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S rgio Antônio Carlos comunidades, nos parti- dos políticos, nos

sindicatos, nas escolas, nas fábricas, nas


praças. São formas de organização da
sociedade que refletem e participam dos
embates que acontecem no seu seio. Grupos
que tanto podem estar a serviço da
Todos nós temos alguma experiência de transformação social quanto da sua
participação grupal. Para uns mais intensa que manutenção.
para outros, mas de qualquer forma muito
importante para aestruturação de nossas
convicções epara odesen- volvimento de 198
nossas capacidades. Estas vivências grupais, Estamos, portanto, rodeados de grupos e
no nos- so cotidiano, nos deixam marcas mais participando ou negan- do participar deles em
ou menos profundas depen- dendo da forma todos os momentos de nossa vida.
como se dá a nossa inserção e as relações que
aí se desenvolvem.
Parte-se do princípio de que estamos A preocupação com o grupo
constantemente nos relacio- nando com outras
pessoas, com os mais diversos objetivos. Historicamente, sabe-se que ovocábulo groppo
Relações mais intensas e duradouras, ou ou "grupo" sur- giu no século XVII. Referia-se
menos intensas epassageiras. Todas nos ao ato de retratar, artisticamente, um conjunto
marcam, de uma forma gratificante e/ou de pessoas. Regina Duarte Benevides de
traumática. É com toda esta carga das Barros (1994) diz que foi somente no século
experiências anteriormente vividas que nos XVIIIque otermo passou a Significar "reu- nião
jogamos em novas experiências de de pessoas". A mesma autora afirma que
relacionamentos grupais. otermo pode estar liga- do tanto a ideia de
A nossa inserção grupal pode ser realizada de "laço, coesão" quanto a de "círculo" (p.
uma forma cons- ciente ou não. Temos 83).Tanto a sociologia quanto a psicologia têm
consciência de que participamos de alguns gru- demonstrado interesse no estudo dos pequenos
pos' comumente aqueles que aderimos por uma grupos sociais, pensando o "grupo" como uma
opção pessoal. Apar- ticipação nos demais é interme- diação entre o "indivíduo" e a "massa".
feita, geralmente, de maneira rotineira e sem Os estudos dos pequenos grupos sociais,
nos darmos conta. Muitas vezes somos embora sejam realiza- dos por várias áreas de
carregados pelo grupo. conhecimentos humano-sociais, são em geral
Até aqui estávamos nos referindo aos associados com a sociologia e a psicologia Na
chamados grupos "espontâ- neos" ou psicologia, o estudo sistemático dos pequenos
"naturais". Claro que precisamos também grupos sociais, buscando compreender a
considerar os gru- pos organizados com dinâmica dos mesmos, tem início na década de
finalidades específicas. Organizados e coorde- 1930e 1940, com Mo- reno e com Kurt Lewin.
nados pelos próprios participantes, ou por Moreno inicia com o teatro da espontaneidade
profissionais das mais vari- adas formações. que vai levar ao psicodrama. Na área de
Podemos pensar em todo oleque dos grupos de pesquisa cria a sociometria para o estudo de
anô- nimos (AAs, NAs, DOAs, AL-ANONs, relações de aproximação e afastamento entre
ALATEENs, CCAs), em grupos ligados às as re- des de preferência erejeição, tanto nos
Igrejas, em grupos que atuam nas grupos quanto na comunidade como um todo.
Lewin cria o termo "dinâmica de grupo", que foi o coletivo. Demonstra uma preocupação em
utili- zado pela primeira vez em 1944.Não buscar a essência do grupo, o que traz junto
podemos esquecer que a preocu- pação com uma imagem de o "grupo como um ser" que
grupos, tanto de Moreno quanto de Lewin, transcende as pessoas que o compõem. Há
aparece em se- guida às inovações tayloristas e uma visão de um grupo "ideal": aquele marcado
fordistas que levam à elevação dos lu- cros, por uma grande coesão.
mas também à deterioração das relações tanto Olmsted é um outro autor que trata otema,
dos operários en- tre si quanto em relação a define um grupo como "uma pluralidade de
chefias e patrões (apud BARROS, 1994). individuos que estão em contato uns com os ou-
Há uma tradição, no estudo e na intervenção tros, que se consideram mutuamente e que estão
com pequenos gru- pos, que está ligada ao conscientes de que têm algo significativamente
trabalho junto a escolas e a fábricas, que privi- importante em comum" (1979, p~ 12). Esta
legia o treinamento em busca da produtividade. definição traz consigo a ideia da consideração
Os especialistas em grupos se atêm à mútua, sem a preocu- pação da
aplicação de técnicas grupais que desenvolvem homogeneidade. Aponta para a diversidade dos
a cooperação entre os participantes e não participan- tes e para o sentimento de
levam o grupo a se autocriti- car ebuscar oseu compartilhar algo significante para cada um
caminho para ofuncionamento, pois uma das deles.
possi- bilidades é não se constituir enquanto
Nas afirmações acima encontramos pontos que
grupo. Neste caso, a constitui- ção do grupo
ainda hoje são im- portantes para o estudo dos
está a serviço da instituição e é utilizada como
pequenos grupos sociais. Um deles é o contato
um dos instrumentos de controle que a mesma
entre as pessoas e a busca de um objetivo
exerce sobre o indivíduo.
comum, a ínterde- pendência entre seus
membros, a coesão ou espírito de grupo que
va- ria em um continuo que vai da dispersão até
199 unidade.
Grupo ou processo grupal Podemos dizer que, de acordo com o
referencial de homem e de mundo que os
Em geral, os autores, ao se referirem ao cientistas sociais assumem, vaivariar
conceito de grupo, partem da descrição do oentendimento e a explicação que os mesmos
mesmo fenômeno social: a reunião de duas ou vão dar em relação ao grupo e aos pro- cessos
mais pessoas com um objetivo comum de ação. grupais.
O que difere é a leitura que os mesmos fazem
Os estudos sobre os pequenos grupos dentro
do processo de constituição do grupo e do
da perspectiva Iewí- niana trazem implícitos,
entendi- mento da finalidade do mesmo.
conforme Lane (1986),valores que visam re-
Lewin (1973,p. 54)afirma que "a essência de um produzir os de individualismo, de harmonia e de
grupo não reside na similitude ou dissimilitude de manutenção. A mes-
seus membros, senão em sua interde- pendência.
Um grupo pode ser caracterizado como um 'todo
dinâmico': isto significa que uma mudança no 200
estado de uma das partes moclifica o estado de ma autora enfatiza que a função do grupo é
qualquer outra parte. O grau de interdependência definir papéis, o que leva a definição da
das partes ou membros do grupo varia, em todos identidade social dos indivíduos e a garantir a
os casos, entre uma massa sem coesão alguma e
sua repro- dutividade social.
uma unidade composta ". Lewin centra a sua
definição na ínterdependêncía dos membros do Existe um modelo ideal de grupo? Na tradição
grupo, onde qualquer alteração individual afeta lewiniana temos um ideal de grupo coeso,
estruturado, acabado. Passa a ideia de um homem alienado e o grupo é uma possibilidade
processo linear. Neste modelo não há lugar de libertação (LANE, 1986).Mas também pode
para o conflito. Estes con- flitos são vistos como ser uma maneira de fixá-10 na sua posição de
algo ameaçador e que deve ser resolvido alienado. Ogrupo não é a garantia do
tentan- do-se chegar a um consenso. A questão engajamento. Neste caso, as re- lações que aí
do grupo é vista como um mo- delo de relações se estabelecem podem ser meramente de
horizontais, equilibradas, equitativas, ou seja, reproduç -o
um lu- gar onde as pessoas se amam, se
respeitam e cooperam umas com as outras.
Algo que pode e deve ser buscado e atingido, 201
como um modelo ideal de funcionamento social. das relações de dominação e de alienação da
Algo semelhante ao que Lbwy (1979) denomina sociedade capitalista que nos rodeia. Podem,
de anticapitalismo romântico. em contrapartida, ser um momento em que o
grupo se pense, explicite as situações que
O grupo também pode ser visto como um lugar
entravam o seu funciona- mento; onde as
onde as p ssoas mostram suas diferenças.
pessoas pensam, elaboram, enfim, trabalham
Onde as relações de poder stão pres nt se
as suas relações e conseguem estabelecer
perpassam as decisões cotidianas, onde o
uma experiência única, refletida e que faz os
conflito é íner nte ao pro- cesso de relações seus participantes se sentirem sujeitos.
que se estabelece. Onde há uma convivência
Para esta possibilidade um autor latino-
do di- ferente, do plural. Não como um
americano que contribuiu muito foi Enrique
movimento de defesa das minorias mas num
Pichon-Riviere (1982). A partir do
movimento de cada um e de todos procurando
questionamento da psiquiatria e dos grupos em
discutir suas ideias com o(s) outro(s). Num
hospitais psiquiátricos, cria a técnica dos
confronto de ideias, buscando conciliar apenas
grupos operativos. Um dos conceitos
o conciliável, deixando claro as
fundamentais é o de Ecro- Esquema Conceitual
individualidades, o diferente. A importância de
Referencial e Operativo. Pichon afirma que
afirmar que as pessoas são diferentes, pensam
cada um de nós possui um Ecro individual. Ele
de maneira diferente porque possuem valores
é constituído pelos nossos valores, nossas
diferentes, mas que podem produzir juntas o
crenças, nossos medos e nossas fantasias.
seu processo grupal. Este é um embate diário
Quando nos encontramos para trabalhar com
das re- lações pessoais que trazem consigo
outras pessoas trazemos onosso Ecro e com
toda uma história de vida. Rela- ções onde
ele dialogamos com os outros, ou melhor, com
estarão presentes as múltiplas determinações
os Ecros dos outros. Como nem sempre
de cada sujei- to. Determinações de classe
explicitamos os nossos Ecros o nosso diálogo
social. de gênero, de raça e de nacionali- dade.
pode ser dificultado. Quando se está
Relações que embater-se-ão tanto na busca
trabalhando em grupos, a realização da tarefa
consciente de uma dominação quanto de
estabelecida pode ser dificultada pelas
defesas inconscientes utilizadas para lutar e/ou
diferenças de Ecros que estão em jogo. O autor
fugir das ameaças que as novas situações -
desconhecidas - lhes co- locam. Conflitos que fala na construção de um Ecro grupal. sst Ecro
podem gerar, conforme Bion (1975),situações seria um esquema comum para as pessoas que
de funcionamento na base de ataque ao parti- cipam d um determinado grupo - sabendo
desconhecido ou da espera de um messias que oque pensam em conjun- to- pod r m partir para
venha trazer a salvação ao grupo. agir também coletivamente apartir do aclara- m
nto d s posições individuais e da construção
O grupo precisa ser visto como um campo onde coletiva que favorece a tarefa grupal.
os trabalhadores sociais que se aventuram
devem ter claro que o homem sempre é um
Como "funciona" o processo grupal implícitas que estão dificultando a realização da
tarefa pretendida, ou que a estão facilitan- do.
Quando pensamos em processo grupal não Esta é uma maneira de o grupo se tornar sujeito
estamos nos referindo ao grupo como uma do seu próprio pro- cesso. Os integrantes da
entidade acabada. Estamos pensando o grupo experiência terão condições de tomar deci-
como um projeto, como um eterno vir-a-ser. sões de forma mais lúcida e, portanto, podendo
Pensando como Sartre e Lapassade (1982)este avaliar os benefícios e os riscos das futuras
processo é dialético. É constituído pela eterna ações que pretendem desenvolver.
tensão entre aserialidade eatotalidade. Háuma
ameaça constante da dissolução do grupo e a
volta à serialidade, onde cada integrante assu- À guisa de fechamento
me e afirma a sua individualidade sendo mais
um na presença dos de- mais. Ao mesmo No decorrer deste texto deixamos clara a nossa
tempo há uma busca constante da totalidade, preocupação na compreensão dos pequenos
onde cada um dos integrantes participa com os grupos sociais. Compreensão, no sentido de
demais, introjeta-os e dá sentido à relação comentar acerca deles, pois como Peralta
estabelecida. Cada integrante se afirma e (1996)não acreditamos que o movimento grupal
assume a totalidade do grupo. possa ser lido - no sentido de uma certeza.
Tendo cla- ro que este comentário está
impregnado dos valores e posições teórí- co-
202
metodológicas de cada um dos comentaristas.
Partindo da ideia de processo e da construção
Portanto, não existem verdades absolutas, mas
coletiva do projeto, não podemos pensar em um
apenas hipóteses que devem ser colocadas
"treinamento" de grupo, no sentido de aplicação
para o grupo. O próprio grupo poderá trabalhar
de uma série de exercícios que possam ajudar
confrontando o nosso comen- tário com os
as pessoas a atingir um "ideal de grupo"
comentários produzidos pelos seus integrantes.
pertencente ou criado pelo "profissio- nal-
Daí resulta- rão situações de manutenção de
treinador". As chamadas "dinâmicas de grupo"
relações já estabelecidas ou a mudan- ça das
nada mais são do que técnicas de submissão
mesmas, numa decisão muito mais dos
do grupo ao profissional e à instituição/or-
participantes do que do profissional que
ganização.
compreende, mas não vive o processo.
Aconstituição do grupo em processo pode
requerer apresença de um profissional - técnico
em processo grupal. O trabalho do mesmo será 203
auxiliar a que as pessoas envolvidas na De acordo com a compreensão que temos do
experiência pensem o processo que estão processo grupal é que vamos buscar uma
vivenciando. Ose pensar não cada um maneira de intervenção profissional. É o refe-
individual- mente, mas cada um participando de rencial que utilizamos para o entendimento que
um mesmo barco que busca es- tabelecer uma nos dará sustentação para aescolha detécnicas
rota. Talvez oporto não seja seguro, porque não adequadas para aintervenção grupal. Inter-
existe um destino final. Quando isto acontece venção que pretendemos seja numa
oprocesso acaba e o grupo s dissolve. perspectiva transformadora onde as pessoas
Enquanto o grupo persiste é um constante que participam de um processo grupal sejam
navegar. Um constante questionar a rota. Um vistas como sujeitos que em conjunto podem
aprender a conviver com a inseguran- ça e com decidir o seu destino tendo claras as
a incerteza. Talvez, uma mudança de rota possibilidades e os limites.
devido a avaliação do trajeto já percorrido e do
que falta. Enfim, há uma preocupação em
centrar na tarefa e tornar explícitas as questões Indicações para leitura
Para aprofundar as questões sobre grupo e FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise
processo grupal é fun- damental a leitura do do eu. In: FREUD, Sig- mundo Obras Completas. Rio de
texto O processe grupal, de Silvia Lane. Nele a Janeiro: Delta, s/d. VaI. IX, p. 4-105.
autora dá uma visão dos principais autores que LANE, Silvia. Processo grupal. In: LANE, Silvia et
abordam o estudo dos pequenos grupos aloPsicologia Social: o ho- mem em movimento. São
sociais. Faz uma análise crítica destas Paulo: Brasiliense, 1986, p. 78-98.
abordagens do ponto de vista do materialismo
histórico. Deve ser considerado como um LAPASSADE, George. Dialética dos grupos, das
roteiro para aprofundar a questão. organizações, das Institui- ções. In: ID. Grupos,
organizações einstituições. 2aed. Rio de Janeiro: Fran-
Otexto de Henrique Píchon- Rívíere O processo cisco Alves, 1982, p. 237-263.
grupal é um clás- sicolatino-americano para
oestudo eaintervenção depequenos gru- pos. LEWIN, Kurt. Problemas de dinâmica de grupo 2. ed. São
Nel são encontrados osfundamentos Paulo: Cultrix, 1973.
eodetalhamento doque o autor denomina de LQWY, Michael. Para uma sociologia dos intelectuais
"grupo operatívo". Na mesma linha, porém com revolucionários. São Paulo: Lech Livraria Editora
uma linguagem mais simplificada, indico a Ciências Humanas, 1979.
coletânea de textos de Ma- dalena Freire
Weffort, Juliana Davini, Fátima Camargo e OLMSTED, Michael S. O pequeno grupo social. São
Mirian Celes- te Martins Grupo - indivíduo, saber e Paulo: Herd r, 1970.
parceria: malhas do conheci- mento. É resultado PERALTA, Juan. Grupos México, Maestria en
de um seminário coordenado pelas autoras. Psicologia Social de Grupos e Instituciones.
Quem desejar se aprofundar dentro de um httpllcueyalt.uam.mxrmpsi/textos/grupaI.html, 16 de
no- vembro de 1996. 9f.
referencial psicanalíti- co é necessário buscar a
base em Sigmund Freud, principalmente no PICHON-RIVIERE, Henrique. Oprocesso grupal. São
texto Psicologia das massas e análise do eu. A Paulo: Martins Fontes, 1982.
partir da Psicologia das multidões, de Gustavo Le
Bon o autor aborda o contágio e o efeito hip- WEFFORT, Madalena Freire. O que é um grupo? In:
nótico que acontece nas massas edesenvolve WEFFORT, Madalena Freire; DAVINI, Juliana;
conceitos de relações li- bidinais, tanto dentre CAMARGO, Fátima; MARTINS, Mirian Celeste.
Grupo - indivíduo, saber e parceria: malhas do
os integrantes entre si quanto destes com o seu
conhecimento. São Paulo: Es- paço Pedagógico, 1994.
"chefe". É muito interessante a análise que
realiza do Exército e da Igreja, mostrando as WILSON, Gertrude & RYLAND, Gladys. Prática do
relações hierarquizadas. serviço social de grupo. uso criador do serviço social. Rio de
Janeiro: Serviço Social do Comércio, 1961.

Bibliografia

BARROS,Regina Duarte Benevides de. Grupo: a


afirmação de um simulacro. São Paulo, 1994. Tese
de Doutorado em Psicologia Clinica. PUCSP.

204
BION, w.R. Experiências com grupos. 2. ed. São Paulo:
Edusp, 1975.
205
BOUDON, Raymund & BOURRlCAUD, François.
Dicionário critico de socio- logia. São Paulo: Ática, 1993.

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