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Auto da Barca do Inferno-resumo

Auto da Barca do Inferno-Geral


Auto da barca do inferno de Gil Vicente, é uma peça de teatro que remonta ao
séc. XVI. Gil Vicente, nesta peça, pretende criticar a sociedade do seu tempo,
com vista em moralizar as pessoas e a fazê-las pensar se na realidade será de
facto assim. Por ter como objectivo moralizar as pessoas, também há quem
chame á peça Auto de Moralidade, onde Gil Vicente defendia os princípios
cristãos que considerava importantes.
Como constantes da peça, temos um cais, onde há dois barcos, com os seus
respectivos comandantes: o Diabo e o Anjo. Estas duas personagens, representam
respectivamente, o mal e o bem, por isso se diz que a peça tem um carácter
alegórico (é algo concreto, mas que representa um realidade abstracta). Ao longo
da peça vão desfilando várias personagens que representam uma certa classe
social, pois as criticas não eram apenas individuais – personagens tipo. Cada
personagem apresentará consigo um ou vários objectos, chamados símbolos
cénicos, que representam os pecados das personagens tipo.

Auto da Barca do Inferno- caracterização por cenas

Cena do Fidalgo

O Fidalgo representa a nobreza e critica aqueles que só pensam no


seu estatuto social. Este personagem depara-se com o diabo, vindo carregado
com a sua cadeira de espaldar, que representa os bens materiais e o poder, o
pajem, que simboliza a tirania que exercia sobre o seu povo e o manto com
cauda que simboliza a sua vaidade.
No inicio da cena, o Fidalgo apresenta-se muito relaxado no diálogo que tem com
o diabo, porém á medida que o discurso vai avançando e que vão sendo feitas as
acusações por parte do diabo e posteriormente pelo Anjo, o seu humor altera-se
um pouco, mostrando arrogância e irritação.
O seu percurso cénico, resume-se a falar inicialmente com o Diabo e,
posteriormente com o Anjo.
Tanto o diabo como o anjo acusam-no de ter sido tirano perante o seu povo,
acusa-o de vaidade e de ridicularizar os mais pobres. Perante estas acusações o
Fidalgo apresenta como argumentos, o facto de ter na terra quem reze por ele, e
o simples facto de ser fidalgo de solar. Este segundo, mostra como esta
personagem estava convencida de que o seu estatuto social lhe iria valer para
poder ir para o paraíso.
Durante o discurso com o Diabo, e perante o argumento de defesa, que tinha
quem rezasse por ele em terra, Gil Vicente pretende criticar as práticas ocas da
religião.
Perante a recusa do Anjo de embarcar o Fidalgo no seu barco este mostra-se
arrependido, mas ao conversar novamente com o Diabo, ainda tenta regressar a
terra apresentando como argumento o de querer ir ver a sua amante e
posteriormente a sua mulher. O Diabo responde-lhe que tanto a amante como a
mulher tinham chorado de alegria no seu funeral e que tinha sido enganado a
vida toda. É por fim condenado ao Inferno.

Cena do Onzeneiro

O Onzeneiro, representa a burguesia e um vício social da época. Com ele Gil


Vicente, pretende criticar os burgueses que naquele tempo se dedicavam aos
juros de onze por cento aplicado aos empréstimos de dinheiro.
O Onzeneiro entra em cena e depara-se com o diabo que o trata como seu
parente, mostrando com ironia que a personagem tinha qualquer coisa a ver com
ele, que era como se fossem da mesma família. A personagem vem irritada e a
reclamar que lhe estavam mesmo a entregar dinheiro quando morreu.
Uma bolsa de dinheiro é o símbolo cénico que o Onzeneiro traz consigo e que
representa a sua ganância pelo dinheiro. Este é acusado pelo Anjo de ter roubado
a vida toda, de ter o coração “cheio de dinheiro” e de ter uma ligação obsessiva
ao dinheiro. Por ter esta obsessão tão grande, quando o Anjo lhe recusa a
passagem para o Paraíso, este pensa que é porque não tem dinheiro para pagar,
querendo regressar á terra para o ir buscar e assim ter a salvação. O Onzeneiro
realiza um percurso em que fala primeiro com o Diabo, depois com o Anjo e por
fim é também condenado ao inferno.

Cena do Parvo

O Parvo é uma quebra na rotina, e não pretende criticar ninguém, mas sim tornar
a peça não tão monótona e criar um pouco o cómico.
Esta personagem, não é acusada de nada, nem transporta objectos cénicos, pois
tudo o que fez foi sem consciência alguma.
A sua entrada em cena, cria logo o cómico, o qual tem vários tipos que se
apresentam ao longo da cena e da peça (cómico de situação, de personagem e de
linguagem).
O Parvo fala primeiro com o Diabo, que o tenta convencer a entrar na sua barca,
mas ao falar com o Anjo este leva-o consigo, devido á sua simplicidade,
ingenuidade e a não ter errado nas acções que fez, pois fê-las sem consciência. O
Anjo, diz ao Parvo que fique por ali até aparecerem mais pessoas, o que foi feito
com a intenção de este travar também diálogo com as restantes personagens.

Cena do Sapateiro

O Sapateiro representa a baixa-burguesia, e um grupo de ofícios. Nesta


personagem, está novamente presente a critica ás práticas erradas da religião.
Esta personagem entra em cena, transportando consigo o avental e as formas de
sapatos que representam os anos que enganou os seus clientes. Este é acusado de
roubar os clientes e de não revelar todos os seus pecados, perante a confissão;
aos quais o Sapateiro responde que sempre se tinha confessado, que tinha ido á
missa, que tinha dado ofertas para a igreja e até que tinha assistido ás orações
pelos mortos. Mais uma vez, esta personagem está convencida que por assistir ás
missas e se ter confessado estava automaticamente no Paraíso.
Em cena, o Sapateiro fala em primeiro lugar com o Diabo, depois com o Anjo e é
condenado ao Inferno.

Cena do Frade

O Frade representa o Clero. Este tem uma entrada em cena muito pouco vulgar
para um padre, vindo a cantar e com uma moça pela mão. Esta é um dos seus
elementos cénicos, juntamente com o seu equipamento de esgrima (broquel,
espada, capuz e capacete) e com o seu hábito. A moça representa o seu
rompimento dos votos de castidade a que os padres são obrigados e o
equipamento de esgrima representa as práticas mundanas a que o padre se
dedicava.
Este frade é um pouco fora do vulgar, que é visível pela sua entrada em cena, ou
seja dedicava-se a bens materiais o que é exactamente oposto á condição de um
padre e por isso é acusado pelo diabo de não ter exercido correctamente a sua
profissão, de ter quebrado os votos de castidade e de fazer coisas poucos próprias
da sua condição social. O Frade defende-se dizendo que ir para o inferno não
tinha ficado escrito no seu “contracto”, e argumentando que no seu convento ele
não era o único a quebrar os votos de castidade (pretende-se aqui alargar a
critica).
Esta personagem, não dialoga com o Anjo, apenas com o Parvo, pois o Anjo nem
se dá ao trabalho de falar com uma personagem que supostamente deveria ir
para o Paraíso, pois deveria agir de acordo com o bem. Por fim, o Frade resigna-
se e vai para o Inferno.

Cena da Alcoviteira

A Alcoviteira representa os elementos do povo e baixa-burguesia que se


dedicavam a encaminhar as raparigas e mulheres casadas para a prostituição.
Representa esta actividade profissional.
Esta personagem apresenta-se com voz elogiosa e usa uma linguagem popular.
Começa por recusar a entrada no Inferno e acusa-se a si própria dizendo tudo o
que traz consigo como se fosse a coisa mais natural. É a personagem que mais
bagagem traz, representando todos os pecados que fez ao longo da sua vida.
Tanto o Diabo como o Anjo não a acusam, mas ela defende-se por não querer ir
para o Inferno, dizendo que casava muitas mulheres, que tinha sido muito
martirizara, que tinha convertido muitas raparigas, que as tinha encaminhado e
até que as vendi aos padres da Sé, argumentando que se servia a igreja, deveria
ir para o Paraíso.
Em cena, a Alcoviteira dialoga primeiro com o Diabo, depois com o Anjo e
finalmente é condenada ao Inferno.

Cena do Judeu

O Judeu representa a religião e pretende salientar como os Judeus eram mal


considerados pelos cristãos. Tanto o Diabo como o Anjo não o acusam
directamente, pois o Diabo não o quer na sua barca, por estes serem muito mal
considerados. É apenas acusado pelo Parvo de comer carne nos dias santos, que
na sua religião era proibido.
O Judeu aparece em cena com um bode, que representa a sua religião.
O Judeu, ao contrário das outras personagens quer ir para a barca do inferno,
pois já sabe que é condenado.
Perante a recusa do Diabo, o Judeu roga-lhe pragas.
O seu percurso em cena passa pelo Diabo, que lhe recusa a passagem, tentando o
Judeu entrar através do seu dinheiro, o que revela outro carácter dos Judeus – o
apego ao dinheiro; pelo Anjo, em que apenas fala com o Parvo, e por fim volta ao
Diabo que como o leva obrigado diz que o leva a reboque.

Cena do Corregedor e do Procurador

O Corregedor e o Procurador aparecem juntos em cena, para por um lado quebrar


a monotonia e por outro para alargar a critica a todos os que trabalham com leis.
Representam, assim a classe dos magistrados, criticando o funcionamento da
justiça.
O Corregedor é quem se apresenta primeiro em cena, trazendo consigo os
processos que representam a corrupção. No diálogo com o Diabo, mostra-se
convencido de que a sua posição social o irá salvar. Seguidamente aparece o
Procurador, que vem auxiliar o Corregedor, mostrando assim a cumplicidade que
existia nos membros da justiça. O seu símbolo cénico são os livros.
Ambos são acusados de enganarem os mais pobres, de aceitarem dádivas dos
Judeus, de julgarem mal os processos e de aceitarem roubos. O principal
argumento dos dois é a sua posição social, argumentando também com o facto de
dizerem que agiram sempre segundo a justiça e quando o Diabo acusa o
Corregedor de aceitar as dádivas dos Judeus, este desculpa-se com a sua esposa,
afirmando que ele não tinha nada a ver com isso.
Ambos são condenados ao Inferno e no fim o Corregedor fala com Brízida Vaz
(Alcoviteira), pois conhece-a dos problemas com a justiça.

Cena do Enforcado

O Enforcado representa as vítimas da justiça e aparece a seguir ao Corregedor e


ao Procurador para vermos como este foi vítima da sua corrupção. Não sabemos
bem, o que Gil Vicente pretende criticar com esta personagem, até porque não é
acusado de nada, nem tão pouco se defende, ou melhor, defende-se por não
querer ir para o inferno, baseando-se nas palavras que em Terra alguém lhe tinha
dito. No seu diálogo com o Diabo, ficamos a perceber que o Enforcado é um
pouco ingénuo, por ter acreditado em tudo o que lhe tinham dito, e por pensar
que morrer numa forca iria para o paraíso, só porque morria a sofrer. Isto revela
como a lei espiritual é contrária á lei do homem. Não sabemos porque é que é
condenado á morte em Terra. Talvez por ter sido criminoso? Não sabemos.
No seu percurso fala só com o Diabo e o seu símbolo cénico é a corda.

Cena dos Quatro Cavaleiros

OS cavaleiros representam aqueles que combatiam pela fé cristã. Aparecem em


cena apregoando uma cantiga que lembra ás pessoas que ficaram em Terra a
necessidade de passarem por aqueles barcos e como a vida é uma passagem.
Nesta cantiga está contida a moralidade da peça, que é o facto de a vida ser uma
transitoriedade e de termos de ser julgados ao chegar aquele cais.
Os cavaleiros nem sequer param na barca do Diabo e quando este os interpela
eles simplesmente lhe perguntam se sabe com quem está a falar. Estes
personagens não apresentam argumentos para ir para o Paraíso, apenas o Anjo
quando os vê chegar, diz que já os esperava e que eles é que tinham sido
verdadeiros mártires da fé cristã. Os seus símbolos cénicos são as cruzes de
Cristo.

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