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Silvio Yasui
Universidade Estadual Paulista, Assis, SP, Brasil.
Resumo
O texto apresenta algumas reflexões sobre o desafio da Reforma Psiquiátrica (RP) e da
Política Nacional de Humanização (PNH) em mudar os modos de cuidar e produzir
saúde no cotidiano dos serviços. Partindo de observações e inquietações sobre o atual
cenário de ambas políticas, marcado por uma tendência conservadora como, por
exemplo, pelas ações para o recolhimento e internação compulsória que autoridades
municipais e estaduais estão implementando, o autor busca explicitar que o cuidado tem
a liberdade como principio e exigência ética e que tais medidas afrontam este principio
representando um preocupante retrocesso na política pública de saúde mental. Destaca
ao final que ambas as politicas (PNH e Saúde Mental) são apostas que se constroem nas
bordas e fissuras deste mesmo cotidiano conservador, o que representa um imenso
desafio.
Palavras-Chave: Saúde Mental, Direitos Humanos, Humanização
Abstract
This paper presents some reflections about the challenge of the Psychiatric Reform (RP)
and the National Policy of Humanization (NHP) to change modes of production and
health care. Starting at observations about the current scenario , marked by a
conservative tendency, the author seeks to explain the care that has freedom as a
principle and ethical requirement and that compulsory admissions represents a worrying
setback in the public mental health policy. At the end the author points out that both
policies (PNH and Mental Health) are bets which are produced in nooks and crevices of
the conservative model, which represents an immense challenge.
Key words: Mental Health, Human Rights, Humanization.
Polis e Psique, Vol.2, Número Temático, 2012 Página |6
Resumen
El artículo presenta algunas reflexiones sobre el desafío de la Reforma Psiquiátrica (RP)
y la Política Nacional de Humanización (PNH) en cambiar los modos de producción y
cuidado de la salud. A partir de observaciones sobre la situación actual de ambas
políticas, marcadas por una tendencia conservadora, por ejemplo, las acciones de
recogida y admisión obligatorio que las autoridades estatales y locales están llevando a
cabo, el autor trata de explicar el cuidado que tiene la libertad como principio y la
exigencia ética. Y esas medidas frente a este principio constituye un retroceso
preocupante en la política de salud mental pública. En las notas finales que ambas
políticas (PNH y Salud Mental) están apostando que se acumulan en los bordes y grietas
del mismo diario conservador, lo que representa un inmenso desafío.
Palabras clave: Salud Mental, Derechos Humanos, Humanización
o motorista me aponta para uma estrada 4000 internos. Vou conhecer algumas
de chão batido. Sigo por ela por uns 3 enfermarias. Chego ao pátio e vejo a
quilômetros até chegar em uma imensa mesma cena. Dezenas de pessoas
construção. Na porta a placa: Hospital deitadas no chão. Ao me verem, várias
Psiquiátrico. Sou recebido pela vêm em minha direção, pedindo cigarro,
psicóloga que pergunta qual ano que dinheiro. Pedem, pedem. Em muitos o
estudo. “-Segundo”, respondo com mesmo pedido/súplica: “-Me tira
certo constrangimento. Com um olhar daqui!”.
desanimado, ela pede a um auxiliar de Desta vez não era um estagiário
enfermagem que me mostre o hospital. voluntário. Engajo-me em um ousado
Caminho pelos corredores sentindo projeto que visava mudar aquela
náuseas causadas pelo forte cheiro de instituição e transformar a vida daqueles
urina, fezes e desinfetante barato. pacientes. Realizaram-se contratações,
Chego ao pátio. Dezenas de pacientes novas internações foram proibidas,
deitados no chão, muitos seminus. Suas reformas foram realizadas. Participei
roupas estão quase todas rasgadas, mais diretamente no Projeto dos Lares
sujas. Tenho a impressão de que são Abrigados, uma proposta para mudar as
vários mendigos. Ao me verem, unidades e dar conta da população de
aproximam-se, pedem cigarro, dinheiro. pacientes moradores ofertando um lugar
Pedem, pedem. Uma solicitação, e um cotidiano diferente do hospício.
repetida por muitos chama a minha No cenário mais amplo, vários outros
atenção: “-Me tira daqui!”1. hospitais psiquiátricos iniciaram
Cena 02 – Sigo por uma longa também importantes processos de
estrada até chegar ao município de mudança e ampliou-se o número de
Franco da Rocha e logo chego à entrada serviços ambulatoriais. Eram os
do hospital. Entro e vislumbro os belos primeiros movimentos da Reforma
jardins do Juquery. Estamos no ano de Psiquiátrica em São Paulo.
1983 e é minha primeira semana de Cena 03 – O ano é 1997. Estou a
trabalho. Sou recebido pelo diretor caminho de um hospital psiquiátrico
clínico que me informa: serei o único privado para realizar uma avaliação.
psicólogo disponível para a assistência Faço parte de uma equipe de Secretaria
(outro estava em um cargo de Estado da Saúde que realizou várias
administrativo). Sou eu para mais de vistorias nos hospitais com o objetivo
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PNH quanto a RP, buscam se impor problema da saúde é que todo mundo é
uma aposta política (Pasche & Passos, saúde, modos de cuidar centrados na
para a corrente conservadora que ainda suas queixas: tudo isso contribuiu para
Referências
Notas Brasil. Ministério da saúde. Secretaria
de atenção à saúde. Núcleo
1
Embora a frase apresente um erro, está técnico da política nacional de
escrita como ouvi tantas vezes. humanização. (2010).
2
Conselho Nacional de Acolhimento nas práticas de
Justiça,Ministério Público Estadual de produção de saúde. (2. ed., 5.
São Paulo, Secretaria de Direitos reimp.). Brasília: Ministério da
Humanos da Presidência da República, Saúde.
Coordenação Nacional de Saúde Mental Brasil. Ministério da Saúde. (2004).
– Ministério da Saúde, Política Nacional Caderno informativo do
de Humanização – Ministério da Saúde, congresso brasileiro de caps.
Secretaria Estadual de Saúde de São Saúde mental: cuidar em
Paulo, Secretaria Municipal de Saúde de liberdade e promover a
Sorocaba, Conselho de Secretarias de
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