Você está na página 1de 52

do

lamento
à
esperança
do
lamento
à
esperança
do
lamento
à
esperança
Copyright © 2020 por Gerson Borges
Publicado por GodBooks Editora

Editor Maurício Zágari


Revisora Flora Marina Figueiredo Ajala
Capa Daniel Brito

Diferente dos demais livros da GodBooks, exclusivamente esta obra tem distribuição gratuita e pode ser repassada a outras
pessoas sem prévia autorização da editora.

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

B732

Borges, Gerson
Eichah: Do lamento à esperança / Gerson Borges – 1. ed. – Rio de Janeiro: GodBooks, 2020.

1. Lamento. 2. Covid-19. 3. Espiritualidade. 4. Esperança. I. Título

CDD: 241
CDU: 242

Categoria: Espiritualidade

Publicado no Brasil com todos os direitos reservados por:


GodBooks Editora
Rua Almirante Tamandaré, 21/1202, Flamengo
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 22210-060
Telefone: (21) 2186-6400
Home page: www.godbooks.com.br

1ª edição: junho de 2020


Se eu olhasse para o mundo através de
lágrimas, talvez eu enxergasse 
coisas que não posso ver com os olhos secos. 
Nicholas Walterstorff

Qualquer coisa pode nos levar a olhar, mas só


a arte pode nos fazer ver.
Archibald MacLeish
SUMÁRIO

8 Introdução

13 1. Vazio
19 2. Sofrimento
24 3. Eichah
29 4. Lamento
34 5. Esperança
42 6. Ela
43 7. Quem são?
44 8. O mistério da vida
45 9. Samba do contentamento
46 10. Ou não
48 11. Alegrem-se na esperança

49 Notas
50 Sobre o autor
INTRODUÇÃO

Nada está perdido se tivermos coragem para proclamar que tudo


está perdido e que devemos começar de novo.

Julio Cortázar

Tensão, medo, insegurança, depressão e ansiedade. A humanidade está experimentando uma


angústia única, com configurações jamais enfrentadas antes. Milhões de contaminados, cen-
tenas de milhares de mortos, falência e desemprego arrasando a economia mundial. Passar
por uma pandemia como esta ou nos afeta diretamente, contaminando e roubando nossa
vida e a de pessoas que conhecemos e amamos, ou emocionalmente, atacando de frente a
nossa saúde mental. Será que enfrentaremos também uma epidemia de ansiedade e depres-
são? Uma epidemia de desalento e desesperança?

Todo esse sofrimento precisa ser expresso adequadamente. Toda dor pede um gemido. Todo
pesar exige um lamento. Entretanto, é preciso admitir que algumas coisas só conseguem ser
ditas na linguagem poética. A prosa é pequena demais para verdades tão grandes. A língua da
dor — e da fé — é eminentemente poética, analógica. E, por isso, tão abrangente.

A Bíblia não abre mão da poesia — de Gênesis a Apocalipse. Jesus, a Palavra que se fez carne,
sabia disso e suas parábolas — histórias que se desenrolam e se desenvolvem a partir de me-
táforas — exemplificam muito bem essa verdade. A linguagem poética de Jesus estava pro-
fundamente enraizada nos profetas e salmistas hebreus, grandes utilizadores de metáforas,
como Isaías e Davi. A profecia é poética. A poesia é profética. “Deus necessita de profetas para
se tornar conhecido e todos os profetas são necessariamente artísticos. O que um profeta tem
a dizer nunca pode ser dito em prosa”, reconhece o magistral teólogo Hans Urs von Balthasar.1

Eu defendo, lendo a Bíblia, que a linguagem profética e poética é a mais efetiva na expressão
da dor e na prescrição da esperança para os corações mais angustiados deste nosso tempo
cinzento. Mas a linguagem a que me refiro não é apenas poética, trata-se da linguagem do
lamento poético. E bíblico.

Mas, se formos honestos, perceberemos que “nossa teologia e formação espiritual não nos deram permis-
são, linguagem ou ferramentas suficientes para sentarmos adequadamente com o desesperado e o triste

8
em suas recentes injustiças raciais, atos sem sentido de violência armada e agitação social que ocorrem
no mundo ao nosso redor”.2 É nesse sentido que a linguagem do lamento é tão poética quanto profética,
porque denuncia, confronta, exorta e aponta o caminho do arrependimento e da reconciliação, única
trilha possível para a esperança tão necessária à vida.

Há dois polos na poesia típica do Antigo Testamento: o louvor e o lamento. Louvor é a resposta mais ade-
quada aos feitos poderosos e amorosos do Deus da Aliança. Lamento é uma oração de petição que brota
da angústia mais profunda, outro tipo de resposta a outro tipo de situação. Orar é sempre uma resposta.
Cada situação existencial suscita um tipo de oração. Por que não responder com lamento a tudo o que
temos visto e ouvido?

Considerando o dramático desafio social que tem varrido o mundo nos últimos meses, estamos ou cer-
cados por um palavrório cansativo e estéril ou por um silêncio tão amedrontador quanto imobilizante.
Ou estamos falando sem parar, como subproduto da nossa hiperinformação ou hipoinformação (muitas
horas diante da verborragia da TV ou mergulhados no mundo entorpecente das redes sociais) ou que-
damos perplexos diante da possibilidade do que ainda está por vir, no pior evento da nossa era desde a
Segunda Guerra Mundial.

Mas a verdade é que, em face de toda catástrofe, é preciso expressão, para sobrevivermos a ela, com cora-
gem e fé, retomando o sonho, reaparelhando a esperança sem a qual não se vive nem se é biblicamente
humano. O problema é que a dor rouba a voz dos que sofrem. O sofrimento emudece. Por isso, a poesia
do Eichah é tão importante, hoje, como foi para os desolados sobreviventes da Jerusalém reduzida a ruí-
nas, escombros e cheiro de cadáveres.

O autor do Livro das Lamentações sabia bem disso tudo — se não conceitualmente, existencialmente. É
uma pessoa muito viva, um verdadeiro poeta crente preocupado com a vida, a favor e a serviço da vida. A
força da sua poesia-profecia traduz o que pregou Vieira no Sermão da Sexagésima: “para falar ao vento,
bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras”.

Cada poema, como veremos, é uma obra sólida de um poeta e de um profeta. Seu trabalho, como diria
Victor Frankl, é dar sentido à perda e reinventar a sobrevivência, reencantar a vida. Sem um sentido,
nossa vida murcha, não sobrevivemos. É preciso meditar sobre o trauma e clamar a Deus por superação.

Lembrei-me de Lamentações quando enfrentei o estarrecimento sobre o qual todos temos nos debatido,
com o coração apertado diante da curva ascendente de casos de óbitos em decorrência do Covid-19 (pri-
meiro na Europa e nos EUA, depois no nosso querido Brasil). Reli com calma e atenção meditativas essa
antiga e profunda obra dos nossos antepassados na fé hebreus. Ficou claro que um texto poético-proféti-
co assim “não basta simplesmente ler com a mente. Temos emoções, temos corpo, temos história, temos
emprego [nem todos podem dizer isso agora, admito com pesar], temos relacionamentos e precisamos
abordar esses textos com todo o nosso ser — com cotovelos e joelhos tanto quanto com nossas células
cerebrais”.3

O remédio da poesia-profecia não é tão amargo como parece à primeira vista. E cura. Promove mudanças
benéficas à alma e à vida da fé. Lamentações, o Eichah (ou Eikah), como o chamam os judeus, convida a

9
uma leitura espiritual não apenas dos seus poemas em si, mas da realidade que nos cerca, avassaladora.
E nos fornece teologia e espiritualidade para o lamento. Ao fazermos a transposição para o nosso tem-
po (transposição essa mais devocional do que simplesmente exegética), tempo de destruição de vidas e
de sonhos pelo Covid-19, posso garantir que se trata de uma leitura transformadora. Ao me debruçar
sobre esses lamentos tão pungentes, recordo não apenas do que aconteceu com Jerusalém: a realidade
do pecado e do sofrimento são levados muito a sério no texto. Deus leva a sério as duas coisas. Muito. A
linguagem do livro é um meio de o Espírito Santo nos reconduzir à Esperança que ressurge,
luminosa, ao lembrar-nos de quem Deus é e o que ele fez e faz. E Deus é bom. Deus não mente.
Deus não muda:

Lembro-me da minha aflição e do meu delírio. Lembro-me bem disso tudo e a mi-
nha alma desfalece dentro de mim. Todavia, lembro-me também do que pode me
dar esperança. Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos,
pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a
sua fidelidade.

Lamentações 3.19-23

Este meu pequeno livro é um singelo gesto pastoral, que brota de minha busca espiritual e
minha prática devocional nestes inesquecíveis meses de 2020. Eu quis comunicar que não
ler e estudar Lamentações à luz do nosso mundo em pandemia e, assim, não relembrar o
que aconteceu com Jerusalém, priva-nos de aprender uma muito necessária linguagem de
lamento que brota da sua poesia — linguagem estranha para a mentalidade triunfalista da
igreja do Ocidente e do Brasil.

A poesia é necessária. O lamento é necessário. A esperança que brota do exercício de con-


jugar biblicamente, à luz do evangelho de Cristo, poesia e lamento é mais que necessária, é
urgente. Mas é preciso um deslocamento intencional do nosso estado ou de pecaminoso des-
dém ou de preocupante estupor diante dos fatos que o tempo todo promovem o desespero e
a desistência.

Um texto tão espiritual como o Eichah requer uma leitura igual — Lectio Divina, como di-
ziam os monges cristãos antigos. Leitura não apenas com a mente, uma vez que não se lê
poesia-profecia apenas com a razão, mas com o coração, o centro do nosso ser. Com todo o
nosso ser, de fato.

Para entendermos Lamentações, assim como Salmos, precisamos dar atenção aos sentimentos
que tais textos expressam. “Ler é uma dádiva imensa, mas apenas se as palavras forem assimi-
ladas, interiorizadas na alma — comidas, mastigadas, roídas, recebidas com deleite, sem pres-
sa”, compartilha Eugene Peterson num insight muito verdadeiro. Lamentações infelizmente

10
é tido por alguns evangélicos como depressivo e, portanto, um desserviço em um momento
histórico-social tão convulsionante como o nosso. Mas, para que a poesia-profecia de Lamen-
tações surta o efeito transformador e, sim, terapêutico (pois a Palavra de Deus tanto cria quan-
to recria, e cura), precisamos metabolizá-la de joelhos dobrados. Meditando. Orando.

Para quem acha perda de tempo falar de poesia numa hora como esta, eu pergunto: o que faz
o livro de Lamentações na Bíblia? Não escrevi este pequeno livro para entender o Eichah nem
a pandemia. Mas, como dizia Agostinho, escrevo sobre coisas que não entendo. Não dou conta
da dor do mundo nem da poesia. Por isso, debrucei-me devocionalmente sobre as duas coisas.

Na verdade, como disse o poeta e cronista Paulo Mendes Campos, “não sou eu quem lê a
poesia — a poesia é que me lê e me interpreta”. Nesse sentido, ao ler contemplativamente o
Eichah, somos lidos por Deus. Isso é o que homens de Deus, como Henri Nouwen, chama-
vam de leitura espiritual. “A finalidade da leitura espiritual não é adquirir conhecimentos
ou informações, mas deixar que o Espírito de Deus tome conta de nós”.4 Ler assim é orar.
Precisamos muito de oração — ao Pai, por meio do Filho, no poder do Espírito Santo — para
atravessarmos este cenário desolador. E o lamento-diante-de-Deus é a forma de oração mais
adequada para o enfrentamento da tragédia.

Podemos pensar no Eichah como uma longa oração, formada por cinco poemas no estilo de
Salmos (engenhosos acrósticos, como o salmo 119). Há trechos em que a voz que lamenta, o
eu-lírico, torna-se mais abertamente um eu-orante: “Olha, Senhor, para a minha aflição...”
(Lm 1.9b), bem ao estilo de Salmos: o autor-poeta começa desestruturado, mas, à medida que
derrama o conteúdo doído da alma diante de Deus, reestrutura-se.5 Vemos esse lamento-que-
-vira-esperança no trecho citado, que é, aparentemente, a única passagem normalmente lida
pelos evangélicos, já que o judeus recitam anualmente o livro no 9º dia de Ab (quinto mês do
calendário judaico, algo como julho/agosto) e os católicos o utilizam na liturgia da Semana
Santa a fim de enfatizar o sofrimento do Senhor, por exemplo, o capítulo 3.19-23, mas tam-
bém a passagem final desse belíssimo livro:

Tu, Senhor, reinas para sempre, teu trono permanece de geração em geração. Por
que motivo então te esquecerias de nós? Por que haverias de desamparar-nos por
tanto tempo? Restaura-nos para Ti, Senhor, para que voltemos; renova os nossos
dias como os de antigamente, a não ser que já nos tenhas rejeitado completamen-
te e a tua ira contra nós não tenha limite!

Lamentações 5.19-22

11
Cristo entende nossa dor. “Cristo ora em nós quando oramos com salmos”, disse certa vez
Thomas Merton.6 O mesmo pode ser dito quanto a Lamentações. Cristo nos ajudará a lidar
com a dor do mundo à medida que orarmos com esse livro tão antigo, tão atual, levando a
dor a sério. A dor só pode ser superada quando lhe dão nome, quando encarada com serieda-
de. Quando o sofrimento não é expresso adequadamente, emocionalmente e espiritualmen-
te, pode ser que não seja superado.

O autor-poeta é um médico ferido, (como na história grega de Filoctetes, relatada por Sófo-
cles e retrabalhada por Henri Nouwen à luz de Isaías 53, que nos aponta Jesus Cristo, o ferido
que cura). Tal autor é como muitos dos profissionais de saúde, autênticos heróis deste nosso
tempo. Ele possui autoridade para falar de dor e cura. Se ouvirmos o que diz o Eichah, vamos
encontrar recursos espirituais valiosos para enfrentar e vencer a nossa dor e a dos outros.

Porque a Esperança não morre com a morte.

A Esperança cristã, como diz Paulo, permanece.

Triunfa.

Ao lado da fé e do amor (1Coríntios 13.13).

Ainda bem.

12
1
VAZIO

13
Eichah yashevah vadad, ha’ir rabbati am... (Oh, como está vazia a cidade
que antes fervilhava de gente...)

Lamentações 1.1 (A Mensagem)

Era março. A pandemia crescia, avassaladora. A humanidade estava sem palavras diante da
desolação que varria o mundo, mas, de modo especial, a Lombardia, essa importante região
da Itália cuja capital é a charmosa cidade de Milão. Caos. Desolação. Colapso hospitalar. Abri
o jornal e me deparei com um tão pungente quanto belo ensaio de Domenico De Masi, no
qual o sociólogo apaixonado pelo Brasil descrevia o drama que o seu país e o mundo enfren-
tavam mais e mais, anunciando no seu texto extremamente lúcido:

A Itália de onde escrevo, um dos países mais vivazes e alegres do mundo, é hoje
apenas um deserto. Cada um dos seus 60 milhões de habitantes acha que é imortal,
que o vírus não o tocará, que irá matar não ele, mas alguma outra pessoa. Porém,
no silêncio do seu coração, cada um sabe que essa ilusão é pueril e que essa pan-
demia misteriosa, abstrata e tangível ao mesmo tempo, escolhe suas vítimas ao
acaso, como numa roleta russa. [...] Moro há 50 anos no centro de Roma, na rua
mais movimentada da cidade, que leva da praça Veneza à Basílica de São Pedro.
Normalmente, essa rua está 24 horas por dia entupida de trânsito, de turistas e
peregrinos. Há duas semanas, está muda e deserta [grifo meu]. Só de vez em quan-
do ouve-se o grito de uma sirene de ambulância e algum sem-teto passa. A cidade
inteira está fantasmagórica como a Los Angeles de Blade Runner. Aqui, porém,
desapareceram até os replicantes extraterrestres. (grifos meus)7

Ruas vazias. Escolas vazias. Templos vazios. Shopping centers vazios, como em um desses inú-
meros filmes B de fantasioso conteúdo pós-apocalíptico. Eu não me recordava de Lamenta-
ções 1.1, que começa com “Oh, como” (‫א‬ ֵ ‫כי‬
ָ ‫ה‬, Eichah ou Eikah) e do quão vívida é a correlação
espiritual que podemos estabelecer entre os dois cenários desoladores: “Como está deserta
a cidade, antes tão cheia de gente”. O autor das Lamentações parecia ecoar a crônica tecida
com a poética de De Masi ou vice-versa. Mas não percebi de pronto quão conectadas eram as
duas visões da tragédia.

14
A partir de março, devocionalmente comecei a compor canções nas quais procurava dar voz
à minha dor e à dor de tanta gente. Eu não imaginava, então, que o pior, no caso brasileiro,
ainda estava por vir — tanto pelos mortos quanto pelos desempregados. Morte e falências
são duas faces sombrias da pandemia. Um vizinho, um amigo, um frequentador de nossa
igreja, uma tia... todos, um a um, mortos pelo Covid-19. Enquanto os enlutados choravam, os
políticos batiam cabeça, enquanto eu e muita gente, imagino, olhávamos tudo estarrecidos,
descrentes. Enquanto as ruas de Itália, Espanha e Estados Unidos agonizavam, vazias, do lado
de cá, o governo federal e os governadores e prefeitos discutiam o indiscutível.

Um amigo, pastor, enviou-me um e-book interessantíssimo de Tomáš Halík, teólogo tcheco,


O sinal das igrejas vazias. Devorei o texto, que começa poderoso e indubitavelmente proféti-
co: “O nosso mundo está doente. Não me refiro apenas à pandemia do Coronavírus, mas ao
estado da nossa civilização que este fenômeno global revela. Em termos bíblicos, é um sinal
dos tempos”.8 O mundo já estava doente antes da pandemia. Nossas enfermidades estavam lá,
silenciosas, letais.

Halík prossegue citando o papa Francisco: a igreja deveria ser um hospital de campanha.
Eu concordei, tanto no sentido figurado quanto no literal. E ele profetiza: “Mas não posso
não me perguntar se este tempo de igrejas vazias e fechadas não representa uma espécie de
admonição do que poderá acontecer num futuro relativamente próximo: dentro de poucos
anos, elas poderiam estar assim, numa grande parte do nosso mundo.”

Ah, quanto a lamentar! Lamento, diante de Deus, pelo estado da igreja brasileira, da qual
sou parte como pastor e pregador. Lamento quanto temos sido irrelevantes neste cenário de
guerra, nesta Terra Devastada, expressão do magnífico poema de T. S. Elliot. Como Neemias,
faço uma confissão de pecados coletiva: “Confesso os pecados que nós, os israelitas, temos
cometido contra ti. Sim, eu e o meu povo temos pecado contra ti. Agimos de forma corrupta
e vergonhosa contra ti” (Ne 1.6-7).

Pastores e igrejas que deveriam tornar-se hospitais de campanha — lugares de vida, acolhi-
mento, sinal histórico e tangível do reino dos céus — espiritualmente, no mínimo, brigavam
na mídia pela impossibilidade de manter seus cultos e evitar a diminuição dos dízimos e das
ofertas. Vergonha. Ou falta dela.

Mas a profecia de Halík continuava a ecoar no meu coração: “Talvez este tempo de edifícios
eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido nas igrejas e o seu
possível futuro — se não fizermos uma séria tentativa de mostrar ao mundo um rosto do
Cristianismo completamente diferente.” Não, não haverá novo normal, como estão dizendo.
É que o (antigo) normal era parte do problema.

15
A pandemia escancarou as fissuras e as rachaduras deste nosso mundo mais e mais globaliza-
do que “jaz no Maligno”, como descreveu Jesus. Mundo não apenas doente, mas mau. As desi-
gualdades sociais, por exemplo. No nosso caso, a hashtag #fiqueemcasa não era convincente
para os milhões que se inscreveram no programa de auxílio governamental de seiscentos
reais (e que se aglomeravam, triste e perigosamente, nas filas da Caixa Econômica Federal).

As contradições revelavam-se gritantes: os EUA e o Reino Unido, os grandes propositores da


visão liberal — ou neoliberal, como queiram (estado mínimo, para simplificar bastante o
conceito) — socorreram os seus cidadãos e as empresas com valores muito maiores do que
o Estado brasileiro. Mamom se contradisse. Diariamente, fomos vendo o debate inócuo e a
politização da cloroquina, tanto nos EUA quanto aqui; as denúncias de desvio na compra
de respiradores chineses; a previsão assombrosa de quebradeira das empresas e a perda, na
casa de milhões, dos empregos, além do crescimento exponencial e desesperador de mortos
e covas nos cemitérios. Tudo por causa de uma substância capaz de transmitir uma doença.
Um parasita que provavelmente veio de um morcego e se espalhou pelo mundo como nem
no pior dos pesadelos dos epidemiologistas.

Pesadelo.

Não sei de uma palavra mais exata.

Vazio é um conceito importante nesta questão. O esvaziamento das ruas — levado a sério
em países cujos governos e população são mais conscientes, educados e estáveis economi-
camente, reconheço — é apenas um aspecto. O pior vazio, mais delicado de se reconhecer,
mais difícil de lidar, é espiritual. Surtos de doenças infecciosas podem ser seguidos de medo,
depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático, alertam os psiquiatras e psico-
terapeutas. Como olhar para o futuro sob nuvens tão cinzentas? O tédio da classe média em
quarentena começou a ser apontada pelos jornalistas e especialistas em saúde mental. Casais
que já estavam em crise, de repente viram suas diferenças e fissuras afetivas se amplificarem.

Fazem sentido como nunca os conceitos de silêncio e solitude (solidão intencional), tão caros
à espiritualidade cristã contemplativa, esse modo de ler as Escrituras e orar que requer reco-
lhimento, pausa. Não se enfrenta o vazio do coração com maratonas de séries no Netflix ou
horas e mais horas nas redes sociais. Muito pelo contrário. Ao mesmo tempo em que somos
consolados por reuniões com familiares no Zoom, visitas hospitalares a amigos por Facetime
e chamadas em vídeo no WhatsApp, cultos transmitidos on-line e lives com artistas e líderes
espirituais que admiramos, além das aulas on-line para os nossos filhos, há uma saturação
emocional, uma sobrecarga de ruído, um esgotamento da alma diante de tanto conteúdo,
seja bom, seja mau: “Os novos meios de comunicação são dignos de admiração, mas eles cau-
sam um barulho infernal. O meio do espírito é o silêncio. Claramente, a comunicação digital
destrói o silêncio.”9 Sim, agradecemos a Deus a dádiva de contarmos com a tecnologia dos
smartphones como ferramenta de suporte emocional para atravessar esse mar tão bravio.
Mas o efeito colateral é o vazio. Passei a limitar a informação, a filtrar e reduzir ao mínimo o
uso das redes socais. Precisava de ar.

16
Percebi que necessitava recuperar o secreto, o silêncio e a solitude que permitem a oração,
dão voz à alma, fazem-me ouvir tanto o que está no meu coração quanto no coração dos ou-
tros e, por fim, ouvir a voz do coração do Eterno. “O Secreto”, reflete Osmar Ludovico, “não é
um local, mas um estado de consciência. No secreto não estamos sozinhos, pois nossa alma
encontra o Deus vivo e verdadeiro”.10 No secreto, abraçamos o silêncio que nos possibilita
essa escuta tão significativa. E sempre é uma disciplina espiritual transformadora, poderosa,
essencial. “Na quietude e na confiança está o seu vigor” (Is 30.15).

No secreto, dá-se o encontro do silêncio com a solitude, como explica Dallas Willard: “Silên-
cio e solitude em geral andam de mãos dadas. Assim como o silêncio é vital para a verdadeira
solitude, assim também a solitude é necessária para que a disciplina do silêncio seja comple-
ta. Poucas pessoas conseguem ficar em silêncio na companhia de outras”.11 Cultivar o secreto,
o silêncio e a solitude é uma forma de resistir ao pessimismo do noticiário e à superficialida-
de das redes sociais. É frequentar o santuário da alma onde a oração é tão verdadeira quanto
vital.

Claro que falo aos felizardos que podem ficar em casa, trabalhando, esperando a nuvem da
morte passar, como na narrativa do Êxodo, e precisam achar em sua casa esse tempo-espaço
para ficar a sós consigo mesmos. Aliás, esse é um conselho muito válido no próprio livro das
Lamentações: “O Senhor é bom para com aqueles cuja esperança está nele, para com aqueles
que o buscam; é bom esperar tranquilo pela salvação do Senhor. É bom que o homem suporte
o jugo enquanto é jovem. Leve-o sozinho e em silêncio, porque o Senhor o pôs sobre ele.” (Lm
3.25-28).

O pior vazio não é o do cenário.

É o do coração.

A cidade se preenche de gente.

O coração se preenche de Deus.

Só de Deus.

A disciplina, o exercício espiritual em que se constitui o tripé secreto-silêncio-solitude, pode


nos ajudar, e nos ajudar a ajudar os que perderam a esperança. Não podemos assistir de braços
cruzados ao seu desaparecimento dos nossos corações — nós, que estamos chorando nossos
mortos; nós, que estamos em crise financeira; nós, gente, nós, fracos, nós, pessoas. Nós.

17
***

Escrevi este capítulo em meados de abril. Agora, quando o reviso para publicação, a vida
volta aos poucos ao eixo — a tal “nova normalidade” — em Espanha, Itália, Inglaterra e, até,
Estados Unidos. E, aqui, terra confusa, singular em certas infelicidades da gestão pública,
a quarentena sendo suspensa de modo atabalhoada e inconsequente, lotando shoppings e
explodindo o comércio popular da rua 25 de Março, em São Paulo, ou do Saara, no Rio de
Janeiro. Só a graça de Deus para nos socorrer. O povo não aguenta mais ficar em casa, é fato.
Precisa trabalhar, respirar. Mas os riscos estão aí para quem quiser ver. Nesta manhã, luto
para transformar a minha preocupação em oração.

18
2
SOFRIMENTO
Deseja conhecer a arte de viver, meu amigo? Está contida
numa frase: faça uso do sofrimento.

Henri-Frédéric Amiel

Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no


mundo terei aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o
mundo.

Jesus de Nazaré (em João 16.33)

Nosso mundo quer evitar a todo custo a tristeza e o sofrimento. Compreensível. De fato, a so-
ciedade contemporânea faz todo o possível para separar tristeza e alegria. “Por isso, a tristeza
e a dor devem ser evitadas a todo custo, porque são o oposto da alegria e do contentamento
que desejamos”, comenta Henri Nouwen, alguém que nunca se esquivou da dor e dos que
sofrem. Ele acrescenta: “a perspectiva oferecida por Jesus está em contraste evidente com
esta visão mundana. Jesus demonstra, tanto em seus ensinamentos como em sua vida, que a
verdadeira alegria é frequentemente encoberta pela nossa tristeza e que a dança da vida tem
o seu início quando nos tocam as desgraças”12. É preciso abraçar a dor, seguindo o exemplo
de Jesus e contando com a Sua graça. A nossa dor e a do mundo.

Por um momento, pense nas quase 40 mil famílias que perderam seus entes queridos (quan-
do este livro for publicado, possivelmente estaremos na triste casa dos 50 mil mortos nas
estatísticas oficiais). Gente de todas as classes. Muito embora estudos apontem para a pos-
siblidade de um aumento exponencial de vítimas do Covid-19 entre as mais vulneráveis, so-
bretudo por não estarem se protegendo numa quarentena, como fizeram as camadas mais
favorecidas da nossa sociedade tão desigual. Aliás, foi em uma rede hospitalar para idosos de
classe A e B que começou a se espalhar o vírus em São Paulo. Chore com os que choram. Imite
Jesus.

Nouwen, um sacerdote católico e psicólogo, que sempre foi muito amado por evangélicos, le-
cionou em universidades protestantes como Harvard. Ele foi, inclusive, um médico ferido.13
Nouwen lutava contra uma recorrente depressão e, numa das fases de grande luta espiritual,
demitiu-se de Harvard e foi pastorear uma comunidade L’Arche em Toronto, uma casa que
cuidava de pessoas portadoras de severas deficiências físicas e mentais (estive lá em 2006,

20
no que foi uma das experiências mais marcantes da minha vida). No seu livro A volta do filho
pródigo, que me inspirou a compor, produzir e gravar um musical com o mesmo nome, ele
narra um pouco dessa rica história, uma narrativa de como a graça de Deus transforma a dor
em beleza, o choro em dança, a Noite Escura em dia de sol. Coisas de Deus, obras da graça.

Todos sofremos ou sofreremos. Muito. Não acredito na lei budista um tanto trágica que afir-
ma que “viver é sofrimento”, mas não posso esquecer o que Cristo sentenciou: “No mundo te-
reis aflições” (Jo 16.33, ARA). Apesar da nossa obsessão em adiar a morte, todos morreremos
e eu não estou flertando com os dentes trincados e resolutos de uma espécie de estoicismo
cristianizado. Negar a realidade do sofrimento é prejudicial à nossa saúde bio-psíquica-espi-
ritual e à vivência e à prática de uma fé bíblica no Cristo que abraçou o sofrimento humano
em sua carne, venceu a morte e ressuscitou.

A Bíblia lida de modo corajoso e amplo com o tema do sofrimento em livros como Jó e Ecle-
siastes. É correto o cristão reconhecer que “o sofrimento se encontra no âmago da descrença
e da crença em Deus, do motivo de as pessoas regredirem ou amadurecerem em caráter, de
como Deus se torna menos real ou mais real para elas. E quando estudamos a Bíblia buscan-
do entender esse padrão profundo, descobrimos que o grande tema da Bíblia é como Deus
traz alegria plena não só apesar do sofrimento, mas através dele, assim como Jesus nos salvou
não apesar do que sofreu na cruz, mas por causa disso”.14

Não apesar do sofrimento.

Por causa e através do sofrimento.

Muito embora nosso coração esteja sangrando profusamente pela dor de não podermos nos
despedir de modo apropriado dos nossos mortos, de não ser viável abraçar os nossos enluta-
dos, tenho me perguntado, como pastor e pessoa, o que poderá surgir de tudo isso que seja
positivo, produtivo, fecundo. Em outras palavras, diante de toda a dor e o sofrimento — es-
pecialmente o psicológico desse tempo de luta e luto, expressão que passei a usar nas reuniões
on-line de nossa comunidade de fé —, volta a antiga pergunta: por que sofremos?

Um intelectual renomado, Max Scheler, propõe o seguinte: “Um aspecto essencial dos ensi-
namentos e diretrizes dos grandes pensadores religiosos do mundo é o significado da dor
e do sofrimento”.15 Não é o caso de considerarmos que sofrer seja bom. Trata-se do esforço
de achar alguma utilidade na tragédia, na dor e na tribulação, como diz a Escritura: “Meus
irmãos, considerem motivo de grande alegria sempre que passarem por qualquer tipo de
provação, pois sabem que, quando sua fé é provada, a perseverança tem a oportunidade de
crescer.” (Tg 1.1-3, NVT).

Texto difícil, sem dúvida. Difícil essa exortação bíblica. Mas não se trata de celebrar a prova-
ção. É alegrar-se no resultado dela. Crescer com ela.

***

21
Enquanto escrevia este capítulo, lembrei de um amigo e membro de minha igreja, que per-
dera o emprego e, depois, a mãe em meio à pandemia. Não consigo dizer o que lhe dói mais, a
saudade da mãe ou a sombria perspectiva do desemprego. Liguei para ele e conversamos por
uns quarenta minutos, sob um sol timidamente cálido de outono paulista.

Enquanto caminhava e ouvia a respeito de quão difícil tem sido para ele enfrentar tantas do-
res simultâneas, pedia a Deus que me capacitasse a entrar na sua dor. Que molhasse os meus
olhos. Que não tratasse de modo distante a dor tão próxima. Como Jesus, homem de dores,
na expressão de Isaías. Como Neemias, que reagiu com o coração diante na notícia que rece-
beu da vida devastada em Jerusalém.16

Como nunca, precisamos acolher a prescrição apostólica de chorar com os que choram (Rm
12.15). Como nunca, precisamos tanto da compreensão e prática do coração compassivo cris-
tão. Oportunidade ímpar de testemunho.

Mas essa visão cristã de sofrimento que se revela produtivo é muito estranha à mente oci-
dental, tão psicologizada, tão viciada em analgésicos — e não apenas os químicos. Por isso, a
visão de James Davies de “sofrimento produtivo” é muito rebatida, questionada. Mas ele não
teria razão? Em seu livro The Importance of Suffering: The Value and Meaning of Emotional
Discontent [A importância do sofrimento: O valor e o significado do descontentamento emo-
cional], o psicólogo argumenta algo que já não é nem óbvio nem aceito: o sofrimento emo-
cional é parcela inseparável e imprescindível do que significa viver e desenvolver-se como
ser humano. Apesar de não abraçar a perspectiva da doutrina cristã da Queda (Gn 3) e suas
consequências em termos de sofrimento — a dor e a morte, por assim dizer —, Davies deixa
claro algo que não queremos aceitar: “As experiências de perda e desapontamento são, no fim
das contas, tão inevitáveis à vida humana quanto o fluxo de sangue em nossas veias”.17

É claro que, quando olhamos para o lado, alguns sofrimentos não melhoram, mas até pioram
o caráter e a vida de algumas pessoas. No entanto, pessoas que lutam contra a depressão, por
exemplo, podem se tornar mais maduras e humanas, além de abraçarem uma visão mais em-
pática e realista em relação à dor e à realidade da vida.

Mas há riscos reais em uma afirmação apressada de que o sofrimento simplesmente melhora
a vida. Minha alma se compadece profundamente dos depoimentos de pessoas que perdem
os seus entes queridos — e não apenas idosos ou indivíduos com comorbidades, como che-
gou a apregoar quem não acreditava que o Covid-19 seria tão cruelmente letal, tão avassala-
dor como tem sido. Lamentavelmente, o pior cego é o que só vê o que lhe diz respeito. A pior
cegueira é o egoísmo.

C. S. Lewis avisou que “o sofrimento é o megafone de Deus para um mundo surdo”. O que o
Altíssimo está querendo nos dizer? E meu coração vai se enchendo de outras perguntas: Deus
pode melhorar o mundo depois da pandemia? Como sairemos da pior e maior calamidade
do pós-guerra? Seremos mais solidários à dor do outro? Ou abraçaremos a visão escatológica
(explicação do futuro) dos que dizem “quanto pior, melhor”?

22
Timothy Keller, que já havia enfrentado um câncer de tireoide em 2002 e anunciou, em meio
à pandemia, outro, no pâncreas, adverte em seu livro sobre fé e sofrimento18 que, se levar-
mos em conta textos bíblicos como Hebreus 12.1-17, Romanos 8.18-30, 2Coríntios 1.3-12; 4.7;
5.5; 11.24; 12.10 e quase toda a epístola de 1Pedro, fica evidente o ensino bíblico de que Deus
se apropria do sofrimento — que causamos a nós mesmos — para nos transformar. E ele
enumera: primeiro, o sofrimento transforma as nossas atitudes em relação a nós mesmos.
Segundo, o sofrimento muda completamente o nosso relacionamento com as coisas boas da
nossa vida. Terceiro, e mais importante, o sofrimento fortalece nosso relacionamento com
Deus de maneira inigualável. Sem dúvida, um mistério da fé é que não são as coisas ruins que
mais nos afastam de Deus, são as boas. Na bonança, ouvimos Deus sussurrar. Na tragédia,
ouvimos seus gritos.

Nouwen tem razão. Negar a dor não é o remédio nem o caminho para superá-la. Negar a dor
é negar a cruz e o Deus da cruz. A loucura da cruz, expressão de Paulo, é uma maneira com-
pletamente nova de encarar a vida — pecado, redenção, morte e ressurreição. “A cruz”, ele
prega, “tornou-se o mais poderoso símbolo desta nova visão. A cruz é um símbolo de morte
e de vida, de sofrimento e de alegria, de derrota e de vitória. É a cruz que nos indica o cami-
nho.”19

Foi por meio do terrível sofrimento de Cristo que Deus nos salvou e revelou quanto nos ama.
Não é possível entender o amor de Deus, em Cristo, sem considerar o sofrimento de Deus, em
Cristo. Sim, Deus sofre. O Deus que nos cura do sofrimento é um Deus sofredor.

23
3
EICHAH
Eichah é um grito que representa a primeira e mais primordial tentativa de
dar voz à experiência do sofrimento.

Emmanuel Katongole

Deus quer nos dar algo, mas não pode, porque nossas mãos estão cheias.

Agostinho de Hipona

Eichah, a expressão com a qual se inicia o livro de Lamentações, repetindo-se também no


início do capítulo dois (2.1) e quatro (4.1), não é exatamente uma palavra, embora possamos
traduzi-las como: “Oh, como”. Trata-se de um grito. Um grito de dor que os hebreus usavam
nos funerais. Em The Body in Pain [O corpo que sofre], Elaine Scarry destaca que a dor não
resiste simplesmente à linguagem; ela a destrói ativamente, “provocando uma reversão ime-
diata a um estado anterior à linguagem, aos sons e aos gritos que um ser humano faz antes
que a linguagem seja aprendida”.20 Quando a dor torna-se insuportável, lancinante, profun-
da, cortante, a linguagem mais articulada perde sua força e restam, então, os gritos.

Eichah expressa o horror, o desespero, a angústia mais inexprimíveis. Trata-se de um grito


que não é apenas importante do ponto de vista emocional e psicológico, mas, também, espi-
ritualmente: Eichah é dirigido a Deus.

25
Uma das mais concisas e proveitosas apresentações do livro de Lamentações que encontrei
foi, sem dúvida, a de Eugene Peterson, na sua paráfrase da Bíblia A Mensagem: “Lamentações
é um testemunho bíblico do sofrimento concentrado e intenso. O sofrimento é um elemen-
to gigante e inevitável da condição humana. Ser humano é sofrer. Ninguém consegue isen-
ção. Não é de admirar, portanto, que as Sagradas Escrituras, imersas como estão na condição
humana, registrem um testemunho extenso do sofrimento humano”.21 À medida que lemos
pausada e meditativamente esse livro, vai se evidenciando o seu propósito de expressar e
orientar o povo de Deus em suas expressões de lamento quanto à tragédia que se abateu em
Jerusalém pelas mãos dos babilônicos entre 586 e 516 a. C.

Os cinco poemas que compõe o Eichah são atribuídos pela tradição ao profeta Jeremias (tal-
vez uma influência do texto de 2Crônicas 35.25, que dá conta do fato de Jeremias ter compos-
to lamentações para o rei Josias). É possível. “As qualidades de Jeremias são bondade, virtude
e excelência. Ele viveu a vida em sua totalidade. No entanto, sua piedade não o livrou das di-
ficuldades, pois enfrentou devastadoras tempestades de rancor e a fúria de dúvidas amargas
[...] Jeremias andou na contramão. Foi um ser humano de visão ampla, saudável e maduro,
que viveu pela fé. [...] Conhecemos mais sobre a vida de Jeremias do que de qualquer outro
profeta, e sua vida é muito mais significativa que seu ensino”22.

Sim, o livro pode ter sido obra de outro autor, ou pode ter sido compilado a partir de várias
fontes. A profundidade existencial do Eichah deixa claro que o autor foi uma pessoa tão in-
teligente quanto grande. “Os homens verdadeiramente grandes, a meu ver, devem experi-
mentar grande tristeza no mundo”, disse Dostoiévski, em Crime e castigo. Lamentações, em
si, não identifica o autor. Se foi Jeremias, pode ter sido escrito com a ajuda de seu assistente e
escriba, Baruque.23 Mas esse não é nem de longe o ponto. O ponto é outro. São o contexto e o
propósito do livro.

O ambiente é Jerusalém devastada. Uma catástrofe arrasara o reino de Judá e sua capital, Je-
rusalém. O capítulo 1 descreve as ruínas de Jerusalém, o que me faz pensar no mundo levado
à lona pelo Covid-19. O capítulo 2 faz um resumo chocante das lideranças espirituais daquele
tempo — falsos profetas. Também faço uma fácil e óbvia correlação com nossos pastores de
araque. Já o capítulo 3 testemunha a ira de Deus. Sim, Deus se ira, mas, felizmente, não como
o homem, pois a ira divina não dura para sempre (Sl 30.5). Descortina o reaparecimento sú-
bito da esperança com base na fidelidade e bondade do Eterno. “O fiel quebrantado entoa um
cântico. Contudo, a dor permanece, e as lágrimas fluem copiosamente enquanto ele derrama
sua oração de arrependimento”.24 O quarto capítulo é uma crônica tão fiel quanto escura da
tragédia da Jerusalém, outrora gloriosa, então reduzida a escombros. No último capítulo, o
poeta/profeta ora pedindo, clamando, suplicando a salvação que só pode vir do Deus Eterno.

Cinco capítulos. Cinco poemas. E um só lamento, que põe, lado a lado, angústia e esperança.
Uma pergunta que surge em cada parte desse lamento em que se constitui o livro: como crer
na bondade de Deus quando há mortos por todos os lados?

26
É como se o autor de Lamentações, a exemplo de Christopher J. H. Wright (discípulo de John
Stott) em seu livro O Deus que não entendo, afirmasse que “existem coisas que não entendo
em relação a Deus que me deixam bravo ou aflito, porque eram — ou ainda são —horríveis
e inexplicáveis [...]. Há coisas que não entendo em Deus que me deixam moralmente pertur-
bado. Algumas são coisas que acontecem na Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento [...]. Há
coisas que não entendo sobre Deus porque são coisas confusas [...]. Há (outras) coisas que não
entendo sobre Deus, mas elas me enchem de gratidão, pois não poderia viver sem a realidade
de sua verdade, aceita pela fé [...]. Há coisas que não entendo sobre Deus, mas elas me enchem
de esperança em meio à opressiva destruição da Terra e de seus habitantes”.25

O que esse importante teólogo evangelical está afirmando é sua estranheza quanto aos cami-
nhos de Deus, pelo fato de Ele “permitir que alguns de seus filhos sofram tanto e outros te-
nham vidas que parecem totalmente livres do sofrimento”. Mas é só isso — aparência. Todos
sofremos. Todos estamos sob o amor (hesed) — e o sobre o juízo do eterno Deus.

Há uma oposição histórica no relacionamento do povo de Israel com Deus. De um lado, o


êxodo do Egito, história de salvação. Do outro, o exílio na Babilônia. Mas é uma oposição
aparente, pois o mesmo Deus que salva é o que julga. Deus é Deus. Ponto. A alegria que acom-
panha o livramento do cativeiro egípcio é prima-irmã da tristeza que resulta da crueldade do
cativeiro babilônico. O autor de Lamentações tem isso bem nítido na sua experiência de fé.

Ler o Eichah, hoje, é um antídoto eficaz contra a ideia de um suposto abandono de Deus. É,
pela fé, buscar e encontrar significado na calamidade. Onde está o Deus da Bíblia em meio a
essa pandemia — e de possíveis outras por vir? Onde sempre esteve, no Trono no Universo,
sendo o que diz “Eu Sou” — Criador e Sustentador do Universo, Senhor de tudo e de todos.

No coração da minha fé nesse Deus de amor e santidade, gosto de pensar, ao ler esse livro
tão necessário quanto contemporâneo, que “sem ser uma explicação do sofrimento e sem
oferecer fórmulas para eliminá-lo, faz companhia ao extenso testemunho bíblico que dá dig-
nidade ao sofrimento ao insistir que Deus participa do nosso sofrimento e é o nosso compa-
nheiro nessas circunstâncias”.26

Mais perguntas surgem enquanto me debruço nessa poesia tão antiga quanto espiritual: qual
a correlação entre a devastação de Jerusalém, seis séculos antes de Cristo, e a praga que arra-
sou o mundo de hoje, o Covid-19? Estaria o Eterno nos julgando? Ou tudo isso é fruto e re-
sultado de escolhas pecaminosas da humanidade? Ou mero acaso? Perguntas procedentes.
Perguntas reais a partir dos problemas tragicamente reais que estamos enfrentando neste
mundo mais e mais globalizado. No entanto, sinto-me consolado ao ler Lamentações e per-
ceber que a intenção do autor teve algo a ver com um desejo forte, substancial, de ajudar o
povo israelita a descobrir meios para sobreviver a tudo aqui. Um modo de fazê-lo e que, sem
dúvida, continua extremamente válido, é lamentar diante de Deus, com temor e tremor. É
escrever poesia e canções sobre o que nos é mais trágico.

27
Mas, para esse uso efetivo, terapêutico e consolador do lamento, precisaremos deixar de lado
a ideia de que lamentar é simplesmente reclamar. Primeiro, para nós mesmos. Depois, para
uma enormidade de gente sofrendo ao nosso redor.

Nossa dureza de coração é o que Jesus denuncia em Mateus 19.8 — esclerocardia é o termo
grego que o apóstolo usa. Precisaremos superar nosso hábito de censurar alguém que expõe
dores do coração com a expressão seca, rude: “Pare de lamentar. Deixa de ser mole. Levanta
a cabeça!”. Nunca vemos essa frieza em Jesus. Não sei como é possível abrigarmos tamanho
embrutecimento dentro de nós.

28
4
LAMENTO
Tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar.

Eclesiastes 3.4

Lamento é a linguagem do sofrimento.

Soong-Chan Rah

Enquanto atendo a congregação na qual sirvo como pastor, proferindo o nome santo e ex-
pondo a Palavra santa, consolando enlutados, estendendo (virtualmente) a mão e animando
abatidos, mobilizando os irmãos a amparar em oração e ação empregados e empregadores
que corriam/correm risco de desemprego ou falência, incentivando a minha comunidade de
fé a compartilhar o pão e a vida com os mais vulneráveis, vejo que ficar em casa (e eu tenho
ficado) não faz sentido para quem vive abaixo da linha da pobreza e percebo que o enfren-
tamento deste tempo de luta e luto exigia uma teologia e uma espiritualidade do lamento na
qual nunca me aprofundei — por incompetência, temor ou falta de oportunidade. Ou, quem
sabe, tudo isso junto.

Costumo relacionar teologia (o que penso de Deus) e espiritualidade (como me relaciono


com esse Deus) a coisas na música. Compondo. Cantando. Orando. Por isso, resolvi escrever
novas canções e, com isso, deixar minha alma respirar. Mas não poderia ser nada menos do
que salmos de lamento. Um terço dos salmos, pelo menos, é o mais puro lamento-diante-de-
-Deus, como definiu James Houston. Rick Watts, professor de teologia que marcou minha
leitura das Escrituras e meu amor pelos salmos, dizia que “metade dos salmos são blues”.

A primeira canção-lamento que vingou foi Ela, um grito fundo, doído sobre o sumiço abrup-
to da Esperança. A letra ecoa as palavras de De Masi e da abertura de Lamentações: “esvaziou-
-se a praça / É de doer…” A praça vazia e o hospital cheio. Bernardo, meu filho que tocou piano
na gravação, gostou — e ele é sempre crítico, como todo adolescente —, o que me estimula
como pai e compositor. Meu amigo Toninho Zemuner, idem, que topou de cara produzir
uma gravação à distância, já que mora em Brasília. Marcos Almeida, incentivador, ouviu pelo
WhatsApp com generosidade uma versão rústica e achou, emocionado, que a canção era uma
dessas que ficam. Espero mesmo.

30
Já falamos muito de canção de protesto.

Essa é a hora de canções de lamento.

Aliás, das duas coisas.

Mas o que é lamento, na visão judaico-cristã, do ponto de vista das Escrituras? Para começar,
Salmos. Os salmos de lamento somam mais de sessenta no saltério, essa coletânea de 150
orações-poemas-hinos que formam a escola de oração e adoração dos nossos antepassados
judeus e da igreja cristã. São lamentos individuais (3, 22, 31, 39, 42, 57, 71, 88, 120, 139, 142),
sinal e voz da confiança no Deus de Abraão, Isaque e Jacó, e que ajudam o salmista/quem
ora “a expressar diante do Senhor suas lutas, os seus sofrimentos e a sua decepção”.27 E são
lamentos coletivos (12, 44, 80, 94, 137). Os dois grupos têm a mesma finalidade: consolar ao
trabalhar a desesperança.

O salmista, ao lamentar de joelhos, está numa postura “com Deus ou contra Deus — mas
nunca sem Deus”, observa C. S. Lewis. Gordon Fee, teólogo influente e professor do Regent
College, no Canadá, relata que “uma das experiências mais comoventes de sua vida foi ouvir,
em voz alta, o salmo 88 num culto na capela enquanto os terríveis acontecimentos de 11 de
setembro de 2001 ocorriam”.28 Os israelitas sabiam da importância do lamento-diante-de-
-Deus. De modo tão fervoroso quanto honesto, lamentavam a sua aflição. E nós? Teremos
coragem e sabedoria de praticar essa espiritualidade ou abraçaremos a visão ufanista e rasa
tão em voga no discurso evangélico brasileiro?

Há uma importante fundamentação teológica para o lamento salmítico. João Calvino dizia
que os salmos espelham a nossa alma. Nesse sentido, a alma israelita vivia em pranto diante
de Javé, dada a quantidade desse tipo de canção/oração. R. W. L. Moberly observa que “a pre-
dominância dos salmos de lamento situados bem no coração das orações de Israel significava
que os problemas que as fizeram surgir não eram marginais ou incomuns, mas, bem ao con-
trário disso, centrais na vida de fé”.29 Eis a terapêutica bíblica dos salmos.

O lamento bíblico é um tipo fecundo de choro. “Jesus chorou. Jó chorou. Davi chorou. Jere-
mias chorou. E eles o fizeram abertamente”, observa Eugene Peterson.30 Seu choro-lamento
foi registrado nas Escrituras testemunhando o lugar, a vez e o valor que traz consigo tal práti-
ca. Algo bastante humano, demasiadamente humano. Mas é bem estranho observar que nos
constrangemos e pedimos desculpas ao chorar em público. “Perdão, eu não consegui segu-
rar”, uma fala comum quando alguém interrompe uma fala ou sermão ao marejar os olhos de
(saudável) emoção. Não pedimos perdão por rir. Por que deveríamos fazê-lo ao chorar diante
das pessoas? Mundo estranho este...

31
Nós, cristãos, não deveríamos de forma alguma evitar o choro/lamento ou sentir-nos cons-
trangidos diante de alguém que pranteia. Não deveríamos dar tapinhas nas costas de alguém
que pranteia e “consolar” com palavras tão inúteis quanto vãs, ao dizer coisas do tipo “fica
assim não, vai passar”. O choro não brota de lugares profundos da alma à toa. É preciso cho-
rar. Acredite. O pastor Eugene Peterson conta que, no funeral de sua amada mãe, poderosa
influência na sua vida pessoal e pastoral, ele ficou extremamente incomodado ao perceber
que todos os presentes podiam se emocionar e ir às lagrimas com a leitura e exposição das
Escrituras, menos ele, o oficiante, o pregador. “Eu limpava minhas lágrimas e simplesmente
prosseguia com o culto”.31

Quantos de nós não ouvimos de nossos pais: “Engula o choro, menino! Homem não chora!”.
De que servirá esse conselho tão arbitrário quanto equivocado psicológica e espiritualmente
nestes tempos de Covid-19? Melhor seguir o exemplo de tanta gente nas Escrituras: os Sal-
mistas, Jeremias, Davi, Jesus.

Precisamos recuperar — se é que tivemos um dia — a espiritualidade do lamento Nossa vida


começa com pranto e lamento — da nossa mãe, com dores de parto; nosso, ao nascer — e
termina com o lamento dos que ficam. Inexorável. Inevitável. Por que não dar dignidade es-
piritual e bíblica ao nosso choro e ao de tantos, no meio de tantas ruínas e escombros?

Como diz o Pregador em Eclesiastes, há tempo de chorar e de prantear. Esse tempo é agora.
Já. Lamento é protesto, é resistência, sem deixar de ser um ato de fé. E é também um meio de
mantermos a memória. Os nossos antepassados registraram a destruição de Jerusalém em
Lamentações, porque entenderam que somente mantendo a memória viva poderiam se pro-
teger de repetir a tragédia. Nesse sentido, a ausência de lamento na liturgia, no culto evangé-
lico de hoje, é muito revelador: não estamos preocupados em manter a memória dos nossos
traumas, porque não estamos preocupados com o risco de repeti-los.

Não se trata de esquecer, mas de superar.

Só o lamento bíblico aponta o caminho da superação, pela graça de Deus.

Só o lamento bíblico nos curará da desesperança.

Fugir do luto só o intensifica. E piora.

O pastor e teólogo Soong-Chan Rah conta que, em 1996, ele e a esposa resolveram plantar
uma igreja na região de Cambridge, na grande Boston, perto da Universidade Harvard, pre-
gando uma série de sermões no livro de Lamentações. Uma escolha inusitada, sem dúvida.
Por que decidiram usar um dos livros mais negligenciados da Bíblia? “A perda da capacidade
de lamentar reflete uma séria deficiência teológica [...] Lamentações provê o texto bíblico e as
lentes teológicas através das quais podemos examinar os temas do ministério urbano, justiça
e reconciliação racial”.32

32
Sim, o Eichah nos oferece tanto uma teologia quanto uma espiritualidade do lamento, algo
fundamental para ministrarmos ao mundo machucado pela pandemia do Covid-19. Enquan-
to escrevo, início de maio, um brasileiro morre a cada minuto — mais do que por outras cau-
sas, como acidentes de carro, homicídio, câncer e doenças cardiovasculares. Uma tragédia.

O discurso triunfalista da prosperidade não dá conta de tamanha dor e tristeza. Só a lingua-


gem bíblica do lamento pode nos capacitar a ministrar a tanta gente ferida pelo vírus. Os
grandes temas de Lamentações são, sem dúvida, a importância do lamento, a necessidade
de nos engajarmos no sofrimento dos outros. Essa temática pode nos curar do triunfalismo
evangélico e do seu discurso de sucesso e vitória, uma enorme distorção da mensagem do
evangelho de Cristo. Deus, assim, abraça nossa dor e miséria, em Jesus. Cristo vence a morte
morrendo — e ressuscitando. Cristo nos cura da dor abraçando a pior de todas as dores, a
dor de todos os homens, de todos os lugares.

O Deus que enxuga as nossas lágrimas tem os olhos marejados.

O Deus que nos faz sorrir é o Deus que chora.

Jesus chorou.

Jesus lamentou a morte.

E nós?

Onde estão as nossas lágrimas?

33
4
ESPERANÇA
Sempre há esperança se mantivermos um problema não resolvido
diante de nós; não há nenhuma se fingirmos que ele não existe.

C. S. Lewis

A esperança bíblica não emerge do raciocínio apropriado ou de


novas informações. Não é otimismo ou ilusão. Não é um simples
ato de vontade, uma decisão sob controle humano ou uma deter-
minação voluntária. Ela surge sem causa clara, como a Graça, sem
explicação, em meio ao desespero e no ponto de menor esperança.
Ela vem de outro lugar, espontânea, ilusória, incontrolável e sur-
preendente, dado o pesar, o lugar da desesperança.

Kathleen M. O’Connor

Se assimilarmos a mensagem do Eichah, não apenas seremos pessoas mais corajosas como
teremos “avançado mais em direção da verdade do que os outros homens”, como disse um
sábio homem de Deus a respeito de uma leitura igualmente adequada, contemplativa, de
Eclesiastes.33 Isso porque Lamentações enfatiza a verdade sobre o pecado e o sofrimento e, ao
fazer isso, fala a verdade sobre ser gente, pecadora e sofrida. Mas não fica só nisso: proclama
diariamente a renovada misericórdia do Deus vivo. A verdade sobre esperança e Esperança. A
esperança comum e a Esperança cristã.

Toda gota de esperança já é algo, como uma chama mínima numa escuridão profunda; já
ilumina algo, diriam alguns. Entretanto, há diferença. Sim, enquanto escrevo — 12 de junho,
dia dos namorados —, o site do Ministério da Saúde informa que mais de 397 mil brasileiros
já se recuperaram do Covid-19. Infelizmente, mais de 41 mil já morreram, em um contingen-
te de 805 mil casos. Como ter esperança em um Ministério da Saúde como o nosso, que, por
muitas razões, deixa explícito o que Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil, resumiu
friamente: “Muita bobagem é feita e dita, inclusive por economistas, por julgarem que a vida

35
tem valor infinito. O vírus tem que ser balanceado com a atividade econômica”. A frase infe-
liz traduz muito. Embora a dicotomia vida-economia seja mesmo desnecessária, já que a ati-
vidade econômica está a serviço da vida — e, porque existe vida, existe trabalho, produção,
indústria, comércio, serviços —, a negação do valor infinito da vida traz consigo conotações
tanto filosóficas quanto teológicas. Se a vida não é um absoluto, o que seria? O dinheiro? A
riqueza? Mamom? Triste. Um cristão jamais pode subscrever tal desprezo à vida, que recebe-
mos tão miraculosa, generosa e graciosamente do Criador.

Mais que perguntar se é possível manter viva alguma esperança em meio a tantos escombros,
cheiro de morte trágica e falência financeira, aquele que crê nas Escrituras precisa conectar-
-se com a natureza profunda da sua Esperança. Eu desejo fechar essas meditações no livro de
Lamentações, e em como nos situamos nessa pandemia, estabelecendo algumas distinções
entre a esperança e a Esperança cristã.

Em primeiro lugar, a esperança — ato ou efeito de ter esperança — é inerente à condição


humana. Ter esperança é sonhar, planejar, pensar o futuro — bom, em geral. Esperança pura
e simples é simples desejo, alento, anseio. Esperamos achar alguém que nos ame para consti-
tuir família. Esperamos ter filhos saudáveis que nos amem e retribuam nosso amor sacrificial
de pais. Esperamos que esses filhos sejam obedientes, ou, no mínimo, respeitosos, que amem
a Deus e o sirvam. Esperamos que entrem em uma boa universidade, de preferência pública,
para termos alívio financeiro quando a meia-idade ou o início da nossa velhice chegar. Espe-
ramos que se formem com boas notas e entrem no mercado de trabalho. Esperamos que, por
sua vez, casem e repitam o ciclo da nossa própria experiência familiar, caso ela tenha sido
bem-sucedida, é claro. Esperamos não ter câncer ou cardiopatias. Esperamos morrer velhos.
Esperamos.

Percebe? Desejo. Alento. Anseio. Nada mais que isso. Tão humano como frágil e imponderá-
vel, incontrolável. Nossa ansiedade básica está intrinsecamente relacionada à nossa esperan-
ça básica, pois não podemos controlar o futuro que desejamos para nós. Se depressão, em seu
sentido bem básico, quase simplista, se relaciona com o passado, o estresse se relaciona com
o presente e a ansiedade se relaciona com o futuro. Quem diria! A ansiedade está vinculada à
nossa esperança humana. O que fazer para tornar meu sonho-desejo realidade?

Nesse sentido, os fatos negativos ameaçam a nossa esperança. Se o cenário, o noticiário, o


quadro geral das circunstâncias forem contrários aos nossos sonhos e anelos, a nossa espe-
rança perde o vigor, a força e o ar. Sufoca-se. Morre. Nada mais natural que o desaparecimen-
to da esperança diante dessa pandemia. Nada mais natural que as pessoas entrem primeiro
em desesperança e, em seguida, em desespero mesmo, diante da realidade tão adversa.

36
Já a Esperança cristã é mais do que algo que brota de um simples desejo. A Esperança dos que
creem que Jesus é o próprio Deus que se fez gente como a gente, sofreu nosso sofrimento e
morreu a nossa morte, mas ressuscitou, subiu aos céus e voltará (como professamos no Cre-
do dos Apóstolos, com ampla base bíblica e fundamento histórico) é uma lembrança. “Quero
trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de
não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã.
Grande é a tua fidelidade. A minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto, esperarei
nele” (Lm 3.21-24).

A esperança humana básica — e tão essencial, reconheço — baseia-se nos nossos desejos de
futuro. A Esperança cristã se alicerça na nossa lembrança do passado: quem Deus é e o que ele
já fez na nossa história e em Israel, em Cristo. A primeira olha para um futuro vago e difuso,
isto é, o que eu quero para mim e para a humanidade. A segunda, para um passado histórico
e concreto, isto é, a revelação do amor de Deus em Cristo.

Assim, a Esperança cristã relaciona-se com o evangelho de Jesus. “O evangelho é uma boa no-
tícia que anuncia que fomos resgatados ou salvos [...] o evangelho é a boa notícia sobre o que
Jesus Cristo fez para restaurar nosso relacionamento com Deus”.34 O que alimenta a nossa
esperança é a recordação, tanto nas Escrituras quanto na Ceia do Senhor, do que Deus fez por
nós, em Cristo Jesus. E essa lembrança avança para além do que pode ser apenas dogmático,
litúrgico e religioso e atingir a nossa história, tanto o vivido quanto o que estamos vivendo e
viveremos: “E no porvir, ó que doce esperança / Desfrutarei do seu rico favor...” cantamos no
antigo hino. Entre o desejo de algo para o futuro e a lembrança de algo do passado, fico com
os dois: lembro de quem Deus é, o que Ele já fez e o que Ele fará. Porque Deus não muda. Deus
não mente. Deus não falha.

Por causa de Cristo, o que esperamos, como cristãos? O que o último livro da Bíblia nos as-
segura? Sim, pois o Apocalipse (como me disse uma vez meu querido amigo e mentor Gui-
lherme Kerr Neto) é um livro de Esperança. Não à toa o reverendo Billy Graham dizia: “fi-
quem tranquilos – eu já li a última página do Livro. Tudo vai ficar bem.” Mas como usar o
Apocalipse ao lado do Eichah? Entendendo que a linguagem dos dois é tão poética quanto
histórica. Os dois livros mostram muito de como Deus leva a sério tanto o pecado quanto a
redenção. Assim como Lamentações, “se não for lido como poesia, Apocalipse será simples-
mente incompreensível [...] o poeta usa as palavras para criar, não para explicar ou descrever
alguma coisa. Poeta (poetes, no grego) significa ‘criador’. A linguagem poética não se relacio-
na a explicações objetivas; ela é a língua da imaginação. Cria uma imagem para nos convidar
a participar da realidade. Após a leitura de um poema, temos mais experiência, e não mais
informações”.35 O Eichah nos leva do lamento à Esperança. O mesmo acontece no Apocalipse.
A última palavra não é do sofrimento, mas da Esperança.

37
Assim como o Eichah é a última palavra — o que há de mais elaborado, abrangente e compe-
tente, como dizemos — sobre o sofrimento humano; diz Eugene Peterson, de modo tão belo
quanto original, que o Apocalipse é um conjunto das últimas palavras sobre as Escrituras (Ap
1.1-11), a última palavra sobre Cristo (Ap 1.12-30), a última palavra sobre a igreja (Ap 2-3), a úl-
tima palavra sobre adoração (Ap 4-5), a última palavra sobre o mal (Ap 6-7), a última palavra
sobre a oração (Ap 8-9), a última palavra sobre testemunho (Ap 10-11), a última palavra sobre
política (Ap 12-14 12-1) a última palavra sobre julgamento (Ap 15-18), a última palavra sobre
salvação (Ap 19-20) e a última palavra sobre o céu (Ap 21.1-22.2).36

O céu é tão real quanto inacessível aos nossos sentidos humanos limitados. É mais que o céu
azul que contemplamos num dia claro ou o céu estrelado à noite. O céu bíblico do Apocalipse
é um recomeço. E a nova Jerusalém não é mais a Jerusalém devastada, arruinada do Eichah,
mas uma “arquitetura em movimento”, nas palavras do teólogo e sociólogo francês Jacques
Ellul, ou “a cidade voadora”, na expressão feliz de Marcelo Gualberto pregando um sermão
inesquecível para centenas de jovens num congresso da MPC, em 1990, em Brasília. A surpre-
sa na apresentação do céu em Apocalipse é ele vir em forma de cidade: “vi a Cidade Santa, a
nova Jerusalém, que descia dos céus, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada
para o seu marido” (Ap 21.2).

A cidade é uma ideia muito importante nas Escrituras. A visão bíblica das cidades não é nem
hostil nem romântica. A cidade tem natureza dupla, porque é humanidade intensificada,
uma lupa que destaca o melhor e o pior do ser humano”37. Por isso, Timothy Keller trabalha
em seu ministério tanto como pastor, plantador de igrejas, quanto como escritor, “o poten-
cial da cidade de exaltar a Deus e o seu aspecto sombrio de exaltar o homem”.38

A primeira cidade, a de Caim, resulta da busca do homem por segurança e a resposta de


Deus a esse anseio (Gn 4.14-15). Depois, vemos Jerusalém reduzida a escombros, o que revela
a falência humana nesse sentido. Mas, na nova Jerusalém — não simplesmente a Jerusalém
restaurada, mas a cidade das cidades, o céu —, Deus volta a ser a nossa segurança. Saímos
do jardim e perambulamos pela cidade de Caim, Babel, Nínive, Babilônia e até a Jerusalém-
-fantasma do Eichah. E Roma, Nova Iorque, Madri e São Paulo desertificadas pelo Covid-19.
Mas chegará um dia — eis nossa Esperança — em que voltaremos à Cidade-jardim: a nova
Jerusalém, o céu.

Nossa Esperança, nosso “novo normal”, é a nova Jerusalém. O céu. Bem, vamos falar sobre o
céu. C. S. Lewis comentou que “um livro sobre o sofrimento que não diga nada sobre o céu
estará praticamente omitindo todo um lado da história”.39 Mas o que queremos dizer quando
dizemos que nossa esperança é o céu? Do ponto de vista do Novo Testamento, especialmente
de Apocalipse, o céu é uma fase transitória até a Nova Criação. Diz Chris Wright, um teólogo
que aprecio bastante, discípulo de John Stott: “o céu para os que morreram em Cristo é um
lugar ou estado de descanso, de espera, até os grandes eventos [...]: o retorno de Cristo, a res-
surreição do corpo e o julgamento final”.

38
Pode chocar muitos cristãos, cuja base doutrinária é fraca diante da noção profundamente
bíblica de que o céu, para onde vamos quando morremos, não é onde ficaremos para sempre,
mas onde aguardaremos, salvos em Cristo, a consumação: a nova criação tão prometida na
Bíblia. Lemos com pressa ou de modo equivocado as Escrituras!

“Ir para o céu [...] não é como a Bíblia termina. Veja novamente a bela ilustração de Apoca-
lipse 21-22. Ela não diz nada sobre irmos para o céu ou outro lugar qualquer. Em vez disso,
mostra Deus descendo à terra, transformando toda a criação no novo céu e na nova terra
que ele prometeu em Isaías 65.17, e então habitando entre nós na terra.”40 A Bíblia termina
como começa: Deus conosco! Em Gênesis, Deus com Adão, no jardim. Em Apocalipse, Deus
conosco, numa cidade-jardim! Veja que riqueza da linguagem bíblica: o ouro e as pedras do
jardim original (Gn 2.12) podem ser vistos na glória e na riqueza da cidade de Apocalipse (Ap
21.11,19,21). Terminamos como começamos — ou, eu diria, melhor. Bem melhor. Deus sem-
pre melhora tudo.

Por enquanto, Eichah. Estamos entre as duas árvores: a árvore da vida do Éden (3.22,24) e a
árvore da vida que contorna o rio da vida na cidade de Deus (Ap 22.2).

Poesia.

Profecia.

Verdade.

Beleza.

E, sim, Esperança.

Esperar nos faz viver. Esperamos o possível e, até o impossível: “O que chamamos de esperan-
ça é, muitas vezes, apenas desejo. Queremos coisas que imaginamos ser impossíveis, mas te-
mos o bom senso de não gastarmos dinheiro ou nos comprometermos com elas. A esperança
bíblica, no entanto, é um ato [...] a esperança age na convicção de que Deus vai completar o
trabalho que foi iniciado, mesmo contra todas as evidências, especialmente quando são ad-
versas”.41 Esperamos em Cristo. Esperamos Cristo. Ansiosamente.

39
“A doutrina da Segunda Vinda terá fracassado, no que nos diz respeito, se não nos fizer perce-
ber que a cada momento de cada ano de nossa vida a pergunta de Donne — ‘E se a presente
fosse a última noite do mundo?’ — é igualmente relevante”, escreveu, cheio dessa Esperança
em Cristo, C. S. Lewis.42 Eu concordo com ele. E olho para a escuridão que cobre o mundo
de outro modo. É hora de agir nossa esperança, agir em esperança. Solidariamente. Porque
sempre haverá alguém sofrendo mais do que imaginamos. Sempre haverá uma dor maior.
Até aquele dia. Enquanto isso, “considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser
comparados com a glória que em nós será revelada” (Rm 8.1).

Um dia — e que desejo que seja o mais breve — as nossas dores, sejam naturais ou sociais,
terão um fim. Termino lembrando de Lewis, em seu esplêndido Sermão (pregado durante
o horror da Segunda Guerra Mundial): “A Natureza é mortal; nós continuaremos vivendo
depois dela. Quando todos os sóis e nebulosas tiverem acabado, cada um de nós ainda estará
vivo. A Natureza é apenas uma imagem, o símbolo, mas é o símbolo que as Escrituras nos
incentivam a usar. Somos convidados a passar pela Natureza, para além dela, para entrar no
esplendor que ela reflete ainda de forma hesitante. E lá, além da Natureza, comeremos da
árvore da vida”.43

Esperemos.

40
MÚSICA
1.
ELA (GERSON BORGES)

Asus4(9) Asus7 A7add4


Ela sumiu?
Am7((9) Em7(9)add4 F6(9) D/F#
Ela, que tinha os braços abertos sobre o mundo
G7+(6)/B D/C
Ela, que nos fazia dormir
A9/C# F#m7(b5)
Depois acordar, sorrir
Bsus7 Bb6 A7
Gentil senhora dos sonhos
Em7(b5) A7 Fm6(11)/Ab G7 C7+/G
Mantenedora dos planos meus
F7+(9)/A
E seus
Dm7(9)
E mais
Fm6(11)/Ab C7+/G
Ao derrotar a tristeza
Am7(9) Am7(#5) Gsus G
Alimentava a beleza de viver
Fm6 C7+/G
Sem ela, tudo sem graça
Am7(9) Am7(#5) Gsus G
Esvaziou-se a praça — é de doer
F7+(6) C/G F7+(9)/A
Esperança, onde você andará?
F7+(6) C/G F7+(9)/A
Esperança, amiga, volte
Am7(#5) Gsus G
Aqui é o seu lugar

42
2.
QUEM SÃO? (GERSON BORGES)
FEAT. TONINHO ZEMUNER, CONTRABAIXO FRETLESS

D7+(6)9
Quem são esses pranteando os mortos
Bm(6)9
Que se espalham e se multiplicam?
G9 G7+(9)
Quem são esses carregando os corpos
Em11 A7(9)
Cujos dramas tantos não se explicam?
D7+(6)9
Quem são esses mais desesperados
Bm(6)9
Que reclamam poucos benefícios?
G9 G7+(9)
Quem são esses, os desempregados
Em11 A7(9)
Vendo a vida dos seus edifícios?
D7+(6)9
Quem são esses, os mais solitários?
Bm(6)9
Quem são esses aguardando a própria morte?
G9 G7+(9)
Quem são esses, tantos homens, vários?
Em11 A7(9)
São alguém? Não são ninguém?
D7+(6)9
São pessoas — têm história e sobrenome
Bm(6)9
São pessoas — muito mais que um simples nome
G9 Em11 A7(9)
São alguém, são alguém, não são ninguém

43
3.
O MISTÉRIO DA VIDA (GERSON BORGES)
FEAT. JOÃO ALEXANDRE

A6(9)
Cada um que se vai
Am6(9)
Dói dentro em mim
Em6(9)/G Em/G F#4sus F#7
Como se da minha própria família
B7/F# B7 E7+(9) E7
(E não era pra ser assim?)
Bbm7(b5) B9/A
Me vejo em você — Você se vê em mim?
A6(9)
Cada um que partir
Am6(9)
Leva um pedaço aqui do peito
Em6(9)/G Em/G F#4sus F#7
Não é o final dos tempos, mas parece
B7/F# B7 E7+(9) E7
(E eu me pego chorando, enfim)
Bbm7(b5) B9/A
E choro por você — Você chora por mim?

G#m7(11) C#m7(9) C#m7(#5)


Mas quando o Sol da justiça outra vez raiar
F#m7(#5) F#m7(6) E4sus E
Mudando tudo e a sorte da gente
G#m7(11) C#m7(9) C#m7(#5)
Só quem amou de fato e soube se importar
C7+(6) F6(#11) F#m11 B7 F6(#11)
Conhecerá o mistério da vida

44
4.
SAMBA DO CONTENTAMENTO (GERSON BORGES)
ADAPTAÇÃO DE FILIPENSES 4.8-9; 12-14

C6(9) Am7(#5) Dm7(9)


Tudo o que é real, o que é honesto
G
Justo e puro
G#dim Am7(9) Am7(#5)
O que é amável e de boa fama
Dm7 Gsus [ G7(b9) ]
Se tem valor, pensai
C6(9) Am7(#5) Dm7(9) G
No que aprendestes, recebestes e ouvistes
G#dim Am7(9) D7/A Esus [ C#/E C/E ]
E em minha vida vistes, isso imitai

Am7(11) E7/G# C7+/G A7(b13) Dm7


E o Deus de paz será convosco para sempre
Gsus Gsus(#4) Gsus2 Fm/C C
Sempre que eu lembro de vocês minh’alma sen - te
Am Am7(#5) Gsus G Fm6/C C
Sei estar abatido, sei ter abundân - cia
Am Am7(#5) Gsus G Fm6(11)/G# C
Em todas as coisas, to - da circunstân - cia
Am7(11) E7/G# C7+/G A7(b13) Dm7
Posso tudo isso no Senhor, a minha força
Gsus Gsus(#4) Gsus2
Mas é bom saber que em meio à dor
Fm/C C
Há quem me ouça

45
5.
OU NÃO (GERSON BORGES)

D9                          Bm7
Um dia a mais, um dia a menos
   G7+                 Em7          Asus
E a gente vai voltar e a gente vai se ver
D9                           Bm7
Um dia a mais, um dia a menos
    G                A/G   D/F#
Me deito à sombra de um ipê
Bbdim  F#7             Bm7  E7 Em7     A
Este mundo há de ser novo, ou não, ou não
Bbdim  F#7         Bm7 E7 Em7 [ A G/B CdimA/C# ]
Coração mais generoso, ou   não, ou não
 
   D9                      Bm7
Um dia a mais, um dia a menos
     G7+                Em7      Asus
E a bola vai rolar, o país vai torcer
  D9                      Bm7
Um dia a mais, um dia a menos
    G           A/G  D/F#
Para o meu jardim reverdecer
Bbdim  F#7       Bm7  E7 Em7 A
Recomeço, novos ares,   ou não, ou não

Bbdim  F#7         Bm7 E7 Em7 [ A G/B CdimA/C# ]


Desbravar-se novos mares ou não, ou não
 

46
5. (CONTINUAÇÃO)
OU NÃO (GERSON BORGES)

D9          Bm7 G7+


Ou não, ou não, ou não
   Em7  Asus       
Depende de quê
D9          Bm7 G7+
Ou não, ou não, ou não
  Em7       Asus           
Responda você
 
   D9                      Bm7
Um dia a mais, um dia a menos
      G7+             Em7    Asus
E a turma vai sair da frente da TV
    D9                    Bm7
Um dia a mais, um dia a menos
G              A/G   D/F#
O medo vai se dissolver
Bbdim  F#7     Bm7  E7  Em7 A
Antevejo paz na terra,   ou não, ou não
Bbdim  F#7                 Bm7 E7 Em7     [ A G/B CdimA/C# ]
Ninguém mais falar de guerra,    ou não, ou não

47
6.
ALEGREM-SE NA ESPERANÇA (GERSON BORGES)
ADAPTAÇÃO DE ROMANOS 12.12,15

   D           G/B  D9
Alegrem-se na esperança
D/F#    D7+/F#   G D/A
Sejam pacientes na    tribulação
G    D/A Bbdim Bm7
E perseverem, perseverem
Em7(9) G7+       Asus Bm7
Perse  - verem na oração
 G    D/A Bbdim Bm7
Perseverem, perseverem
Em7(9) G7+       Asus    [ D Dsus  D D4sus ]
Perse - verem na oração
 
D          G/B       D9
Alegrem-se com os que se alegram
 D7+/F#   G7+ D/A
E chorem com os que choram

   G    D/A Bbdim Bm7


Mas perseverem, perseverem
Em7(9) G7+       Asus Bm7
Perse - verem na comunhão
 G    D/A Bbdim Bm7
Perseverem, perse - verem
Em7(9) G7+       Asus   [ D Dsus  D D4sus ]
Perse - verem na comunhão 

48
NOTAS
1 Hans Urs von Balthasar, The glory of the Lord – A theological aesthetics I. New York: Crossroad, 1982, p. 43.

2 Soong-Chan Rah (prefácio de Brenda Salter McNeil), Prophetic Lament, A Call for Justice in Troubled Times. Downers Grove: IVP Press, 2015, p. 9.

3 Eugene Peterson, Espiritualidade Subversiva. São Paulo: Mundo Cristão, 2009, p. 304.

4 Henri J. M. Nouwen, Mosaicos do presente: Vida no espírito. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 66.

5 Walter Brueggemann, Spirituality of psalms. Minneapolis: Fortress Press, 2001.

6 Thomas Merton, Praying the psalms. Minnesota: The Liturgical Press, 1956, p. 18.

7 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/03/coronavirus-anuncia-revolucao-no-modo-de-vida-que-conhecemos.sht-


ml>. Acesso em: 17 de jun. de 2020.

8 Tomáš Halík, O sinal das igrejas vazias. Prior Velho: Paulinas Editora, 2020.

9 Michel Butor citado por Byung-Chul Han em No exame: perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2019, p. 42.

10 Osmar Ludovico, Meditatio. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 45.

11 Dallas Willard, O espírito das disciplinas. Rio de Janeiro: Editoria Habacuc, 2003, p. 187.

12 Henri Nouwen, Mosaicos do presente. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 33.

13 Henri Nouwen, The Wounded Healer: Ministry in Contemporary Society. New York: Doubleday Image Books, 2013.

14 Timothy Keller, Caminhando com Deus em meio à dor e o sofrimento. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 16-17.

15 Idem, p. 24.

16 Neemias 1.

17 Jamies Davies, The Importance of Suffering: The Value and Meaning of Emotional Discontent. East Suseex, Inglaterra: Routledge, 2011, p. 50.

18 Timothy Keller, Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento. São Paulo: Vida Nova, 2016.

19 Henri Nouwen, Mosaicos do presente. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 34.

20 Emanuel Katengole, Born from lament: The Theology and Politics of Hope in Africa. Michigan: Eardmans, 2017, p. 70.

21 Eugene Peterson, “Introdução ao Livro das Lamentações”, em A Mensagem: A Bíblia em linguagem contemporânea. São Paulo: Vida, 2011, p. 1149.

22 Eugene Peterson, Ânimo: O antídoto bíblico contra o tédio e a mediocridade. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 14-15.

23 C. Herbert Livingstone, “Introdução ao Livro de Lamentações”, em Bíblia de Estudo Nova Versão Transformadora. São Paulo: Mundo Cristão, 2018,
p. 1257.

24 Idem, p. 1257.

25 Christopher J. H. Wright, O Deus que não entendo., Viçosa: Ultimato, 2011, p. 18-19.

26 Eugene Peterson, “Introdução ao Livro das Lamentações”, em A Mensagem: A Bíblia em linguagem contemporânea. São Paulo: Vida, 2011, p. 1149.

27 Gordon D. Fee e Douglas Stuart, Entendes o que lês?. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 255.

28 Idem, p. 255.

29 Bruce K. Waltke, James M. Houston e Erica Moore, The Psalms as Christian Lament. Cambridge: Eardmans, 2014, p. 5.

30 Michael Card, A sacred sorrow. Colorado Spings, Navepress, 2005.

31 Idem, p. 5.

32 Soong-Chan Rah, Prophetic lament. Downers Grove, IVP Books, 2015, p. 24.

33 C. S. Lewis, Lendo os Salmos. Viçosa: Ultimato, 2015, p. 122.

34 Timothy Keller, Igreja centrada. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 39.

35 Eugene Peterson, Trovão inverso: O livro do Apocalipse e a oração imaginativa. Rio de Janeiro: Habacuc, 2005, p. 28.

36 Eugene Peterson, Trovão inverso: O livro do Apocalipse e a oração imaginativa. Rio de Janeiro: Habacuc, 2005.

37 Timothy Keller, Igreja centrada. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 162.

38 Idem.

39 C. S. Lewis, O problema do sofrimento. São Paulo: Vida, 2006, p. 161.

40 Christopher J. H. Wright, O Deus que eu não entendo: Para compreender melhor algumas questões difíceis da fé cristã. Viçosa: Ultimato, 2011, p.
233.

41 Eugene Peterson, Ânimo. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 159.

42 C. S. Lewis, A última noite do mundo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017, p. 130.

43 C. S Lewis, O peso de glória. São Paulo: Vida, 2008, p. 47.

49
SOBRE O AUTOR

Gerson Borges é pastor na Comunidade de Jesus,


em São Bernardo do Campo (SP).
Graduado em Letras, é cantor, compositor e escritor.
Casado com Rosana e pai de Bernardo e Pablo.
Livros que promovem a edificação do leitor, a unidade da igreja e a glória de Deus

www.godbooks.com.br
contato@godbooks.com.br
COPYRIGHT © 2020 POR GERSON BORGES
PUBLICADO POR GODBOOKS EDITORA

52

Você também pode gostar