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Aldir Blanc: conheça a história de 'O bêbado e a equilibrista', ... https://oglobo.globo.com/cultura/aldir-blanc-conheca-historia...

CULTURA

Aldir Blanc: conheça a história


de 'O bêbado e a equilibrista',
hino da anistia e um clássico da
música brasileira
Feito com João Bosco e gravado por Elis Regina, o samba foi a trilha para 'a volta
do irmão do Henfil' e de outros exilados pela ditadura militar

Silvio Essinger
04/05/2020 - 08:50 / Atualizado em 04/05/2020 - 15:45

Os composoitores João Bosco e Aldir Blanc, em 1982 Foto: Luiz A. Barros / Agência O Globo

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RIO - Em 25 de dezembro de 1977, morria na Suíça o genial comediante e


cineasta inglês Charles Chaplin. No Brasil, o cantor, violonista e
compositor João Bosco sentiu a necessidade de homenagear o artista e,
entre o Natal e o Ano Novo, começou a rascunhar um samba que remetia
ao personagem mais famoso de Chaplin, o vagabundo Carlitos. E aí
resolveu chamar o seu parceiro de fé, Aldir Blanc, que morreu nesta
segunda-feira, vítima de complicações da Covid-19, para pôr letra na sua
criação.

Só que nas mãos de Aldir, o samba acabou tomando outros rumos, vindo
a se tornar “O bêbado e a equilibrista”, um clássico da música popular
brasileira e hino informal da Lei da Anistia — a que seria responsável por
trazer de volta ao país, em1979, alguns dos brasileiros exilados pela
ditadura militar.

Legado:'Era um imortal, sabia de tudo do vagabundo e do professor', diz


Moacyr Luz; leia repercussão da morte

“O João me chamou na casa dele e disse que havia feito um samba, cuja
harmonia tinha passagens melódicas parecidas com ‘Smile’ [tema do
filme 'Tempos modernos'], propositalmente construídas para que
homenageássemos o cineasta”, contou Aldir anos mais tarde, em
depoimento à Associação Brasileira de Imprensa (ABI). "Só que,
casualmente, encontrei o [cartunista] Henfil e o [violonista e
compositor] Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio.
Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri que criássemos um
personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos
exilados. Não era a ideia original, mas ele não criou caso e disse:'Manda
bala, o problema é seu.'"

Aldir Blanc morreu nesta segunda-feira, 4 de maio, aos 73 anos. Com infecção generalizada em decorrência do
novo coronavírus, Aldir estava internado no CTI do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, desde o dia
20 de abril. Moradores de um bairro da zona sul do Rio homenagearam Aldir. Uma salva de palmas feita pela janela
foi registrada e publicada nas redes sociais.

Aldir Blanc e João Bosco:Clássicos da MPB e separação histórica


marcaram parceria

"Caía a tarde feito um viaduto / e um bêbado trajando luto / me lembrou


Carlitos", assim começa "O bêbado e a equilibrista", com sua letra que
empilha referências a eventos e personalidades marcantes do período de
exceção no Brasil. Nos versos "choram Marias e Clarisses", por exemplo,
Aldir Blanc cita as viúvas Maria, mulher do operário Manuel Fiel, e
Clarisse Herzog, esposa do jornalista Vladimir Herzog, brasileiros
assassinados nos porões do DOI-CODI (órgão de inteligência e repressão
do governo militar, subordinado ao Exército) por fazerem parte da
oposição política à ditadura. Já a tarde que caía "feito um viaduto" fazia
menção à queda, em 1971, do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro
(a obra, concluída dois anos antes, ruiu subitamente, soterrando 48
pessoas e matando 29).

O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em 1996, em visita ao barracão da Escola de Samba Império Serrano
Foto: Marizilda Cruppe / Agência O Globo

A entrevista:Aos 70 anos, Aldir Blanc respondeu perguntas de Elza


Soares, Bethânia e outros artistas e amigos

Mas o trecho mais lembrado de "O bêbado e a equilibrista" é justamente o


do "Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil", referência ao
sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, que esteve exilado desde
1971, tendo passado pelo Chile (onde foi assessor do presidente Salvador
Allende, deposto e assassinado em 1973, no golpe militar do general
Augusto Pinochet), Canadá e México.

VEJA FOTOS DO COMPOSITOR ALDIR BLANC

O compositor e escritor Aldir Blanc fotografado em 2016, ano em que completou 70 anos. Autor de clássicos da Blanc ao lado do jornalista Ruy Castro (centro) e do compositor Carlinhos Lyra, em 2010 Foto: Leo Aversa / Agência O compositor Aldir Blanc em 2006, ao completar 60 anos Foto: Berg Silva / Agência O Globo Aldir Blanc e João Bosco se paresentam dur
música popular brasileira e escritor morreu nesta segunda-feira, aos 73 anos, vítima do novo coronavírus Foto: Leo O Globo do Rio, em 2004 Foto: Marco Antônio Teixeir
Martins / Agência O Globo

Quando o samba ficou pronto, João Bosco e Aldir Blanc o enviaram para
a cantora que melhores interpretações e mais visibilidade vinha dando a
suas composições: Elis Regina, estrela suprema da MPB. A mesma
artista que, em 1972, havia sido "enterrada" por Henfil, em uma charge
para o jornal "O Pasquim", no chamado Cemitério dos Mortos-Vivos,
devido à participação na Olimpíada do Exército (ela havia recebido
ameaças do Exército por comentários depreciativos feitos em entrevistas
dadas na Europa e, por temer pelo filho pequeno, achou melhor atender
ao convite para a apresentação).

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Aldir Blanc: conheça a história de 'O bêbado e a equilibrista', ... https://oglobo.globo.com/cultura/aldir-blanc-conheca-historia...

A cantora Elis Regina no Festival de Montreux, em 1979 Foto: Divulgação

O frasista Aldir Blanc: 'Sou rigorosamente ateu, cético, cínico e


escroto, nessa ordem'

Já reconciliada com Henfil, Elis mostrou "O bêbado e a equilibrista" ao


cartunista, que percebeu naquele samba um importante aliado na luta
pela abertura política diante de uma ditadura então enfraquecida: "Agora
temos um hino, e quem tem um hino faz uma revolução!", disse Henfil a
Betinho, por telefone, tentando convencê-lo a voltar ao Brasil. A música
foi lançada pela cantora em “Essa mulher”, seu LP de 1979, e foi tocada,
em diversos gravadores, pelas pessoas que foram receber os exilados
(Betinho, entre eles) no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no mês
de setembro.

O detalhe curioso sobre "O bêbado e a equilibrista" é que, quando


escreveu sobre "a volta do irmão do Henfil", Aldir Blanc de fato não sabia
o seu nome. E passou-se um bom tempo até que os ele viesse a conhecer
pessoalmente o sociólogo, que se depois da volta ao Brasil se tornaria um
importante ativista pelos direitos humanos, vindo a criar o Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e, mais tarde, a Ação
da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

"Nós tivemos um encontro que só pode ser chamado de cômico", contou


Aldir Blanc em depoimento ao Ibase, em 2017, nos 20 anos da morte do
Betinho (ele sucumbiu a complicações da Aids, que antes dele levou os
seus irmãos igualmente hemofílicos Henfil e Chico Mário). "Eu esperava
encontrar um sociólogo, um sei lá o quê e tal, e vi um sujeito irônico,
gozador, embora com os olhos marejados de lágrimas. Nosso primeiro
encontro foi na porta do banheiro do Canecão. Nos abraçamos e a frase
dele foi: 'Eu não ia voltar, eu tinha me planejado todo para não voltar,
mas ouvi a sua letra para a música do João e resolvi voltar, seu filho da
puta!'"

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