e acaba por ter que ser a maior parte das
vezes, fica muito difícil construir um acorde com quatro, cinco sons, com extensões e tal.
Então esse é sempre um grande desafio poder trabalhar com as harmonias mais compostas,
com quatro, cinco notas, tétrades, acordes assim com extensões.

(E.C.) Então acha que a afinação tradicional pode ser um entrave?

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(Nilson Dourado) Eu acho que é um entrave no sentido de […] pode ser um entrave quando
você tem que realmente que, com a viola caipira numa afinação tradicional, resolver uma
execução de uma coisa que tem mesmo que ser tocada com aquela abordagem, de um acorde
que te exija mesmo que você toque aquelas notas todas, não é? Porquê em contra-partida, se
você conseguir tratar um instrumento com inteligência e encontrar formas de com a própria
construção, estrutura, da afinação e do instrumento, pesquisar caminhos para abordar o
instrumento ali dentro daquela linguagem, mas que você tenha que fazer algumas
adaptações, e às vezes eliminar uma nota ou outra, compensar uma coisa por outra e
encontrar um caminho dentro da estrutura do instrumento, você pode ter muitas vezes
surpresas muito interessantes. E encontrar formas de conseguir inserir o instrumento naquela
linguagem sem que o instrumento perca a essência dele, a essência da sonoridade que
instrumento tem. Eu acho que esse é o maior desafio de quem toca um instrumento como a
viola caipira, que é um instrumento com uma sonoridade muito própria, que preza por corda
solta, que preza pelo timbre do instrumento mais rico em harmónicos e tal. O grande desafio
é conseguir manter essas qualidades da sonoridade do instrumento e ainda assim consegui
inserir o instrumento numa linguagem que não é propriamente a que ele pertence. Sem
perder a alma do instrumento. Acho que essa é a maior valia

(E.C.) Mudar a afinação corresponderia talvez em tirar um pouco a alma do instrumento. A


força do instrumento está na afinação.

(Nilson Dourado) Sim. Por exemplo, há um violeiro que talvez no Brasil, um violeiro que
me vem logo em mente, né? Que faz isso: que toca viola caipira, mas que trabalha com a
afinação natural (afinação de guitarra, não é? Mas, usa a viola caipira com aquele timbre
para fazer jazz, para fazer choro, para fazer música instrumental que é o Heraldo do Monte.
Desde os anos 60, desde o Quarteto Novo, ele faz essa utilização do instrumento. Então é
claro que a abordagem dele é muito mais melódica e harmonicamente mais vinculada ao
universo do jazz, mas pronto, ele faz uso do instrumento, da viola caipira, não é?

(E.C.) 4 - Seria necessário alterar alguma coisa na construção do instrumento?

(Nilson Dourado) Eu penso que não. Acho que a forma da viola, do meu ponto de vista
interferiria pouco nessa questão mais específica.

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(E.C.) O instrumento já estaria pronto?

(Nilson Dourado) Eu acho que sim, e acho que até a diversidade. Porquê a viola você
encontra instrumentos com construções muito distintas, não é? O violão também já é um
pouco assim, você encontra violões com caixas mais profundas, mais curtas, maiores,
menores, aqueles que têm escala que tem uma elevação acima ou ao nível do tampo, ou são
mais rentes com a construção mais clássica. Enfim, há muitas formas também de se
construir o violão, que é um instrumento completamente inserido em todas as linguagens,
né? E no caso da viola, eu acho que também o formato do instrumento e a construção
dela[...] Eu acho que até a diversidade dos formatos e das formas de construção, eu acho que
são interessantes até mesmo para poderem diversificar esses caminhos de timbre, né?
Porque cada viola quando muda um pouco o formato do instrumento, se ela é mais
acinturada com o corpo mais pequeno, ou se ela tem um corpo com uma caixa maior e que
te dá mais graves e tal. Esse tipo de diversidade, eu acho que até favorece a própria
diversidade timbrística do instrumento. Você poder usar para um tema ou pra uma
linguagem um tipo de viola e para outro tipo de linguagem ou de música outro tipo de viola,
né? Que possa te favorecer timbristicamente, né? Acho que não é uma questão problemática.

(E.C.) 5 - E com relação ao sotaque do instrumento. Se a gente migra o instrumento


para outros estilos, por exemplo, pro rock, ou pro jazz, ou para a música erudita, pro o
fado, música africana, enfim, acha que deve manter o sotaque para denotar que é uma
viola caipira ou ela deve realmente para outro estilo e ser outra coisa?

(Nilson Dourado) Essa é uma pergunta bastante (risos) bastante difícil de... É uma boa
pergunta. É difícil do meu ponto de vista (risos) como... Como questionado aqui de resolver,
não é? Deixa eu tentar.

(E.C.) Eu queria uma opinião mesmo.

(Nilson Dourado) Pessoal!

(E.C.) Pessoal, de violeiro. De quem toca viola.

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(Nilson Dourado) Eu acho que não é necessário ter que se manter um sotaque para ter que
ser preservar a linguagem do instrumento. Não acho que seja necessário. Eu acho que a
função de um instrumento, a principal função do instrumento é transmitir a essência do
músico que o toca. E o músico enquanto músico acho que tem sempre que ser livre para
poder se expressar e conseguir articular o seu instrumento com o sotaque que ele queira, e
até essa liberdade de poder variar o sotaque, de poder ter um sotaque com um tipo de acento
com uma forma mais específica para um género musical e ter outro sotaque com outro tipo
de acento para outro género, né? Acho que isso depende também um pouco da
personalidade do músico. Há músicos que mantêm uma essência e um sotaque em qualquer
género que toque, não é? E você identifica a frase do músico, a articulação dele. E há
músicos que às vezes tem um outro tipo de postura, que é aquela postura de tentar se
adequar ao máximo a cada género que ele toca. E assim, dessa forma altera o sotaque, altera
a tua forma de se expressar com o instrumento, de frasear e tal, então acho que é livre.

(E.C.) 6 - A técnica utilizada habitualmente no instrumento poderia ser mantida, ou


acha que ela fortalece suas características tradicionais ou chegou a alterar algo na
técnica para tocar outros estilos?

(Nilson Dourado) Como eu toco também violão e guitarra e já tenho essa abordagem
também desses instrumentos. Até mesmo antes conhecer a viola, de passar a tocar a viola
caipira, eu quando cheguei tecnicamente para a viola eu já tinha a mão mais ou menos
estruturada também com outras técnica. Então já não considero que minha técnica como
violeiro seja um técnica pura como uma linguagem restrita do universo do violeiro mais
tradicional. Então já com o ponto de partida já saio um pouco dessa abordagem, desse
universo de quem vem mesmo de uma linguagem mais pura, mais tradicional do universo da
viola caipira. Então, quando tive que tocar a viola caipira em outros géneros basicamente eu
trabalhei com aquilo que eu conhecia, que sempre foi um pouco da técnica violonística com
a própria técnica da viola caipira.

(E.C.) Então tem a sua própria técnica de tocar viola caipira?

(Nilson Dourado) Talvez! Talvez tenha a minha própria abordagem que seja um pouco
dessa fusão dessas duas linguagens, do violonista e também do violeiro.

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(E.C.) 7 - Conhece a técnica do dedilho e figueta?

(Nilson Dourado) Conheço. Conheço um pouco. Conheço um pouco sim

(E.C.) 8 - Poderia ser utilizada essa técnica no instrumento?

(Nilson Dourado) Não só acho como já a vejo ser aplicada por um violeiro, grande amigo
que é o próprio Gustavo Roriz, que já aplica essa técnica, que do meu ponto de vista tem um
resultado óptimo. Um resultado surpreendente mesmo. Em todos os níveis. Mesmo em
termos técnicos daquilo que promove em termos de habilidade, de velocidade, de resolução
dos desafios técnicos do instrumento quanto em termos de timbre. Resulta, soa bem, resulta
num som muito limpo, com uma abordagem limpa de fraseado e acho que é perfeitamente
viável, perfeitamente possível. E até um amigo outro dia. E até um amigo no outro dia
comentou uma coisa dum violeiro. Comentou que tinha visto alguma coisa num violeiro
velho no Brasil. E aí depois...

(E.C.) Zé Côco do Riachão.

(Nilson Dourado) Então, exactamente! Depois um dia desses estava vendo umas coisas e vi
uma coisa do Zé Côco do Riachão e aí vendo ele tocar me dei conta de que era então do Zé
Côco que ele estava falando. Porque viu o Zé Côco tocando e aí que me lembrei que o Zé
Côco tocava exactamente assim.

(E.C.) Mas, sem unha postiça, né?

(Nilson Dourado) Sem unha postiça. Com a unha dele, não é?. Zé Côco, um violeiro
rústico, né. Unha de quem trabalha na terra, né? Unha de quem trabalha na terra, de quem
trabalha na madeira. Aquela unha que é um casco. (Risos)

(E.C.) 9 - A migração da viola para outros géneros é ainda muito pouco desenvolvida.
Qual a principal razão que acha na sua experiência?

(Nilson Dourado) Essa é uma reflexão que eu sempre me pus a fazê-la assim. Desde que
comecei a me envolver com o instrumento e como pesquisador fui atrás em pesquisas de

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campo, a recolha de materiais, de imagens e de audio em trabalhos em vários lugares no
Brasil. E também pesquisando, né. E indo atrás de materiais de outros pesquisadores
também, como o Ivan, como o Roberto Corrêa e muitos outros pesquisadores de cultura
tradicional, né. O Instituto Cachoeira de são Paulo, também. O que se nota, o que do meu
ponto de vista fica bastante claro é que a viola caipira foi durante muito tempo um
instrumento segregado e também um instrumento também descriminado. Foi um
instrumento que sofreu também um pouco de preconceito como um instrumento à margem,
como o instrumento do matuto, o instrumento do caipira, o instrumento do velho, do
velhote. Aquele instrumento que ficava restrito por uma cultura considerada menor, se certa
forma, pelo universo do músico urbano, da cultura urbana, digamos assim. E a própria
construção do instrumento sempre teve restrita a uma construção muito rústica que também
não facilitava o acesso do instrumento a um universo de uma música mais desenvolvida,
mais sofisticada, digamos assim. O próprio facto dela ter várias afinações reflete o que?
Reflete um instrumento que esteve restrito à tradição oral. Como um instrumento restrito à
tradição oral ele ficou muito preso às pequenas comunidades de cada região do país. De
cada povoado, valezinho e sítios onde você vai encontrar aquelas manifestações de folgêdos
e de cultura tradicional como as folias de reis, as congadas, o repente, essas tradições todas
que estão restritas à pequenos vilarejos, à interiores, à rincões da cultura tradicional no
Brasil. Cada lugar manteve a afinação daquele lugar. Então por isso é que você vai para um
lugar e você encontra a viola com uma afinação X, vai pra outro e você encontra a viola
com uma afinação Y, você tem várias afinações e essas afinações mais ou manos
correspondem a cultura de cada lugar desse. E isso reflete, reflete esse caminho da
manutenção e dessa sustentação do instrumento na base da cultura oral, da tradição oral, da
cultura tradicional e da tradição oral. Diferente do violão, por exemplo, que é um
instrumento que chegou e da mesma forma e até talvez mais tarde que a própria viola caipira
no Brasil, mas que muito antes teve acesso a entrada da escola, do conservatório., e com isso
há uma certa uniformização ou uma padronização da linguagem e do universo de um
instrumento. E claro que tudo isso também favorece a própria construção de um
instrumento, que foi m instrumento que mais cedo que a viola caipira já encontrou um
padrão de construção mais alto que permitiu que fosse utilizado para fazer uma música mas
sofisticada. A viola passou a entrar nesse universo muito recentemente. Se formos pensar a
coisa de 20 anos, mais ou menos, talvez entre o final da década de 80 início da década de 90.
Muito timidamente foi se dando a entrada dentro desse universo com alguns violeiros, com
alguns músicos que se apaixonaram pelo instrumento. E que se envolveram com a pesquisa

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da construção do instrumento. Levaram para luthieres de outros instrumento, de violões para
construírem. Levaram esse desafio de investirem juntos numa pesquisa de construção de
viola melhores com uma construção que realmente fosse... Pusesse o instrumento num
patamar para se tocar qualquer tipo de linguagem e de técnica musical. Então acho que nesse
momento a viola caipira realmente deve muito à violeiro importantes nesse processo, como
pro exemplo o Roberto Corrêa, Almir Sater, o Paulo Freire, alguns nomes, tem outros
tantos. Mas, são alguns nomes de pessoas que realmente são pioneiras nesse processo de
trazer a viola caipira para um universo urbano, para um universo acadêmico, para um
universo de uma linguagem técnica mais sofisticada e mais abrangente.

Agora, tem um outro lado né? O facto da viola caipira ter se mantido durante tanto
tempo nesses guetos, nesses rincões da tradição cultural brasileira, é um instrumento que
tem ainda muito que por se descobrir. Ainda hoje tem muito por se descobrir. E tem uma
grande diversidade de elementos, de rítmicas, de pormenores técnicos que você vai
encontrar em cada lugar, em cada linguagem à partir de cada afinação, de cada violeiro que
acaba por abrir um leque muito maior do que se formos pensar na abordagem da guitarra
clássica, por exemplo, que já tem uma escola tradicional há um século, mais de um século e
por isso também tem uma linguagem muito mais padronizado. Então, como tudo nessa vida
tem ali os dois lados e a viola ainda mantém muito o que se descobrir e muita diversidade
para se pesquisar em termos de linguagem, de sonoridade, de abordagem.
5. Transcrição da Entrevista com o violeiro Junior da Violla

Data de realização: 30 de Março de 2015


Horário: Às 23:17h
Local: Através do Skype acessado na Calçada de Santa
Apolónia, nº 34 Lisboa – Portugal
Investigador Científico: Gustavo Neves Roriz (E.C.)
Entrevistado: Junior da Violla (Junior da Violla)

(E.C.) 1 - Acha que a viola foi feita só para tocar música tradicional?

(Junior da Violla) Com certeza não. Não, não, de jeito nenhum.

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(E.C.) 2 - Já tocou outros estilos com a viola? Quais?

(Junior da Violla) Sempre toquei, sempre toquei rock, blues, jazz, é a própria música
brasileira, faço faculdade de música actualmente, até choro tenho tocado ultimamente, tenho
feito alguma coisa de choro. Para mim é um instrumento, não é um estilo. Eu toco é um
instrumento, não um estilo musical e como instrumentista eu tenho a obrigação de tocar
tudo. Eu vejo dessa maneira, eu penso assim.

(E.C.) 3 - A afinação é um problema para tocar outros estilos?

(Junior da Violla) Depende do que é a afinação tradicional. Você vai no nordeste a


afinação tradicional para eles é a afinação natural do violão. Para nós em são Paulo é a
cebolão. Eu acho assim, eu acho que cada coisa, cada macaco no seu galho. Por exemplo, se
você vai tocar música caipira numa viola, vamos falar em viola, tem que ser cebolão porque
a sonoridade da afinação pede aquilo. Não dá para você tocar uma música do Tonico e
Tinoco usando acorde com sétima e nona. Tem que ser tríade, tem que ser uma coisa
chapada, simples, entendeu? A beleza dessa música é isso. E a afinação cebolão ela leva
mais para esse lado mais duro. É uma afinação dura, mas que ela presta à isso, ela faz esse
papel muitíssimo bem. Agora, por exemplo, se você vai tocar jazz, vai fazer um jazz, eu
acho que essa afinação para isso já não rola. Você pega e faz um acorde com nona na
afinação cebolão é estranho. Não que não funciona, você consegue fazer, você faz, mas a
sonoridade não é igual à você pegar a afinação do violão e fazer a mesma coisa ali. Então,
acho que cada estilo musical ela pede um tipo de afinação diferente. Eu pelo menos penso
dessa maneira. Por exemplo, na banda de blues que eu toco eu uso a afinação natural. “Ah!,
Por que?” Porque eu tenho músicas que eu toco em dó, tem músicas que eu toco em fá, tem
músicas que eu toco em mi e a afinação cebolão em dó é um horror. Você vai tocar é
estranho. Eu acho que cada estilo pede um tipo de afinação, então você tem que ter, acho
que assim, volta a bater na tecla de instrumentista. Eu sou um instrumentista, não um músico
de estilo. Então eu como instrumentista eu tenho que aprender a usar o meu instrumento de
uma maneira que ele funcione não só para isso, mas para outras coisas. Eu pelo menos me
enxergo e enxergo dessa maneira o que eu faço.

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(E.C.) 4 - Seria necessário alterar alguma coisa na construção do instrumento?

(Junior da Violla) Não, não acho que seja necessário alterar. Eu por exemplo, eu uso uma
viola de 12 cordas, deixa eu mostrar aqui para você, minha viola é uma viola de doze cordas.
Pode ver que é uma viola, não é um violão, é uma viola de doze cordas. Isso aqui é um
resgate que eu to tentando fazer com a Rozini, que antigamente a gente tinha violas de doze
cordas no Brasil, eu não sei em Portugal, eu não achei ainda aí em Portugal doze cordas
dessa maneira, eu não achei. Mas, você saiba melhor que eu. Talvez você possa até me
responder isso. Mas, eu não achei. Eu pesquisei muito já, mas não encontrei. Mas, no Brasil
era fabricada. A Giannini fazia viola de doze cordas antigamente. Casa Lira fazia e eu posso
mostrar para você alguns exemplos de violas de doze cordas e de violeiros que usavam
violas de 12 cordas antigamente.

Então assim, esse é um projecto que eu to com a Rozini e a agente está tentando
desenvolver para por ele em linha. Eu acho assim, com relação a de 10 cordas não tem que
mudar nada. Acho que o instrumento é esse e eu acho que o que é viola caipira é isso. É uma
viola de 10 cordas. Isso aqui para mim não é uma viola caipira é uma viola de 12 cordas.
Não deixa de ser viola, assim como você tem em Portugal a viola braguesa, viola
amarantina, toeira, campaniça, da Madeira, da terra, do ar do céu. Você tem no Brasil
diversos tipos de viola e eu acho que essa é uma viola também, mas não é uma viola caipira.
É uma viola de 12 cordas, então é um estilo diferente de viola, mas tem som de viola, timbre
de viola, toca qualquer coisa que qualquer viola toca. Eu acho que a de 10 não tem que
mudar nada, mas eu acho que a de 12, uma coisa bacana da de 12, o que eu defendo a de 12
é isso, ela toca tudo o que a de 10 toca e eu posso com ela tocar todo o repertório, por
exemplo, que o violão faz. Então, puta, isso amplia. Um par de corda a mais dá um
instrumento a mais de possibilidade de coisas que você pode fazer. Então eu assim, eu não
mudaria a de 10, mas acrescentaria a de 12.

(E.C.) Então essa de 12 é um par a mais?

(Junior da Violla) É um par a mais. Imagina, é como se fosse um violão de 12 cordas só


que feito numa viola, né? E é exactamente como eram construídas as 12 cordas antigamente.
Você tem dois tipos de violas de 12 cordas: as de 5 cordas que você tem dois trios de cordas
e aí você tem em Portugal isso, eu sei que vocês tem. E de 12 cordas com 6 pares. Essa com

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12 cordas com 6 pares. Essa de 12 cordas é raríssima, mas existiu. E ela é muito pratica por
conta disso, você não tem só uma viola, você tem um mini 12 cordas na mão. E porra, se
você toca violão você sabe a quantidade de coisa que você pode fazer com isso. Então eu
acho que a de 10 pra mim, viola caipira é 10 cordas, é isso. Mas, em termos de viola eu acho
que modelo de 12 cordas ele poderia também trazer muita vantagem pro instrumento, muita
coisa nova. E também tocar muita coisa antiga.

(E.C.) 5 - Acha que deve ser mantido o "sotaque" da viola em outros estilos?

(Junior da Violla) A hora que você começou a pergunta eu imaginei que você iria
perguntar isso. (risos gerais)
Eu acho que depende, acho que tem coisas que rola, eu acho que tem coisas que não
rola. Por exemplo, na banda de blues que eu toco eu literalmente penso na viola não como
uma viola, eu penso como um guitarrista. Então, todo o meu fraseado é um fraseado de
guitarra. Então, mas porque você faz um fraseado de viola? Simples! Porquê não encaixa.
Não encaixa, não tem como você fazer uma escala duetada numa pentatónica. Até dá, mas o
ser só isso não rola, entendeu? Até uso, de vez em quando eu uso duetada na pentatónica,
mas não. É diferente a métrica, né? O Blues a forma de tocar é um pouco diferente, então
não tem encaixe. Não tem como você encaixar um ponteio de viola numa levada de blues,
né? Você até pode encaixar uma coisa ou outra, mas não dá para você ficar o tempo todo
fazendo isso. Então eu acho que depende muito da linguagem do que você está tocando.
Tem um músico chamado Fernando Sodré, já que você está fazendo essa pesquisa, eu acho
que é um cara que você poderia também ir atrás. Eu vou te indicar dois nomes. Fernando
Sodré, que trabalha com jazz e o Ricardo Vignini que trabalha com rock. E o Sodré ele
conseguiu, eu acho que ele fez um trabalho muito legal porque ele conseguiu fazer um
trabalho de jazz com esse sotaque caipira. A viola dele é uma que você escuta [indecifrável].
Tem resquício, sabe, de coisa caipira, mas é jazzístico. E tem um cara que conseguiu melhor
ainda que o Sodré que é o João Paulo Amaral. Esse eu acho que ele conseguiu fazer um jazz
regional, porque ele trabalha em trio (Contrabaixo acústico, bateria, viola) é um power trio,
mas cara é muito regional, mas ao mesmo tempo é muito jazz. Tem muito improviso, tem
muito... Tem uma quebradeira lascada. Aí é legal. Aí você consegue passar por um sotaque,
quando você consegue.

(problemas de gravação)

82
(E.C.) Pode continuar.

(Junior da Violla) Então eu acho assim. Eu acho que depende muito do estilo e do que você
vai fazer. Se você abrasileirar o jazz como o João Paulo fez e como o Sodré fez, eu acho até
você consegue fazer, eu acho que até você consegue pôr o sotaque da coisa. Agora tem
certas coisas que eu acho que não...Né? No rock, por exemplo... Depende muito do que você
está tocando. Você está tocando com minha banda, a gente tem músicas que são bem
abrasileiradas. Estão mais puxadas pro Maracatú. Então ali, meu, você vai com a viola
limpinha, aí você consegue fazer uns ponteios, tal. Agora, tem música nossa, bicho que,
meu, puta que parece Richard Binder Machine, sabe cara? É porrada, véio. E aí, meu... Não
dá, não rola limpa, você tem que ligar o overdrive e ir embora. Então, depende muito.
Depende muito do que você tá fazendo. Funciona e não funciona. Dependo do repertório do
estilo e do que quer fazer também.

(…)

(E.C.) 6 - A técnica utilizada habitualmente no instrumento poderia ser mantida, ou


acha que ela fortalece suas características tradicionais ou chegou a alterar algo na
técnica para tocar outros estilos?

(Junior da Violla) Olha, eu, eu... A técnica que eu uso é de violeiro tradicional. Eu uso
dedeira. Actualmente eu to fazendo faculdade de música, eu to estudando violão. Fui estudar
violão mais por causa da afinação e da técnica que por causa do instrumento em si. Que
como a minha viola é de 12 cordas ela me permite entrar nesse universo do violão sem
mudar de instrumento, olha que coisa legal! Sem mudar de instrumento. Então é assim, eu
nunca mudei a minha técnica para tocar outras coisas. Eu toco a minha pegada, o meu jeito
de tocar continua sendo o jeito de tocar de um violeiro. Algumas coisas eu acrescento.
Então, por exemplo, se eu vou tocar uma música erudita eu tiro a dedeira e aí dedo como um
violonista erudito. Se eu vou tocar um blues, se eu vou fazer um solo, e to com a distorção
ligada, tá o overdrive, tá o compressor, tá tudo ligado, aí a dedeira vira uma palheta. E aí eu
adapto a minha maneira de tocar à forma de um guitarrista. Então, na verdade é meio
camaleônico, eu vou […] eu vou buscando coisas novas e incorporando aquilo que eu já

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faço. Tudo para ajudar a realizar aquele repertório. Então eu tenho uma técnica formada,
mas ao mesmo tempo eu busco coisas novas em outros lugares, entendeu? Para realizar
coisas diferentes. Não dá para você tocar música erudita... Até dá, mas eu acho estranho
você tocar música erudita e técnica de violeiro. Acho que você, né... Cada coisa... Cada
coisa no seu parâmetro. Então a técnica é uma ferramenta para te ajudar aquelas coisas, eu
penso assim.

(E.C.) 7 - Conhece a técnica do dedilho e figueta?

(Junior da Violla) Conheço e é uma coisa que eu adoraria adotaria... é incorporar na minha
maneira de tocar, porque eu acho que... A agilidade, eu vejo por exemplo nos guitarristas
portugueses de guitarra portuguesa, eu fico admirado com a agilidade e com a velocidade
que eles têm tocando em corda dupla. Corda dupla é difícil você ter velocidade em corda
dupla. Eu eu fica admirado de ver o que os caras fazem. Os caras parecem o Malmsteen,
né... Bruuuummmmm. Aquela coisa, trocentas24 notas em corda dupla. É difícil fazer aquilo.
Eu já andei pesquisando um pouco sobre isso, mas eu vi que vocês usam um dedal diferente.
Esse tipo de dedal aqui que você tá me mostrando, a gente não acha aqui. Você não encontra
isso no Brasil, então você acaba não conseguindo ir atrás da técnica porque você não
encontra o material para fazer isso. Talvez até quem toque guitarra portuguesa deva
conhecer, talvez eu possa procura um pouco mais. É que eu não tive a oportunidade e tempo
de buscar mais. Mas, eu acho interessantíssima a técnica. Eu com certeza incorporaria isso
fácil na minha maneira de tocar. Fácil! Acho muito interessante e muito bacana. Não dico
“fácil, ah, puta eu vou pegar e vou fazer”, né. Não... Mas, eu faria com certeza. Se eu tivesse
acesso ao material e faria com certeza. Tentaria usar essa técnica com certeza.

(E.C.) 8 - Poderia ser utilizada essa técnica no instrumento?


Pergunta respondida na resposta anterior.
(E.C.) 9 - A migração da viola para outros géneros é ainda muito pouco desenvolvida.
Qual a principal razão que acha na sua experiência?

(Junior da Violla) Eu acho que migrando tá, aos poucos. É uma coisa engraçada porque se
a gente for olha historicamente e a gente for pensar 200 anos atrás agente não tinha, pelo

24 Trocentas é o mesmo que muitas. Expressão comumente usada em São Paulo.

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menos aqui no Brasil, a gente não tinha essa diferença de viola caipira. Porque você não
tinha o violão. Em 1800 o violão não existia... Estava nascendo o violão. Mas, vamos pensar
em 1750, vamos mais para trás, vamos falar de 1750. Em 1750 não tinha violão, então quem
tinha um violão em casa tinha uma viola, não tinha violão. Então, não existia essa coisa de
viola caipira. Isso não existia. Porquê que se tornou viola caipira? Porque num determinado
momento surgiu o violão e o violão era mais fácil de tocar. O cara ía na loja comprava um
violão e comprava um método. Ele não precisava esperar que o pai dele ensinasse ele a tocar
ou ele não precisava ficar vendo os outros tocar pra aprender. Ele ís comprava um método e
aprendia sozinha. Então, o violão era mais prático. Então o violão se tornou um instrumento
urbano porque quem tinha acesso a leitura morava em cidade. Então por isso o violão se
tornou uma coisa urbana e a viola... Como o violão era um instrumento de moda, da moda,
era um instrumento de modinha, né... “Ah, eu toco violão, então eu sou moderno”, quem
tocava viola começou a ter aquela coisa meio pejorativo, ou seja, uma coisa meio arcaica,
antiga, ultrapassada, e isso começou a ser confinada pelo interior, ou seja, prum lugar onde
as pessoas não tinham leitura, conhecimento de leitura, não tinham alfabetização. Pode ver
que a viola é geralmente ligada a isso. Então, ela acabou indo pro interior e acabou se
tornando um instrumento folclórico. Eu vejo pelo menos daqui, daqui do outro lado do
Atlântico, eu vejo que em Portugal a coisa ficou dessa maneira, ela não saiu do lado
folclórico. Ela permaneceu no lado folclórico e hoje você pega uma viola braguesa, por
exemplo, é como era construída a s viola a duzentos anos atrás. Não evoluiu. A coisa parou
ali. Você pega uma viola campaniça. Puta, tem coisa mais arcaica e antiga que aquilo? Cara,
meu é um formato de 8 você vê que a coisa parece que foi feita a canivete. Então assim, não
que isso seja pejorativo, pelo contrário, é a beleza do instrumento está ali na rusticidade
dele. Mas, em Portugal a coisa não evoluiu. Ela ficou na música folclórica. Já no Brasil a
coisa foi muito lento. Já nos anos 60 a viola começou a sair do meio caipira, já nos anos 60
você já tem discos de música erudita gravado com viola. Você já tem a viola na MPB
comendo solta na década de 60, principalmente década de 70, não é? Você tem Quinteto
Violado, puta, escuta Quinteto Violado. Cara, você vai pirar com Quinteto Violado.
Principalmente o primeiro disco de 72, que é o melhor, eu acho que é o melhor disco do
Quinteto Violado. Então, eu acho assim, quem tá dentro da música caipira enxerga a coisa
talvez dessa maneira. Quem está fora da música caipira já vê a coisa de um outro ângulo.
Então, eu não vejo a viola tão enraizada dessa maneira no folclore, ela tá dentro do folclore,
não como em Portugal. Eu acho que em Portugal a viola é folclore. No Brasil não, eu acho
que a viola já saiu dessa questão do Folclore e eu acho que ela tá também saindo dessa

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questão da música caipira. O que a gente tem evoluindo no Brasil não é a música caipira em
si. Eu acho que a música caipira, eu sinto dizer isso, mas eu não vejo futuro para a música
caipira porque você não tem renovação de estilo. Você tem um ou outra duplinha nova que
aparece, mas não é o número suficiente para manter um estilo de pé, né. E os grandes
alicerces desse estilo estão morrendo ali. Inezita acabou de morrer, Tonico & Tinoco já não
existe mais, Tião Carreiro e Pardinho já morreram faz muito tempo. Então, você não tem
muita renovação e você também não tem muita mídia que ajude nessa renovação. Eu pra
música caipira eu não vejo futuro. Então o que que tá desenvolvendo? É a viola. Então, hoje
no Brasil você tem luthiers que fazem viola com micro afinação no rastilho, compensação
no traste pra melhorara a afinação, Você não vê isso em Portugal, mas no Brasil a viola
evoluiu a tal modo que hoje você pega instrumentos que é de uma excelência absurda.
Afinam como um sino, tarrachas que afinam bem. Então, eu acho que o instrumento evoluiu
demais. Pelo menos nesses 15 anos que eu trabalho com viola, eu vivo disso, o instrumento
evoluiu muito nesses 15 anos. Há 15 anos atrás era impensado você ver alguém tocar jazz na
viola. Hoje você vê 2, 3, 4 trabalhos de jazz an viola maravilhosos. Música erudita na viola.
Então a coisa abriu muito, abriu muito mesmo de 15 anos pra cá. Então eu acho que a
tendência é crescer, crescer cada vez mais. A gente tem que lembrar também que antes de
tudo isso, a viola, ela era um instrumento que hoje nós conhecemos como guitarra barroca.
Que era um instrumento de 5 pares de corda que era usada na época de Bach, de Mozart.
Mozart já era classicismo, mas ainda era usado na época de Mozart e que tinha 5 pares de
cordas. Todas as violas portuguesas e a nossa viola no Brasil descendem da guitarra barroca.
Então era uma coisa só. Depois é que abriu a coisa, né, abriu. Então vem tudo do mesmo
lugar. Não sei, eu penso dessa maneira, vejo dessa forma.

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