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Texto – S.

Juan Diego Cuauhtlatoatzin e Nossa Senhora de Guadalupe

Texto para janela: “No estoy aquí yo que soy tu madre?” (N. Sra. de Guadalupe, ao
índio S. Juan Diego)

O Papa Bento XIV, ao contemplar em 1754 uma reprodução fiel da imagem de N. Sra.
de Guadalupe pintada por Miguel Cabrera, ecoou o salmista exclamando “Non fecit taliter
omni nationi”: “Não foi a todos os povos que Deus tratou de tal maneira” (Ps147,20). E, com
efeito, basta tomarmos contato com a história da aparição da Padroeira das Américas (não só
da Latina, já que em seu manto se dispõem as estrelas exatamente como estavam as
constelações no céu de ambas as Américas, no dia do milagre) para comovermo-nos com a
especial vocação e predileção que a Providência nos reservou.
A primeira aparição aconteceu quando, no sábado dia 9 de dezembro de 1531, o índio
convertido e batizado S. Juan Diego Cuauhtlatoatzin caminhava pela serra até a Santa Missa,
na Cidade do México. Apenas após ter sido assaltado por uma como que visão de paraíso, e
aturdido por um coro maravilhoso, já sem saber se morrera ou se vivia ainda, Juan Diego viu
Maria Santíssima. Assim também nós, embora hoje a não possamos ainda contemplar face a
face, podemos porém desde já ouvir-lhe o canto e a mensagem.
A Virgem, embora tivesse a aparência de uma moça de 12 ou 13 anos e falasse a um
quase sexagenário (Juan Diego contava então 57 anos), saudou-o como “meu filho menor,
Joãozinho” (“hijito mío, Juanito”) – assim nos ensinando que é mãe de todos nós, jovens e
anciãos, aborígenes ou ádvenas.
E logo apresentou-se a S. Juan Diego como “a perfeita sempre virgem e santa Maria,
mãe do verdadeiro Deus”, e manifestou seu desejo que ali se lhe erguesse um templo, uma
“casinha sagrada”, onde pudesse dar aos povos “todo o meu amor pessoal e o meu olhar
compassivo, o meu auxílio e a minha salvação, porque eu verdadeiramente sou vossa mãe
compassiva”. Esse mesmo “olhar compassivo” é o que quase cinco séculos depois deixaria os
cientistas estarrecidos com o milagroso reflexo observável em sua retina.
Encarregado, então, de transmitir a requisição ao bispo local, Juan Diego não
conseguiu convencer o prelado de que verdadeiramente vira a Virgem, e foi logo dispensado.
Ainda no mesmo dia 9, o índio voltou a ver N. Sra., pedindo-lhe encontrasse para falar ao
bispo alguém mais humanamente gabaritado do que si, um mero “burro de carga”.
Maria respondeu-lhe que “não são poucos os meus servidores, a quem eu encarreguei
de levar meu alento e que fazem minha vontade. Mas para esta tarefa eu escolhi a ti. Voltarás
ao bispo amanhã”. O mesmo mistério da eleição (cf. Jo15,16) pela qual Nosso Senhor
escolheu como apóstolos homens incultos e brutos como Pedro ou pecadores públicos como
Mateus se manifesta também em Guadalupe – nós talvez escolhêssemos um erudito, um
eloquente ou um ilustre para transmitir a mensagem de N. Sra. ao prelado, mas ela própria se
serviu de um índio e (aos olhos do mundo) ignorante.
Sucede que, apesar da insistência, o bispo continuou sem acreditar em Juan Diego,
quando de seu encontro no subsequente domingo, 10 de dezembro, e condicionou o
atendimento do suposto pedido à apresentação de um milagre. Essa reticência, contudo, longe
de ser censurável incredulidade, manifesta antes louvável prudência: qualquer católico
virtuoso deve ter por instinto inicial a cautela, ao ouvir falar de aparições ou milagres. Quem
acredita em qualquer coisa que ouve não é alguém com fé: é, antes, um tolo. Cremos na
Revelação porque Deus no-la revelou, fazendo-lhe preceder inúmeros sinais e profecias, e
vindo em pessoa anunciá-la. Todas as ulteriores revelações privadas, por outro lado, só são
dignas de crédito quando, não se opondo em nada à Fé já revelada, são também corroboradas
por fortes argumentos humanos (v.g. Lourdes ou Fátima).
N. Sra. mandou, então, a Juan Diego que voltasse ao mesmo lugar das aparições na
segunda-feira, 11 de dezembro, para receber o requisitado milagre. Acontece que neste dia
agravou-se a enfermidade do tio de S. Juan Diego, e não havia outra pessoa que se então
ocupasse dele. O dever da caridade se impôs: o santo não compareceu ao encontro marcado
com a Virgem, pois precisava cuidar do desvalido e do doente, imagem do Cristo desalentado.
Na terça-feira dia 12 de dezembro, enfim, o estado do tio tornou-se severo, e Juan
Diego percebeu que a morte estava próxima – e que portanto urgia providenciar-lhe um
sacerdote que lhe ouvisse a Confissão e desse a Extrema-Unção. Dirigiu-se, portanto, à
Cidade do México, deliberadamente evitando o caminho por onde sabia o esperava N. Sra. –
pois “pensava que assim o não poderia ver aquele que vê perfeitamente em todos os lugares
para onde olha”, como narra o cronista. Notemos bem: Juan Diego é um santo canonizado, e
esta atitude mostra o quão Católico era seu coração. Se um fiel está na iminência da morte
(in articulo mortis, como se dizia), um bom fiel terá mais urgência em providenciar-lhe
um Padre que em atender a uma aparição da Virgem Santíssima. Daí se explica aquele
salutar costume – antigo, mas nem por isso já hoje desaconselhável – de carregar junto aos
documentos pessoais uma “carteira católica”, com os dizeres “Sou Católico; em caso de
acidente ou doença desejo um Padre”.
A Virgem, porém, interpela-o também nesta rota alternativa – e longe de reprovar-lhe
o proceder, garante-lhe que seu tio não morrerá naquela ocasião, com palavras de mãe, que
dirige também a nós: “Escuta, coloca em teu coração, meu filho – o menor de todos! –, que
não é nada isto que te assusta. O que te aflige? Não se perturbe teu rosto nem teu coração.
Não temas esta enfermidade nem nenhuma outra, nem nada que possa te ferir ou afligir. Não
estou aqui eu que sou tua mãe? (No estoy aquí yo que soy tu madre?) Não estás debaixo da
minha sombra e do meu olhar? Não sou eu a fonte de tua alegria? Não estás debaixo do meu
manto e nos meus braços, no meu colo? Tens por acaso necessidade de outra coisa? Que
nenhuma outra coisa te aflija e te perturbe. Não fiques angustiado e sofrendo com a
enfermidade de teu tio, porque dela ele não morrerá agora. Tem por certo que ele está
curado.”
Manda, então, que o índio vá até o topo da serra, onde haviam acertado, para lá obter o
milagre solicitado pelo bispo. Onde chegando, encontra Juan Diego, em local sem nenhuma
vegetação e coberta da geada de dezembro, exuberantes rosas de Castilla, que colhe e traz
envoltas em seu manto aonde a Virgem o esperava.
Tendo-as ela abençoado, dirige-se Juan Diego ao bispo, sentindo durante o caminho o
doce aroma das rosas de N. Sra. E são justamente estas rosas que servem-lhe de argumento
para ganhar acesso ao prelado, em meio a tantas pessoas que aguardavam para falar-lhe. Com
efeito, cada vez que um funcionário do bispo tentava pegar uma das rosas, ela desaparecia-lhe
nas mãos e sua imagem impregnava-se no manto (tilma) do índio.
Admitido enfim Juan Diego à presença do bispo, narra-lhe todos os últimos episódios
antes de mostrar-lhe o milagre, para que fosse ouvida toda a mensagem da Virgem. Enfim, ao
abrir-lhe a tilma, a imagem de Maria Santíssima milagrosamente se afixa no manto, diante de
seus olhos – com uma técnica tal ainda hoje desconhecida dos cientistas, que não puderam
identificar o material usado em sua feitura. O bispo, de joelhos por terra, chora e pede perdão
por não ter acreditado, prometendo erigir o templo solicitado.
Nossa Senhora de Guadalupe, sendo padroeira das Américas, é também padroeira do
Brasil – e de um modo todo especial, pois o céu que figura em seu lado esquerdo (o lado do
coração) é o brasileiro. Deus, de fato, não mostrou tanta predileção a todos os povos – e este
especial afeto corresponde também uma vocação particular: que guardemos, nesta Terra de
Santa Cruz, a integridade da fé apostólica, revelada por Cristo e custodiada por Pedro e seus
condiscípulos. Roguemos, então, a esta doce mãe de olhar compassivo: Salve, Rainha, Mãe, e
Doçura nossa; este vossos olhos misericordiosos a nós volvei!
Gil Pierre de Toledo Herck

Referências
 “As aparições de Nossa Senhora de Guadalupe”, homilia de 12/12/2017,
durante Missa matutina na Paróquia Cristo Rei, de Várzea Grande (MT),
publicada nas “Pregações Seletas” do site do Pe. Paulo Ricardo de Azevedo
Júnior;
 Homilia Diária n. 1.028, “Festa de Nossa Senhora de Guadalupe”, de
12/12/2018, do site do Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior.

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