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A voz do morro
Zé Kéti
1955
“
Eu sou o
samba
sou natural
daqui do
Rio de Janeiro
Sou eu quem
leva a alegria
para milhões
de corações
brasileiros
”
Samba:
É com especial orgulho que apresentamos esta exposição
no Museu de Arte do Rio. Pela primeira vez um museu
de arte do Rio de Janeiro aborda, em uma exposição, a
principal referência artística e cultural da nossa cidade, hoje
reconhecida como patrimônio imaterial da nação brasileira,
ontem,
o samba.
hoje,
A criação e a difusão das escolas de samba tiveram aí um
papel importante. Organizados em grêmios recreativos, que
supriam, nas comunidades, a carência absoluta de formas de
lazer, os sambistas ganharam espaço na cidade, no país e no
mundo. Seus desfiles carnavalescos, singelos e pitorescos, em
breve se tornariam atração turística internacional. O samba,
vitorioso, chega ao fim do séc. XX como ritmo característico do
Brasil, verdadeiro sinônimo da pátria no mundo inteiro.
sempre
do Estado brasileiro foi um importante marco na trajetória do
samba. E a principal conquista desse título foi a consciência
de que, em virtude de sua superexposição na mídia e do
despertar de interesses comerciais e empresariais, temos
de estar atentos para que a mudança, inerente a tudo que é
vivo, não signifique descaracterização, perda de seus valores
fundamentais.
Nilcemar Nogueira
Secretária Municipal de Cultura do Rio de Janeiro
Inimigo do samba
Ataulfo Alves e
Jorge de Castro
1943
“
Pra você que
é inimigo
número um do
samba brasileiro
pra você matar
o samba
tem que me
matar primeiro
”
MAR
O Rio de Janeiro é o tema do 3º andar do pavilhão de exposi-
ções do MAR, espaço voltado para um período, um lugar, um
é Rio.
personagem, um contexto, que convida os visitantes a conhe-
cerem e reconhecerem histórias sobre a cidade e o estado do
Rio de Janeiro. Em 5 anos de existência do MAR, e sob gestão
do Instituto Odeon, muitas histórias esquecidas ou nunca con-
tadas já ocuparam esse espaço. Não é diferente agora, com
minuciosa investigação da história social deste que é conside-
rado o gênero musical brasileiro por excelência, o samba.
MAR
que revelam a riqueza desse universo. Os modos de ser, de
amar, de comer e de festejar dos indivíduos que trazem o
samba no DNA estão retratados em obras de Di Cavalcanti,
Heitor dos Prazeres, Guignard, Ivan Morais, Sérgio Vidal e
Abdias do Nascimento; em fotografias de Marcel Gautherot,
Walter Firmo, Evandro Teixeira, Bruno Veiga, Ierê Ferreira e
Wilton Montenegro; em gravuras de Debret e Lasar Segall e
nos parangolés de Hélio Oiticica. E em cinco obras comissio-
nadas pelo MAR, criadas especialmente para a exposição.
5
venta por meio do conhecimento, da arte e da experiência
do olhar. São 5 anos de diversidade, encontros, acolhimento,
pertencimento e também de resistência e reinvenção. Resisti-
mos e nos reinventamos diariamente porque acreditamos na
força da arte e da cultura.
anosCarlos Gradim
Diretor-presidente do Instituto Odeon
Apoteose do samba
Silas de Oliveira e
Mano Décio da Viola
1974
“
Samba,
quando vens aos
meus ouvidos
embriaga
meus sentidos
trazes
inspiração
”
A voz
O inesquecível samba de Zé Kéti, autor de extraordinário reper-
tório, ressoa através dos tempos como brado de resistência e
pujança não somente de um gênero musical, mas da luta pela
sobrevivência e permanência do legado, da cultura produzida
nas comunidades, nas favelas, nos subúrbios do país, símbolo
da história dos negros no Brasil, muito especialmente no
Rio de Janeiro.
do
trução da cultura nacional, em seus diversos segmentos. Além
de arte, o samba é instrumento identitário, de afirmação, de
conhecimento, de transposição e reinvenção constante contra a
injustiça, a opressão moral, o preconceito religioso, a discrimina-
ção étnica, a perseguição política, a violência policial, o aparta-
mento social, a pobreza econômica e tantas outras barreiras.
morro
do e transmitido por meio de mestres, de tias, de escolas, de
sambas-enredo, de muita malícia, de muita dor, de muita alegria
e de muita firmeza.
Eu sou o samba
A voz do morro sou eu mesmo sim senhor
Quero mostrar ao mundo que tenho valor
Eu sou o rei dos terreiros
Eu sou o samba
Sou natural daqui do Rio de Janeiro
Sou eu quem levo a alegria
Para milhões de corações brasileiros
Mais um samba, queremos samba
Quem está pedindo é a voz do povo do país
Pelo samba vamos cantando
Essa melodia do Brasil feliz
ventre
materno
é
o
coração
primeiro
O ritmo — elemento primeiro e fundamental na
música — é vivenciado por todos os seres humanos
ainda no ventre da mãe. O coração materno, o tambor
primordial, comanda, ao longo de nove meses, também
uma gestação sonora. Antes mesmo de virmos ao
mundo, pulsamos no compasso binário do principal
órgão da vida; o ritmo do samba nos acompanha até
o fim. Da palma das mãos de tia Ciata às síncopes da
bossa-nova, o coração, com seu pulso binário, marca
todos os tempos do samba. 13
Um Rio O samba é um complexo cultural. Além de música, é um modo
de vida e de resistência do povo às violências da colonização
e às desigualdades estruturais do Brasil. De origem negra, o
samba nasceu pobre, mulato na poesia e no coração, e cresceu
com a sina de juntar pedaços de sonhos desfeitos na “grande
travessia”. Aqui, mesmo nas agruras do trabalho forçado,
expandiu-se pelas periferias da capital federal — o Rio de
de
Janeiro do começo do séc. XX — contra toda a marginalização
e criminalização que lhe foram impostas e tornou-se símbolo
nacional e uma das mais potentes imagens do país no mundo e
da diáspora africana nas Américas.
muitos
Esta não pode mais ser uma história de apropriação cultural e
anomia, deve-se fazer valer a biografia de artistas, compositores,
dançarinos e sambistas, muitas vezes sobrevivendo em outras
profissões, que recontaram a história do Brasil, devolvendo-o
para os braços do povo. Ouvimos Cartola cantar a beleza
das cores verde e rosa, Nelson Cavaquinho doer-se pelos
espinhos do amor, Clementina de Jesus interpretar o canto
dos escravizados, garimpando resquícios preciosos de línguas
africanas, Silas de Oliveira pedir o fim da tirania, Dona Ivone Lara
sonhar a saudade de quem mora longe e, sobretudo, louvar a
liberdade dos sorrisos e abraços negros.
afluentes
A ancestralidade do samba, fincada em suas raízes africanas, so-
brevive e se atualiza nos corpos, nas palmas, nos pés, nas rodas.
Nos terreiros, nas quadras das escolas, nos quintais e nos muitos
palcos, junto à música e à poesia, o que o samba inventa são
formas de convivência, de alegria, de memória, de desejo e de
luta cuja complexidade não se esgota na unidade de um gênero
musical, e que tampouco podem ser circunscritas a uma única
classe social.
reflexão
Aqui estão representados sambistas de todas as gerações,
ressalvadas eventuais omissões, pelas quais nos desculpamos.
E são especialmente destacados, com pequenas biografias,
compositores e personagens que de alguma forma contribu-
íram para uma inflexão, seja estética ou social, na história do
gênero e deixaram seu legado para os que hoje mantêm vivo
e renovam o samba.
Sejam bem-vindos
a este momento de
reflexão!
Nei Lopes
Curador convidado
15
O samba
é o dono do
corpo*
Festa de Nossa
Senhora do Rosário,
padroeira dos negros
[Our Lady of the
Rosary Celebration, the
patron saint of black
people]. Johann Moritz
Rugendas, c. 1835.
Gravura [Engraving].
Acervo Brasiliana Itaú
Lavage de l’or
(Mines da passagem)
[Lavagem do ouro em
Minas da Passagem]
[Panning for gold
at the Minas da
Passagem mine].
Marc Ferrez, 1870-
1899. Fotografia
[Photography].
Acervo Fundação
Biblioteca Nacional –
Brasil
30
Pequena
áfrica
Obra em
destaque
[Featured work].
Três orixás [Three
orishas]. Djanira
da Motta e Silva,
1966. Óleo sobre
tela [Oil on
canvas]. Acervo
Pinacoteca do
Estado de São
Paulo
Candomblé,
terreiros
Religiosidade e festa são dimensões “Os velhos ficavam na parte da frente,
arcantes na cultura brasileira. Aqui,
m cantando partido-alto… os jovens
samba e candomblé percorrem traje- ficavam nos quartos cantando samba
tórias semelhantes e inter-relacionadas, corrido. E no terreiro ficava o pessoal
entrelaçadas no ritmo, nos instrumentos, que gostava de batucada”.
no canto e na dança. Muitos instrumen-
tistas do samba começaram a carreira O samba feito nos terreiros e quintais co-
como ogãs (músicos) nos terreiros de meçou a ser mostrado em gravações que
candomblé. Alguns sambistas são tam- registravam cânticos rituais, como as feitas
bém m encionados como chefes de por Heitor dos Prazeres e João da Baiana,
terreiro, inclusive Zé E
spinguela e por exemplo. Clássicos da discografia do
Hilário Jovino. samba fazem referência aos orixás, utilizan-
do base rítmica com atabaques e xequerês,
Segundo João da Baiana, nas reuniões e exaltam a luta dos negros em composi-
musicais ções muitas vezes de domínio público.
32
Capoeiragem Comércio
A capoeira é, antes de tudo, um jogo Os negros sempre predominaram nas ruas
atlético, advindo das tradições de do Rio de Janeiro. Antes da abolição, nos
Angola. Aqui, o jogo de corpo adquiriu centros urbanos os escravos de ganho en-
características distintas no Rio e na Bahia. gordavam os bolsos dos senhores mercan-
No Rio, a disputa entre rivais com golpes do o excedente das lavouras ou miudezas,
de pernas e braços ficou conhecida e grande contingente de mulheres vendia
como capoeiragem, e nos ambientes de mingaus a ervas para banhos. Depois
da estiva e do comércio foi adquirindo da abolição, parte dessa população se
aspectos lúdicos e espetaculares. Muitas profissionalizou em ofícios exercidos nas
vezes misturadas às rodas de samba, as ruas e em feiras livres.
rodas de capoeira também ganharam
instrumentos específicos, como o Entre os vendedores ambulantes, as
berimbau, e cânticos em louvor a seus baianas vendedoras de comidas típicas
mestres. Hoje, a dança ganhou as ruas se firmavam como tradição. Muitas vezes,
e os lugares turísticos das cidades. quando conseguiam economizar algum
dinheiro essas comerciantes mandavam
fabricar, em ouro e prata, pingentes
identitários e decorativos, em forma de
frutas, figas, animais etc. Quando seus
balangandãs ganhavam certo tamanho,
Tenda de mercado
as que ainda eram escravas chegavam
[Market stall]. Henry a negociar o artefato na compra de sua
Chamberlain, c. 1820. própria liberdade.
Gravura [Engraving].
Acervo Brasiliana Itaú
33
Moradia
Até meados do séc. XIX, 50% da população
carioca residiam em cortiços, habitações
típicas do Primeiro Reinado transformadas
em moradias comunitárias. Esses casarões
divididos em cubículos por ripas de ma-
deira eram locais de moradia, de trabalho
(lavanderias, docerias, alfaiatarias etc.) e de
encontro interétnico; neles sempre havia al-
gum fundo de quintal destinado ao lazer: o
batuque, o canto e a dança. Essas moradias
populares fortaleciam o espírito comunitá-
rio indispensável para a sobrevivência.
Obra em destaque
[Featured work].
Penca de balangandãs
com efígie de Dom
Pedro II [Bunch of
trinkets with effigy
of Pedro II]. Autoria
desconhecida
[Unknown authorship],
1888. Prata (fundição)
e madeira (entalhe)
[Silver (founding)
and wood (carving)].
Coleção [Collection]
MAR – Fundação
Roberto Marinho
36
Matriarcado Tias
Uma das versões mais difundidas sobre O jornalista e historiador da música brasi-
as origens do Rio do Samba afirma que leira José Ramos Tinhorão esclarece que,
o ritmo foi trazido até aqui por mulheres com a perseguição sistemática às rodas
vindas da Bahia. A biografia dos primeiros de batuque durante a Primeira República,
sambistas, como João da Baiana, Donga,
Buci Moreira, revela que todos eram filhos “os locais mais seguros para as reuniões
ou parentes próximos das “tias do samba”. da gente das comunidades mais pobres
Perciliana, Amélia e Ciata vieram do passaram a ser as casas das famílias dos
Recôncavo Baiano com a experiência reli- baianos mais bem-sucedidos”.
giosa do culto aos orixás do candomblé e
a prática cultural do samba de roda. Aqui Nessas famílias, as mulheres que se sa-
ampliaram seu matriarcado, tornando-se lientavam aos olhos da comunidade por
figuras centrais na condução das reuniões sua maior experiência resultante da idade
regadas a samba e quitutes, na criação de ou pelo sucesso financeiro pessoal eram
filhos e sobrinhos e no provimento das chamadas de tias. A autonomia financeira
famílias com ganhos obtidos no comércio. lhes permitia proteger recém-chegados
Hoje, a mulher permanece como a maior e órfãos da vizinhança e promover festas
provedora de boa parte das famílias ne- em suas amplas casas. Trata-se de uma
gras brasileiras e um dos principais lastros sobrevivência da ordem familiar africa-
culturais do samba. na, quase sempre matrilinear, na qual o
papel dos irmãos é tão importante que os
sobrinhos aparecem quase como filhos.
Nessa estrutura familiar, a casa da família
é entregue ao controle total da mulher, o
que explicaria a predominância dessas
negras senhoras da comunidade baiana
do Rio de Janeiro.
Negra da Bahia
[Black Bahian
woman]. Marc Ferrez,
c. 1885. Impressão
em jato de tinta com
pigmentos minerais
sobre papel 100%
algodão [Inkjet
print with mineral
pigments on 100%
cotton paper].
Acervo Instituto
Moreira Salles
37
Rio
Há um Rio que relação entre a mú-
resiste e se insurge, sica e o corpo (batu-
desde a periferia, que, canto e dança),
contra diversas característica da
negro
formas de violência cultura banta, e os
social e cultural. sambas de roda do
Esse Rio é negro. E nordeste do Brasil,
desse Rio Negro trazidos desde o séc.
surgiu o chamado XVIII por escraviza-
samba carioca. dos ou libertos.
Roda de
samba
“Formava-se uma roda. Roda de respeito, A roda, reunião de pessoas em círculo
com as baianas de balangandãs, os para celebrar, cantar e dançar, é um dos
calcanhares ralados a caco de telha — modos básicos de se socializar e de sam-
não se conhecia a pedra-pomes. No bar. Com o tempo, a roda deixou de ser
centro, as pessoas sapateavam, com a principal forma de fazer samba. Com o
acompanhamento de flauta, cavaquinho, surgimento das escolas, o samba ganha as
violão, pandeiro, além de prato e faca ruas em forma de desfile, depois em rodas
(substituídos mais tarde pelo reco- produzidas comercialmente em bares ou
reco). Dançava um de cada vez, com em programas televisivos, e, a partir dos
entusiasmo, fazendo samba nos pés” anos 70, também em torno de uma mesa,
como no pagode.
Donga, em depoimento a Muniz Sodré em Samba,
o Dono do Corpo
39
Casa de Salgueiro
Dona Esther Desde pelo menos a década de 30,
o Morro do Salgueiro se destacou
“Oswaldo Cruz era campo, tinha como um dos principais núcleos do
cavalo, trem, maria-fumaça, era roça, samba carioca. Localizado no Maciço
mato mesmo. Os pontos marcantes da Tijuca, sediou diversas escolas
eram a Igreja de São Mateus, a concorrentes nos desfiles da Praça
Portela e a casa da Dona Esther, que Onze, entre as quais a Azul e Branco
todos frequentavam (…). Tinha o seu e a Depois Eu Digo, que em 1953 se
lado místico, entretanto não era de fundiram para dar nascimento aos
candomblé. Lá tive oportunidade de Acadêmicos do Salgueiro, e a Unidos
assistir às serestas e aos chorinhos do Salgueiro, que se juntou depois.
frequentados, por exemplo, por
Luperce Miranda. Também Jair do Entre os grandes sambistas dessas
Cavaquinho, Zé com Fome, Paulo da escolas contam-se Canuto, tido por
Portela e Pixinguinha. Começava com muitos como o introdutor de Noel
o samba, na frente tinha o chorinho, Rosa no ambiente do samba de morro;
mais atrás o baile de salão, também Antenor Gargalhada, parceiro de Noel;
sanfona, e lá atrás a escola de samba, Éden Silva, o Caxinê, que com seus
a batucada violenta e pesada” parceiros Aníbal Silva e Noel Rosa de
Oliveira foi autor de grandes sucessos
Candeia, em entrevista ao Pasquim, 1978 do carnaval carioca nas décadas de
1940 e 50, como os sambas “Rosa
Maria” e “Tudo foi ilusão”. Outros
salgueirenses históricos foram Paula
do Salgueiro, uma espécie de decana
Quintais da das passistas do carnaval das escolas,
e Isabel Valença, personagem principal
Portela do enredo “Chica da Silva”, de 1953.
A escola Acadêmicos do Salgueiro
Quatro quintais deram à Velha Guarda foi a primeira a gravar um disco com
da Portela chão para percorrer a sua sambas de seu repertório (Samba!,
trajetória: o quintal do Manacéia, onde 1957). E responsável por muitas das
a Velha Guarda comia a galinha com inovações que chegaram ao desfile
quiabo da Dona Neném; o quintal da das escolas a partir de 1960.
Doca, onde o prato de resistência era a
sopa de ervilhas; o quintal do Argemiro,
onde corvina ensopada era o prato
mais servido, e o quintal da Surica e
sua feijoada, que já viraram samba de
Teresa Cristina.
Saúde. Emygdio
Ribeiro, entre 1907
e 1908 [Between
1907 and 1908].
Fotografia P&B
[B&W photography].
Acervo Arquivo
Público do Estado
do Rio de Janeiro
42
Zona portuária
A geografia da baía A Pequena África vindos de antigas resistência que, no
de Guanabara é foi se adensando fazendas da âmbito da estiva, se
amplamente favo- em um duplo Freguesia de Irajá juntou à luta desses
rável à atividade movimento: na e de outras regiões trabalhadores. Foi
portuária. Assim, preservação de cafeeiras vieram justamente no por-
até o princípio do tradições de origem a se encontrar em to do Rio de Janeiro
séc. XX a região dos africana praticadas Madureira, na que, em 1905, eles
bairros da Saúde, pelos trabalhadores comunidade do fundaram a Socie-
Gamboa e Santo da cidade e na Morro da Serrinha. dade de Resistência
Cristo foi ocupada afluência de novas dos Trabalhadores
por trapiches e ar- referências culturais Nesse contexto, em Trapiche e Café,
mazéns através dos que chegavam à o samba carioca o atual Sindicato
quais era abasteci- capital do país por se fazia presente dos Estivadores e
da parte expressiva navios vindos de também por sua Trabalhadores em
da economia do Rio todas as partes do dimensão política: Estiva de Minérios
e do Brasil. A região mundo. Influências nas comunidades do Rio de Janeiro.
estava, portanto, ha- estrangeiras e negras de morros Essa entidade con-
bitada por marinhei- tradições de da Zona Portuária gregava moradores
ros, estivadores e ancestrais bantos e do Maciço da dos morros onde
outros profissionais trazidas pelos Carioca, ele era o samba vinha
ligados ao porto. trabalhadores uma prática de surgindo.
43
Aparelho flutuante
[Floating device].
Emygdio Ribeiro,
entre 1904 e
1911 [between
1904 and 1911].
Fotografia P&B
[B&W photography].
Acervo Arquivo
Público do Estado
do Rio de Janeiro
Praça Onze
[Unknown author],
1937. Fotografia,
processo gelatina,
p&b [Photography,
gelatine process,
b&w]. Acervo
Fundação Biblioteca
Nacional – Brasil
Carnaval no Rio
[Carnival in Rio].
Aliwu, entre 1900
e 193- [between
1900 and 193-].
Cartão-postal:
cópia fotográfica
de gelatina e prata,
p&b [Postcard:
photographic copy
in gelatine and
silver, b&w]. Acervo
Fundação Biblioteca
Nacional – Brasil
Carnaval de rua
[Street carnival].
Arthur Ramos,
entre 1900 e 193-
[between 1900 and
193-]. Cartão-postal:
cópia fotográfica
de gelatina e prata,
p&b [Postcard:
photographic copy
in gelatine and
silver, b&w]. Acervo
Fundação Biblioteca
Nacional – Brasil
49
Criminalização do Pelo telefone
samba “Pelo telefone” foi um dos primeiros sam-
bas gravados com identificação de autoria.
Os sambistas e todo o contexto sociocul- Seu lançamento em disco, em 1917, pela
tural que gerou o samba carioca eram — e gravadora Odeon com o registro de Don-
muitas vezes continuam sendo — margina- ga como compositor criou um novo fato
lizados pela sociedade brasileira, tão mar- para o samba, que passou a circular num
cada pelo racismo, pela estigmatização universo ao qual antes não tinha acesso,
dos ritos de origem africana e pelo apreço o mundo dos autores. Mesmo sendo um
aos privilégios que remetem à nossa ori- samba-maxixe, sem todas as característi-
gem escravocrata. Em 31 de dezembro de cas do que mais tarde viria a ser chama-
1922 o Jornal do Brasil noticiava que do de samba carioca, “Pelo telefone” se
tornou um marco na história do gênero
“No domingo passado, último dia da por ter contribuído para a afirmação social
Festa da Penha, as autoridades policiais dos compositores de samba, reconhecen-
apreenderam todos os pandeiros que do-lhes atuação profissional e comercial.
surgiram isolados, isto é, cujos donos
não integravam conjuntos musicais”. A tradição do samba, por sua vez, só se
vinculou à indústria fonográfica bem mais
E em 1963 Donga relembrava que o tarde: foi por volta de 1930, na gravação
preconceito e a criminalização do samba de “Na Pavuna”, de Homero Dornelas e Al-
eram constantes na vida dos sambistas: mirante, que pela primeira vez a percussão
tradicional do samba (com pandeiro, cuíca,
“O fulano da polícia pegava o outro to tamborim, surdo, ganzá etc.) saiu do terrei-
cando violão, este sujeito estava perdido. ro e entrou em um estúdio de gravação.
Perdido! Pior que comunista, muito pior.
Isso que estou lhe contando é verdade.
Não era brincadeira, não. O castigo era
seríssimo. O delegado te botava lá umas Partitura de “Pelo telephone: samba carnavalesco” [Sheet
music for “By telephone: carnival samba”]. Donga, 1916.
24 horas” Reprodução [Reproduction]. Acervo Fundação Biblioteca
Nacional – Brasil
50
“Pelo telefone”
[“By telephone”]
samba
no pé e performatividade dos corpos
no samba.
Sinhô, o rei do
samba [Sinhô, the
king of samba].
Autor desconhecido
[Unknown author],
c. 1920. Colagem
[Collage]. Acervo
Fundação Biblioteca
Nacional – Brasil
Sala 2 [Room 2]
58
59
O surdo Noel
Na combinação entre novos tempos e Rosa
novos instrumentos, o Estácio fez uma
revolução completa no samba. Foi (1910-1937)
lá que o surdo, chamado caixa-surda
nas bandas militares, começou a ser O Poeta da Vila, Noel Medeiros Rosa,
usado nos sambas. Bide argumentava nasceu no bairro de Vila Isabel, filho
que a marcação forte desse tambor de de um comerciante e uma professora.
som muito grave favorecia o desfile Muito cedo aprendeu a tocar violão
dos blocos. A síncope gerada com e bandolim. Ingressou na Faculdade
a introdução do surdo e a alteração Nacional de Medicina, mas abandonou
no andamento do samba se oferece o curso; já estava envolvido com a
como o espaço vazio entre os sons música e a boemia. Formou, com
que convida o corpo a preenchê-lo. Almirante, Braguinha, Alvinho e
Henrique Brito, o conjunto Bando
de Tangarás. Apresentava-se em
programas de rádio e fazia recitais
Deixa e apresentações públicas. Em 1935,
duas composições suas estrearam
Falar no cinema, no filme Alô, Alô Carnaval,
protagonizado por Carmen Miranda.
Em 1928 foi fundada no Estácio a
agremiação carnavalesca Deixa Falar. Em apenas sete anos, entre 1930 e
Entre seus fundadores estavam Ismael 1937, quando morreu de tuberculose
Silva, Nilton Bastos, Bide e Armando aos 26 anos, esse rapaz franzino e de
Marçal. A agremiação, que chegou a saúde frágil compôs mais de trezentas
desfilar como rancho, é considerada músicas, entre sambas, marchinhas
por muitos como o primeiro conjunto e canções, quase todas grandes
a se autodenominar “escola de sucessos já em sua época. Boêmio
samba” no Rio de Janeiro. A Deixa incuravelmente atraído pelas rodas de
Falar enfrentou batalhas com a polícia samba, Noel é considerado um dos
e as autoridades, mas também a mais criativos artistas brasileiros e o elo
resistência das próprias famílias de mais forte entre o samba do morro e o
classe média baixa da comunidade, da cidade. Em sua carreira vertiginosa,
que não permitiam que suas filhas compôs com dezenas de parceiros
participassem dos desfiles. Foi só canções que fizeram a crônica da vida
alguns anos mais tarde, em 1935, que carioca de sua época.
as escolas de samba conseguiram
ganhar as ruas, quando fizeram um Quando aderiu ao samba, Noel Rosa
concurso oficializado pela Prefeitura tinha em mente especificamente o
do então Distrito Federal. samba do Estácio de Sá, o samba do
“estilo novo” feito nesse bairro contíguo
a Vila Isabel; entre 1932 e 1934 ele e
Ismael Silva emplacaram nada menos
que 18 sucessos fonográficos.
60
Avenidas
Na virada do séc. e sanitárias abrir avenidas Pedra do Sal,
XIX para o XX, as realizadas no início justamente onde espaço de criação
grandes reformas do século pelo antes havia morros, e resistência da
urbanísticas e a engenheiro Pereira casas, cortiços, cultura negra, hoje
construção de Passos, prefeito da cabarés, botequins, um quilombo
novas capitais capital, visavam terreiros. O b
ota- urbano — ficava
faziam parte do a tornar a cidade abaixo atingiu cada vez mais
plano das elites “moderna, segura e todos os espaços cara. E nos anos
brasileiras de limpa” nos moldes da sociabilidade 40, com a
projetar uma urbanísticos negra do centro construção
imagem do Brasil europeus. E do Rio de Janeiro, da Avenida
republicano trouxeram consigo território do samba. Presidente Vargas,
que apagasse a um violento os sambistas se
representação processo de Com a área central viram novamente
de um país remoção de valorizada pelas obrigados a deixar
atrasado, imperial moradores dos novas obras, a seu reduto, desta
e escravocrata. No territórios centrais vida na região vez a Praça Onze,
Rio de Janeiro da cidade para portuária — onde e ir viver em
as melhorias as periferias. estava situada, bairros ainda
viárias, estéticas Foi preciso por exemplo, a mais afastados.
61
Carnaval Candelária
[Candelária Carnival].
Autoria desconhecida
[Unknown authorship],
1966. Fotografia
Decoração
[Photography]. Acervo
Museu da Imagem e
do Som
carnavalesca
e a Escola de
Sambódromo Belas Artes
Décadas depois da destruição da Praça O diálogo entre as artes visuais e o
Onze para a construção da Presidente carnaval tem sido um dos mais potentes
Vargas, mais uma avenida foi construída fatores de quebra da grande divisão entre
naquele mesmo território. Dessa vez, uma arte erudita e arte popular. Todos os anos,
avenida para o samba. Nos anos 80, o estudantes e professores dos cursos de ce-
governador Leonel Brizola encomendou a nografia, indumentária e artes da Escola de
Oscar Niemeyer o projeto de um espaço Belas Artes da UFRJ ocupam os barracões
físico permanente para a realização dos das escolas de samba para criar alegorias,
desfiles das escolas de samba durante adereços e fantasias, dando continuidade
o carnaval. O Sambódromo da Avenida ao trabalho iniciado por mestres como
Marquês de Sapucaí, hoje Passarela do Fernando Pamplona, Rosa Magalhães, Lícia
Samba Professor Darcy Ribeiro, ou Passa Lacerda e Maria Augusta. Os desfiles, antes
rela do Samba, como é mais conhecida, dominados pela arte ingênua de artistas do
teve impactos estéticos, políticos, sociais próprio universo do samba, passaram a se
e comerciais sobre o universo do samba. caracterizar por outro tipo de visualidade.
62
Rádio Nacional
Antes do rádio, o do rádio, entre cada já começava popular brasileira.
maior veículo de di- as décadas de a disputar a prefe- Seus programas
vulgação da música 1930 e 1950, a rência popular com musicais realiza-
popular brasileira produção musical a Rádio Mayrink dos ao vivo em um
era o teatro de se mercantilizou Veiga, campeã de auditório de quase
revista. O projeto e surgiram as audiência carioca. quinhentos lugares
brasileiro de radio- primeiras entidades Nos anos 40 a Na- movimentavam um
difusão foi lançado arrecadadoras de cional foi estatizada, grande mercado
em 1922 na exposi- direitos autorais. A inaugurou novos de músicos e eram
ção do Centenário invisibilidade dos estúdios e um cada vez mais
da Independência, sambistas e sua grande auditório e populares. Nesse
e entre os anos 30 e cultura se reforçou passou a se manter auditório e em seus
o início da década e o perfil dos no ar durante todo estúdios, que ocu-
de 60 o rádio foi o compositores de o dia. Era uma das pavam os últimos
principal veículo samba se alterou. emissoras mais bem andares do Edifício
de comunicação de equipadas de sua A Noite, na Praça
massa do Brasil, até A Rádio Nacional do época e considera- Mauá, exatamente
ser substituído pela Rio de Janeiro ini- da uma das cinco em frente a este
televisão. ciou suas transmis- maiores rádios do museu, os sambis-
sões em 1936, em mundo e um grande tas viam ser selado
No auge do plena Era Vargas. fenômeno de ex- o destino de suas
protagonismo No fim dessa dé- pressão da cultura composições.
63
Carmen
Miranda Mesmo sem saber sambar e sem
ser sambista, pela força da indústria
(1909-1955) cultural e da política da boa vizinhança
entre os Estados Unidos e os países
A indumentária da baiana, utilizada tra- latino-americanos, a Pequena Notável
dicionalmente pelas mulheres negras da contribuiu para a legitimação social do
Bahia que vendiam comidas em tabuleiros samba. Contraditoriamente, reforçou
nas ruas das cidades, foi apropriada e esti- estereótipos sobre a dimensão tropical
lizada a partir dos anos 30 para compor a e festiva do Brasil, e o fato de ter se
imagem visual de Carmen Miranda, que a apropriado de referências da cultura
transformou em símbolo nacional e latino afro-brasileira não contribuiu para
aos olhos do show business carioca e, a visibilidade ou protagonismo dos
depois, de Hollywood. verdadeiros sambistas.
Rosa de Ouro
O show Rosa de Ouro foi concebido por
Hermínio Bello de Carvalho em um dos
principais ambientes da resistência ao Bossa-nova
regime militar, o restaurante Zicartola, o
mais animado reduto dos sambistas de Uma das mais conhecidas derivações
então e também espaço de articulação do samba é um ritmo nascido no final
política do movimento estudantil e dos anos 50, quando jovens cantores e
cultural. O Rosa de Ouro, que estreou compositores de classe média da zona
em março de 1965 no Teatro Jovem, na sul do Rio de Janeiro lançaram um novo
zona sul carioca, estabeleceu uma ponte movimento musical. Com influência
para públicos ainda não tão próximos ao do jazz, a bossa-nova, inicialmente
samba e lançou a cantora Clementina de chamada de “samba moderno”, era um
Jesus, uma das principais referências do modo diferente, um jeito mais intimista
samba e da cultura negra no Brasil. de cantar e tocar o samba carioca, com
uma batida e uma harmonia diferentes
Participaram do espetáculo Paulinho da e orquestração econômica. O LP Canção
Viola, Elton Medeiros, Anescarzinho do do Amor Demais, gravado em 1958, com
Salgueiro, Jair do Cavaquinho e Nelson Elizete Cardoso cantando composições
Sargento. Seu sucesso de público e de Vinicius de Moraes e Antônio Carlos
crítica contribuiu enormemente para Jobim e a participação de João Gilberto
a reabilitação comercial do samba ao violão em duas faixas, é um dos
tradicional, muitas vezes rotulado como marcos iniciais da bossa-nova.
“samba de morro”, o que mais tarde
inspirou a realização de shows similares, Filmes: relação entre a zona sul e os
como O Samba Pede Passagem, com subúrbios, influências do samba nas
Ismael Silva, Aracy de Almeida, Baden artes visuais, Nara Leão, Zé Kéti, Teatro
Powell, Sidney Miller e MPB4. Opinião, Hélio Oiticica, Baden Powell.
76
Censura do samba
Nos anos 30, sob a ditadura do Estado
Novo, o Departamento de Propaganda e
Difusão Cultural (depois transformado no
DIP, Departamento de Imprensa e Propa-
ganda) censurava sambas, na continui-
dade das políticas de criminalização dos
sambistas que desde o princípio do séc.
XX se impunham por meio de práticas ar-
bitrárias. A promulgação da chamada Lei
da Vadiagem em 1941 veio dar amparo
legal à perseguição da grande parte da
população urbana que ganhava a vida em
trabalhos informais.
do
Desde a expansão fica tem abrangido
da indústria fono- todas as ramifica-
gráfica dos anos ções do gênero.
1920 até os dias de
samba
hoje, o universo do Acompanhando a
samba tem percorri- trajetória econô-
do experiências tão mica e política do
distintas quanto o país — da República
samba “de morro” e à Era Vargas, de
o “de rádio”, o par- JK à ditadura, da
tido-alto, o samba redemocratização à
canção, a bossa-no- globalização —, a in-
va, o samba-enredo, dústria fonográfica
o samba exalta- buscou ora retomar
ção, o sambão ou as matrizes originá-
o pagode, entre rias do samba, ora
outros. O primeiro apostar na contami-
registro do samba nação com outras
tradicional — com referências culturais,
sua percussão ori- espelhando toda
ginária, cuíca, surdo a complexidade e
etc. — aconteceu em diversidade estética,
1930, com a grava- social e política do
ção de “Na Pavuna” gênero.
78
Bezerra da Silva em
ensaio para a capa
do disco Se Não
Festivais Fosse o Samba…
[Bezerra da Silva in
shoot for the cover
of record Se Não
Ao longo das décadas de 1960 e 1980, os Fosse o Samba…].
festivais da canção e sua difusão nacional Wilton Montenegro,
1989. Fotografia
pelas emissoras de televisão brasileiras [Photography].
contribuíram para a afirmação de uma Arquivo WM
ideia, ainda que genérica, de “música
popular brasileira”. O samba esteve pouco
presente nesses festivais; uma das raras
exceções foi a participação de Martinho
da Vila cantando um partido-alto estili-
zado no Festival da TV Record, em 1967.
De modo geral, a música dos festivais
tendia à internacionalização estilística, o
que manteve o samba à margem desses Indústria fonográfica
espaços de visibilidade.
Na história do samba, a década de 70 é
Em 1968, a faceta industrial do universo marcada como o momento em que artis-
do samba realizou um festival próprio, a tas do samba tiveram amplo acesso aos
Bienal do Samba, e o vencedor foi “Lapi- estúdios para gravar long-plays, discos
nha”, composto por Baden Powell e Paulo de vinil desenvolvidos desde a década
César Pinheiro e interpretado por Elis de 40. A indústria fonográfica brasileira,
Regina. O samba se reinventava a partir iniciada por imigrantes, era regida pela
de uma nova geração. Ao longo das déca- lógica de produção e difusão das gran-
das seguintes, o samba circulou em outros des empresas multinacionais dessa área.
festivais especificamente dedicados ao Ao ingressar nesse universo, o sambista
gênero. Mas nos espaços da chamada precisou enfrentar o complexo mundo
MPB ele continuava ofuscado. Foi somen- dos estúdios de gravação e todo o pro-
te no MPB Shell 82 que um samba venceu cesso de espetacularização do artista, da
um festival: “Pelo amor de Deus”, compos- produção de encartes e capas dos LPs até
to por Paulo Debétio e Paulinho Rezende sessões de fotografia para as campanhas
e interpretado por Emílio Santiago. de divulgação.
79
Escolas
e agremiações
Clube do
Samba
Cacique Em 1979, as rodas já não encontravam
espaço nas escolas de samba, e, com
de Ramos a onda da disco music americana, os
artistas nacionais se deparavam com
Em volta de uma árvore tamarineira, no muita dificuldade para gravar discos e
bairro de Ramos, samba e religiosidade fazer shows. João N ogueira articulou
se misturavam na organização de rodas um movimento associativo inicialmente
de samba e de um bloco de carnaval, o sediado em sua casa, no Méier, onde
Cacique de Ramos, fundado em 1961. Nas promovia rodas de samba. O Clube do
rodas do Cacique surgiram nomes como Samba expandiu suas ações pela cidade
Almir Guineto, ex-diretor da bateria do e fortaleceu um samba de sofisticada
Salgueiro, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, e protagonista percussão, vinculado às
Zeca Pagodinho, entre outros. matrizes tradicionais do samba. Em sua
segunda sede, na Barra da Tijuca, o
De Ramos para o espaço sideral, o samba Clube do Samba promoveu também
virou sucesso interplanetário: “Coisinha shows e festividades importantes, por
do pai”, composto por Jorge Aragão, Almir onde passaram sambistas como Wilson
Guineto e Luiz Carlos e cantado por Beth das Neves, Alcione, Roberto Ribeiro, Beth
Carvalho no desfile de 1979, em 1997 era Carvalho, Clementina de Jesus, Dona
tocado em Marte para “despertar” o robô Ivone Lara, Cartola, M artinho da Vila,
espacial enviado pela Nasa. Cartola e muitos outros.
93
Fundo de LP Raça Brasileira
Quintal Em 1985, o lançamento do LP Raça
Brasileira mostrou ao grande público,
Nascido debaixo da tamarineira do entre outros, o cantor e compositor
Cacique de Ramos, o grupo Fundo Zeca Pagodinho e a cantora Jovelina
de Quintal teve diferentes formações, Pérola Negra. O LP se tornou
em que passaram nomes como Jorge emblemático por ter reunido a nova
Aragão, Almir Guineto, Sombrinha, geração do samba, responsável pela
Arlindo Cruz. Hoje é integrado por Bira criação de um novo estilo, que veio a
Presidente, Sereno, Ubirany, Ademir, ser denominado pagode.
Junior Itaguaí e Márcio.
97
Viver o Samba:
Reinvenção
e Resistência
Da série Geografia
do samba [From the
series Geography
of samba]. Bruno
Veiga, s. d. [undated].
Fotografia
[Photography].
Coleção [Collection]
Bruno Veiga
99
Patrimônio brasileiro
Em 2007, as matrizes do samba no Rio de conduzida pelo Centro Cultural Cartola e
Janeiro — o samba de partido-alto, o sam- contou com a colaboração de inúmeros
ba de terreiro e o samba-enredo — foram pesquisadores e sambistas que coletaram
registradas pelo Instituto do Patrimônio a documentação e a memória da história
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) social do samba no Rio de Janeiro, em
como patrimônio imaterial brasileiro. A suas múltiplas dimensões. Espera-se que
elaboração do dossiê que f undamentou a patrimonialização contribua para o pro-
esse reconhecimento e registro foi cesso de resistência cultural do samba.
A volta da baiana do
samba nos trilhos da
Central do Brasil
[The return of the
samba baiana on
the tracks of Central
do Brasil]. Evandro
Teixeira, 1979.
Fotografia, processo
gelatina sobre
papel [Photography,
gelatine process
on paper]. Coleção
[Collection] MAR –
Fundo Evandro
Teixeira [Evandro
Teixeira Fund]
100
Sala Série Casa de
Bamba [House
de
of Bamba series].
Bruno Veiga, s.
d. [Undated].
Fotografia
[Photography].
encontro
Coleção [Collection]
Bruno Veiga
101
Vidas negras importam
[Black lives matter]
CDU 069:7(81)
CDD 069.5