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GALERIA M A R I A NA C A L DA S
Tirei essa foto no carnaval de 2010, em Pouso da Cajaíba, uma viagem cheia de amor e aprendizado. No final do
ano, em outro momento pessoal — de dor, de repensar a vida e os valores — eu reencontrei essa frase do Nelson
Rodrigues e lembrei da foto. Era o casamento perfeito: o equilíbrio dinâmico do amor.
http://poeme-se.tumblr.com/
E M A IS
Anco Márcio Tenório Vieira, professor do Departamento de Letras da UFPE e autor do livro de ensaios Adultérios, biombos e demônios . Fernando Monteiro, autor de
A cabeça no fundo do entulho e O grau Graumann. Joca Reiners Terron, vencedor do Prêmio Machado de Assis de Romance 2010 da Fundação Biblioteca Nacional por
Do fundo do poço se vê a lua. Rafael Rodrigues, jornalista e escritor, autor de O escritor premiado e outros contos. Siba, cantor e compositor.
Paulo Bruscky é um dos nomes mais sin- Outro destaque desta edição é a crônica SUPERINTENDENTE DE CRIAÇÃO
Luiz Arrais
gulares da arte brasileira contemporânea. que o cantor e compositor Siba escreveu, na
Ele não se satisfaz apenas em criar obras; qual ele passa em revista o universo poético GOVERNO DO ESTADO EDIÇÃO
sua preocupação maior parece ser insti- do seu álbum Avante. Vale conferir ainda a Raimundo Carrero e Schneider Carpeggiani
DE PERNAMBUCO
gar o público, fazê-lo pensar e questionar entrevista que a escritora Adriana Lunardi
Governador REDAÇÃO
suas certezas. Quando soubemos que ele concedeu a Luís Henrique Pellanda, cheia Mariza Pontes, Debóra Nascimento, Ingrid Melo,
Eduardo Campos
lançaria seu primeiro livro de poemas, foi de curiosas reflexões sobre o papel da es- Mariana Oliveira e Marco Polo
a chance de trazer para o Pernambuco seu crita: “Ao invés de pensar sobre o sentido de
universo bastante particular, repleto de tudo, sou obrigada a resolver um problema Secretário da Casa Civil ARTE, FOTOGRAFIA E REVISÃO
Francisco Tadeu Barbosa de Alencar Gilson Oliveira, Janio Santos, Karina Freitas,
ressignificações. Thiago Soares conversou de narrativa ou procurar a palavra exata, a e Sebastião Corrêa
com Bruscky e escreveu um texto em que o frase certa, o andamento para determinada
importante é justamente brincar e debater passagem. A arte é uma maneira de superar COMPANHIA EDITORA PRODUÇÃO GRÁFICA
Eliseu Souza, Joselma Firmino, Júlio Gonçalves
convenções: é uma reportagem mais costu- o tempo e matar tempo.” DE PERNAMBUCO – CEPE e Sóstenes Fernandes
rada por lembranças do que por certezas.O Em 2012, o Pernambuco completa cinco Presidente
repórter foi “capturado” pelo jeito Bruscky anos. Para marcar a comemoração, lança- Leda Alves MARKETING E PUBLICIDADE
de enxergar o mundo! remos este mês uma reunião dos principais Alexandre Monteiro, Armando Lemos e Rosana Galvão
Diretor de Produção e Edição
Também permeada por esse universo sui textos que a coluna Bastidores já publicou, Ricardo Melo COMERCIAL E CIRCULAÇÃO
generis é a arte que ilustra a matéria. Feita com o título Ficcionais. Na obra foram reuni- Diretor Administrativo e Financeiro Gilberto Silva
pela designer Hallina Beltrão, a partir das dos alguns dos principais autores brasileiros
Bráulio Meneses
fotos de Thiago, as imagens retomam a revelando seus processos de composição,
estética de xerografia, uma das marcas da expondo os problemas teóricos e pessoais que
obra de Bruscky. Como o primeiro livro atravessaram suas criações. Estão lá nomes CONSELHO EDITORIAL
de poemas do artista é lançado com uma como Ana Maria Machado, Bernardo Carvalho Everardo Norões (presidente) PERNAMBUCO é uma publicação da
tiragem limitada de 150 exemplares (todos e Ronaldo Correia de Brito. Foi a nossa forma Antônio Portela Companhia Editora de Pernambuco – CEPE
Rua Coelho Leite, 530 – Santo Amaro – Recife
assinados pelo artista), iremos disponi- de dividir com você, leitor, a efeméride. Lourival Holanda CEP: 50100-140
bilizar suas páginas no nosso site www. Nelly Medeiros de Carvalho Contatos com a Redação
suplementope.com.br. Boa leitura e até o próximo mês. Pedro Américo de Farias 3183.2787 | redacao@suplementope.com.br
BASTIDORES
sangue pare de
escorrer de vez
Escritor comenta como o seu
novo romance o persegue há
20 anos. Guia de ruas sem
saída é sua estreia na Editora
Edith, que abriga nomes
como Marcelino Freire
FICÇÃO
REPRODUÇÃO
se tivéssemos nos encontrado na Califórnia você de roupa, então fui para sala conversar, lembro que palhou e estavam lhe cobrindo o rosto por baixo do
talvez me dissesse, num café, bem aqui, Antonio, era uma conversa sem razões nem lamentos, apenas chapéu, pensava que sua memória de outros brutos,
Foucault costumava comer os seus sanduíches, a vontade de falar, verdade que não conseguíamos que precisam alcançar, por conta própria, a bruma
ora, esta frase é um volátil, e como não?, com seu dar início à prática, pois logo me fixei no sexto vo- do corpo, faria com que meu sexto volátil tivesse
rostinho aberto a direções contrárias, mascando látil, o seu companheiro de olhinhos escuros, penas alguma desconfiança de mim, mas não, cheguei
as oportunidades possíveis, convenhamos, meu pretas e chapéu de feltro lançando sombras variadas com a ponta dos dedos até o seu rosto e lhe clareei
colega, aquele nosso desencontro foi minha quarta no chão, às vezes um volátil é um pequeno coro, os olhinhos por trás das penas, lembro que na hora
criatura, você com o réquiem de Pessoa a postos fiquei contente, os meus tios também estavam ali, elas me pareceram grossas, cheias daquela trama
para uma aula, parecia um jovem professor Klopp, e outras pessoas vinham chegando, a casa agora delicada, como se fossem cabelos, e com isto deixei
espero que me desculpe a graça, agora brinco, é que parecia cheia, nossa conversa precisava esperar, de notar o calor, o vento, as pessoas, olhei em volta
morri, e Klopp confirmou o fato no New York Times então fomos dormir, creio que vocês foram para uma e decidi lhe contar uma coisa nova, diferente, sobre
de 4 de abril, com sua lisonja de sempre comentou árvore ou ficaram pela sala, não sei, fui para o meu mim, que não havia mencionado antes, achava que
o seguinte, Antonio é único, diferente dos seus quarto, deitei na cama e fiquei escutando as bombas seria uma surpresa, mas o volátil me disse que não,
conterrâneos, interessado que está na traição, no destroncando a minha cidade e os alemães, ouvi isto que ele já me conhecia muito bem, depois sorriu, e
remorso, no perdão, enfim, interessado que es- por vários anos, até conseguir pegar no sono. só então iniciamos a nossa longa conversa.
tou no pecado, ele disse, e nisto somos parecidos,
pena que eu, você e Klopp não possamos sair para 6. No dia seguinte só restava o volátil número seis, 7. Neste instante, em que aguardo a sétima e derra-
jantar juntos, pediria sardinhas com batatas, azeite tímido e com as suas muitas sombras, então saímos deira criatura, que talvez nem seja fêmea, digo que
e vinho verde, pois morri, José, morri e ainda me para tomar um táxi que virou um comboio, a pai- não basta estar vivo, pois pode-se estar vivo e ser
apetece o cardápio frugal de um verão português. sagem lá fora era estranha, não tinha bem certeza inocente, e um olhar inocente nada vê, ora, e entre
onde era, saltamos na estação à beira de uma ponte e o que mais quis ver está um país de barcas, autos e
5. Meu caro, se os voláteis lessem, eis o que escreveria começamos a andar entre uma multidão de pessoas cantigas, agora fechemos os olhos, José e meus vo-
a um deles em particular. Querido volátil número apressadas, cruzando por cima de um rio caudaloso láteis, quem quiser ver de Antonio uma excelência,
cinco, lembro que naquele dia acordei misturado às e de um verde profundo, logo que saímos da estação, onde sua fineza mais se apura, perpétuas saudades
noções que a noite fabrica, estava em casa, cedo ain- eu havia notado o clima mais quente e o dia claro, me tenham, que tudo muda uma áspera mudança,
da, na casinha onde morei quando não tinha deixado ventava bastante, a ponte era alta e levava os pas- e afinal falem de mim como sou e nada menos, nem
a família, em Pisa, onde meu pai comerciava cavalos santes até uma cidade ao pé de uma colina, no meio soado em qualquer malícia, digam de alguém que
e os alemães batiam os coturnos em meio às bombas da travessia paramos para apreciar a paisagem e me amou com palavras, porém nunca demais, alguém
aliadas, isto era no meu tempo de miúdo, de repente dei conta de onde estávamos, era Lisboa, mas uma sem zelo fácil, mas se alarmado perplexo ao extremo,
você chega voando, acompanhado, fiquei surpreso Lisboa diferente, menor, de bonecas, então olhei para alguém cujas mãos, como as do navegante, buscaram
com a visita, eram um casal?, pedi que entrassem o meu volátil, mas ele continuava calado, o vento fora uma terra mais rica que a de seus pais, alguém
e fui ao banheiro me olhar no espelho, estava de tinha assanhado suas penas escuras, estendi a mão que de olhos saudosos, embora estranhos ao humor
pijamas, com uma camiseta branca e calças azuis, em sua direção, tinha medo de que ele me desse as dissolvente, vigiou os homens e as suas histórias
meu rosto parecia o de alguém que acabava de ter costas ou levantasse voo, tudo me soava frágil, eu tanto quanto as figueiras que entornam uma pele
acordado, por algum motivo não conseguia trocar queria apenas afastar as sombras que o vento es- de goma alva e mendicante.
ENTREVISTA
Adriana Lunardi
JANIO SANTOS
Raimundo
3 - DEPOIS DA SOLENIDADE FOI SERVIDO CO-
QUETEL AOS PRESENTES
CARRERO
E os ausentes não puderam beber nem comer.
Que tal cortar?
4 - ATIROU NO AMIGO
Amigo não atira no outro. Nunca escreva isso.
Jamais.
tempestade de
8 - NUMA MANHÃ ENSOLARADA
Lugar-comum horrível. Pare agora.
lugares-comuns
Nunca, jamais. Se você quer ser escritor com
frases assim, esqueça.
10 - ASTRO REI... LÁBIOS VERMELHOS... LUA esse tipo de inspiração. Com certeza, não é ins-
DE PRATA piração, mas cópia do muito medíocre que vai se
Nem pense. Mude de atividade. repetindo, repetindo, e formando a má literatura
que contamina muitos escritores, sobretudo os
Alguns escritores têm mania 11 - PREMIDO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS
Esqueça, esqueça... isso não se faz... Apague e
iniciantes. Expressões como essas não passam
numa oficina de criação literária, porque o pro-
de repetir frases feitas e de desista... fessor estará sempre atento. O trabalho não acaba
aí. Muita coisa ainda precisa ser dita...
DEUS EX MACHINA
Marco Um dos fundadores da Confraria dos Ventos, o
Polo carioca Victor Paes lança seu segundo livro de contos
O carioca Victor Paes (foto) ideário de excelência que desde
é um dos fundadores do site o início norteou o jovem grupo.
Confraria dos Ventos, que desde Agora, Victor Paes lança Deus
a primeira edição revelou um ex machina, seu segundo livro
alto nível nos projetos gráfico e de contos. Neles, o milagre da
editorial. Pouco tempo depois infância torna paradoxalmente
foi lançada a revista física da mais nítido o cotidiano, a
Confraria que, por fim, tornou- surpresa é a dobradiça que
CRITÉRIOS PARA
RECEBIMENTO E APRECIAÇÃO
DE ORIGINAIS PELO
CONSELHO EDITORIAL
I Os originais de livros submetidos à Cepe,
exceto aqueles que a Diretoria considera
projetos da própria Editora, são analisados
pelo Conselho Editorial, que delibera a partir
dos seguintes critérios:
Poetisa Mariane Bigio cria Economista escreve sobre as relações que a noção dos juros
versos infantis e lúdicos pode ter com vários aspectos do comportamento humano
Companhia Editora de Pernambuco
Contemplada com o Prêmio Eduardo Giannetti é um que “é uma obra espetacular, que
Cultura de Literatura de Cordel economista que costuma mexeu muito com a minha forma Presidência (originais para análise)
– Edição Patativa do Assaré, incursionar por áreas que, de programar a vida”. O livro, Rua Coelho Leite, 530 Santo Amaro
acaba de ser lançada a coletânea aparentemente, não têm entretanto, tem como subtítulo CEP 50100-140
O que sou eu?, com três cordéis nenhuma relação com a matéria Ensaio sobre a natureza dos juros. Para Recife - Pernambuco
infantis, para ler e colorir, da na qual é especialista. Os títulos Giannetti, a questão dos juros
poetisa recifense Mariane Bigio, de alguns de seus livros revelam transcende a economia, pode
que pertence ao grupo Vozes bem isso: Auto-engano, Felicidade, ser aplicada no planejamento
Femininas. Ilustrados por Max O livro das citações, A ilusão da da vida, “está inscrita no
Motta, os versos abordam as alma. Agora ele publica, pela metabolismo dos seres vivos
frutas, os bichos e as cores, Companhia das Letras, O valor do e permeia boa parte do seu
desafiando a garotada a interagir, amanhã, livro do qual a cantora- repertório comportamental”.
completando as estrofes. compositora Marina Lima diz É para conferir.
CAPA
160 exemplares,
poemas escritos de forma dispersa, desde a década lavra. Todo mundo queria corrigir achando que
de 1960, há algo de livro — sim, livro de artista. Não estava trocado o ‘rv’ e querendo escrever ‘palavra’
de forma tão explícita como no tijolo de vidro que e não ‘palarva’”, ri. No poema “Noturno”, de 1986,
todos assinados, e
é a obra Livro de Ar tista, mas pelos questionamentos presente em Arquivo impresso, Bruscky desconstrói a
que há, na própria configuração do meio: Arquivo “palarva”: “Limbo da palavra/ vereda pela larva/
impresso tem tiragem de apenas 160 exemplares. lavra/ só sons, ruídos, sirenes”.
Todos assinados. O design do livro é sanfonado
em papel cartão marrom e as páginas vêm presas
como molduras. Para cada poema, uma tipografia
traz textos de várias Ao comentar sobre a “palarva”, ele lança algumas
questões sobre o seu interesse pela escritura do po-
ema. “Poesia é fome de ver”, define. E explica como
diferente – todas elas criadas na Tipografia Matias,
também de Belo Horizonte. O papel das páginas-
-telas também muda. De cor. De textura. Algumas
fases do autor nascem alguns de seus escritos. “Caleidoscópio”, de
1976, também em Arquivo impresso, teve sua gênese na
observação do cotidiano. A chuva caindo, os pingos
folhas, de gramatura finíssima, nos reportam ao — do sentido. “Sempre tive interesse pela litera- se pendurando na marquise. Aquilo que poderia
guardanapo de bares. Outras, mais encorpadas, são tura, pela música. Li Cabral, Baudelaire, Joaquim resultar numa obra visual ou mesmo num poema
quase cartões de visitas. Daquela textura que facilita Cardoso, todo o pessoal da Geração de 65”, elenca. de natureza mais concreta, virou, através de Paulo
guardar na carteira. O próprio livro vem envolto num “A palavra, de alguma forma, faz transbordar a Bruscky, um texto que tem quase a simplicidade e
elástico branco típico das pastas de arquivos. Lem- visualidade”, define. Nos anos 1980, quando se a forma elíptica de um haicai: “Vejo os pingos da
brando toda carga política que há na obra de Paulo debruçou mais detidamente sobre a produção chuva/ que se penduram e caem/ como os mais
Bruscky, não é difícil remetermos aos arquivos da de poesia — talvez se interessando também em perfeitos trapezistas/ No chão/ e em compassos/
ditadura, coisas do gênero. São esses signos estéticos produzir poemas de maneira mais tradicional, fragmentos de paisagem”.
em aberto que nos fazem isso... estes a que estamos acostumados a ler nos “livros” A elipse, talvez a mais oblíqua herança do “artista
Voltando às aspas. Arquivo impresso é entre aspas — Bruscky foi tentar entender de mineração. Pro- visual que escreve”, logo some ao nos depararmos
porque conjuga o “livro” com o livro. O próprio cessos de mineração. Nas minas, há os chamados com “AR- RECIFES DE POESIA DE PBY (O RECIFE
Paulo Bruscky chama seus textos de poemas. Mas processos de lavra, que consistem em perfuração, EM PROVA E PROSA) ROTEIRO I”, mais longo poema
“sou um artista visual que escreve”, situa. Obser- desmonte e remoção de minerais. Lavra: coloque de Arquivo impresso, que, na verdade, foi feito em agos-
vando seu lugar na produção artística brasileira, um “pa” na frente e temos a “palavra”. E o poeta to de 2008, sob encomenda da TV Cultura, que iria
emergem zonas de contato: o artista produziu obras como aquele que perfura a língua, desmonta os fazer um documentário e queria uma visão de Paulo
no esteio do poema/processo, na década de 1970; códigos, remove os sentidos. “Sempre gostei de Bruscky sobre o Recife. O texto já tem início com um
o concretismo legou para Bruscky o interesse pela escrever, fiz jornalismo na Unicap, gosto de burilar, tom provocador: “O Recife da poesia sonora dos sapos
palavra como lugar de ancoragem — ou debandada retrabalhar a palavra”, diz. franceses: ui, ui, ui, ui...”. E traz, numa lembrança de
CAPA
da produção à
caderno de ideias, vou para uma mesa dos fundos de lugar pouco confortável — porque é de deslocamento
um bar e anoto muitas coisas”, explica. –, mas que alguns, como Bruscky, Homi K. Bha-
Inevitavelmente, a questão da palavra ou da bha, Marc Augé, Pierre Verger, Marshall McLuhan,
distância e isso já
“palarva” volta à tona na nossa conversa. Como entre tantos outros arriscaram ficar. E pensar sobre.
se autodenomina “um artista visual que escreve”, Chegamos a McLuhan, talvez, o “pai” dos estudos
pergunto se a página, para ele, é o equivalente a sobre meios de comunicação. Bruscky não gostaria
uma tela. Ele me responde lembrando que, mesmo
para “escritores-escritores”, como João Cabral de
Melo Neto, a página nunca foi somente uma pági-
fazíamos desde os muito desse lugar estático em que eu pareço colocar
McLuhan — o autor de máximas como “os meios de
comunicação são extensões do homem”, “os meios
na. Também era uma espécie de tela. “João Cabral
conhecia muito de artes gráficas, de design. Joa-
quim Cardozo também”, enumera. “Pernambuco
anos 1980”, diz são as mensagens” e de palavras-logomarcas como
“aldeia global”. “Muito do que McLuhan tratou, eu li
em ‘História das Invenções’, de Hendrik Van Loon, até
sempre foi vanguarda nas artes gráficas, na forma estamos perdendo o sentido do manuscrito? “Eu de forma mais aprofundada”, pontua. McLuhan,
de apresentação das obras”, lembra. Percebo que ainda anoto muito. Tenho cadernos de ideias”, diz. ao tratar da ideia de “aldeia global”, estaria falando
o interesse de Paulo Bruscky é mesmo pelas in- “Olha aí, uso ainda bilhetes para me lembrar das sobre uma espécie de supressão simbólica da noção
terfaces, pelos deslocamentos. Daí a sua poética coisas” e aponta para um pequeno papel disposto de espaço. O mundo é uma aldeia. Aviões nos levam
de reconfigurar os meios. Ao mesmo tempo, não em cima da mesa de uma espécie de cozinha onde em uma hora a destinos distantes. A transmissão via
se furta a me dizer que também gosta da página estamos conversando, que tem indicativos do que satélite traz a imagem ao vivo de um jogo de futebol
dos textos em prosa. Aquela repleta de palavras, fazer no dia. Não à toa, olho para uma geladeira ao na Espanha para a minha TV no Recife, Brasil. Acesso
cheia, ocupada, sem muitos brancos. Os “brancos” lado e vejo um ímã disposto na porta branca com os a internet e converso com alguém na Austrália. O
da página de um romance, me parece dizer, estão dizeres “Gentileza gera gentileza”, aquele mesmo tempo comprime. O espaço nos invade. Ecoamos
nas entrelinhas de uma história bem escrita. “Gosto do poeta-andarilho Gentileza, que escrevia nos aquela ideia de Foucault de que habitamos um tem-
muito da literatura russa”, define. muros dos viadutos do Rio de Janeiro. “Em 1978, po. “McLuhan estava tratando da vida em rede, da
Literatura russa, lembro de alguns romances no Jornal da Cidade, eu fiz uma página inteira de jor- produção a distância e isso já fazíamos desde os
longos, muitas palavras, Dostoiévski de páginas nal manuscrita. Era uma turma boa que editava, anos 1980, com a arte a distância”, aponta Bruscky.
abarrotadas de letras. E, talvez, sabendo do gosto Ivan Maurício, Nagib Jorge Neto, eles deixaram. De fato, o tempo real sempre apareceu como
de Bruscky pelos deslocamentos, questiono sobre Eu tinha um espaço sobre cultura, de conteúdo matéria-prima na obra de Paulo Bruscky, sobre-
um oposto: sim, vivemos numa época em que tudo informativo, mas também falava de filosofia, co- tudo porque ao produzir arte através do fax, tinha-
é digitado, muitos teclados, telas de touch screen, locava uns contos”, lembra. A permissividade de -se o processo de desmaterialização na origem e
gosta de chamar de
Bruscky continua a fazer sua produção a distân- Já no corredor de saída de seu ateliê, observo
cia. Para a Bienal de Arte da Polônia, que acontece em um cartaz disposto junto à porta: “vacina contra o
outubro, em Poznan, vai enviar todo seu material tédio”. E chego a pensar se estar em deslocamento,
pela internet. O homem da arte postal não se refuta
a se adequar ao momento em que trocamos a carta
pelo e-mail. “Dá para fazer e-mail arte também”,
Nova Olinda, pelo à deriva, questionando os meios, os suportes não
seria a própria tentativa de negação do tédio. Algo
me diz que Paulo Bruscky é, ele mesmo, um tipo de
assegura. E como quem não quer colocar um porto
muito seguro para nada — nem mesmo para suas
assertivas — atesta: “apesar de tudo isso, ainda ando
seu ar bucólico antídoto. Veneno antimonotonia, diria o cantor. Mas
aí, sem que eu verbalize essa coisa de “ser contra o
tédio”, Bruscky me diz que comprou aquela casa
com caneta e papel, rabiscando, anotando”. E assim “Sinto que as pessoas têm dificuldade de leitura, o em que está seu ateliê, no bairro da Boa Vista, “que
como leu sobre mineração para descobrir sobre a signo não é para ser algo erudito”, atesta. E ques- eu chamo de Nova Olinda”, porque tem um clima
palavra, Bruscky investigou também a datiloscopia, tiono, lembrando o filósofo tcheco Vilém Flusser meio rural, com casas de porta e janela, parecendo
o processo de identificação humana por meio das no seu livro A escrita, a máxima presente na obra: a Olinda da Cidade Alta, pessoas com cadeiras nas
impressões digitais. “Conheci um perito em datilos- ainda há futuro para a escrita? calçadas, ruas de paralelepípedo. É aquela região
copia”, lembra. Suponho que Paulo Bruscky esteja Não sei se por um lapso do manuscrito ou mesmo nos arredores do Mercado da Boa Vista, perto do
me dizendo que o manuscrito é uma das formas da minha memória, não achei nas minhas anota- Pátio de Santa Cruz. Recanto de silêncio perto do
mais poéticas de identificação do ser humano. E ções a resposta de Bruscky sobre o futuro da escrita. rush do centro da cidade. “Olha o silêncio daqui”,
que, embora estejamos imersos num mundo de Procurei no meu bloco de notas e nada, nenhum me diz Bruscky, “nem parece que estamos na Boa
teclados, é ainda sob a égide do toque — extensão registro. Possivelmente fui traído pela minha ideia Vista”. E mesmo sendo, ele mesmo, um antídoto ao
do dedo e da mão — que vivemos. um tanto quanto ultrapassada de fazer uma entre- tédio, Paulo Bruscky também não parece negar este
Lembro aquele texto de Mikhail Bakhtin que vista longa com o artista sem recorrer ao gravador tédio que há no silêncio. E que, de alguma forma,
ele nos fala: é nas mãos que reside a nossa huma- de áudio. Talvez, imbuído pelo espírito subversor é uma subversão daquilo que passamos a manhã
nidade. Com elas, que gesticulamos, apontamos, de Bruscky, quis questionar a precisão do registro inteira a discutir sobre: a palavra.
pintamos, escrevemos, levamos alimento à boca, jornalístico. Todo esse texto foi escrito a partir de
tocamos com delicadeza. A mão nos humaniza. E anotações do que o artista falou. Ele falou muito, Conheça o livro de poemas de Paulo Bruscky no www.
é a mão que toca o teclado que também escreve. mais rápido que a minha escrita manual poderia suplementopernambuco.com.br
ENSAIO
Não foi só no
JANIO SANTOS
princípio, ainda
que falam sobre a “tríplice tentação”: das concupis-
cências da carne e dos olhos (o desejo libidinoso e os
“movimentos lascivos” que o atormentavam durante
o sono), e da “ambição do mundo” (as tentações do
“louvor”, da “vanglória” e do “amor-próprio”). Neste
hoje é o verbo
capítulo, o teólogo expõe as suas “feridas” e pede a
Deus que tenha compaixão pelas enfermidades da
sua alma; afinal, “não é a vida humana sobre a terra
uma tentação contínua?”.
Mas além dessa “tríplice tentação”, Agostinho
Para Santo Agostinho a declina sobre aquelas tentações que envolvem
os sentidos: a “gula”, a “sedução do perfume”, a
palavra carrega uma força “sedução dos olhos” e o “prazer do ouvido”. Po-
rém, é nestes dois últimos tópicos que Agostinho
linguagem, mas um
Aquino, que tentará harmonizar, não raras vezes empregado “(...) para significar alguma coisa além de
de maneira infeliz, o pensamento platônico e o si mesmo”. Ora, a música, em um caminho inverso
aristotélico. Desse modo, sendo o mais importante a esta tese, não significa nada além de si mesma,
pensador do cristianismo ao longo de sete séculos,
a defesa de Agostinho de que, na música, a oração
deve sobressair mais do que a melodia contribuiu,
fenômeno aquém pois ela é um significante (som, nota musical) sem
significado. Logo, ela não seria um signo? E não sendo
um signo, a música não seria uma linguagem, mas
certamente, para que um século depois da sua
morte, em 430, o papa Gregório Magno oficializasse
determinados cantos da tradição judaica como o
da linguagem? um fenômeno além ou aquém da linguagem? Como
lhe dar um significado? A resposta dada por Agosti-
nho passava por dar ao significante um significado
gênero musical a ser adotado e cantado nas cele- Das sete disciplinas que, na Idade Média, com- e, por extensão, transformá-lo em signo. No caso,
brações da Igreja. Estes cantos, denominados de punham as artes liberais a música ocupava, na hie- submetendo a música à palavra (o Verbo). Assim, a
cantos gregorianos, se caracterizam por ser uma rarquia, o quinto lugar. Observe-se que a arte era, música deixaria de seduzir pelos seus aspectos ex-
música de uma só melodia (monódica), de con- na Idade Média, uma forma de conhecimento que ternos (melodia, ritmo e harmonia) e sedimentaria a
ceito modal, de ritmo livre e não medido. Baseado se aprendia por meios de regras. Assim, arte não sua alma na palavra que louva a Deus. Ao submeter
na acentuação e nas divisões do fraseado, o canto era um conceito restrito à “obra artística”, como o canto aos salmos e versículos, a música excluiria
gregoriano tem um vocal monofônico que pode a entendemos hoje, mas também uma habilidade da sua alma (o referente) as “fábulas mentirosas”,
ou não ser acompanhado pela repetição de uma ou conhecimento técnico adquiridos pelo estudo “falsas”, “torpes” e “indignas”.
voz principal com o organum (a chamada segunda ou pela prática. A música, no caso, como uma arte Se durante séculos a tese agostiniana foi vito-
voz), que segue o cantochão ou canto plano. Sen- reduzida a regras, era constituída pelas artes do canto riosa, a polifonia, que começou a ser praticada por
do assim, esta segunda voz, também chamada de e da poética. Porém, resta uma pergunta: por que volta do século 10, terminou por submeter cada
voz acompanhante, harmoniza a melodia tanto só a música integrava as artes liberais? Tenho duas vez mais a palavra à melodia e, por extensão, foi
no seu início quanto no seu término. Ao longo do hipóteses. Primeira: a música, por sua estrutura minando o canto gregoriano como a forma cristã
seu desenvolvimento, as notas vão pouco a pouco precisa, era, e é, frequentemente comparada com a por excelência. No entanto, a ideia de que, em uma
se separando até atingirem intervalos de quarta, matemática (matéria da aritmética, da geometria e composição, a palavra é mais importante do que a
quinta e oitava paralelas. A partir daí, o canto se- da astronomia). Segunda: a música é o único gênero música tem reflexos até os dias que correm. Afinal,
gue lado a lado na mesma direção até as vozes se artístico que prescinde de um referente. Ou seja, a mutatis mutandis, o rapper não é uma música que
aproximarem no final do cantochão e chegarem música refere-se a si própria. Como estudioso dos calça o seu referente em palavras em detrimento
ao término da música juntas. signos, Agostinho buscava conhecer as coisas (de da própria melodia em si?
RESENHA
mineiros “bem
mora em Minas Gerais há mais de 40 anos. Des-
de a década de 1970, adotou São Paulo como seu
lar, depois de perceber que as oportunidades de
trabalho em sua cidade não eram as melhores.
Na capital paulista ele se estabeleceu como um
praticantes”
dos mais talentosos jornalistas de sua geração,
tendo trabalhado em algumas das maiores reda-
ções do país, como IstoÉ, Veja e Playboy, além de ter
publicado livros elogiadíssimos como O desatino
da rapaziada, O santo sujo – A vida de Jayme Ovalle, O
Humberto Werneck pensa espalhador de passarinhos, O Pai dos burros, Esse inferno
vai acabar, entre outros. Esses mais de quarenta
KARINA FREITAS
edição, em junho,
pela obra. Carlos Drummond de Andrade é uma de Fernando Sabino, e O amanuense Belmiro, de Cyro dos
referência não apenas para as gerações que o co- Anjos, para ficar em apenas dois exemplos — quanto
nheceram quando era um dos maiores poetas do pelo fato de alguns jornalistas e escritores retratados
país, mas até mesmo para a sua própria geração,
que já o tinha em alta conta.
O mesmo acontece se a relação é feita com os
no livro — e também o seu autor — ainda estarem na
ativa e servirem de referência para as novas gerações.
Essa influência pode ser indireta, com jovens — ou
pela Companhia
autores mineiros retratados por Werneck e os mo-
mentos históricos pelos quais eles passam: utili-
zando uma expressão informal, pode-se dizer que
não tão jovens — escritores e jornalistas de diversos
cantos do Brasil tendo alguns mineiros do passado
e do presente como “mestres”, quanto direta, e um
das Letras
os mineiros “estavam em todas”. Até mesmo nas dos maiores exemplos disso reside no auxílio que Além dos fatos históricos importantes, Humberto
intrincadas relações entre imprensa e política, que Fernando Sabino deu à escritora Clarice Lispector. Werneck coloca à baila casos hilariantes que pare-
geraram uma série de episódios, dos quais um dos A história não consta em O desatino da rapaziada, mas cem pequenas cenas de pura ficção, como quan-
mais impressionantes envolve o cronista Rubem ilustra bem essa influência: às voltas com a finaliza- do cita o árbitro de futebol Alcebíades Magalhães
Braga — que, apesar de natural do Espírito Santo e, ção de um novo romance, Clarice envia o original a Dias, posteriormente convidado a escrever sobre
posteriormente, ter adotado o Rio de Janeiro como Sabino, que o devolve repleto de sugestões. Apesar o assunto que lhe cabia na Folha de Minas, nos anos
lar, foi mineiro durante algum tempo. de mais velha que Fernando, Clarice aceita boa parte 1960. Alcebíades era “conhecido como Cidinho
O ocorrido se deu em 1933, quando Braga foi a dos conselhos, inclusive um que afeta o título da Bola Nossa desde o dia em que, no calor de um
Ouro Preto “cobrir uma visita do ministro da Ma- obra.Em vez de A veia no pulso, Clarice escolhe um clássico, atuando como bandeirinha, pôs à mos-
rinha, almirante Protógenes Guimarães” à cidade. dos títulos sugeridos por Sabino: A maçã no escuro. tra sua paixão pelo Clube Atlético Mineiro. ‘Bola
Por ser desafeto de um dos patrões do cronista, A essa altura, não apenas os quatro mineiros do nossa!’, deixou escapar Cidinho, em seguida a um
um assessor da comitiva do ministro, Augusto de apocalipse já haviam abandonado Belo Horizonte. chute que saíra pela lateral do campo”.
Lima Júnior, tentou de tudo para sabotar a cober- Assim como eles, vários outros autores das Minas Essa mistura de História, histórias, casos e “cau-
tura. Porém, de nada adiantou: Rubem Braga “não Gerais deixaram a terra natal e se espalharam em sos” (ou seja: a ficção invadindo a realidade sem
apenas furou o cerco armado pelo assessor como terras cariocas ou paulistas. Alguns voltaram para pedir licença), aliada à prosa exemplar de Hum-
arrancou do ministro uma declaração desastrada”, de lá não mais sair, como Luiz Vilela, Jaime Prado berto Werneck, faz de O desatino da rapaziada uma
e, além disso, “recheou uma reportagem com Gouvêa e Roberto Drummond. Mas Sabino, Otto leitura leve, divertida, além de obra fundamental
detalhes constrangedores para alguns integrantes Lara e Carlos Drummond de Andrade, entre outros, para entender um pouco da cena literária mineira,
da comitiva”. só retornaram a Minas em visitas de ocasião. e mesmo brasileira, de boa parte do século 20.
Primeiro colocado da categoria Infantil Primeiro colocado da categoria Juvenil A cabrinha Cordulina, que sonha
no I Concurso Cepe de Literatura Infantil no I Concurso Cepe de Literatura com o amor de um lindo bode chamado
e Juvenil, realizado em 2010. Conta a Infantil e Juvenil. Inspirado na história Matias, vive uma série de aventuras,
história de um menino comum, igual a real de um menino que viveu nas ruas que incluem voar e tomar banho de
de outros de sua idade, mostrando que do Recife, mostra como uma amizade cachoeira, até que seu sonho se torna
ninguém precisa de superpoderes para pode perdurar, mesmo na adversidade. realidade. Ilustrações do artista plástico
ser feliz. Ilustrações de Igor Colares. Ilustrações de Roberto Ploeg. Luciano Pinheiro.
A obra é uma compilação de breves e Segunda edição da obra Viagem Há meio século, o Padre Daniel produz
bem-humoradas histórias de escritores, ao planeta dos boatos. O leitor uma poesia de qualidade singular,
jornalistas, artistas, poetas, políticos, acompanha o rumor de que a barragem mas que zelosamente subtrai ao olhar
populares e boêmios pernambucanos, de Tapacurá havia estourado a partir do grande público. Agora, os amigos
anteriormente publicadas na coluna do de relatos, incluindo, no caso mais venceram sua resistência em publicar os
autor na revista Algomais. recente, a repercussão do mesmo em versos e juntaram quatro de seus livros
redes sociais. inéditos neste magnífico volume.
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(box com 2 volumes)
CRÔNICA
Siba
KARINA FREITAS SOBRE FOTO DE DIVULGAÇÃO
Pelo telefone
– Alô (com indisfarçável má vontade)... Te disse pra – Pera aí. Vou dar outro número.
não telefonar. Nunca. – Pra ligar?
– Sei disso. Só que... – Anota, engraçadinho: 33-07-66-02.
– “Só que” nada, pô. Vou desligar. – DF?
– Ouve, primeiro. É sobre a loura. – Claro, né? Saigon é que não é.
– Pior ainda. Esse assunto é outro Vietnam, aqui den-
tro. (Curto intervalo)
– Vietnam que vai piorar. Nas próximas horas.
– Cara, cê tá onde? – Alô.
– Que pergunta é essa? Brentwood. Em frente da casa – Pronto. Vai, fala.
da vagabunda, onde montamos a... – O que foi aquilo?
– Não sei de nada. Não sei com quem tô falando, nem – Menor ideia. Isso aqui é vizinho do Oval, pô. Todo
conheço loura nenhuma. mundo grampeia todo mundo...
– Frescura. Ouve, que é melhor. Ela pirou. – Eu sei. Trabalhei aí quase a vida toda, lembra-se?
– Novidade nenhuma. Frank me disse. – Pois é. E a loura? Por que você acha que ela pirou
– O quê? mais ainda?
– Que ela pirou. Aliás, sempre foi pirada... – Hein? A outra linha tava melhor.
– Aquele cantorzinho sabe de merda nenhuma. – Esta é mais segura.
– Você não diz que ela “pirou”? Então, ele sabe. – Fala mais alto.
– Pirou m-e-s-m-o, eu quis dizer. Não é só uma frase. – Uma ova. Tenta escutar mais, tira a cera do...
– Que fase? – Não tô escutando quase nada, agora.
– Frase. Não é só conversa fiada, isso dela pirar. Tô – Merda. Não posso GRITAR.
falando de loucura mesmo... Ela tá lá na casa, deitada, – Agora tô ouvindo.
sem tomar banho... – A loura. Por que ela parou?
– Grande novidade. – Parou de quê?
– Pera aí. E menstruada sem tampão... – Você num disse que ela pirou? Ela parou de ser
– Pô. razoável. Com o Jack.
– Isso num é nada. Espera pra ouvir o resto. – É pior do que pensam. A gente gravou ela dizendo
– Devia tá dopadinha, quetinha, isso sim. A gente paga que vai falar. Tudo.
a porra de um médico... – Tudo o quê?
– A mulher ficou fora de controle, Bob. Agora, ela ficou. – Tudo.
– Como assim? Conheço a doida bem demais. – ...
– Conhece nada... – Alô?
– Sobre o quê?
(Silêncio, logo depois que surgem uns ruídos de telefonia) – Sobre a ligação com vocês.
– Pera aí... Que ligação?
– Que é isso? Tá escutando?... – Dela. Contigo e com teu irmão.
– Sei lá. Te disse pra não ligar. – Com o Presidente?
– Desligo? – É. Com o Procurador e com o Chefão.
KARINA FREITAS
– Não tem “chefão” aqui. – Mas assim mesmo ela não quer mais merreca de – Manda não. Tu tem razão. Agora, tem é que parar
– Tem. grana, santo deus. Entende isso, cara. Nem tudo é essa desgraçada.
– Você tá falando do Presidente dos Estados Unidos, dinheiro. – Bom, isso aí já é falar como homem. Nembutal?
idiota. – Ô “São Franciscuzinho”, desembucha de uma vez. (Silêncio, por um momento)
– Teu irmão sempre armou. É doente pela coisa. O que é que a porra da mulher tá querendo? – Bob? Alô?...
– Cala a boca. – O que ela quer? Ela quer ferrar. – Tô aqui.
– Vi Jack de cueiro. Você nem era nascido ainda. Vão – Alô? – Nembutal?
pra merda, os dois. – FERRAR. Ela quer isso! Chamar todo mundo, dizer: – É. Nembutal. Mas, SL. Serviço limpo.
– ... “sabe quem me come? Eles, os dois...” – Autópsia, tudo garantido?
– Alô. – Isso é loucura. Fica calmo. – Cem por cento. Altamente profissonal, nem preciso
– Escuta. Tás falando o que não dev... – Foda-se. Tô calmíssimo. E vendo ela aqui, na minha dizer.
– Entende, Procurador, vou soletrar: num-dá-mais- frente, pelo monitor. Tá possuída, a doida... – Sim, mas olha que é a MM, hein? Num é uma qual-
-tempo. Só isso. – Desliga... quer, como aquelas que...
– Pra quê? – Desliga o quê? Meu monitor? – Escuta, eu vou desligar. Tá ficando perigoso. E Jack
– Cê num tava querendo “conversar” com ela de novo? – O telefone! VOCÊ tá gritando, cacete. chegou lá no Salão. Acendeu a luzinha aqui.
Não dá mais. – É ela que vai gritar. Pra todo mundo ouvir. Jornal, – E o irmãozinho vai falar claro com ele?
– Claro que dá. Nem que tenha que bater na suja. rádio, TV, o escambau... – Vou. Mas ele mesmo já tinha pensado em se livrar
– Já falei: ela pirou. MM pirou. Diz até que abortou. – ... agora, bem antes da campanha.
– Como é?! – Vai gritar que quer casar com o Jack Grandão. – Ok. E eu fico esperando autorizar “despirar” a loura
– Tô falando: ela pirou. – ... forever?
– Para de falar “ela pirou”. Que negócio é esse de – “Happy birthday Mr. President”... (canta em falsete, – Fica. Mas isso não vai ser pelo telefone.
aborto? irônico) Um click, desligando.
– Ela está disposta a jogar merda toda no ventilador, – ...
Robert. Sério. E basta ela fazer uns telefonemas, con- – Parece até que eu posso ver o casalzinho, e Bob, o NB:
vocar os putos da imprensa... mister Procurador... de padrinho. A atriz Marilyn Monroe, de 36 anos, foi encontrada morta em
– Pô. A merda cobre. – CALA A B-O-C-A. menos de 24 horas depois dessa conversa por mim transcrita
– Então. E enche o Oval (e o país inteiro): de sujeira, – Eu to avisando: essa mulher é pior que um ataque na manhã de 10 de agosto de 1962.
de esperma, de droga, de Sam Giancana... de míssel russo. Os jornais informaram mais ou menos assim: “MM faleceu
– Esse tá ferrado, o sacana. – Deixa eu falar com o Jack. enquanto dormia em sua casa de Brentwood, na Califórnia, apa-
– Tá nada. O Sam tá é muito puto com vocês dois... – Agora? rentemente por efeito de um dose letal de barbitúricos ingeridos pela
– Me respeita, cara. E respeita o Presidente. – Agora. Ele tá vindo pro Oval. E já tá encarando... atriz com a intenção de acabar com a própria vida...”
– Cacete que eu respeito. Dois fudedores comendo – O quê? E hoje está até na geleia geral da Wikipédia: “Ninguém sabe
todo mundo... – A solução. de fato o que aconteceu naquela noite. Ouviu-se o barulho de um
– Cala essa boca. – Final? helicóptero. Uma ambulância foi vista esperando fora da casa
– VOCÊ me escuta, garoto. Os dois armam, e sobra – Hum-hum. dela antes que a empregada desse o alarme. As gravações de seus
pra quem? Pra mim. Pro “tio” velho. – Aquela? telefonemas e outras evidências desapareceram. O relatório da
– O que é que ela quer? Dinheiro? – Você próprio acaba de dizer que ela agora ficou doida autópsia foi perdido. Toda a documentação do FBI sobre sua morte
– Ela tem. pra ferrar todo mundo. foi suprimida e os amigos de Marilyn que tentaram investigar o
– Uma merreca. – Tá gravado aqui. Posso mandar a fita. que aconteceu receberam ameaças de morte”.
RESENHAS
KARINA FREITAS
coração: o Destino
de santo plantonista num e tememos com igual o que ficou combinado comunicação eficiente.
mercado público do centro. intensidade chamada como certo para homens Talvez saibamos disso
Por R$ 20 e 20 minutos, Destino (com maiúscula). e mulheres, seja lá de desde o princípio dos
POESIA
Mariza Recife entra no circuito internacional de grandes
Pontes festivais poéticos com evento no próximo mês
O Recife dá o primeiro passo na Nomes importantes já estão
direção do circuito internacional confirmados, como Aurelia
dos grandes festivais poéticos Lassaque, da França, que
— como acontece em Havana, escreve em occitano, a língua
Medellin e Granada —, dos trovadores medievais;
promovendo, de 7 a 10 de junho, Ricardo Domeneck (foto); Ron
o I Festival Internacional de Whitehead, poeta performático
Poesia do Recife, com recitais, da storm generation, que sucedeu
REPRODUÇÃO DIVULGAÇÃO
PRATELEIRA
RETRATOS ANTIGOS
(ESBOÇOS A SEREM AMPLIADOS)
Autobiografia que detalha a vida da família
Lispector. Descreve pessoas e costumes, rituais
religiosos e pratos típicos servidos nas datas
especiais, em tempos de fartura na Ucrânia, a fuga,
devido à perseguição aos judeus, e a adaptação ao
Brasil, onde passaram dias de miséria. O talento
de Elisa Lispector, irmã mais velha de Clarice, é
reafirmado nesse livro de memórias, que só foi
descoberto após sua morte, em 1989.
Autora::Elisa Lispector
Editora: UFMG
Páginas: 144
Preço: R$ 85,00
Uma “mártir” revelada Ocupe-se nas ruas fantasia, autobiografia e literatura, o ex-aluno
de ciências biológicas na Universidade Federal
São Carlos, escritor Lincoln Amaral, descreve
O suicídio de Sylvia Plath figura de Sylvia, através O movimento Occupy,que a Boitempo a vida no campus, no período de 1981 a 1985,
colocou em primeiro das entrevistas, leitura #ocupeEstelita, ocorrido Editorial acaba de lançar. quando os estudantes estavam tomados pela
plano a imagem de uma de diários e biografias no Recife, mês passado, Há escritos de nomes efervescência do ideal do combate à ditadura
mártir para o feminismo sensacionalistas. Ano causou uma série de comoTarik Ali, David militar, e para isso empregavam como armas
e escanteou a força de passado a Companhia polêmicas nas redes Harvey e Slavoj Zizek, que a participação política e a expressão artística.
uma das obras poéticas das Letras trouxe de sociais. Houve quem sempre agudo e certeiro
mais impactantes do volta às livrarias O reclamasse até do nos pontua: “o tabu foi
século passado. Sylvia jornalista e o assassino,obra- direito de pessoas de rompido, não vivemos no
será sempre lembrada prima da autora que classe média ocuparem melhor mundo possível,
como a vítima de um descortina a tensa (e as ruas para reclamar, temos a permissão, a
marido desatento e infiel, sempre ambígua) relação como se a condição obrigação até, de pensar
o também poeta Ted entre um repórter e econômica de alguém em alternativas”. (S.C.)
Hughes,que igualmente sua fonte. (S.C.) fosse determinante Autor: Lincoln Amaral
teve sua importância para a legitimação Editora: UFSCar
como escritor ofuscada da sua cidadania. O Páginas: 367
pelo impacto da #ocupeEstelita foi uma Preço: R$ 31,20
tragédia. Que ficção versão tardia dos
pode concorrer com a recifenses para as MRS. DALLOWAY
vida como ela é (ou não ocupações ocorridas Nova tradução de um dos livros mais
deveria ser)? A jornalista em locais públicos em importantes de Virgínia Woolf, escrito em 1925,
norte-americana Janet boa parte do mundo que rompe com as convenções do romance
Malcolm (foto) buscou durante 2011. Foram tradicional e estabelece as bases de uma nova
investigar o estardalhaço ocupadas lugares estética ficcional, que posteriormente seria
que cercou a morte simbólicos como o definida como modernismo literário. O tradutor
da poeta em A mulher coração econômico introduz notas sobre a vida e obra da autora e
calada, relançado agora do mundo, a Wall um índice onomástico sobre ruas, monumentos
no Brasil em edição de Street. É claro que e personalidades que aparecem no romance.
bolso. Como é um traço tamanha mobilização ENSAIO
da sua obra, Janet não se REPORTAGEM popular não escapou
restringe a um só gênero do olhar agudo dos Occupy — Movimentos de protestos
no seu texto: mescla A mulher calada intelectuais. Uma que tomaram as ruas
psicanálise, reportagem Autora - Janet Malcolm seleção de textos sobre Autores - Vários
e arroubos literários Editora - Companhia das Letras essa movimentação, Editora - Boitempo e Carta Maior
para investigar nosso Preço - R$ 23,00 escritos no calor da Preço - 10,00 Autora: Virginia Woolf
fascínio em relação à Páginas - 240 hora, é o que traz Páginas - 88 Editora: Autêntica
Páginas: 272
Preço: R$ 95,00
Bernardo Carvalho
Daniel Galera
Alberto Mussa
Michel Laub
Ana Maria Machado
Antonio Carlos Viana
Rubens Figueiredo
Santiago Nazarian
Eric Nepomuceno
Salim Miguel
Luís Henrique Pellanda
Carlos de Brito e Mello
Elvira Vigna
Leonardo Brasiliense
Carola Saavedra
Marcelino Freire
Ronaldo Wrobel
Salim Miguel
Micheliny Verunschk
Raimundo de Moraes
Ficcionais
Marcelo Ferroni
Andrea del Fuego
Ana Paula Maia
Julian Fúks
Sidney Rocha
Antonio Xerxenesky
Eliane Brum
Eucanaã Ferraz
Luiz Ruffato
Ronaldo Correia de Brito
Ricardo Lísias
Tatiana Salem Levy