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ÔRÍ: À procura de uma imagem Últimas Postagens

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Estão abertas as inscrições para o programa


Grow Startup – Cresça seu negócio
 10/10/2020

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escritoras Ruth Guimarães e Gabriela Mistral

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mortos em ações policiais no RJ lideranças, estudiosos e autores negros, que se atentaram para a Preconceito, racismo e
em 2019: ‘É o negro que sofre discriminação no contexto escolar
produção simbólica como um espaço privilegiado de reconhecimento
essa insegurança’, diz mãe de  03/11/2014
Ágatha das identidades, e também um continuum das relações de poder.
 06/06/2020
Dentre tantas guras importantes, vale lembrar a trajetória intelectual
Ficar em casa nem sempre é e a história de vida da historiadora, ativista e poeta Maria Beatriz
seguro para um jovem negro
Nascimento, com sua pesquisa sobre os quilombos, suas re exões Twitter
 23/05/2020
acerca do racismo e da situação da mulher negra no Brasil, e

Afroempreendedoras produzem
principalmente sua colaboração no documentário Ôrí, lançado em
máscaras e geram renda para 1989. Tweets por @geledes
trabalhadoras informais
Geledés Instituto da Mulher Negra
 04/05/2020 Beatriz Nascimento nasceu em Sergipe, em 1942, e aos sete anos @geledes
migrou com a família para o Rio de Janeiro, onde se formou em História Mesmo com debates sobre representatividade, bonecas
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Participou de um negras somam apenas 7% de produtos online
geledes.org.br/mesmo-com-deba…
grupo de ativistas negras/os que posteriormente formariam o Grupo de Trabalho André Rebouças, na Universidade
Federal Fluminense (UFF), onde continuou sua carreira acadêmica com o curso de pós-graduação no qual
desenvolveu o projeto “Sistemas alternativos organizados pelos negros dos quilombos às favelas”. Também é autora
de vários artigos sobre racismo, quilombos e cultura negra; além de ter promovido e participado de cursos,
conferências, palestras e simpósios no Brasil e no exterior.

Em janeiro de 1995, período em que era mestranda em Comunicação Social na UFRJ, sob orientação do professor
Muniz Sodré, Beatriz Nascimento foi assassinada ao defender uma amiga de seu companheiro violento, deixando
uma lha (Bethânia Gomes).
Mesmo com debates sobre representatividade, bonec…
A quantidade de bonecas negras disponíveis para compra
Seu trabalho mais conhecido e de maior circulação é a autoria e a narração dos textos do documentário Ôrí (palavra no mercado online é muito abaixo do número de crianças
de origem iorubá, que signi ca cabeça). Iniciada na década de 1970, essa produção é o encontro da pesquisa geledes.org.br

cinematográ ca da socióloga e cineasta de origem judaica, Raquel Gerber, sobre a identidade negra no Brasil, com a
8m
investigação histórica de Beatriz, a cerca dos quilombos como organizações políticas e de resistência cultural negra de
matriz africana (bantu), recriadas no Brasil.
Incorporar Ver no Twitter

O lme, relançado em formato digital no ano de 2009, registra ainda o processo de formação dos movimentos negros
das décadas de 70 e 80, e articula o quilombo, a religiosidade de matriz africana e outras espacialidades, como por
exemplo, a escola de samba, enquanto elementos capazes de restituir a humanidade negada na escravidão, e Facebook
reconstruir as identidades negras.

Durante toda a narrativa desse documentário, dirigido por uma mulher, e ancorado no texto poético e na narração de
Beatriz Nascimento, mulher, negra e nordestina, acompanhamos a constante re exão sobre a condição de
subalternidade a que é submetida a população negra na produção simbólica. Na Conferência Historiogra a do
Quilombo, promovida em 1977, durante a Quinzena do Negro na USP (Universidade de São Paulo), Beatriz revela sua
reação com o interesse da Universidade pelo negro apenas como escravo, como se a contribuição desse grupo social
fosse somente como mão-de-obra.

Mesmo após vinte anos, e embora homens e mulheres negras constituam mais da metade da população brasileira,
esse pensamento ainda permanece. As representações da negritude, suas expressões religiosas, culturais e artísticas
continuam associadas a estereótipos, e podem ser facilmente observadas na pele de empregados dóceis, malandros,
prostitutas, favelados, macumbeiros, jagunços, “mulatas”, entre outros. Essa estratégia discursiva consolida os meios
de comunicação e o cinema como principais matrizes culturais das sociedades contemporâneas, e também campos
estratégicos de manutenção do poder vigente.

Em sua pesquisa sobre a representação e a participação da população negra na telenovela brasileira, no período de
1963 a 1997, o cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo rea rma a cumplicidade desse veículo com o ideal de
branqueamento dos brasileiros, que se expressa na tentativa de con rmar o mito da democracia racial e a
invisibilidade de homens e mulheres negras.

Também nos textos jornalísticos, na publicidade e no cinema brasileiro as representações da negritude são marcadas
por distorções e simpli cações, com destaque para a folclorização e a desquali cação da cultura e religiosidade afro-
brasileira, o que rati ca a oportuna a rmação do jornalista e escritor Muniz Sodré, de que a situação do negro na
mídia brasileira é como a de um vampiro, que se olha no espelho, mas não se reconhece, não se vê.

Ainda sobre essa questão, o documentário Ôrí discute a dor a e angústia causadas pela perda da imagem, quando,
por exemplo, Beatriz Nascimento assume o lugar de personagem e revela sua experiência pessoal com a falta da
imagem, perdida na diáspora. Ela a rma não se reconhecer na foto de sua carteira de identidade, ao mesmo tempo
em que narra sua relação com a foto da irmã (Carmem), ícone de trajetória intelectual; e com a imagem do mito, a
estrela de cinema, Marilyn Monroe, ideal eurocêntrico de beleza; e relata ainda sua busca por Deus, mesmo em uma
foto de sua primeira comunhão, anunciando seu distanciamento do pensamento cristão, e compartilhando com o
espectador seus con itos e dúvidas. Os movimentos de câmera, que se aproximam das fotogra as, podem ser
considerados uma tentativa de enfatizar essa procura de Beatriz por sua identidade.

Com o conceito de quilombo como o condutor de sua narrativa, Ôrí vai à procura dessas origens no continente
africano e de sua reconstrução no Brasil, com Palmares no século XVII, mas mostra também como essa organização
se atualiza nos anos de 1970 e 1980. Essa pesquisa histórica se junta à busca de Beatriz (narradora e personagem),
que revela suas subjetividades, lutas e migrações, com as quais se misturam esse conceito de nação africana e a
gura de Zumbi dos Palmares, seu herói civilizador.

A narração de Beatriz indica a necessidade da terra, tanto no quilombo como na religiosidade de matriz africana. Ela
salienta ainda a ressigni cação do conceito de quilombo: “A terra é o meu quilombo, o meu espaço é o meu
quilombo. Onde eu estou, eu estou, quando estou eu sou”. Assim, o quilombo passa a designar diferentes
espacialidades negras, como as congadas, a favela, a cultura hip-hop e o terreiro. Mas permanece como nova
concepção de nação brasileira, capaz de atuar de forma diferente, contra-hegemônica.

Ao relacionar imagem e corpo à construção da identidade, Beatriz re ete sobre sua busca por visibilidade. “É preciso
imagem para recuperar a identidade, tem que tornar-se visível, porque o rosto de um é o re exo do outro, o corpo de
um é o re exo do outro e em cada um o re exo de todos os corpos. A invisibilidade está na raiz da perda da
identidade, então eu conto a minha experiência em não ver Zumbi, que pra mim era o herói”.

Essa invisibilidade remete novamente ao lugar social da população negra, pois mesmo depois de 124 anos de
abolição da escravatura no Brasil, homens e mulheres negras, suas culturas, tradições e religiosidades, foram e ainda
permanecem invisibilizadas. Assim como a história de Zumbi dos Palmares foi distorcida ou simplesmente ocultada,
também a de João Cândido, o Almirante Negro; Luiza Mahin; Carolina Maria de Jesus, e tantos outros, que muitas
vezes desconsiderados, tiveram uma atuação signi cativa na construção da sociedade brasileira, e na luta pela
liberdade do povo negro.

Ao analisar a representação da negritude, o teórico jamaicano Stuart Hall enfatiza que o poder na representação é o
poder de marcar, atribuir e classi car, o que inclui o exercício do poder simbólico. Por isso, o autor elucida que
“estereotipar é um elemento-chave neste exercício da violência simbólica”, subentendida nos discursos e narrativas
midiáticas e cinematográ cas, e que difunde a estética do racismo, ao reproduzir as desigualdades sociais e
econômicas como a ordem natural do mundo; ao ocultar ou distorcer a história, as formas de resistência e as
contribuições das sociedades africanas; ao desquali car o corpo negro e, principalmente, ao impor o
embranquecimento cultural e um padrão estético eurocêntrico, que cotidianamente incute em homens e mulheres
negras a necessidade de negar a si mesmos.

Por meio da imagem fílmica, Ôrí parece colocar o espectador no lugar daquele que foge, compartilhando a situação
dos africanos que, segundo a narração, empreenderam no século XVII a migração para o Sul do país, adentrando na
oresta tropical em busca do quilombo.

Os movimentos da câmera que entra no mato, corre, revive a fuga e o desejo por um novo destino, revelam a procura
por um lugar social que não seja o do trabalhador/a escravizado/a. A narrativa destaca ainda a importância do corpo
na construção da identidade, porque o corpo é ao mesmo tempo individual, traz marcas e lembranças da
subalternização histórica que classi ca o corpo negro como feio, exótico, inferior; mas é também coletivo, é registro
de sua história e de suas migrações. E é também memória, que se revive em ritmo e movimento, seja nos bailes black,
no carnaval ou na linguagem do transe. Por isso, Beatriz a rma: “a memória são conteúdos de um continente, da sua
vida, da sua história, do seu passado. Como se o corpo fosse o documento. Não é à toa que a dança para o negro é
um fundamento de libertação. O negro não pode ser liberto, enquanto ele não esquecer o cativeiro, não esquecer no
gesto, que ele não é mais um cativo”.

O destaque que o lme, e principalmente a narração, reserva ao simbolismo do ôrí, remete a importância da cabeça
nas religiões de matriz africana. Por meio dela é que se dá a ligação entre o ser humano e o sagrado; e assim como os
orixás (divindades), ela também recebe oferendas, em um rito chamado borí (retratado no documentário), e que
busca a renovação de forças do indivíduo. Há até um provérbio que diz “Ori buruku, kossi orixá”, ou seja, “cabeça ruim
não dá orixá”.

Também é por meio do ôrí, que Beatriz apresenta a religiosidade afro-brasileira como uma loso a de vida, outra
visão de mundo e de poder, uma possibilidade de reencontro com os elementos materiais e simbólicos que
restituem, por meio de um contínuo renascimento, a humanidade negada na escravidão. Segundo ela, o “ôrí signi ca
a inserção a um novo estágio da vida, a uma nova vida, um novo encontro. Ele se estabelece enquanto rito e só por
aqueles que sabem fazer com que uma cabeça se articule consigo mesma e se complete com o seu passado, com o
seu presente, com o seu futuro, com a sua origem e com o seu momento ali”.

Na narrativa, o ôrí se refere à religiosidade, ao retratar o iaô ( lhos-de-santo que ainda não completaram os 7 anos da
iniciação no Candomblé) em transe; ou é ressigni cada, em espaços onde homens e mulheres negras são capazes de
reconstruir sua identidade, encontrar seu núcleo. Vale salientar ainda outro signi cado dado à ôrí, relacionado à
formação do movimento negro. “O processo de ôrí é uma recriação de identidade nacional através do Movimento
Negro da década de 1970. Nós, na década de 70, éramos mudos. E os outros eram surdos a nós. A partir de 70,
começamos a falar sociologicamente”, ressalta Beatriz Nascimento.

Neste documentário, ao narrar sua própria história, Beatriz se junta às migrações, aos con itos, às tensões e às
angústias de homens e mulheres negras, o que signi ca mudanças na própria linguagem cinematográ ca. Logo, Ôrí
apresenta subjetividades, compartilha com o espectador a dúvida, a dor e a poesia dessa mulher negra; opta por
enquadramentos, nos quais rostos e corpos negros estão de forma predominante no centro ou em destaque, talvez
com o intuito de oferecer-lhes a visibilidade negada historicamente.

Essa capacidade de apresentar dimensões que estão relacionadas à memória e às emoções do indivíduo rea rma o
caráter performático de Ôrí, característica que segundo o escritor norte-americano Bill Nichols refere-se a lmes que
trabalham licenças poéticas, estruturas narrativas menos convencionais e formas de representação mais subjetivas, o
que signi ca também um envolvimento e modos de representação distintos, que constitui um novo olhar sobre a
população negra e sua religiosidade, pois aquele/a que normalmente seria o objeto torna-se o sujeito e narra sua
própria história. Beatriz Nascimento é narradora, pesquisadora e também uma personagem, relata suas experiências,
dirige-se aos espectadores de maneira emocional, divide com eles suas angústias e alegrias, convida-os a
experimentar seu “lugar de fala”, compartilha com outras mulheres, como a própria diretora, Raquel Gerber, o “ser”
mulher, negra, nordestina e diaspórica.

PARA VER
Ôrí
Direção: Raquel Gerber
1989, vídeo. Relançado em 2009, em formato digital.
Mais informações: www.oriori.com.br

PARA LER
Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento
Alex Ratts
Imprensa O cial de São Paulo: Instituto Kuanza.
São Paulo, 2007
Disponível em: imprensao cial.com.br

O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira


Muniz Sodré
Petrópolis: Vozes, 1988.

Negritude, cinema e educação: caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003


Edileuza Penha de Souza (Org.).
Editora Mazza
Belo Horizonte: 2007

Crítica da Imagem Eurocêntrica


Ella Shohat; Robert Stam
Editora Cosac Naify
São Paulo, 2006

Artigo: Origem e histórico do quilombo na África


Kabenguele Munanga
Revista da USP, São Paulo, n.28, Dez.95 /Fev.96. p. 53-67
Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/28/04-kabe.pdf

CEIÇA FERREIRA é jornalista e doutoranda em Comunicação na Universidade de Brasília. Atua nas áreas de cinema,
culturas negras e comunicação em movimentos sociais.

Fonte: O menelick 

Tags: Afro-brasileiros e suas lutas

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