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Aula 2 – Memória Social

Vestígios/rastros memoriais

A memória/vestígio é a presença de uma ausência em uma alusão a metáfora de Freud da


marca da sineta na cera. A rememoração é um reconhecimento da impressão deixada por algo
que esteve presente e se ausentou ou foi retirado.

[Em termos das novelas e de seus personagens e bandeiras de luta, fica a lembrança, o
carinho, a identificação com a luta, os estereótipos, as frases, as atitudes. P. ex. Félix de Amor à
Vida que mesmo após o fim da novela ficou marcado na vida do ator, ficou na lembrança do
telespectador da novela que ficou parte “órfão” pela história subsequente.]

A partir dessa marca é possível recuperar a forma, os traços característicos do acontecimento


mesmo após o seu fim. Isso explica o porquê do público ainda ter muito carinho e lembrança
pelo Félix do Mateus Solano, pelo Crô do Marcello Serrado, pela Ivana de Carol Duarte.

[Parábola de Odete Roitmann – a atriz Beatriz Segall mesmo após 30 anos da novela ainda era
lembrada pelo personagem e chamada nas ruas assim]

A história pretende ser uma ciência dos rastros. (RICOEUR, 2007)

O esquecimento pode significar não só o apagamento dos rastros, mas também sua
permanência uma vez que as marcas deixadas pelos afetos tendem a ser duradouras e
podem aflorar ao consciente através de associações de ideias e da memória involuntária que
se organiza no nível do subconsciente.

A torcida do público pelo personagem de Mateus Solano e Thiago Fragoso, a expectativa pelo
beijo gay diante de mais de 3 milhões de espectadores ligados no último capítulo. A lembrança
posterior, o marco que isso representou. A sensibilidade do público diante do drama de Ivana
e a identificação com o público LGBTQI.

FREUD “parte da memória se afunda em nós, bloqueada e censurada, conformando o


inconsciente, cofre de que perdemos a chave, tesouro a que não temos acesso
sem o auxílio de especialistas”. (Schüller, 2012, p. 161)

Walter Benjamin > O rastro e o resto é essencial para a compreensão da modernidade.


A fotografia como registro do vivido.

Velhas fotografias estabelecem conexão entre passado e presente e nos permitem rememorar
o contexto de cada época.

Para Jaime Ginzburg (2012, p. 107-132)


> importância do papel do leitor na valorização do resíduo: ele tem que ser
capaz de agir como um detetive, atento à potencialidade significativa do que foi dito
e do que foi silenciado.
A literatura migrante no RS (Moacyr Scliar, Letícia Wierzchowski, José Clemente Pozenato
entre outros), ao não permitir que os rastros de seus antepassados imigrantes pobres,
cidadãos comuns, sejam apagados, encaixa-se na perspectiva benjaminiana de preservar os
detalhes que nos permitem hoje vislumbrar não apenas a vida de um imigrante judeu, polonês
ou italiano, mas o papel que representaram esses estrangeiros recém chegados ao Novo
Mundo.

[a construção de papeis LGBTQI nas novelas é uma forma de levantar a bandeira de luta e de
alguns autores deixar um legado sobre uma discussão que não encerra com o fim da novela,
mas que ela deu uma sustentação artística e social a mais.]

Glissant (1995, p. 15) a partir dos vestígios da cultura original (africana) que lhe
restaram puderam (re)compor, de um lado, línguas crioulas com base em
vestígios das línguas africanas e, de outro, formas de arte como o jazz,
reconstituído nas Américas a partir de traces de ritmos africanos, sendo hoje
considerado música de todos e não apenas da comunidade afro-americana

Aleida Assmann relaciona a preservação dos resíduos com a


ecologia da cultura.

A autora vê no contexto atual de grande produção em mídias como rádio, TV e internet, um


problema para a memória cultural: o que poderá ser armazenado dessa produção? Lembra o
papel da digitalização para a preservação dos resíduos e das novas perspectivas que o
desenvolvimento tecnológico aporta para a questão da conservação dos vestígios culturais.

(Assmann, 2010, p.382)

[A conservação dos memoriais de dramaturgia da TV Globo pelo CEDOC/Memória Globo)

Entre memória e esquecimento, o que sobram são os vestígios, os fragmentos do vivido o qual
jamais pode ser recuperado na sua integralidade. De onde a preocupação dos regimes
totalitários em “apagar os rastros” para que seus atos arbitrários não possam ser lembrados.
Mas sempre sobra algum rastro que a sensibilidade dos escritores consegue retraçar e
incorporar à matéria poética. Desse modo, se nossa memória é um receptáculo de
resíduos, a literatura também o é, constituindo-se de intrincadas redes intertextuais que
contêm vestígios, fragmentos de leituras feitas ao longo da vida e que emergem em textos da
contemporaneidade.

[Comissão da Verdade foi um exemplo]

ASSMANN, Aleida. Permanência, persistência, resíduos – problemas da


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