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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS DO SERTÃO
LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

VANESSA MONTENEGRO DA SILVA

A CONDIÇÃO FEMININA NAS COMUNIDADES CIGANAS CALON DAS


CIDADES DE SÁTIRO DIAS-BA E DELMIRO GOUVEIA-AL: UMA ANÁLISE
HISTÓRICA.

DELMIRO GOUVEIA - AL
2019
VANESSA MONTENEGRO DA SILVA

A CONDIÇÃO FEMININA NAS COMUNIDADES CIGANAS CALON DAS


CIDADES DE SÁTIRO DIAS-BA E DELMIRO GOUVEIA-AL: UMA ANÁLISE
HISTÓRICA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de História, da Universidade Federal de
Alagoas – Campus do Sertão, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Licenciado(a) em História.

Orientadora: Prof.ª Ms. Sergiana Vieira dos Santos.

DELMIRO GOUVEIA – AL
2019
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca do Campus Sertão
Sede Delmiro Gouveia
Bibliotecária responsável: Renata Oliveira de Souza CRB-4/2209

S586c Silva, Vanessa Montenegro da

A condição feminina nas comunidades ciganas calon das cidades


de Sátiro Dias – BA e Delmiro Gouveia – AL: uma análise histórica
/ Vanessa Montenegro da Silva. - 2019.
79 f. : il.

Orientação: Profa. Ma. Sergiana Vieira dos Santos.


Monografia (Licenciatura em História) – Universidade Federal de
Alagoas. Curso de História. Delmiro Gouveia, 2019.

1. História – Brasil. 2. Casta Calon. 3. História cigana. 4. Cultura


cigana. 5. Mulher cigana. 6. Gênero. I. Santos, Sergiana Vieira
dos. II. Universidade Federal de Alagoas. III. Título.

CDU: 981:39(=214.58)
Dedico a todo povo cigano pela sua brilhante história de luta e
sobrevivência, em especial a minha mãe Gildobene Montenegro da
Silva, que apesar de nunca ter tido a oportunidade de estudar não
mediu esforços para me manter na luta por uma formação digna. Todo
amor e confiança depositados na minha pessoa serviram como
incentivo para me manter firme na caminhada e nunca deixar de
acreditar no meu potencial. A minha tia Ana Lúcia Montenegro da
Silva, que sempre contribuiu de forma muito importante desde o início
da minha graduação.
AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa é o resultado de um intensivo trabalho e fruto de muita colaboração.


Sem a contribuição das entrevistadas não conseguiria desenvolver esta análise. Desta forma,
inicio agradecendo a minha orientadora Professora Ms. Sergiana Vieira que trabalhou em
parceria, organizando as ideias, guiando meus passos para uma pesquisa muito gratificante a
qual me fez amadurecer ainda mais como pessoa no meio acadêmico.
Agradeço as ciganas entrevistadas, das duas comunidades, que concordaram em me
ceder à entrevista, e que me acolheram com tanto carinho, desde o primeiro momento que
entrei em contato até minha partida da comunidade. Sem a colaboração de vocês seria
impossível concluir este trabalho. O meu sincero agradecimento a todas.
Agradeço a todos os meus mestres da Universidade Federal de Alagoas, por terem
repassado seus conhecimentos teóricos me tornando uma profissional capacitada para a vida
acadêmica. Sem dúvida, aprendi com os melhores. Agradeço a minha família pela educação e
por todos os ensinamentos, os quais me fizeram sempre seguir em frente e nunca deixar me
abater, em especial a minha mãe, que ininterruptamente me incentivou a estudar e nunca
desistir dos meus objetivos. Se eu tivesse de escolher uma família para nascer e pertencer eu
escolheria mil vezes a minha, com todos os defeitos que ela tem, obrigada família por todos
os ensinamentos.
E por fim, agradeço a Deus por todas as bênçãos e todas as conquistas proporcionadas
a mim. Hoje, graduada em História, a primeira cigana da minha comunidade formada em uma
Universidade, só tenho a agradecer a Deus. Sem fé, sem Deus nada seria possível.
―A terra é meu lar, o céu é meu teto e a liberdade
é a minha religião‖.

Provérbio cigano
RESUMO

Neste trabalho, temos como foco principal mostrar a realidade das mulheres ciganas da casta
Calon das comunidades de Sátiro Dias-BA e Delmiro Gouveia-AL. A pesquisa, dessa forma,
apresenta o processo cultural de uma comunidade esquecida, incompreendida e tão pouco
estudada. Utilizamos como metodologia da pesquisa um estudo de caso de cunho qualitativo.
Escolhemos esse tema porque os costumes das comunidades ciganas são muito discriminados
e difíceis de serem compreendidos pela sociedade, devido às tantas regras, as quais as ciganas
devem seguir a risca por causa de toda uma tradição. A estruturação deste trabalho partiu das
seguintes especificidades: compreender a maneira como são repassadas os costumes e os
mandamentos tradicionais milenares das comunidades ciganas, considerar as fases dos
ensinamentos desde o nascimento à fase adulta nas comunidades, passando pelo casamento e
revelar a maneira como as jovens ciganas recebem as informações de limitações de
comportamento definidas pelas leis ciganas. Essa pesquisa é apenas uma amostra de duas das
muitas comunidades ciganas existentes no Brasil. A comunidade que estudamos pertence à
casta Calon, as famílias residem nas cidades de Sátiro Dias-BA e Delmiro Gouveia-AL, com
um número aproximadamente de mais ou menos umas 12 famílias cada comunidade.

Palavras-chave: Cultura Cigana; Tradição Milenar; Condição Feminina; História.


ABSTRACT

In this paper, our main focus is to show the reality of gypsie women from the Calon caste of
the communities of Sátiro Dias-BA and Delmiro Gouveia-AL. The research thus presents the
cultural process of a forgotten community, misunderstood and so little studied. We used as a
research methodology a case study of qualitative nature. We chose this theme because the
customs of gypsy communities are very discriminated and difficult to understand by society,
due to so many rules, which gypsies must follow strictly because of a whole tradition. The
structure of this work was based on the following specificities: understanding the way the
ancient millenary customs and commandments of roma communities are passed on,
considering the stages of teaching from birth to adulthood in the communities, through
marriage and revealing the way young women Roma receive information on behavioral
limitations defined by gypsie laws. This research is just a sample of two of the many gypsy
communities in Brazil. The community we study belongs to the Calon caste the families live
in the cities of Sátiro Dias-BA and Delmiro Gouveia-AL, with a number of about 12 families
each community.

Key words: Gypsy Culture; Millennial Tradition; Female condition; History.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

IMAGEM 1: Bandeira cigana.................................................................................................26


IMAGEM 2: Baú utilizado para guardar os lençóis................................................................30
IMAGEM 3: Leitura da sorte nas cartas do baralho cigano....................................................33
IMAGEM 4: Vestes tradicionais ciganas................................................................................41
IMAGEM 5: Cerimônia de casamento....................................................................................60
IMAGEM 6: Vestes de casamento dos noivos........................................................................64
IMAGEM 7: Vestes tradicionais ciganas................................................................................77
IMAGEM 8: Primeiras adaptações das vestes ciganas...........................................................77
IMAGEM 9: Transição para adaptação das vestes tradicionais ciganas.................................78
IMAGEM 10: Casamento da matriarca da comunidade de Delmiro Gouveia-AL.................78
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................11
2 A ORIGEM DO POVO CIGANO....................................................................................14
2.1 A Imigração do Povo Cigano para o Brasil ......................................................................18
2.2 A Bandeira Cigana e Seus Signgificados..........................................................................25
2.3 A Objetividade Da Pesquisa Versus A Subjetividade Da Pesquisadora: Minhas
Memórias.................................................................................................................................26
2.3.1 O povo cigano e suas leis...............................................................................................26
2.3.2 A vestimenta, o vestido da cigana..................................................................................27
2.3.3 O que é e de onde vieram os ciganos.............................................................................27
2.3.4 Os povos ciganos andam sempre em grupos..................................................................28
2.3.5 O casamento arranjado, pelos pais.................................................................................28
2.3.6 A educação das filhas é responsabilidade da mãe..........................................................28
2.3.7 A criança só tem interesse em estudar até aprender a ler e escrever..............................29
2.3.8 Os ciganos tem mania de dobrar e guardar os lençóis todos os dias, devido os muitos
anos de nomadismo................................................................................................................29
2.3.9 Os ciganos não podem ensinar sua lingua......................................................................29
2.3.10 Os povo cigano é predominantemente católico e respeita os dias santos.....................30
2.3.11 A casa de um cigano tem que ter quintal......................................................................30
2.3.12 As pessoas mais velhas são muito respeitadas pelo povo cigano.................................30
2.3.13 A mulher cigana não sai sozinha para ir á rua..............................................................31
2.3.14 Os ciganos gostam muito de ouro. é uma tradição usar dentes de ouro.......................31
2.3.15 Quando um casal é prometido, estes não podem conversar sozinhos nem tão pouco
namorar....................................................................................................................................31
2.3.16 A mulher cigana não pode casar-se com um rapaz não cigano, mas o cigano pode
casar-se com uma mulher não cigana......................................................................................32
2.3.17 Toda cigana sabe ler a sorte na palma da mão e jogar cartas.......................................32
3 A CULTURA CALON.......................................................................................................34
3.1 Os Aspectos da Cultura do Povo Cigano da Casta Calon................................................37
3.1.1 O dialeto.........................................................................................................................37
3.1.2 A dança...........................................................................................................................38
3.1.3 A música.........................................................................................................................39
3.1.4 As vestes.........................................................................................................................40
3.2 O Papel da Mulher na Sociedade.......................................................................................43
3.3 O Papel da Mulher nas Comunidades Calon e sua Breve Passagem pela
Escola.......................................................................................................................................47
4 O CASAMENTO CIGANO SEGUNDO AS TRADIÇÕES DAS
COMUNIDADES..................................................................................................................52
4.1 O Acordo de Casamento - Noivado..................................................................................55
4.1.1 O dote.............................................................................................................................62
4.1.2 A cerimônia....................................................................................................................62
4.1.3 As vestes dos doivos.......................................................................................................63
4.1.4 A festa de casamento......................................................................................................63
4.2 A Virgindade da Noiva e o Ritual após a Noite de Núpcias nas Comunidade
Calon.......................................................................................................................................65
4.3 O Divórcio.........................................................................................................................66
CONSIDERAÇOES FINAIS...............................................................................................68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS................................................................................71
ANEXOS................................................................................................................................74
11

1 INTRODUÇÃO

A motivação para escrever sobre a presente comunidade e seus costumes foi por
presenciarmos os diversos tipos de preconceitos e escutarmos os mais diversos tipos de
comentários ofensivos sobre os povos ciganos e sua cultura. Tantas histórias e indagações
sem sentido sobre esses povos que nos despertou uma tamanha inquietação. As pessoas falam
sem modéstia sobre seus conceitos perante a cultura cigana e acabam por expor seus olhares
preconceituosos sobre as comunidades ciganas, apenas por terem escutado algo sobre um fato
ocorrido, e então criam uma forma de julgamento generalizando uma comunidade inteira sem
conhecimento de causa.
A consciência de que a sociedade está cruzada por oposições de classes, étnicas, de
gêneros e outras, com interesses muitas vezes contrapostos são o que indica a necessidade de
se desenvolverem pesquisas que mostrem como a escola atuou e atua na realidade diante do
desafio da diversidade de culturas. Isso tem uma importância especial neste momento
histórico, porque entendemos que a escola não é apenas um lugar a mais em que se repetem
os prejuízos e as tensões étnicas, mas também é um lugar onde se desenvolvem muitos
saberes, e diante disso, as comunidades estudadas demonstram uma grande esperança que um
dia a cultura cigana também será uma disciplina nas universidades, assim como a Cultura
Indígena e a Cultura Afro são, de acordo com a lei 11.645. Nesse sentido, a escola é o lugar–
chave para desmistificar essa imagem de ―vagabundos‖, ―preguiçosos‖, ―ladrões‖ e de
―pedinte‖ – entre tantos outros adjetivos que costumamos ouvir – que a sociedade criou do
povo cigano, bem como, ela é essencial na produção e reprodução das culturas, então o cigano
merece aparecer no livro como o negro e o índio aparece.
Por outro lado, quando pensamos em cultura cigana, qual é a primeira imagem que
vem a nossa mente? A figura feminina? A mulher com seu vestido cumprido e coberta por
jóias? A imagem das mulheres lendo mãos e/ou jogando cartas?
Por este motivo, iremos falar da condição feminina. Por que toda a cultura cigana se
esconde por trás da imagem da mulher, essa mulher que é o pilar da família e tem que estar ali
firme e forte para conduzir e orientar tudo que acontece em sua volta. No entanto, é tão
menosprezada e muito pouco valorizada pelos homens das comunidades ciganas. A Calin1
para a comunidade cigana tem apenas a serventia de servir a seu esposo, a função de procriar

1
De acordo com as comunidades estudadas Calin significa Cigana no dialeto das comunidades Calon.
12

para garantir a continuidade da casta e de educar suas crianças – do sexo feminino – para não
cometer erros futuros.
É esta crítica que queremos trazer neste trabalho, o papel da mulher na comunidade
cigana da casta Calon, que é sempre inferiorizada em relação ao homem, este que é visto
sempre como ―o senhor mor‖ da família. O homem pode tudo, enquanto a mulher, quando
tenta o mínimo de empoderamento que seja, é sempre humilhada, ofendida e amedrontada,
pois a família inteira começa a cair em cima da mulher com uma educação mais rígida que a
de costume para fazer aquela cigana, rebelde, voltar a si.
De acordo com a análise, por questões culturais, a mulher vive presa ás suas tradições,
a mulher vive refém da sua própria cultura. O que não diferencia de outras culturas, pois a
mulher sempre teve que apresentar certa postura diante dos olhos machistas da sociedade,
porém na cultura cigana essa postura é cobrada de forma ainda mais rígida que o normal para
a sociedade.
Na presente pesquisa, tivemos o cuidado de trazer a abrangência das práticas
tradicionais culturais de uma etnia marcada pelo preconceito e por uma história de muita luta
pela sobrevivência, mediante a uma reflexão sobre o comportamento regrado de seu povo,
especificamente das mulheres ciganas, este comportamento é o que explica os desafios diários
que esses povos vêm enfrentando desde muitos séculos para manterem vivos seus costumes
tradicionais uma vez que são as mulheres quem têm que zelar pelo o bom nome da família.
Diante disso, segundo a análise, o desafio maior é o de auxiliar seu grupo da melhor forma
possível para não se deixar influenciar pelos métodos e costumes modernos que surgem em
sua volta, buscando a compreensão dos leitores para as regras que regem a cultura cigana.
Para atingir os objetivos propostos, realizamos uma pesquisa do tipo qualitativa,
caracterizada como estudo de caso junto a duas comunidades ciganas da casta Calon. Uma das
comunidades fica localizada na cidade de Sátiro Dias-BA e a segunda comunidade fica
localizada na cidade de Delmiro Gouveia-AL. A pesquisa foi realizada no período de
dezembro de 2018 a setembro de 2019. Deste trabalho participaram 2 ciganas, de gerações
diferentes, da comunidade de Sátiro Dias-BA e 3 ciganas, de gerações diferentes, da
comunidade de Delmiro Gouveia-AL, que nos cederam as entrevistas. Estas representaram as
demais mulheres da comunidade.
Este trabalho está dividido em 4 capítulos, sendo que, no primeiro capítulo o trabalho
trás uma breve introdução e apresentação dos principais pontos discutidos na presente
13

pesquisa. Finalizando o trabalho com as considerações finais. Onde relatamos como foi a
experiência nas comunidades e as dificuldades enfrentadas para conclusão do trabalho.
No segundo capítulo, realizamos uma análise sobre a origem do povo cigano e como
se dividem em castas. Em seguida apresentamos alguns relatos, baseados em dados históricos
da imigração do povo cigano para o Brasil e ainda segue com o tópico minhas memórias,
onde trazemos algumas respostas de perguntas curiosas feitas sobre determinados costumes da
cultura cigana.
No terceiro capítulo, trazemos uma análise sobre a cultura cigana, uma discussão a
respeito de todos os seus costumes milenares, suas normas, seus valores, e os desafios
enfrentados na luta por aceitação e sobrevivência pelos lugares onde fixam moradia e o
desafio de manter viva a sua tradição. Todos dados apresentado neste trabalho são baseados
em relatos históricos de um estudo teórico relacionados com os relatos vivenciados na prática
pelas entrevistadas. A seguir, trazemos o destaque principal desta pesquisa, onde
apresentamos o papel da mulher cigana nas comunidades da casta Calon. Fizemos uma
análise da maneira de como elas lhe dão com a vida regrada que lhes são impostas por seu
povo e ressalto seus comportamentos desde a sua infância a fase adulta. Ressaltamos ainda a
forma de como elas reagem ao casamento arranjado por seus pais.
O quarto capítulo, abordamos o casamento cigano, segundo as tradições das
comunidades, trazendo uma discussão sobre o processo de como é feito a escolha dos
pretendentes, o acordo de casamento e o ritual do noivado, a festa de casamento, a preparação
dos noivos para o casamento, o ritual após a noite de núpcias e ainda o ritual do divórcio
segundo as tradições ciganas das comunidades estudadas.
A pesquisa, do ponto de vista teórico, foi baseada nos principais estudos de: CASTRO (2011),
DELUMEAU (1923), HEFFEL (2016), LIECHOCKI (1999), MOONEN (1944), PERROT
(1994), SCHEPIS (1996), TEIXEIRA (2008), TILLY (1994).
14

2 A ORIGEM DO POVO CIGANO

De acordo com uma intensa pesquisa teórica sobre os povos ciganos, todos os relatos
apontam que os ciganos são originários da Índia, pois de acordo com os investigadores
alemães – conhecedores da cultura hindu – que analisaram inúmeras características do povo
cigano, tais como: a pele morena, o tipo e as cores dos tecidos utilizados para fazerem suas
vestes, seu comportamento dentro e fora da comunidade, suas crenças e superstições e
principalmente seu dialeto, concluíram que todas as características eram semelhantes ao do
povo hindu.
De acordo com Liechocki (1999), os ciganos são originários da Índia e nos séculos X e
XII, andaram pelo Egito e pela Síria espalhando seu dialeto e seus costumes. No ano de 1417
um grupo de trezentos ciganos andarilhos, nômades, finalizou a etapa de uma peregrinação,
que duraram cinquenta anos, imposta pelo rei da Hungria. Estes ciganos contavam sobre suas
andanças pelo Egito, Síria e Islã, onde foram renegados. Estes povos eram hindus das castas
Doms e Nats e nas suas andanças informavam que eram ciganos, os quais eram andarilhos,
cantores, acrobatas etc., os então, Ciganos Latachos ou os artistas de circo.
Schepis (1996) confirma a versão de Liechocki (1999), quando informa que o povo
cigano teve seu berço na civilização da Índia Antiga, talvez uns dois ou três milênios antes de
cristo. Porém, pelo fato do povo cigano não ter, até hoje, uma linguagem escrita e não terem
hábitos de deixar vestígios por onde passam para, assim, garantir a segurança do seu povo, se
torna quase impossível definir sua origem. No entanto, os pesquisadores alemães estudaram e
comparou o sânscrito, que é a linguagem escrita e falada na Índia – um dos idiomas mais
antigos do mundo – como o idioma falado pelos ciganos e encontraram uma imensidão de
palavras com o mesmo significado. Os pesquisadores concluíram, então, que o povo cigano
de fato tem origem na Índia, pois todas as características observadas do povo cigano eram
semelhantes ao povo hindu. Até então, tudo que existia sobre o povo cigano desde seus
primórdios, para a garantia de sua origem, era baseados em conjunturas ou narrativas dos
moradores, os quais tiveram contato com o grupo.
Castro (2011) aponta várias teorias sobre a origem do povo cigano e uma delas aprova
a versão de Schelpis (1996), sobre a pesquisa do idioma falado pelos ciganos. ―Os dialetos
falados pelos ciganos da Europa se assemelham com a língua neo-hindu, da mesma base do
sânscrito‖ (p. 32). Castro menciona que, chegou a essa conclusão devido ás particularidades
fonéticas arcaicas que os aproximam da língua do noroeste da Índia e acrescenta que esse
15

dialeto europeu foi conservado a base índica primitiva do vocabulário e da gramática, por isso
o sânscrito é o idioma mais antigo do mundo.
Santos e Silva (2016), em seu artigo – A invisibilidade cigana no Brasil: que ações
podem ser desenvolvidas pelo profissional de serviço social? Usa a afirmação do autor Fraser
(1998), para justificar a origem do povo Cigano, afirmação essa, que confirma as versões
anteriores ditas, pois o autor defende a ideia que os Ciganos vieram da Índia e ainda aponta os
diversos estudos por investigadores alemães para poder chegar a essa descoberta. Estudos
esses que foram reforçados pela declaração de Indira Ghandi durante o II Congresso da União
Romani Internacional: ―A Índia é a pátria mãe de todos os Ciganos‖ (p. 209).
No entanto, nas comunidades estudadas, quando perguntamos a um Cigano sobre a sua
origem, eles próprios respondem que é de todo lugar, pois os Ciganos são nômades por
excelência e são universais. Viajam sempre em grupos de famílias que possuem um profundo
desejo de união e vivem em harmonia com seu conjunto de normas que são fundamentais para
definir o comportamento de seu grupo. É a vida regrada do Cigano que garante sua
privacidade, proteção e defesa na luta diária por aceitação perante a sociedade preconceituosa
que vivemos. Eles respondem com muita certeza e muito orgulho quando falam de andarem
em grupos.

Como toda cultura possui hábitos do cotidiano, costumes e comportamentos


diferenciados, os ciganos ainda compartilham de uma língua própria e
quando uma família sai do grupo ao encontro de uma vida em sociedade,
tentando viver como pessoas comuns e esconder sua verdadeira etnia, para
fugir do preconceito da sociedade, são de toda forma banais, pois nesse
momento eles se sentem desorientados diante de uma nova cultura com
padrões tão modernos e distintos. Isso acontece por que perdeu seu ponto de
referência familiar e sentem a dificuldade de adaptar-se com os demais
indivíduos da sociedade fazendo com que muitas vezes entrem em conflitos
corporais com algum indivíduo da sociedade local, e acabam por voltarem a
morar com sua comunidade. (SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

De acordo com a pesquisa nas comunidades analisadas, percebemos que os ciganos


são muito apegados as suas tradições e não abrem mão de seus valores culturais milenares.
Cada indivíduo, por obediência, se sente no dever de perpetuar os valores e as normas de sua
comunidade e acabam por rejeitar as idéias modernas do meio onde estão inseridos, por medo
de que sua cultura e seus valores fiquem esquecidos, por isso não conseguem e/ou não querem
instruir-se para se adaptar a novos padrões da modernidade. Uma vez que as culturas são
difíceis de serem entendidas de fora, a sociedade dominante, por sua vez, resiste em não
compreender suas normas culturais e padrões de comportamento, pois uma cultura para ser
16

compreendida tem que ser estudada em termos de seus próprios significados e valores, no
entanto, a sociedade só faz julgar as outras culturas, o que não é de se surpreender, pois é
difícil simpatizar com idéias e com comportamentos de uma cultura tão diferenciada, já que
em toda sociedade haverá sempre uma classe dominante, que direta ou indiretamente
influencia o controle e cria padrões modernos e tudo que foge a essa regra é considerado, no
mínimo, diferente, que é o caso dos costumes e tradições milenares do povo cigano e suas
normas de comportamento.
Porém como a classe dominante tem um maior livre-arbítrio e, ao mesmo tempo,
maior facilidade de se relacionar com os demais povos, seria de grande ajuda que
procurassem socializar com as comunidades ciganas e estudar essa cultura com mais cuidado
e compreensão, pois o comportamento humano é moldado pelas interações sociais, e como
vivemos em uma sociedade onde existem inúmeras culturas, porque até hoje o povo cigano é
incompreendido e sofre tanto preconceito?
Discorreremos a seguir de onde surgiu o termo cigano, a luta desse povo pela
aceitação na sociedade como indivíduos normais que são. Veremos também, os relatos de
vários autores sobre as tantas perseguições sofridas pelos povos ciganos, devido os
preconceitos da sociedade, que vem de centenas de anos desde a sua existência. ―Foram
expulsos do Egito pelos turcos‖ (MOONEN. 2013. p. 21). ―Foram expulsos de Portugal,
mandados de navio para o Brasil com a opção de nunca mais voltar a Portugal somente pelo
fato de ser cigano‖ (TEIXEIRA. 2008. p. 15).
E dessa forma, sua luta pela aceitação ainda continua nos dias atuais. De acordo com
as comunidades estudadas para este trabalho elas relatam que alguns grupos ciganos mudaram
seus costumes de moradia, abdicaram de viver em suas tendas, adotaram novos
comportamentos e maneiras de trabalho, inclusive modificaram sua vestimenta, negavam sua
verdadeira origem, adotaram a documentação civil e começaram a registrar suas crianças na
tentativa de serem mais bem aceitos pela sociedade dominante.
Segundo Teixeira (2008), toda essa luta por aceitação começou no século XV por
volta do ano de 1417, para fugir da perseguição e muitas vezes da morte, pois na Dinamarca
existia uma lei que daria uma recompensa para quem matasse um cigano. A sociedade atribuía
tudo que era ruim à origem cigana, houve até quem acreditava que a epidemia de varíola
(1737), em Minas Gerais tinha sido trazida pelo povo cigano.

O herói mineiro e nacional Tiradentes, assassinou covardemente também


algumas centenas de ciganos, quase todos eles certamente desarmados e
17

trabalhadores honestos, mas um genocídio que na época era motivo até de


recompensas financeiras e honrarias especiais. (TEIXEIRA. 2008. p. 19).

Etnograficamente, o surgimento da palavra ―cigano‖ para Moonen (2013), é um termo


inventado, criado na Europa no século XV pelos próprios ciganos para se alto identificar
andarilhos, pois ―cigano‖ é uma palavra própria do seu povo. De acordo com a pesquisa
podemos dividir os ciganos em três castas, são elas:

Rom – são divididas em grupos como os Kalderash, Matchuaia, Lovara,


Curara entre outros, centralizados nos países balcânicos depois migraram
para a Europa e para as Américas;
Sinti – são chamados também de Manouche, centralizados após a migração
nas regiões da Itália, Alemanha e França;
Calon – são os ciganos Ibéricos e viveram em Portugal e na Espanha onde
são mais conhecidos como Gitanos. Estes foram espalhados pela Europa e
degredados para a América do Sul. O Calon, é o grupo de maior população
onde o nomadismo é verdadeiramente o lema do grupo, devido a isso, se
torna maior a dificuldade de estudar este grupo. (MOONEN. 2013. p.13).

Ainda para Moonem (2013), estes grupos além de terem denominações diferentes
também falam dialetos diferentes, porém todos comum a língua romani, apenas cada
comunidade adaptou seu dialeto criando códigos para dificultar o entendimento dos outros
grupos e assim poder preservar a vida privada do seu grupo. Esses códigos são adaptações
com outras palavras de origens persas, turcas, gregas, romenas entre outras de países por onde
passaram. ―Não existe um romani padronizado e único e somente na Europa os ciganos falam
cerca de 60 ou mais dialetos‖ (p. 14).
Ao estudar sobre a cultura cigana muitas dificuldades foram vivenciadas, pois sobre a
origem de tal cultura existem poucos relatos. Uma vez, que por ser um povo nômade e por
sempre estarem fugindo de perseguições, não deixavam rastros de sua passagem pelos lugares
onde se arranchavam2, nem vestígios para onde iriam quando migravam. Essa era sua
estratégia de sobrevivência devido às tantas perseguições sofridas durante os séculos de suas
andanças. É esta questão que abordaremos mais adiante.

2.1 A Imigração do Povo Cigano Para o Brasil

Perante as dificuldades apresentadas para encontrar e identificar a verdadeira origem


do povo cigano, também tivemos dificuldades para descobrir o motivo pelo qual o povo

2
Arranchavam: de acordo com as comunidades entrevistadas, é quando acampam em um determinado lugar.
Usam aquele lugar para fazer suas cabanas somente por um tempo determinado.
18

cigano imigraram para o Brasil. Não se sabe ao certo como e porque os povos ciganos vieram
para o Brasil, porém o que se sabe é que existem duas documentações, no qual identifica que
os primeiros ciganos a chegarem ao Brasil vieram de Portugal.
De acordo com Santos e Silva (2016), a ausência de dados históricos que expressam a
cultura cigana, tal ausência justifica-se pelos processos migratórios pelos quais os grupos
ciganos passaram ao longo dos séculos, o que caracteriza o nomadismo, causado pelas tantas
perseguições sofridas por indivíduos em diversos países por onde passaram, pois o fato dos
ciganos serem considerados uma minoria étnica3 e ter um modo de viver diferenciado e
distante dos demais habitantes da cidade, onde firmam moradia, causa uma incompreensão da
cultura pelas sociedades dominantes colocando o grupo numa posição de invisibilidade e lhes
atribuindo uma identidade negativa.
Segundo Moonen (2013), não se sabem ao certo o motivo pelo qual os ciganos
migraram para a Europa Ocidental, acreditam-se, que por causa das guerras contra os turcos,
devido ao grupo de ciganos que andaram por Zurich, Suíça, que carregavam um documento
chamado Zaginer ou Zingre, que diziam ser originários do Pequeno Egito e Igrity e que foram
expulsos pelos turcos. ―Só se sabe que no comum todos eles têm apenas uma coisa: uma
longa história de ódio, de perseguição, de discriminação pelos não-ciganos, em todos os
países por onde passaram desde o seu aparecimento na Europa Ocidental, no inicio do século
XV‖ (p. 21).

Não sabemos, por exemplo, por quais motivos esses bandos de ciganos,
provavelmente em épocas diferentes, resolveram migrar da índia para os
Balcãs e depois para a Europa Ocidental. Alguns autores afirmam que das
guerras contra os turcos, outros dizem que foi por causa disso ou daquilo,
mas na realidade ninguém sabe com certeza. O único caso devidamente
comprovado é que, a partir do inicio do século XV, bandos ―ciganos‖
migraram para a Europa Ocidental. (MOONEN. 2013. p.19).

3
Minoria-étnica: ―é um grupo de pessoas que de algum modo e em algum setor das relações sociais se encontra
numa situação de dependência ou desvantagem em relação a outro grupo, ―maioritário‖, ambos integrando uma
sociedade mais ampla. As minorias recebem quase sempre um tratamento discriminatório por parte da maioria.‖
(CHAVES, Mendes L. G. 1970. p.149). A palavra ―minoria‖, nesse caso, não se refere a um número menor de
pessoas, não se refere à sua quantidade, mas sim a uma situação de desvantagem social. Ou seja, apesar de
muitas vezes coincidir de um grupo minoritário ser realmente a menor parte da população, não é o fator
numérico o essencial para que uma população possa ser considerada uma minoria. São as relações de dominação
entre os diferentes subgrupos na sociedade e o que os grupos dominantes determinam como padrão que
delineiam o que se entende por minoria em cada lugar. Comportamentos discriminatórios e preconceituosos
também costumam afetar os grupos minoritários.
19

Teixeira (2008) no século XV por volta do ano de 1417, os ciganos migraram para a
Europa Ocidental onde foram registradas várias passagens de famílias ciganas pela Alemanha,
França, Holanda, Bélgica, Suíça e Savóia, na França, onde se hospedavam por apenas poucos
dias, de 3 dias a duas semanas . Em alguns lugares eram aceitos e recebidos com festas e
presentes como é o exemplo das cidades de Munchem e de Basel, na Suíça, onde o prefeito os
recepcionou com pão, carne, vinho, ovelhas e até certa quantia em dinheiro. Tinham também
alguns ciganos, por exemplo, os que chegaram a Zurich, que devido a doações caridosas da
população conseguiam se vestir melhor, comprar cavalos e até usar ouro, estes tinham como
pagar por sua comida e bebida – estes que possuíam a documentação Zingrem afirmando sua
origem.
Ainda de acordo com Teixeira (2008), em outros lugares da Alemanha os ciganos
eram vistos de forma preconceituosa e tidos como feios, pretos e com tártaros, que até ficaram
conhecidos como os ciganos tártaros, nestes lugares, eles trabalhavam nas feiras como
acrobatas, saltimbancos e praticavam a leitura da sorte na palma das mãos, para garantir seu
sustento. Estes quando chegaram à Alemanha abdicaram a fé cristã e não aceitaram a
inquisição da igreja que os impuseram ao batismo, e ao recusar a condição do batismo, foram
condenados a peregrinar durante 7 anos como penitência.
Sobre a perseguição na Dinamarca Moonen (2013) relata que foi onde os ciganos
sofreram maior perseguição, a população era proibida de dar hospedagem a um cigano. Lá
existia uma lei, que quem matasse um cigano poderia ficar com seus bens. Essa perseguição
na Dinamarca começou quando foi descoberto na Europa que as histórias que os ciganos
contavam não passavam de fábula, pois eles se apresentavam como peregrinos ou penitentes e
com carta de apresentação e salvo-condutos de reis príncipes e nobres, e até do papa, nas
quais estes pediam que se fornecesse aos ciganos a melhor acolhida possível, hospedagem,
alimentação e dinheiro. Por aonde chegasse nunca diziam de onde vinham, nem para onde
iriam. Os ciganos somente explicavam que:

Os bispos do Leste os condenaram a peregrinar durante sete anos como


penitência por terem abdicado a fé cristã e terem voltado ao paganismo e
traziam consigo salvo-condutos nos quais constavam que eles podiam furtar
de quem não lhes dessem esmolas e por isso, eles roubavam muito e
ninguém podia impedir-lhes isto. (MOONEN. 2013. p. 19).

Dessa forma, podemos perceber que sua verdadeira origem foi preservada e escondida
pelo medo de não serem aceitos como verdadeiramente são. Isso explica a vida de nomadismo
e o pouco tempo de hospedagem pelos lugares por onde passaram, explica também, o costume
20

de não documentarem nada e o motivo pelo qual nunca deixam vestígios por onde
acampavam ou para onde partiriam, são estratégias de sobrevivência.
Segundo Teixeira (2008), os primeiros relatos de imigração de ciganos para o Brasil
foi no ano de 1686, devido a dois documentos portugueses que informam a deportação de
ciganos para o Maranhão. O autor informa que os primeiros ciganos que desembarcaram no
Brasil eram oriundos de Portugal, e não vieram para o Brasil por vontade própria, mas porque
foram expulsos do país como única condição de garantir sua sobrevivência, e uma vez que
migrassem para o Brasil seria para sempre, para nunca mais voltar ―as informações sobre os
ciganos nos séculos XVI e XVII são muito limitadas, embora sejam conhecidos documentos
relativos ás políticas anti-ciganas portuguesas. Essa documentação refere-se ao Brasil‖ (p.
15).
Teixeira (2008) cita a existência de um segundo documento que trata sobre a
existência de um casal que no ano de 1574, foi preso simplesmente por serem ciganos e o
esposo teve que assinar uma documentação confirmando sua ida para o Brasil. Este foi o
único cigano que ganhou a condição de poder voltar a Portugal depois de cinco anos em nosso
país, e ―devido a esse documento esse homem foi tido como o primeiro cigano a entrar em
território brasileiro, pois não existem relatos documentados de outros anteriores a ele‖ (p. 16).
Teixeira (2008) relata que durante o reinado de Dom João V, nos anos 1706 á 1750 a
perseguição dos portugueses ao povo cigano ficou ainda mais esclarecida o que resultou em
dezenas de famílias a serem degradadas para as colônias ultramarinas, e parte desses ciganos
vieram para o Brasil no ano de 1822. Continua desconhecida à causa de suas deportações o
que se conhece sobre a questão é que os ciganos foram expulsos de Portugal.
O autor ainda relata que os ciganos eram acorrentados e expostos ao público até o
navio. Esse era um ritual de cerimônia praticado no Período Moderno, determinado pelo Rei
D. João V, com a justificativa de que era para garantir o controle social da nação.

A visão dos Ciganos partindo acorrentados demonstrava para os


espectadores o esforço da coroa pelo controle social. Isso é a publicação dos
banimentos subsequentes assinalavam, sem dúvida, que a assimilação não
era mais uma opção dos ciganos para escapar de seu status criminoso.
(TEIXEIRA. 2008. p.16).

Teixeira (2008), ainda afirma que os oficiais do governo ficavam responsáveis pela
divulgação da exposição da cerimônia, garantindo assim, que todos pudessem ver que o rei
estava trabalhando para manter e garantir a ordem para o seu povo. Contudo o autor deixa a
perceber, também, que a vida de nomadismo não é por vontade própria dos povos ciganos, é
21

necessidade, pela não aceitação da população e das autoridades locais, estas que podemos
afirmar serem consideradas as razões principais para o nomadismo.
Segundo a entrevistada Luana, 22 – Sátiro Dias-BA, é por causa dessa perseguição
que os ciganos ainda continuam na estrada e muitos ainda negam suas origens, quando
preciso, para evitar perseguições e possíveis conflitos, dessa forma garantindo sua
sobrevivência e permanência aonde chegam. Como é o exemplo mencionado por Teixeira
(2008), aonde os ciganos chegavam, eles não se apresentavam como ciganos, eles negavam
sua verdadeira origem em certos lugares por onde passavam, por temerem perseguições,
algumas vezes apresentavam documentos e até mesmo subornavam pessoas para se passar por
outras, para assim, garantirem seus negócios, algumas vezes apresentavam documentos que
diziam serem mandadas por alguém influente da época para poderem transitar sem
perseguições nos ambientes.

Possivelmente, os ciganos mais ricos tentassem se passar por brancos de


origem europeia (não-ciganos), ocultando sua identidade, pela posse de bens
(escravos e joias, por exemplo), desde que a posse de bens tinha a curiosa
faculdade de 'branquear' até mesmo pessoas de tez mais escura.
Pelo menos no Rio de Janeiro, onde estavam os ciganos mais ricos do Brasil,
eles deviam se interessar em se passar por brancos "autênticos", para
conseguir negociar sem que os clientes desconfiassem de possíveis trapaças.
(TEIXEIRA. 2008. p. 23).

Notamos, com frequência, ao discorrer das discussões dos autores, às perseguições


políticas e também religiosas que os ciganos sofreram ao longo dos séculos. Segundo
Delumeau (1923), paganismo era visto não somente como heresia pela Igreja Católica,
acreditava-se que o povo pagão usavam práticas de magias e rituais malignos e isso era contra
as normas da Igreja. Como o povo cigano era um povo livre e usavam a prática da
adivinhação pela a leitura das mãos e das cartas, a sociedade cristianizada também julgava
que essas práticas eram de bruxarias e que podiam influenciar muitos outros cidadãos pela
vida simples de peregrinação e pelas suas habilidades para negociar. Uma vez que, na referida
época, o número de pagãos crescia abundantemente devido à insatisfação do povo com a
igreja, esta que vivia um momento de conflitos e incertezas religiosas, a igreja e todo o povo
cristianizado temia que com as técnicas de sobrevivência do povo cigano, esse número de
pagãos viesse crescer ainda mais. Além disso, o paganismo representava na época, um
momento de liberdade política, social e cultural que não podia ser simplesmente descartada,
no entanto, todos temiam essa propagação do paganismo.
22

Diante disso, segundo o artigo de Degger (2017), Monstros, Bruxas e Feiticeiros: O


Paganismo nas Obras do Clérigo Olaus Magnus – 1539-1555, trás uma idéia de como eram
abordadas as discussões sobre a religião pagã e conclui pelas análises feitas das obras do autor
Magnus (1539-1555), que abrange entre a veemente condenação de qualquer prática
relacionada à magia, e acusa os povos abordados enquanto idólatras, pois os pagãos adoravam
outros deuses ocultos e utilizavam de rituais malignos e sacrifícios. Estas práticas pagãs,
durante toda a época referida eram repreendidas por Magnus, pois segundo ele, são frutos da
tentação de demônios, que ao fim, também serão os responsáveis pela punição destes
―idólatras‖. Degger (2017) cita ainda, que o autor justifica as ações dos povos pagãos
utilizando-se do argumento que ―o mundo inteiro já esteve velado pela superstição e idolatria,
não apenas os godos ou suecos, mas também gregos, romanos, persas e egípcios. Isso valia,
especialmente para aqueles acontecimentos situados a um longo período de tempo‖ (p. 27).
De acordo com os textos analisados, fez-se surgir à compreensão de que os povos
ciganos, no Brasil e no mundo, sofreram violências de todos os tipos, desde sua misteriosa
existência com preconceitos de diversos tipos, desde agressões a assassinatos. Este povo, hoje
e outrora, convive com as cicatrizes da incompreensão por parte da sociedade com relação à
sua cultura e sua vida simples.
Considerando estes movimentos migratórios do povo cigano, compreendemos que o
nomadismo não era uma opção do seu povo, eles não migravam por vontade própria, mas por
que temiam as perseguições, e para garantir sua sobrevivência aceitavam as condições que
lhes eram impostas. Tanto que eles escondiam sua verdadeira origem por onde se
hospedavam. Ainda se ouve falar, em algumas cidades do país, que foram vistos ciganos
andarilhos, ainda na estrada à procura de um novo lugar para fixar moradia. Todavia, é de
grande relevância advertir, que os ciganos sempre lutaram e aceitaram todas as condições que
lhes eram impostas para que conseguissem serem aceitos podendo praticar sua maneira
simples de viver e assim poder sobreviver em um determinado lugar onde se arranchavam em
busca de fixação, a fim de deixar de lado o sentido de nomadismo, característica da estrutura
social da cultura cigana e a maneira que encontraram de manter viva sua tradição.

Os ciganos migram com o propósito e o desejo de encontrar um lugar onde


possa deitar suas raízes, criar famílias e conseguir paz e prosperar nos
negócios e um desejo ainda maior de se encaixar socialmente para assim
poder desfrutar dos avanços culturais da sua região como cidadãos livres que
são. Viver e poder desfrutar da modernidade, da tecnologia, da ciência e da
democracia. Uma vez que encontrar esse lugar a migração cessa, pois
muitos, eu poderia dizer que a maioria deles, buscam por obter a cidadania
23

integral no que diz respeito a direitos e deveres que é a forma legal de


cidadania. (SCHEPIS. 1996. p. 27).

Neste sentido, segundo Batuli (2007), a resiliência cigana fez surgir em 1960 uma militância
em diversos países, com ativistas que lutam em prol do anti-ciganismo, como ressalta o
antropólogo Ramanush, fundador da Embaixada Cigana no Brasil, cujo propósito é confrontar
estereótipos, preservar a identidade, resgatar a língua, a música e a tradição do seu povo,
como uma forma de acabar com os preconceitos criados no imaginário popular, por meio de
esclarecimento cultural e a preservação da tradição, já que o povo cigano vive a mais de 5
séculos ocultando sua identidade. Diante de tanta incompreensão para com o povo cigano
Batuli (2007) criou a cartilha do cigano, a qual foi publicada no ano de 2007 com o objetivo
de contribuir para que ciganos e não ciganos, que lutam e acreditam no fim de todas as formas
de preconceitos e discriminações, prossigam na luta pela a igualdade para todos. A cartilha do
cigano trás a lei assinada pelo presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva dando os
plenos direitos de cidadão ao povo cigano.

Em 2006, o Presidente Lula sancionou um Decreto criando o Dia Nacional


do Cigano. Naturalmente, todo dia é dia da comunidade cigana, mas ter uma
data nacional é importante para que o Poder Público, a sociedade civil, os
ciganos e os não ciganos realizem atividades nas escolas, nos meios de
comunicação, no legislativo, no judiciário, nos acampamentos, nas periferias
e nos apartamentos, e façam uma reflexão sobre a importância do povo
cigano para o Brasil e para o mundo. (BATULI. 2007. p. 5).

De acordo com a afirmação de Batuli (2007), a cartilha Povo Cigano – o direito em


suas mãos, relata que os povos ciganos no Brasil sofrem violências de todo tipo, desde a sua
característica peculiar de seu comportamento – que não passa despercebido por onde
caminham – com preconceitos diversos, á agressões e assassinatos. Este povo, hoje e outrora,
vive na alma as marcas da incompreensão por parte da sociedade com relação à sua cultura.
Apesar de cinco séculos da presença do povo cigano no Brasil, as políticas públicas em
relação à questão cigana surgiram no ano de 1980 ―o cigano oriundo de outro país que seja
naturalizado brasileiro ou mesmo sendo ele estrangeiro, é amparado pela lei 6.815 de
19/8/1980‖ (p. 8), com tudo os povos ciganos nunca parou de ser insultado e perseguido e
somente a partir de 2002, com o Plano Nacional de Direitos Humanos, que ressalta e sobrepõe
o direito à liberdade é que tornou-se conhecido e oficial a lei que protege os povos ciganos de
qualquer tido de preconceito e discriminação. A lei só entrou em vigor em 2006, com o
decreto assinado pelo presidente Lula.
O Presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, no uso da atribuição que lhe
confere o art. 84, inciso II da constituição, decreta:

Art.1° fica instituído o dia nacional do cigano a ser comemorado no dia 24


de Maio de cada ano.
24

Art. 2° As secretarias Especiais de Politicas Públicas de Promoção de


Igualdade Racial e dos Direitos Humanos da Presidência da República
apoiarão as medidas a serem adotadas para comemoração do Dia Nacional
do Cigano.
Art. 3° Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 25 de Maio de 2006; 185° da Independência de 118° da República.
Luiz Inácio Lula da Silva – Dilma Rousseff. (BATULI. 2007. p. 36).

E assim se tornou-se oficial o dia 24 de maio – dia de Santa Sara Kali – a Padroeira
Universal do Povo Cigano – como o Dia Nacional do Cigano. Vide decreto de 25 de maio de
2006. Essa lei foi considerada pelo o povo cigano de fundamental importância para resguardar
o cigano do seu direito de ir e vir sem que seja alvo de preconceitos de origem étnica e
quaisquer outras formas de discriminação. Diante disso, todo cigano que for alvo de
discriminação e preconceito poderá recorrer aos órgãos de defesa tais como:

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Seppir;


Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR:
http://www.planalto.gov.br/seppir; Conselho Nacional de Combate à
Discriminação: http://www.mj.gov.br/sedh/Cncd/abert_cncd; Secretaria
Especial de Direitos Humanos – SEDH: www.sedh.gov.br; Tribunais de
Justiça Estaduais: www.infonet.com.br/users/jaguar/sites; Comissões de
Direitos Humanos das Assembleias Legislativas Estaduais; Conselhos
Estaduais de Direitos Humanos: Conselhos_estaduais.htm; Defensorias
Públicas dos estados; Ministérios Públicos Estaduais; Conselhos tutelares;
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. (BATULI. 2007. p. 41).

Porém de acordo com as entrevistadas, elas alegam que as leis por não serem
divulgadas e pouco conhecidas elas ainda não conseguiram usufruir de seus direitos como a
lei determina e suas comunidades ainda é alvo de muito preconceito. Contudo, a lei existe e o
que se sabe é que no ano de 2006 foi instituído o dia 24 de maio como o Dia Nacional do
Cigano, mesma data da padroeira Santa Sara Kali4. No entanto, a cartilha é real, em 2008 a
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República criou a cartilha do povo
cigano que defende a inviolabilidade dos acampamentos ciganos, o direito ao uso de trajes
típicos pelas mulheres em qualquer estabelecimento. O que está faltando, na verdade, é o

4
De acordo com Schepis (1996, p. 67), Santa Sara Kali ou Cali foi uma cigana que peregrinou ao lado
de Maria, mãe de Jesus Cristo e foi a primeira mulher convertida ao cristianismo no ano 50 d.C., tinha pele negra
e era virgem e teria morrido a serviço de suas companheiras de peregrinação. Existem muitas lendas da
verdadeira origem de Sara, porém nunca chegaram a uma conclusão e Sara nunca passou pelos processos de
canonização. O que se sabe é que ela é: ―considerada pela a Igreja Católica como uma santa de culto local na
verdadeira origem de Sara, porém nunca chegaram a uma conclusão e Sara nunca passou pelos processos de
canonização. O que se sabe é que ela é: ―considerada pela a Igreja Católica como uma santa de culto local na
região da Provença, Sul da França‖. Sara, está ligada as histórias das tradições cristã da Idade Média e o assim
chamado culto das virgens negras, santidades femininas de pele negra venerada pelos fiéis católicos em igrejas
que posteriormente se transforma em locais de peregrinação (Notre Dame de Montserrat; de la Negrette; de
Liesse; des Mures; de Merseille; e outras) principalmente na Espanha e na França‖. (Schepis, 1996. p. 67).
25

governo criar programas direcionados ao povo cigano para assim promover a cultura cigana e
quebrar os estereótipos criados sobre sua etnia e para assim fazer-se valer a lei.

2.2 A Bandeira Cigana e Seus Significados

De acordo com os estudos dos grupos ciganos para esta pesquisa, descobri que existe
uma bandeira cigana, assim como toda cultura possui uma bandeira como símbolo de uma
identidade o povo cigano também tem sua bandeira. Nela contem significados que retrata toda
história de vida cigana.
A bandeira cigana foi fundada no ano de 1933 pela a Associação Geral dos Ciganos da
Romênia, nela sobrepuseram uma roda vermelha de dezesseis aros – uma clara homenagem à
Índia, que já se sabia, naquela época, era a pátria original dos ciganos. Porém segundo Silva
(2014), somente no primeiro Congresso Mundial Romani, realizado em Londres, Inglaterra no
ano de 1971 é que a bandeira cigana foi oficialmente apresentada como símbolo da etnia
cigana. ―Esse congresso tinha como intuito discutir os direitos dos povos ciganos que já havia
iniciado anteriormente suas discussões em movimentos pró-ciganos e que aos poucos foi
ganhando força‖ (p. 12), no mesmo Congresso, também oficializaram o hino cigano com letra
oficial romani de autoria dos ciganos da casta Rom.
De acordo com Silva (2014), para suas cores foram escolhidas o verde, o azul e o
vermelho: o azul representa o céu, a sua liberdade, a maneira livre de ser e de viver do povo
cigano; o verde representa a terra, a natureza, o solo sagrado de onde vem a força da cura e o
alimento; a roda simboliza o movimento imprescindível à vida, onde a estagnação é a morte;
a roda posta na bandeira lembra a roda de uma carroça para aludir ao nomadismo cigano e sua
cor vermelha é tradicionalmente um símbolo da vida e da boa sorte, na crença dos povos
ciganos. (Imagem 1). Há ainda grupos ciganos que não reconhecem esta bandeira como
símbolo de sua etnia.
26

Imagem 1: Bandeira cigana

Fonte: Mirian Stanescon Batuli de Siqueira – Cartilha do Cigano, 2007.

2.3 A Objetividade da Pesquisa Versus a Subjetividade da Pesquisadora: Minhas


Memórias.

Cresci ouvindo diversas histórias e respondendo perguntas sobre a cultura cigana, as


quais algumas vezes, eram de fato, preconceito e outras eram apenas curiosidades. No
entanto, trago abaixo algumas das perguntas que sempre costumava responder.

2.3.1 O povo cigano e suas leis;

Não existe nada escrito sobre as regras a seguirem, porém quem é cigano sabem bem
quais são, pois os ensinamentos e as tradições da comunidade são passadas de forma oral de
geração para geração. Os filhos aprendem com os pais tudo o que tem que ser feito e o que
não deve ser feito também. É responsabilidade da mãe a educação das crianças do sexo
feminino e posta sobre ela toda e qualquer culpa, caso a filha quebre uma das regras.

Os homens entregam a tarefa de criação das crianças inteiramente às


mulheres, pouco se importando em saber quais as dificuldades que elas
possam encontrar para cuidá-los, cuidá-los e ampará-los. Se uma criança ou
27

um jovem cigano sai dos eixos, tem um comportamento inadequado ou


procede mal, geralmente à mulher é responsabilizada por tais feitos.
(SCHEPIS, 1996. p.45).

A entrevistada Silvane, 52 – Delmiro Gouveia- AL, conta que a transmissão dos


ensinamentos é feita de maneira oral, por tanto conta com a comunicação direta da mãe e o
homem confia totalmente em suas mãos a responsabilidade de ensinar seus costumes e as
regras que rege as leis de sobrevivência da sua comunidade. Uma vez que, os ensinamentos
são transmitidos de maneira oral de uma geração para a outra, é de responsabilidades da mãe
passar para seus/suas filhos/filhas da melhor forma possível, para agradar os demais membros
da família, evitando assim que os jovens não saiam dos limites. Assim como o dialeto, todos
os conhecimentos herdados de seus ancestrais serão passados de maneira oral como a maneira
de viver e se portar. A mãe/mulher por sua vez, fica colocada em um plano subordinado ao
homem, porém é tratada com muito respeito pela família, pois ela é quem desempenha o papel
mais importante na estrutura familiar, o de mãe e educadora.

3.2.1 A vestimenta, o vestido da cigana;


Quando falamos em cigano, qual a primeira imagem que lhe vem a mente? A imagem
da mulher e suas vestes? Quando a criança vai crescendo já começam as adaptações em sua
vestimenta. Esse processo de transição acontece a partir dos 7, 8 anos. (Imagem 9).

A roupa da cigana é uma questão cultural, suas vestes representam um dos


aspectos mais importantes da cultura cigana, traduzem a obediência às
tradições do passado e a forma de manter vivas essas tradições ao longo do
tempo, pois se a cigana deixar de usar sua vestimenta é considerado uma
negação de seu passado. As vestes da cigana são uma maneira de manter as
tradições vivas. (SHELPIS. 1996. p.54).

2.3.3 O que é e de onde vieram os ciganos;


Os ciganos são nômades originários da Índia. E o que os diferenciam dos demais
indivíduos da sociedade é o dialeto, pois os Ciganos criaram um código próprio para se
comunicarem e assim garantir a privacidade de seu povo. Para Silvane, 52 – Delmiro
Gouveia-AL, uma das maneiras do povo cigano se manterem unidos, vivos, com suas
tradições preservadas e o que também é uma estratégia para fugir de perseguições é o idioma
28

universalmente falado por eles, o chibe5, que é uma linguagem própria e exclusiva das
comunidades ciganas, porém pelas comunidades adaptadas a seu modo.

2.3.4 Os povos ciganos andam sempre em grupos;


As famílias ciganas são muito grandes e não se afastam porque são sempre parentes
próximos e quando um se afasta do grupo corre o risco de não se acostumar a viver longe dos
demais, pois é como se perdesse a referência de sua etnia, o que resulta em sempre voltar para
perto da outra parte da família. Por isso sempre andam em grupos, geralmente numerosos,
pois os ciganos trazem consigo o sentido de união, solidariedade, companheirismo e proteção.
É essa união que garante a sobrevivência da sua comunidade e os defendem das difamações e
perseguições da sociedade, pois um cidadão protege o outro. É esse sentido de união que
garante com que sua cultura e suas tradições permaneçam vivas até os dias atuais.
As entrevistadas relatam o seguinte:

A assim como a família constitui a essência de toda e qualquer sociedade, o


grupo cigano quanto mais numeroso mais forte. A união entre os grupos
ciganos os tornam mais fortes para resistir às perseguições e quanto for mais
numeroso, harmonioso e unido, mais sólidos e bem estruturado será o
agrupamento dentro da sociedade onde estão inseridos. (SILVANE, 52 –
Delmiro Gouveia-AL, 2019).

2.3.5 O casamento arranjado, pelos pais;


O casamento é um acordo entre famílias e é feito pelos pais do noivo ou da noiva
ainda na infância. Este acordo de casamento é feito ainda quando crianças para garantir que
case entre famílias, pois é muito importante garantir a continuidade da sua origem para assim
não correr o risco de extinção da cultura. É uma forma de preservar suas tradições para que a
cultura não seja esquecida com o tempo e assim, garantir as próximas gerações.

Desde os tempos já bastantes antigos era comum nas famílias muito amigas
a celebração de um compromisso matrimonial quando os filhos eram bem
pequenos, crianças na verdade, tanto que este acordo chegava a ser firmado
quando as mulheres estavam grávidas. (SCHEPIS, 1996. p.79).

2.3.6 A educação das filhas é responsabilidade da mãe;


Na comunidade estudada, a educação das crianças é diferenciada para ambos os sexos.
Os meninos crescem acompanhando o pai para todos os lados para assim, poder aprender a
5
Chibe: dialeto, idoma, língua utilizada para se comunicarem nas comunidades Calon pesquisadas, uma
adaptação do romani.
29

arte de negociar que é como vivem os Ciganos. As meninas acompanham a mãe para aprender
desde cedo todos os afazeres do lar e as regras de comportamento.

As crianças representam o maior tesouro da família, pois são elas que


garantem a sobrevivência e a perpetuação deste povo milenar. E passam a
maior parte do tempo com os mais velhos para aprenderem desde cedo os
costumes e as tradições. (SHEPIS. 1996. p. 49).

2.3.7 A criança cigana só tem o interesse em estudar até aprender a ler e escrever;
Geralmente quando criança se perde os interesses em estudar devido as suas andanças
e como dificilmente pegam declaração da escola, tem sempre que repetir o mesmo ano letivo,
e quando pegam declaração tem sempre que se adaptar as novas escolas e ter que fazer novos
amigos, o que é consecutivamente difícil devido à discriminação e o preconceito.
Na comunidade estudada, as ciganas saem da escola quando passam a serem
mocinhas, pois não podem conviver com os rapazes. As crianças só ficam na escola até
aprender a ler e escrever o rapazinho é por opção, mas a mocinha é por obediência aos pais.
Quando a menina vai ficando mocinha os pais tiram-na da escola para passar a aprender os
costumes e tradições da família e também por precaução para que não se desgarrem de seu
povo passando a querer viver como jurins6. Essa regra serve para ambos os sexos, porém se o
rapazinho se desvirtuar não sofrerá as mesmas consequências que sofrerá a mocinha.

2.3.8 Os ciganos tem mania de dobrar e guardar os lençóis todos os dias, devido os
muitos anos de nomadismo;
Segundo as entrevistadas, devido a tantas andanças os lençóis e roupas costumam ficar
sempre bem dobradas e arrumadas, pois nunca se sabem quando irão ter que se mudar daquele
lugar. Mesmo já tendo suas casas próprias não perderam o costume de ter sempre seus lençóis
e roupas bem dobradas e guardadas em baús. (Imagem 2).

2.3.9 Os ciganos não podem ensinar sua língua;


De acordo com as comunidades entrevistadas, o dialeto é um código próprio da
comunidade para garantir a privacidade da família e não se pode ensinar a ninguém que não
seja da família. O dialeto é o que nos mantêm fiéis às tradições. É por isso que não existe um
dicionário da língua Cigana, porque não existe uma linguagem padrão, cada comunidade tem
seus códigos próprios.
6
Plural de jurin. Jurins: De acordo com o dialeto da comunidade entrevistada: é a forma feminina de se
referir a pessoas não ciganas no plural. Ex.: Jurin – singular: não cigana; jurins – plural: não ciganas.
30

Imagem 2: Baú utilizado pelas comuidades ciganas para guardar os lençóis

Fonte: Vanessa Montenegro da Silva (2019).

2.3.10 O povo cigano é predominantemente católico e respeita os dias santos;


As entrevistadas relatam que sim, os Ciganos são seguidores da fé católica, devido as
suas tradições de andarilhos, pois aonde chegavam para se arranchar tinham que se converter
a região dominante da localidade e assim, se tornaram fiéis a igreja católica, no entanto
respeitam abundantemente os dias santos. As comunidades ciganas estudadas são devotas do
Padre Cicero e de Santa Sara Kali.

2.3.11 A casa de um cigano tem que ter quintal;


As entrevistadas contam que, os ciganos valorizam a perpetuação do seu povo e assim,
costumam ter muitos filhos para poder garantir as próximas gerações através do casamento
entre famílias e/ou outras comunidades amigas, e com tantas crianças na família a casa de um
cigano tem que ter um quintal grande, para que as crianças possam brincar e crescer livres
junto com a natureza. Também para que possam fazer suas festas, pois os Ciganos são um
povo que gostam muito de festividades e como a família é numerosa é preciso de muito
espaço, pois quando se juntam a festa é garantida.

2.3.12 Os mais velhos são muito respeitados pelo povo cigano;


Segundo Liechocki (1999), os ciganos acreditam que os mais velhos representam a
sabedoria e por isso são merecedores da mais alta estima e respeito. Seus conselhos são
ouvidos pelos jovens e adultos como sendo a voz do conhecimento aprendido na prática. São
31

os mais velhos os responsáveis por toda palavra de conscientização geral do seu povo, pois é a
palavra dos idosos que falam mais alto quando algum problema atinge a família.

2.3.13 A mulher cigana não sai sozinha para ir à rua;


De acordo com as entrevistadas, povo cigano sempre foi visto como uma gente
diferenciada e por isso são alvos de olhares e comentários descabidos e preconceituosos, o
que lhes causam um importuno muito grande e por tal preconceito da sociedade a cigana não
sai sozinha por insegurança e medo de ser agredida na rua. As mulheres Ciganas, por sua
vestimenta, são difíceis esconder sua etnia e atrai muitos olhares quando passam. Já os
homens conseguem passar por despercebidos entre os outros moradores da localidade. Devido
a essa condição as Ciganas só saem em grupos, pois uma passa segurança para a outra.

2.3.14 Os ciganos gostam muito de ouro e é uma tradição usar dentes de ouro;

Os ciganos temiam serem roubados ou furtados, o que era muito raro, pois
uma das maneiras mais seguras de carregarem suas fortunas, ao menos uma
pequena parte dela, capaz de socorrê-los numa emergência era mandar
incrustar o ouro nos dentes. (SCHEPIS. 1996. p. 49).

Para os Ciganos das comunidades estudadas, o ouro representa o poderio econômico


da família, as energias positivas além de representar um respeito pelas tradições milenares,
pois relatam que quando teriam que sair às pressas de um determinado lugar tendo que deixar
tudo, eles carregava em seu corpo ouro suficiente para garantir sua sobrevivência em qualquer
outro lugar, o que explica os dentes de ouro. As mulheres costumam usar mais ouro e joias
preciosas que o homem, devido a sua vaidade. (Imagem 4).

2.3.15 Quando um casal é prometido, estes não podem conversar sozinhos, nem tão
pouco namorar;
As comunidades estudadas relata que, geralmente são prometidos ainda crianças e
desde então é ensinado aos noivos todo o ritual de comportamentos e preparação para o
casamento e como se casam muito precocemente, por volta dos 14 anos, eles não têm a
intenção de estarem juntos trocando intimidades, até mesmo por que, eles crescem juntos.
Porém ―se um morar longe do outro quando se encontrarem só poderá conversar sob a
supervisão de um adulto, de preferencia dos pais‖ (SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL,
2019).
32

2.3.16 A mulher Cigana não pode casar-se com um rapaz não cigano, mas o cigano
pode casar-se com uma mulher não Cigana;
Segundo as comunidades estudas, é de extrema importância os casamentos
acontecerem entre famílias, para assim, poderem garantir a continuação de sua linhagem e
para que com o passar do tempo à cultura não seja esquecida. Porém, já são aceitáveis os
homens da comunidade casar com uma mulher de outra cultura, no entanto existe uma grande
resistência e a jurin³, terá que adaptar-se às regras da comunidade e cultuar toda a tradição da
cultura cigana. Entretanto as regras para a mulher cigana é bem mais rígida e no caso de uma
paixão por um juron7 não será aceita em hipótese alguma, ela será deserdada da família caso
queira viver esse amor.

2.3.17 Toda cigana sabe ler a palma da mão e jogar cartas;


Não, não são todas as ciganas que tem o dom de ler a sorte na palma da mão e jogar
cartas. A leitura da palma da mão, assim como a leitura das cartas, não é uma prática
profissional, mas um ato devocional à fé cigana. (Imagem 3).
O dom de conseguir ler a sorte na palma da mão é explicado por uma lenda antiga a
qual os ciganos acreditam e respeitam muito o seu dom de adivinhação e as ciganas
entrevistadas explicam que é um dom dado por Deus. ―Uma lenda é como uma colcha de
retalhos onde cada pedaço representa uma fantasia, mas quem garante que o fio que cose
unindo esses pedaços do imaginário, não é tecido pela mais pura verdade?‖ (SCHEPIS. 1996.
p. 101).

7
Juron: forma masculina de se referir a uma pessoa não cigano.
33

Imagem 3: Leitura da sorte nas cartas do baralho cigano

Fonte: Vanessa Montenegro da Silva (2019).


34

3 A CULTURA CALON

Para falarmos de cultura cigana, temos que nos dá conta de todos os aspectos que
envolvem esta cultura, como por exemplo, a arte, a música, a dança, as vestes, a comida, a
linguagem, a religião, os costumes matrimoniais e a vida familiar, a maneira como vivem e
como se relacionam socialmente. No entanto, na sociedade existem centenas de culturas
diferentes, por isso, a necessidade de utilizar o termo cultura. E cada uma delas incluem
milhões de pessoas que se conectam umas as outras pelo seu conjunto de normas e tradições
de cada comunidade.
De acordo com o antropólogo Geertz (1926), a cultura é formada por uma teia de
significados tecido pelo homem, significados estes que os homens dão as suas ações e a si
mesmo e que para se entender a cultura em sua totalidade é necessário ir a busca de seus
significados contidos nos atos, nos ritos, nas performances humanas e não apenas descrevê-
los, para que assim, possamos interpretar os fenômenos dessa teia de significados na tentativa
de atingir um entendimento sobre o que estes sinais significam para a comunidade em
questão. O conceito de cultura decorre de uma descrição compreensível de um conjunto de
fatores como a arte, a religião, a ideologia, a moralidade, as leis, o comportamento ensinado e
os acontecimentos sociais. ―Além de tudo, consiste no que quer que seja que alguém tem que
saber ou acreditar a fim de agir de uma forma aceita pelos seus membros‖ (p.8).
Neste sentido, o sociólogo Giddens (2005), afirma que:

Sem as culturas não existiria sociedade, igualmente nenhuma sociedade


poderia existir sem cultura. Sem cultura não teríamos língua para nos
expressar, nenhuma noção de auto-consciência e nossa habilidade de pensar
ou raciocinar e nossas ações e vivência seriam limitadas. (GIDDENS. 2005.
p. 39).

Ainda sobre a ótica de Giddens (2005), quando falamos em cultura é de extrema


importância analisar a maneira pela qual são repassados os ensinamentos de seus costumes e
suas tradições, assim como são recebidas tais informações pelos demais membros de sua
comunidade. Só compreendendo esses aspectos é que se pode formar um contexto comum de
como os indivíduos de um grupo vivem suas vidas e a maneira de como eles praticam suas
crenças, suas idéias e seus valores, e só dessa maneira é que descobrimos como eles se
adaptam as novas tecnologias que trazem transformações significativas na vida dos indivíduos
de uma sociedade, pois ―toda cultura possui seus valores fundamentais que estão baseados na
35

ideia de um conjunto de normas que definem o que é válido, desejável e importante para sua
comunidade‖ (p. 40), e a adaptação às novas tecnologias é fundamental para definir o
comportamento desse grupo, bem como, os indivíduos lidam com a modernidade que cresce a
cada dia a seu redor.
Com as comunidades ciganas das cidades de Sátiro Dias-BA e Delmiro Gouveia-AL,
não é diferente, uma vez que, a casta Calon possui um conjunto de normas, que são
incontestáveis. Essas normas são fundamentais para definir o comportamento que refletem os
valores de seu grupo. São elas que moldam como os membros de seu grupo devem se
comportar dentro de seus limites.
É exatamente sobre os costumes e tradições da cultura cigana da casta Calon que
habitam as cidades de Sátiro Dias-BA e Delmiro Gouveia- AL, que iremos analisar ao longo
desse capítulo. As regras que regem a cultura Calon, as principais normas que moldam o
comportamento dos indivíduos de suas comunidades, como estes indivíduos lidam com a
modernidade que cresce diariamente ao seu redor podendo causar-lhes, ou não, fortes
impactos na mudança de comportamento de algumas pessoas de seu grupo, e quando isso
acontece, essas normas de comportamentos são alteradas de forma deliberada ou há
repressão? Finalmente traremos neste capítulo uma análise sobre as tradições e costumes das
comunidades estudadas de uma forma geral.
Segundo Guiddens (2005), as normas culturais são o que orientam os indivíduos de
uma comunidade perante as expectativas quanto à maneira de agir dentro e fora de seu grupo.
Os valores e normas variam muito conforme a cultura e a comunidade, por exemplo, na
cultura cigana da casta Calon das comunidades estudadas, não existe um estatuto escrito ou
documentado sobre essas normas de comportamento e valores centrais, no entanto, cada
indivíduo do seu grupo sabe quais são essas normas, pois todos os costumes tradicionais são
repassados de maneira oral e quando alguém as desobedece há sempre todo um ritual para
repreender e punir aquele que desobedeceu a regra em questão.

Com toda essa tecnologia moderna que cresce em nossa volta, vivemos uma
época de mudanças e desenvolvimento das ideias, a partir dos meios de
informação e isso reflete nos valores tradicionais fazendo com que os valores
culturais entrem em conflito. (GIDDENS. 2005. p. 38).

A cigana entrevistada Denise, 41 – Sátiro Dias-BA, relata que:

É muito difícil acontecer tal fato na comunidade, pois a desobediência vai


contra os valores centrais de realização individual de toda pessoa da
36

comunidade cigana e o povo cigano sabe lidar muito bem com essas
transformações da modernidade, por isso algumas vezes é indispensável
abrir exceções em algumas dessas normas e adaptá-las, porém sem perder
seus valores, pois o povo cigano ainda zela muito pelo nome e honra de sua
família. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA, 2019).

As mudanças acontecem em qualquer cultura devido às transformações constante


desse mundo contemporâneo que vivemos, no entanto com a comunidade cigana que
pertenço, essas mudanças e adaptações não são tão comuns, no entanto, não são feitas de
forma deliberada, existe todo um processo de orientação e repressão, pois os valores
tradicionais culturais dificilmente evoluem para essa comunidade, tudo isso para poder
preservar sua tradição milenar e para que os costumes da cultura cigana não cheguem ao
esquecimento.
A mulher, por sua vez, não se impõe a essas regras, por respeito às tradições, seu
apego a alguns valores principais da comunidade as fazem ficarem de braços atados e se
submeterem as tais normas, as mulheres são vitimas dos próprios costumes étnicos.
Segundo Denise, 41 – Sátiro Dias-BA, os familiares sabem que não haverá resistência,
por confiar no poder de obediência das mulheres de sua comunidade e saber que o respeito as
suas tradições e seus valores culturais tradicionais estão sempre em primeiro lugar antes de
qualquer vontade do novo. Por mais que o mundo gire e a sociedade evolua, as regras para
essas mulheres ciganas das comunidades Calon das cidades de Sátiro Dias-BA e Delmiro
Gouveia-AL continuarão sempre as mais tradicionais possíveis.
O pensamento da sociedade sempre será de repressão e de machismo diante do sexo
feminino em toda a sociedade humana e na comunidade cigana Calon, esse machismo e essa
repressão são ainda mais esclarecidos devido a sua tradição milenar e eles lutam para que
esses valores nunca sejam enfraquecidos.
Os ciganos do grupo Calon, de acordo com a análise, foram os primeiros a chegarem
ao Brasil vindo de Portugal em meados do século XVII, como explicado no capitulo anterior,
trazendo uma tradição milenar, e devido as suas andanças por todo o mundo sempre tiveram
uma grande capacidade de adaptação para poder garantir sua sobrevivência por esses lugares.
Neste sentido, por se tratar de uma cultura milenar é impossível falar sobre toda sua
tradição, porém este trabalho trás uma abordagem sobre os principais aspectos que rege toda
uma vida regrada e limitada dessas mulheres. Aparentemente, elas aceitam todos os limites
estabelecidos e essa maneira opressora de viver que são impostas por suas comunidades,
porém apesar dessas mulheres aceitarem essas normas como uma coisa muito comum no seu
meio devido ao respeito a suas tradições culturais, elas vem resistindo já algum tempo e se
37

comportam de maneira afrontosa sim diante as muitas imposições dos mandamentos ciganos,
no entanto, procuram a melhor forma para contestá-las sem que venham sofrer punições.

3.1 Os Aspectos da Cultura do Povo Cigano da Casta Calon

3.1.1 O dialeto
O dialeto utilizado como código nas comunidades estudadas se chama chibe. Esses
ciganos possuem uma linguagem própria e no que envolve a questão do ensino bilíngue para
seus filhos, as entrevistadas relatam que o cigano transmite seu dialeto de maneira oral
repassando sua linguagem de geração para geração. Ainda de acordo com a entrevistada, ―não
existe uma regra de quando e como ensinar nosso dialeto ás crianças, pois elas aprendem de
maneira natural na convivência do dia a dia com os mais velhos e quando há dúvidas elas
perguntam‖. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA, 2019).
A entrevistada ainda relata que:

O chibe é uma adaptação do dialeto romani, que podemos dizer, é o nome


oficial do dialeto cigano, utilizado por outras comunidades e castas com
costumes e valores semelhantes. O chibe foi adaptado à maneira de cada
comunidade para facilitar a comunicação entre si e para que assim alguns
assuntos possam permanecer em segredo. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA,
2019).

Segundo Schepis (1996), O dialeto é o que garante a proteção e união dos grupos
ciganos, por ter preservado a tradição de usar seu dialeto como códigos de uma linguagem
própria são o que garante o reconhecimento entre eles, quando um indivíduo encontra outro
somente terão certeza que ambos são ciganos e pertencentes da mesma linhagem de casta se
falar o mesmo dialeto. Se não falarem o mesmo dialeto o cigano saberá que está diante de um
trapaceiro, assim sendo um possível inimigo, pois é permanentemente proibido ensinar o
dialeto cigano para um não cigano porque estará colocando em risco a segurança de toda a
comunidade.
Moonen (1993) relata que, do ponto de vista antropológico, os ciganos constituem um
grupo étnico diferenciado, com valores culturais próprios e que fala, inclusive, uma língua
própria cuja origem remonta ao sânscrito falado na Índia há cerca de mil anos.
De acordo com Schepis (1996), se os ciganos tivessem se originado e permanecido na
Índia teríamos no dialeto somente os caracteres do sânscrito, mas como existem ciganos em
toda parte do mundo os idiomas foram se misturando e adotando caracteres da escrita russa,
38

egípcia, grega, árabe entre outras. A língua cigana é uma língua ágrafa, sem documentação e
sem forma escrita, no entanto não possui uma apresentação gráfica definida para que se possa
garantir sua perpetuação e somente com a transmissão oral é que se pode garantir a
conservação do dialeto dentro das comunidades. Dessa forma, assim como os costumes e
valores de sua comunidade, o dialeto também é repassado de uma geração para outra.
Diferentemente dos índios, que garantiram o direito ao ensino bilíngue nas escolas de
primeiro grau contratando professores indígenas e oficializando sua linguagem no mundo
todo, os grupos ciganos da casta Calon das comunidades estudadas não podem e não querem
oficializar seu dialeto, pois são códigos próprios de cada comunidade e adaptados da sua
maneira para poder fugir de perseguições de outros indivíduos não ciganos e até mesmo das
autoridades locais onde residem.

3.1.2 A dança

A música é a de seus instrumentos, pelo bater das palmas das mãos, eles
cantam e dançam sem obedecer a uma coreografia ou regra rígida ou regras
exatas e a alma suplanta toda e qualquer norma ou regra. Portanto, não
podemos falar que existe uma dança cigana, mas uma forma de dançar do
povo cigano, que é leve, livre, criativa, insinuante e cheia de ardor e calor
humano. (SCHEPIS. 1996. p. 58).

Segundo Shepis (1996), na verdade, não poderiam chamar de dança cigana, mas sim o
jeito cigano de dançar, pois o povo cigano trás na dança uma das maneiras mais bela e
simples de expressar seu amor pela vida, com seus passos fortes no chão, o rodar de suas
saias, do mexer suas cabeças e mãos, um jeito contagiante e único de dançar. As mulheres
ciganas quando dançam nas cerimônias é de forma recatada e não mostram muito o corpo,
não volteiam muito o corpo e quando fazem os movimentos circulares protegem bem as
pernas numa execução bastante inteligente.
Schepis (1996), ainda afirma que a dança feminina cigana tem muita semelhança com
a dança indiana e a árabe, a mulher conquista na dança pelo olhar e pelo movimento de seu
corpo, nos movimentos da inclinação da cabeça para trás é o que chama a atenção para os
cabelos geralmente soltos e longos, pois as mulheres não cortam os seus cabelos. A dança
representa a hora da conquista, pois a habilidade da sedução reside no girar insinuante e
caprichoso dos punhos, mãos e dedos, do brilho de seu olhar marcante e fixo que tudo se junta
numa mistura de um verdadeiro prazer pela dança. Se a mulher souber dançar, o seu
pretendente conclui que ela saberá cozinhar, cuidar da casa e dos futuros filhos. ―A cigana não
39

deve dançar por obrigação, mas pelo prazer da dança e esta condição é exigida para que ela
possa ser considerada completa e de valor, inclusive para ser escolhida para um bom
casamento‖ (p. 59).
Porém, esse costume foi se perdendo com o tempo devido à moça, por timidez ou
rebeldia, se recusar a dançar para o pretendente, sendo assim, a dança não conseguiu
sobreviver às transformações do tempo na comunidade estudada, pois essa recusa foi se
tornando cada vez mais comum. Essas danças geralmente aconteciam nas festas de casamento
quando acontece o primeiro contato entre o rapaz e moça, e depois o acordo acontece entre os
pais dos pretendentes. Contudo, ―isso só acontece se os pretendentes não forem prometidos
ainda crianças, pois é o mais comum nas comunidades‖. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA,
2019). Assim como muitas outras coisas da cultura cigana foram esquecidas ou adaptadas aos
costumes e preceitos ciganos, a dança também sofreu suas consequências, dessa forma, a
dança típica não conseguiu sobreviver às transformações do tempo na comunidade.
As entrevistadas relatam que por terem abolido totalmente a dança de seus costumes e
por adotarem o noivado entre as famílias desde a infância – quando nascem – não se recordam
dos passos de danças e aderiram à dança da sociedade atual como dança oficial da
comunidade.

3.1.3 A música
O nomadismo trouxe muitos conhecimentos para os povos ciganos o que fez conhecer
diversas formas de atividades, podendo assim, desenvolver suas inúmeras habilidades para o
trabalho e dessa forma adotaram diferentes fontes de conhecimento para poder garantir seu
sustento diariamente. Uma dessas habilidades foi descobrir o dom de cantar e usar a música
como fonte de renda.
Segundo Shepis (1996) e Liechocki (1999), o cigano adquire o gosto pela música
sozinho e aprende a cantar e tocar somente por ouvir a nota musical e como passaram a fixar
moradia nos lugares onde acampavam foram limitando suas andanças tornando-se aos poucos
sedentários e quem gostava de ouvir suas cantigas passaram a pagar por elas e logo estavam
se apresentando em eventos pelas cidades. Como a música levou o conhecimento das
comunidades para toda a sociedade local o cigano começou a introduzirem-se socialmente e
logo as mulheres foram conseguindo vender seus artesanatos, apresentar sua dança em
eventos pela cidade e a ganhar dinheiro pela leitura das cartas e da palma das mãos, que é um
ato devocional à fé cigana.
40

As mulheres ciganas sempre afirmaram possuir dons e poderes ocultos e


sempre foram aptas a ler o caráter, a sorte e até mesmo o pensamento das
pessoas. Embora algumas pessoas digam que é engodo, existe sempre uma
grande parcela de verdade na premonição dita por uma cigana.
(LIECHOCKI. 1999. p. 22).

De acordo com Schepis (1996), a música como forma de trabalho foi o pontapé inicial
e crucial para que pudesse diminuir as inúmeras perseguições pelas quais os povos ciganos
sofreram, por centenas de anos, pelas autoridades locais, a música foi também o principal
responsável pela a aceitação do povo cigano na sociedade, pois levou a conhecimento de
todos o jeito simples e honesto de se viver desse povo procurando manter sua dignidade e
honradez, pois antes, sua fama eram de ladrões de cavalos, de galinhas e de crianças pelos má
informados. ―É claro que existem aqueles que fogem a lei, mas estes são julgados e punidos
pelos Tribunais de Justiça Ciganos‖ (p. 34).
Os ciganos sofreram mais do que possamos imaginar para poder levar suas crenças e
seus costumes ao conhecimento da sociedade, e podemos dizer que, ainda lutam por aceitação
nos dias atuais. No entanto, não podemos deixar de citar que, todos os povos e etnias nas
diversas esferas da sociedade tropeçam isso não é característica de seu povo, mas do ser
humano que é falho e imperfeito. É claro que dentro da população cigana não é diferente e
pode existir aquele que necessita da justiça dos homens para aprender suas lições e corrigi-las,
porém isso não os faz inferior a ponto de merecer ser tão discriminado como foram e ainda
são.

3.1.4 As vestes;
De acordo com Shepis (1996), a vestimenta de uma cigana representa o aspecto mais
importante de sua cultura, já que são as vetes ciganas a marca registrada desse povo quando se
fala da imagem da cultura cigana. Uma vez que, sempre vem à mente a figura da mulher com
seu vestido longo cheio de enfeites. (Imagem 4 e 7).
Além de todo o seu significado próprio das vestes dentro dos costumes ciganos, as
vestes traduzem toda a obediência às tradições do passado e uma das formas de mantê-las
vivas ao longo do tempo.

As mulheres vestem saias longas, geralmente até os tornozelos, numa


demonstração clara de recato e ao mesmo tempo de sedução. Acham
desnecessário expor o corpo no pressuposto de que tudo que é muito fácil
automaticamente é desvalorizado. Suas roupas não possuem decotes
ousados, as saias são rodadas e fartas, o grande atrativo das roupas das
41

mulheres é o forte colorido presente nas diversas peças. As jóias são usadas
por ambos os sexos, cordões de ouro, colares, pulseiras, anéis fazem parte da
indumentária cigana como sinal de poderio econômico, como adorno e como
elementos de proteção. A vestimenta do homem também é bem cuidada,
compondo um visual elegante e aparatoso. Camisas bordadas e de mangas
largas, calças confortáveis e botas são complementadas por largos cinturões
ou longas faixas de tecido coloridos presos à cintura. Alguns usam chapelões
de aba larga e lenços no pescoço a moda cowboy. As peças de ouro
finalizam a figura masculina. (SHEPIS, 1996. p. 55).

Imagem 4: Vestes tradicionais ciganas.

Fonte: Foto cedida pelas entrevistadas da comunidade de Sátiro Dias-BA (2018).

Ainda sobre a ótica de Schepis (1996), os ciganos são muito supersticiosos e acreditam
que os metais nobres trazem consigo o poder de atrair riqueza e prosperidade e de livrar dos
males que os rodeiam e por isso, grifam talismãs em suas joias para sua proteção e para atrair
a boa sorte. Ela ainda sobrepõe que as cores também trazem seu significado simbólico e são
aplicados tanto nas vestes femininas como na masculina.
De acordo com Denise, 41 – Sátiro Dias-BA, entrevistada para este trabalho, ela
afirma que:

As vestes ciganas são o que as tornam de fato diferente das demais mulheres
da sociedade atual, pois é através de sua vestimenta que possibilitam serem
identificadas como ciganas nos ambientes frequentados o que as constrange
diante do grande preconceito da sociedade fazendo com que a maioria delas,
por temerem agressões físicas e verbais, optar por abrir mão de sua maneira
42

de se vestir para que assim possam integrar dentro da comunidade local e


sofram menos perseguição na tentativa de serem vistas com igualdade
(Imagens 8). Porém, se para a sociedade essa forma de adaptação na
mudança das vestes cigana representa um aspecto positivo para a
comunidade cigana representa a maior falta de respeito, pois este ato
significa a negação de seu passado, de seus costumes e de sua identidade.
(DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA, 2019).

Shepis (1996) pontua, que o povo cigano presa muito por sua história e lutam para
manter viva suas tradições e seus costumes, inclusive no que diz respeito ás vestimentas das
mulheres da comunidade, pois a desobediência da parte da mulher é considerada muito grave
e a questão da negação de sua identidade é mais séria do que se imagina e pode trazer
consequências e castigos severos.
A entrevistada Denise, 42 – Sátiro Dias-BA, relata que ela usa as vestes ciganas
somente quando vai às festas nas casas dos parentes ou visita-los, pois foi preciso se adaptar
as vestes da comunidade local para interagir socialmente, podendo assim fugir do preconceito
dos não ciganos e dessa forma viver em harmonia com os demais membros da comunidade
fugindo dos olhares curiosos que causam grande desconforto.
Denise, 41 – Sátiro Dias-BA, acrescenta que não se recorda de nenhum tipo de
agressão verbal no tempo que usavam as vestes, porém sempre notou os olhares curiosos por
onde passava.
Neste caso não houve repressão nem julgamento diante do seu comportamento e
negação de sua identidade, pois a família de seu esposo, com a qual vive atualmente, também
adotaram essas adaptações para serem mais bem aceitos na sociedade e foi uma decisão de
senso comum, porém ela somente abdicou de suas vestes por causa do esposo, foi um pedido
dele, pois ela relata ainda que:

A discriminação existe, porém não é pela roupa que usamos que somos
discriminados é pelo fato de sermos ciganos, pois a família do meu esposo
não usam as vestes ciganas e também sofrem discriminação quando os
membros da comunidade descobrem de sua verdadeira etnia, a forma de
tratamento muda como da água para o vinho. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-
BA, 2019).

Diante disso, notamos como os diferentes olhares da sociedade contemporânea podem


influenciar a maneira de como as mulheres de uma determinada cultura vivem, são vistas e
tratadas, pois as transformações começam a partir dos padrões de comportamento e as
adaptações sofridas para serem aceitas no meio, mudando assim tragicamente sua forma de
43

viver em sociedade e consequentemente levando a uma perda significativa de sua história


correndo o risco de que seus costumes fiquem no esquecimento.

3.2 O Papel da Mulher na Sociedade

Procuramos trazer neste trabalho uma discussão sobre papel da mulher na sociedade,
bem como, ela se consagrou dentro da história cultural com o objetivo de explanar e
compreender os debates ligados aos discursos, subjetividades e relações de poder no campo
das questões de gênero, identificando as modificações teóricas pelas quais a história passou
nos últimos tempos no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade.
Desde a antiguidade as mulheres aparecem na história em diferentes tempos e lugares
sempre como submissa ao homem, sofrendo pelos mesmos tipos de preconceitos de diversas
maneiras, porém sempre inferior ao homem. Assim como conta Belo (2014), em sua obra –
Boudica e as Facetas Femininas ao Longo do Tempo: nacionalismo, feminismo, memória e
poder, ―em todas as histórias, as mulheres de diferentes locais e tempos, sofreram com o
preconceito de diversos modos, suas figuras foram prejudicadas e, na maioria das vezes,
colocadas de forma submissa aos homens‖ (p. 4).
Com base nos estudos teóricos para a presente pesquisa, nota-se uma grande
inferiorização da mulher por diversos autores, até mesmos em algumas obras bem atuais, em
textos contemporâneos também conseguimos perceber essa inferiorização até mesmo pelo
adjetivo que é dada a uma mulher sempre que ela enfrenta alguma situação em defesa de seus
direitos, geralmente ela é chamada de mulher masculinizada, afrontosa ou quer ser homem.
Porém as mulheres vêm se destacando desde o inicio do Império Romano, ganhando mais
independência. Belo (2014), cita os casos de Boudica, viúva de Prasutago, e de Lívia, mulher
de Augusto. Esta última difundiu uma tendência de que as mulheres de família imperial
poderiam desfrutar de considerável influência por meio de um representante. Boudica foi
muito respeitada na referida época, pois liderou um exército contra o Império Romano, no
século I d.C., sua força veio surgir de um episódio após a morte de seu marido, ela foi
açoitada e suas filhas violentadas por se recusar a entregar suas terras aos romanos. Essa
afronta foi ganhando repercussão e significou um movimento muito comum nos reinos na
época do Império Romano e cada vez mais a mulher foi se destacando e ganhando seu espaço,
assim passou a ter interferência nas decisões políticas. E desde então, a mulher veio
conquistando cada vez mais o seu espaço.
44

Já no século V a.C., como afirma Heffel (2016), em seu artigo, A Construção da


Autonomia Feminina: O empoderamento pelo capital social, a Grécia foi considerada o berço
da democracia quando adotou conceitos importantes para cidadania, como por exemplo,
direitos de igualdade e de expressão. Porém esses direitos só eram validos para os cidadãos
que habitassem a cidade de Atenas e/ou que tivesse o perfil de ateniense, estes que deveriam
ser do sexo masculino ou ter pai e mãe atenienses. As pessoas que não apresentavam esses
requisitos obrigatórios não eram consideradas cidadãos, eram avaliados como escravos
estrangeiros. Usando a declaração de Coulanges (2006), Heffel (2016), descreve que as
mulheres, no entanto, só apareciam na história como pano de fundo para seu esposo, ―uma
vez que o poder residia no pai ou no marido‖ (p. 64), e após a morte de seu cônjuge, ela
deixava de participar de cultos e cerimônias, banquetes fúnebres, tendo pouco ou nenhum
direito nem serventia para a sociedade e no que diz respeito a direitos sucessórios as filhas –
mulheres – não tinham direito a heranças.

As mulheres tinham poucas chances de herança, visto que esse direito era
privilégio ou vontade deixados expressamente pelo pai, não tendo as
mulheres nenhum direito a posses sucessórias. O Direito antigo seguiu
considerando a mulher como um ser inferior/menor/sem importância para a
cidade, sem direito a posses, sem liberdades, sem lar, sem religião. Nessa
situação, para tudo precisava de um chefe ou tutor, sendo sempre
subordinada e oprimida. Assim, também o direito grego, o romano e o hindu,
por exemplo, concordam em considerar a mulher como ser menor, sem
importância, o que se estendia, também, aos filhos, uma vez que todo o
patrimônio pertencia ao marido ou ao pai, incluindo, ainda, o dote da mulher
que, do mesmo modo, pertencia, sem reservas, ao marido. Este exercia poder
sobre os bens dotais, não somente direitos de administrador, mas de
proprietário. (HEFFEL. 2016. p. 3).

Segundo disserta Heffel (2016), notamos que as primeiras leis da moral doméstica
faziam a mulher ter seu homem como referência ao respeito seguindo a deveres rigorosos e
acreditavam que o não cumprimento trazia consequências mais rigorosas nessa vida e na
outra, pois esta crença era construída com base na religião constituída com caráter de igreja,
pois o Estado foi fundado com base nessa crença, contudo, a igreja ganhou sua onipotência e
absolutismo imperial impondo a seus membros uma subordinação e dependência não
suportando liberdades individuais, e assim, os cidadãos ficavam submetidos aos cuidados da
cidade, uma vez que a religião deu origem ao Estado o Estado, por sua vez, teria que sustentar
a religião por respeito, obediência e gratidão.
Essa doutrinação aos cidadãos do Estado se dava por acreditarem que a mulher é o
fruto do pecado e era considerada bruxa devido a seu poder de sedução, contudo poderia
45

induzir o homem ao erro, isso explica a atitude da Igreja na Idade Média, no século XV, que
instituiu a Santa Inquisição efetivando milhares de execuções de mulheres, no evento que
ficou conhecido como Caça às Bruxas.
Heffel (2016) usa uma referência de Astelarra (2009), para explicar essa teoria e logo
acrescenta:

Nesse sentido, em 1484, a Igreja publicou o livro Malleus Maleficarum, que


se tornou conhecida como Martelo das Bruxas. Neste livro, tido como Santo
Manual da Inquisição, as mulheres eram apontadas como fontes carnais de
todo o mal. Seguindo as ordens da Igreja, os homens infligiam, de forma
sádica, torturas horrendas a milhões de mulheres, tidas como bruxas,
destinadas à morte na fogueira. (HEFFEL. 2016. p. 4).

Ainda de acordo com Heffel (2016), com a chegada do Renascimento ocorreu uma
mudança do pensamento feminino em relação a sua visão de mundo trazendo uma
ressignificação do feminino e da beleza da mulher, sendo que ela alcançou proporções de
perfeição, beleza e sabedoria. ―Essa época, então, foi o terreno fértil para o surgimento de
mulheres notáveis, de personalidade forte, que lutavam com as armas que tinham contra a
exclusão social das mulheres, e por sua inserção no espaço público‖ (p.4). E a partir desse
momento grupos de mulheres, empoderadas de sabedoria, saíram ás ruas a lutar por seus
direitos. Olympe de Gouges redigiu em 1791, a Declaração dos Direitos da Mulher e da
Cidadã, que é inclusiva, igualitária e que prevê a presença de homens e mulheres na sociedade
e na política de forma equilibrada e justa. Logo foi surgindo diversos movimentos feministas
na luta por igualdade e libertação feminina.
Na percepção de Perrot (1994), escrever a história das mulheres é uma grande
transformação que trouxe um amplo significado para o mundo moderno, pois a história das
mulheres trás um vínculo difícil à sua percepção e assim, foi criada a teoria de que:

As mulheres têm uma história e não são apenas destinadas à reprodução, que
elas são agentes históricos e possuem uma historicidade relativa às ações do
seu cotidiano, uma historicidade das relações entre os sexos, e escrever uma
história das mulheres é um empreendimento relativamente novo e uma
profunda transformação. (PERROT. 1994. p.9).

Escrever sobre a vida das mulheres é uma tarefa de grande responsabilidade, é


reproduzir de uma maneira fiel, a vida no seu cotidiano, é dá-lhes o merecido valor, é também
trazer essas mulheres para um mundo novo, abrir seus horizontes para novas possibilidades e
46

oportunidades as quais, talvez, elas mesmas, não tenham conhecimento de sua importância na
sociedade e fazê-las superar seu passado de submissão.
Escrever a história dessas mulheres é também, dá-lhes a oportunidade de descobrir,
criar e construir uma nova realidade de sua história, além de tudo significa criticar a própria
estrutura de um relato apresentado como universal, nas próprias palavras que o constituem,
não somente para deixar claro os vazios e as conexões ausentes, mas para sugerir outra leitura
possível, a fim de trazer questionamentos sobre o sentido, as dificuldades, os efeitos causados
pelas mulheres e sua importância na história em diversos espaços e tempos.
No conceito da autora Tilly (1994), em seu artigo – Gênero, História das Mulheres e
História Social, ela concorda com a ideia de Perrot (1994), quando destaca a importância do
movimento feminista, pois foram o ponto de partida que fez surgir um novo conceito no
campo do conhecimento historiográfico tendo como objeto de estudo as mulheres, tornando-
as sujeitos da história, afirmando que, ―a história das mulheres certamente contribuiu para
identificar e expandir nossa compreensão sobre novos fatos do passado, para incrementar
nossos conhecimentos históricos‖ (p. 34).
Ao mesmo tempo, segundo Tilly (1994), a história das mulheres trás uma distinção
que a difere particularmente das outras, escrever uma história de luta e sobrevivência para
conquistar seu lugar nos diferentes lugares e espaço. A história das mulheres foi escrita a
partir de convicções de mulheres feministas que veio a formar um movimento social na luta
pela igualdade de gêneros.
Segundo Tilly (1994), toda história é herdeira de um contexto político, mas
relativamente poucas histórias têm uma ligação tão forte com um programa de transformação
e de ação como a história das mulheres e o movimento dos anos de 1970 e 1980. Partindo
desse conceito, a autora transformou a definição do que é história de Block (2001), e ajustou a
frase para definir a história das mulheres como ―a ciência das mulheres no tempo‖. (p. 30).
Tilly (1994), entende que:

Ainda que definidas pelo sexo, as mulheres são algo mais do que uma
categoria biológica; elas existem socialmente e compreendem pessoas do
sexo feminino de diferentes idades, de diferentes situações familiares,
pertencentes a diferentes classes sociais, nações e comunidades; suas vidas
são modeladas por diferentes regras sociais e costumes, em um meio no qual
se configuram crenças e opiniões decorrentes de estruturas de poder. Mas,
sobretudo porque, para o historiador, em função do processo permanente de
estruturação social, assim denominado por Philip Abrams, as mulheres
vivem e atuam no tempo. (TILLY. 1994. p. 31).
47

A luta pela causa das mulheres começou com três objetivos, são eles:

1. A defesa da igualdade dos sexos ou oposição à hierarquia dos sexos; 2. O


reconhecimento de que a condição das mulheres é construída socialmente,
historicamente determinada pelos usos sociais; 3. A identificação com as
mulheres enquanto grupo social e o apoio a elas. (TILLY. 1994. p. 31).

Nesse sentido, ainda sobre o olhar histórico de Tilly (1994), ―o feminismo como
ideologia é acessível tanto ao homem como as mulheres, mesmo que muitos ainda não
aceitem‖ (p. 32). É difícil determinar quem é ou não feminista mesmo concordando com a
ideologia do movimento, mas com o efeito que esse movimento alcançou, tendo seus critérios
bem definidos, essa negação a aceitação do movimento serviu de obstáculo potencial à
legitimação da história das mulheres como um campo da história, mas foi com muita força e
determinação que a união dos movimentos feministas não deixou que nada impedisse sua luta
em busca de institucionalização e reconhecimento, ocasionando uma transformação estrutural
de grande escala na história social para poder abranger diversos campos, como: a demografia
histórica para estudar os dados do estado civil; as ocupações e as migrações; a história
econômica; a história política para os conceitos relativos ao poder, e a mais importante, a
história social para os processos de transformação estrutural em grande escala, como a
profissionalização, a burocratização e a urbanização. Dessa forma a institucionalização dos
direitos civis dessas mulheres fez nascer uma nova maneira de se fazer e de se interpretar
história, bem como, trouxe uma grande consciência em massa sobre a história das idéias para
os métodos de crítica dos textos.

3.3 O Papel da Mulher nas Comunidades Ciganas Calon e Sua Breve Passagem Pela
Escola

Quando se trata de relações de gêneros é de estrema importância lembrar que houve


uma considerável mudança pelas quais a história vem passando nos últimos anos em questão
das relações de poder desde a antiguidade à pós-modernidade.
De acordo com o olhar do historiador Belo (2017), a origem dessa consequência vem
do aumento dos estudos das relações de gênero, pois as histórias das mulheres foram, por
muito tempo, ocultadas pelos estudos do passado. Porém, as discussões em volta das questões
de gênero vieram se tornando frequentes desde as últimas décadas do século XX. Foi quando
começaram a questionar o conceito de homem e mulher segundo as características físicas e
48

como escolhiam seus parceiros sexuais, fixados por uma tradição baseada em relações
heterossexuais. As discussões foram levadas para o campo teórico, com análises das
variedades e comportamentos pessoais adquiridos ao longo da História.
Dessa forma, este estudo leva em consideração o fato de que as representações dessas
mulheres no passado podem influenciar a maneira como as mulheres da atualidade vivem
como são vistas e a maneira de como são tratadas, pois as transformações que estão sendo
vivenciadas nos dias atuais, em relação aos estudos das mulheres e sobre os estudos de
gênero, podem tomar novos padrões de compreensão delas e da sexualidade de uma forma
geral, levando-se em conta as problemáticas atuais, as quais arrebatam para diferentes olhares
culturais sobre o mundo em seu passado.
A questão de gênero a qual procuramos abordar neste estudo foi mais para o lado de
uma construção sócio histórica, fruto das relações que os indivíduos estabelecem no seu
contexto de grupos sociais de inclusão, dessa forma, trabalhemos para trazer a discussão e
para a compreensão a maneira regrada e limitada dessas mulheres que é indispensável à
discussão para a conclusão desse trabalho e, sendo assim, procuramos nessa pesquisa discutir
os valores e significados da cultura cigana para essas mulheres, pois a identidade cigana não
deve ser entendida como algo imutável, individual e interiorizado, mas como um processo em
constante mudança e relacional, fruto de relações intergrupais e dependente das boas relações
que estão sempre a procura para poder interagir em sociedade como cidadãos.
Buscamos investigar e trazer as principais limitações do processo de construção da
identidade feminina na comunidade cigana nas diferentes etapas da vida, na tentativa de
compreender como lidam com as mudanças ao seu redor, bem como, conhecer as práticas
produzidas nas relações estabelecidas entre os homens e mulheres de seu grupo. No entanto,
as discussões sobre as relações de gênero da cultura cigana são de fundamental importância,
uma vez que, esse aspecto molda as divisões sociais dentro do seu grupo e são organizados a
partir desse critério. A mulher é digna de toda admiração e respeito, mas desprovida de
autoridade diante do homem com exceção da matriarca por quem os ciganos exercem um
profundo respeito, pois são os mais velhos que trazem consigo toda a sabedoria e são
considerados por todos da comunidade como representantes da sabedoria.
Schepis (1996), trás em sua obra a questão da maternidade na comunidade cigana
Calon, a maternidade é estimulada e incentivada pelos mais velhos, pois somente a mulher é
responsável pela garantia da continuação e a perpetuação da etnia cigana. A cada nascimento
eles sentem que estará garantida a continuidade dos costumes e da comunidade cigana.
49

A mulher significa o lado terno e de proteção espiritual dos lares ciganos.


Embora esteja hierarquicamente situada num patamar inferior em relação aos
homens, ela é vista e tratada com respeito por ela ser quem desempenha um
dos papéis mais importantes na estrutura da família, o de ser mãe. (SHEPIS.
1996. p. 44).

Schepis (1996), ainda conta, que como de tradição na cultura cigana, é de


responsabilidade da mulher, a mãe – a imagem feminina – a educação das crianças e posta
sobre ela toda e qualquer culpa caso a filha quebre uma das regras, enquanto o filho se
quebrar uma dessas regras sofrerá também punições, porém, o erro e a desobediência das
mulheres são consideradas muito mais sérias pelas comunidades ciganas, pois a mulher é a
responsável pela honra e pela ordem no rancho do cigano e é posta sobre ela toda a
responsabilidade de fazer-se zelar pelo bom nome da família, para assim fazer com que todos
do clã respeitem o homem da casa. Esses jovens infratores serão julgados em uma reunião
formados pelas pessoas mais velha da comunidade, que pela sua sabedoria, possuem o papel
de mais alto sentido de responsabilidade e respeito e só eles terão o poder de julgar o infrator
e assim dá-lhe uma punição.
Na comunidade estudada o cigano quando infringe as leis são julgados pelo Tribunal
de Justiça Cigana, mais conhecida como o ―Chris Romani8‖ formado pelos membros mais
velhos da comunidade, eles são quem procura exercer o papel de juiz dentro do grupo para
assim fazer valer a obediência a seus códigos de ética e moral que é muito respeitado dentro
das castas há milênios, sendo assim, existem leis severas e particulares que são segredo entre
suas comunidades e por tal motivo não me deram autorização para expor nenhuma dessas leis,
no entanto não pude citar nenhumas dessas punições neste trabalho, e nada mais poderá ser
dito sobre este assunto.
Schepis (1996) confirma essa versão em sua obra quando diz que:

O Chris Romani é muito firme e é sempre executada com a rigidez da


justiça. Entre vocês, os não ciganos, há juízes, advogados, procuradores etc.
entre nós quando um homem não administra a justiça e se engana uma única
vez, jamais poderá administrar o CHRIS entre nós. Em 1979, a ONU
reconheceu o povo e o CHRIS ROMANI. (LIECHOCKI. 1999. p. 35).

8
Chris Romani: tribunal de justiça cigano. Formado por ciganos idosos ou pelos mais velhos do grupo,
quem julga os infratores. (SCHEPIS, 1996. p. 35). Tribunal de justiça cigano, onde o erro do jovem infrator é
posto sobre toda a comunidade onde as pessoas mais velhas do grupo, o patriarca e a matriarca, quem julgarão e
decidirão sua penitência. (Liechocki, 1999. p. 44). O Chris Romani foi reconhecido pela ONU no ano de 1979.
Como o Tribunal de Justiça Cigano.
50

A entrevistada Luana, 22 – Sátiro Dias-BA, descreve as transformações e mudanças


nas vestes e no comportamento da criança quando os pais entendem que é o momento de
passar os ensinamentos de suas tradições:

Quando a criança está crescida, entre os 8 e 10 anos de idade, começam as


adaptações em sua vestimenta, passando agora a usar aqueles vestidos
longos e cheios de enfeites, e logo é feito, por seus pais, um acordo de
casamento, pois o casamento entre famílias é o que garante a perpetuação da
cultura cigana para que a cultura não seja esquecida com o tempo e assim
possa garantir as próximas gerações. Em alguns casos os pais esperam para
fazer o acordo quando a jovem virar mocinha, pois algumas vezes a cigana é
pedida em casamento por ciganos de outras comunidades, porém conhecidos
por ter algum parente na família. (LUANA, 22 – Sátiro Dias-BA, 2019).

Porém, na maioria das vezes, na comunidade estudada da cidade de Sátiro Dias-BA,


de acordo com Luana, 22 – a criança é prometida desde a descoberta do sexo ainda no ventre
de sua mãe, caso haja alguma outra criança na comunidade que ainda não esteja
comprometida. Entretanto, nesta comunidade cigana, os casamentos acordados somente serão
aceitos e/ou só acontecem exclusivamente entre famílias.
A mulher da casta Calon das comunidades das cidades de Sátiro Dias-BA e a de
Delmiro Gouveia-AL, se resumem em ser ―recatada e do lar‖, desde cedo segue a mãe para
poder aprender os afazeres da casa e a aprender todas as regras de sua casta para assim aceitar
o casamento desde a infância. Seu papel desde criança é resumido em agradar, a todo custo,
seus pais e familiares e sempre fazer por onde nunca envergonhá-los. Começamos a notar a
diferença de gênero de acordo com a presença na escola e o nível de escolaridade entre as
moças e rapazes da comunidade. Na escola, as meninas param de estudar bem mais cedo que
os meninos, a ideia é a que o conhecimento muda as atitudes do ser humano e por precaução
quando viram mocinhas tiram-nas da escola, pois não podem conviver com os rapazes para
que não se desgarrem de seu povo passando a querer viver como jurim. É nesse momento que
acontece todo o ritual de preparação e ensinamentos para o casamento. A cigana não pode
conversar com os rapazes da escola, tampouco se apaixonar, ou sofrerá punições.
Para explicar o conceito da imagem feminina como ―recatada e do lar‖ é preciso voltar
na era da pré-história. De acordo com a leitura do livro de Levêque (2009) – As Primeiras
Civilizações, foi quando a mulher descobriu o dom de procriar e que possui em seu corpo o
alimento necessário para a sobrevivência de sua criança e com essa descoberta a figura
feminina, na época referida, foram consideradas como um ser supremo, pois somente a fêmea
teria a capacidade de reproduzir a vida da espécie, e apenas ela poderia cuidar de sua criança
51

dando-lhe o alimento necessário para os próximos meses impossibilitando-a de ajudar seu


parceiro na caça. E dessa forma surgiu à divisão de tarefas e o trabalho coletivo da primeira
civilização na pré-história. O homem, tido como o braço forte, ficou responsável pela caça
para alimentar sua família e a mulher desenvolveu o papel de cuidadora do lar, ficou
responsável pela educação de seus filhos e da divisão de alimentos para a sua família.
Nos dias atuais com toda essa tecnologia sempre existirá a necessidade de
conhecimento mínimo que garantem a comunicação, o que será sempre a regra mais simples
de convivência com o mundo moderno e para isso é necessário se adaptar e desempenhar
algumas tarefas no meio social em que se vive. Isso aumenta o número de crianças ciganas
fora da escola, pois elas além de permanecerem nas escolas por um curto espaço de tempo, o
suficiente para aprender o básico como ler, escrever e a fazer as operações matemáticas mais
simples, a internet veio para servir de aliado na maneira regrada que os ciganos vivem, pois
eles estão buscando todo conhecimento que necessitam nesse novo meio de comunicação
desempenhando tarefas do mundo moderno e desenvolvendo de forma, cada vez mais eficaz,
sua maneira de ganhar a vida honestamente. No entanto, no que se trata de suas crianças, o
choque cultural que uma criança pode sofrer na escola ao passar do primeiro grau é inevitável
podendo entrar em conflito com seus costumes tradicionais passando a se desgarrar de suas
raízes e consequentemente passar a ter vergonha do seu povo, podendo assim, negar sua etnia
pelos lugares que visitar, pois de acordo com Schepis (1996), ―Os ciganos são muitos
orgulhosos de suas origens, de sua maneira de viver, de seus princípios e valores e uma das
coisas que mais entristece um cigano é ver outro envergonhar-se de ser cigano‖ (p.32).
É exatamente por temerem atitudes como estas que os mais velhos temem que suas
crianças avancem os estudos nas escolas e não as deixam passar do ensino primário, pois é
aconselhável aos pais evitarem esse tipo de confusão e choque cultural com o novo meio
social considerado altamente sofisticado e perigoso para seus valores culturais, e esse
interesse pelo mundo da tecnologia é um forte aliado contra esse tipo de choque cultural,
evitando assim, uma possível futura crise de identidade.
52

4 O CASAMENTO CIGANO SEGUNDO AS TRADIÇÕES DAS


COMUNIDADES

Como já mencionado anteriormente, o povo cigano segue uma tradição, conjunto de


princípios e normas que rege o sistema de um grupo e/ou comunidade. Este tem como
principal exemplo de vida e de experiência as pessoas mais velhas do grupo, pois em sua
tradição elas são tidas como símbolo da sabedoria, portanto o que eles dizem é lei, ao mesmo
tempo, que a obediência e o respeito pelas tradições e costumes da cultura cigana são as
principais regras que existem nos grupos ciganos. Durante a visita à comunidade pude
comprovar que são reais todos os acontecimentos históricos mencionados na pesquisa teórica
que venho fazendo, e tive a oportunidade de conhecer e vivenciar um pouco de tudo que eles
vivem e como interagem em sociedade bem como eles lidam com o preconceito.
Como diz Liechocki (1999), para conseguir se destacar na vida profissional, o cigano
precisa esconder sua verdadeira origem para assim poder fugir do preconceito sofrido pela
sociedade dominante. O cigano já nasce predestinado, porém acontece de alguns grupos terem
um ou outro cidadão que foge a regra e se desvia do seu caminho para buscar uma vida mais
digna e consiga provar que é possível sim, se misturar aos demais membros da sociedade
dominante, onde residem atualmente, e passar despercebido na luta por aceitação e uma
realização pessoal e profissional, como é o caso de alguns ciganos que conseguiram se
destacarem em algumas profissões como as de músicos, advogados, professores, entre outros.
Liechocki (1999), também acrescenta que: ―O racismo contra o cigano, porém, faz com que
não se identifiquem, para que não sejam discriminados ou perseguidos‖ (p.32).
Segundo Schepis (1996), as leis e os costumes ciganos são severos e rígidos em vários
aspectos, porém são essas atitudes que mantêm viva a cultura desse povo que ainda possui e
segue suas tradições apesar do convívio direto com o os não ciganos, donos de uma cultura
completamente diferenciada e altamente clara, de uma forma geral, principalmente no que diz
respeito às normas da família e seus princípios. Por outro lado os ciganos são hesitantes e
liberais em diversos aspectos, desde que essa liberdade não descumpra as regras mínimas do
bom senso, do respeito e da conduta pessoal e coletiva protetora da família e da sua
comunidade.
No entanto, de acordo com as entrevistadas, o próprio cigano tem culpa disso, por não
saber se impor, por não saber fazer-se respeitar suas tradições como um povo milenar. Os
próprios se escondem por trás de suas tradições, não procuram se misturar nem adotar novos
53

costumes da sociedade dominante onde firmam moradia, pelo contrário, lutam contra isso,
para que seus costumes não fiquem esquecidos, por receio de que suas tradições se percam
com essa mistura de etnias, uma vez que sua identidade não está no indivíduo, mas no grupo,
e se um se desviar do bando este poderá ser uma má influência para os demais e poderá causar
grandes conflitos entre famílias. Entretanto, o povo cigano tenta sempre fazer-se lembrar de
levar consecutivamente em consideração suas organizações internacionais e colocar sempre
em primeiro lugar seus valores, pois o valor de sua cultura vem de suas origens ancestrais e
uma vez que se misturam entre os demais cidadãos correm o risco de esses valores serem
abandonados e até mesmo esquecidos nessa busca por uma aceitação, e esta procura por
realização pessoal e profissional é sem dúvida o que os povos ciganos mais temem. Até
mesmo porque, uma vez querendo passar despercebido na sociedade dominante onde reside, é
uma forma de negação da sua verdadeira etnia, o que faz agir automaticamente com
desobediência.
Estes que buscam sua realização pessoal e/ou profissional ao invés de serem vistos
como exemplos, geralmente, são considerados rebeldes e desviados dentro dos costumes
ciganos, a maioria são deserdados pela própria família, uma vez que, a desobediência é
considerada, pelos grupos ciganos, a regra mais grave a ser quebrada e esta não tem perdão, já
que os ciganos têm seus destinos escolhidos pelos seus pais, e decididos logo na sua infância.

Os ciganos são um povo extremamente confiável, e se você tiver um deles


como amigo pode ter certeza, que terá a família inteira para te dá proteção e
te ajudar no que for preciso. A injustiça com nosso povo é o que mais causa
revolta a um cigano, somos povos incompreendido, somos perseguidos por
nossa maneira simples e tradicional de viver, somente pelo fato de ser cigano
somos visto com maus olhos. Nunca nenhum vereador, nenhum prefeito,
nem tão pouco um padre, que são as autoridades maior de uma cidade, nos
fizeram uma visita para saber se precisamos de algum tipo de apoio ou ajuda
ou para tentar facilitar a convivência em sociedade, só sabem julgar, criticar
e menosprezar o nosso povo. (SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

As ciganas entrevistadas na comunidade de Delmiro Gouveia-AL, relatam que essa


invisibilidade pelas autoridades causa um grande desconforto dentro das comunidades
ciganas, pois são eles quem teria o poder de ajudar com algum programa social para a
preservação e valorização da cultura cigana, no entanto, fazem nada, nem para facilitar a
integração do cigano em sociedade, sendo assim, o que esperar dos demais membros da
sociedade? Incompreensão.
54

Nessa tentativa de fugirmos dessa incompreensão, nosso povo cigano adotou


uma postura de autodefesa, digamos que um tanto truculenta, para poder
fazer-se respeitar e assim garantir sua sobrevivência, mas foi preciso para se
garantir a segurança para com nosso povo. E se pago meus impostos, pago
para morar, pago pra comer, beber e vestir e ainda voto como cidadão para
eleger meus representantes, eu exijo que me respeite como um cidadão de
bem que sou, da mesma fora como eu te respeito e não aceito outra forma de
tratamento, pois sou igual a você perante a lei e não aceito que me digam o
contrário. A sociedade não quer respeitar um cigano e na tentativa de fugir
de conflitos pela falta de incompreensão dos moradores, na busca de se fazer
respeitar, os povos ciganos passaram a não querer muita amizade com os
moradores do bairro, pois sabem que uma vez incompreendido sempre será
incompreendido, e se eu procurar entrosamento com uma jurim estarei
adotando um Comportamento que vai contra as minhas tradições e
automaticamente estarei por confundir meus princípios e posso acabar por
influenciar os demais membros da minha comunidade. Por tal fato eu não
procuro me entrosar com meus vizinhos nem ter muita amizade, mas o
momento que eles quiserem vir até mim, eu os servirei e os ajudarei no que
puder, mas amizade e confiança demasiada eu não quero e procuro educar
meus filhos com o mesmo proposito para que eles não se deixem influenciar
por outros costumes modernos, pois eu temo que nossos costumes fiquem
esquecidos e se um de meus filhos cometerem algum erro, eu como mãe,
quem terei que sofrer as consequências por não ter sabido educá-los como
deveria. (SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

Como podemos perceber, por mais que os povos ciganos se esforcem para quebrar
essas barreiras, que os separam eles sempre serão rotulados inferiores pelos demais povos.
Diante disso, eles procuram não se preocupar com essa incompreensão e tentam resistir e
sobreviver como podem na maneira que o ambiente consentir, procurando sempre se adaptar
as normas que lhes são impostas pelo meio em que estão inseridos.
De acordo com Silvane, 52 – Delmiro Gouveia-AL, os ciganos não se prendem ao que
os outros povos pensam deles. Eles não procuram justificar nem explicar seu modo de vida
para os demais membros da sociedade, pois os povos ciganos não dá confiança a qualquer
pessoa e as poucas vezes que deram confiança a algum jurom foram roubados e traídos. É por
este motivo que os ciganos não procuram se misturar com os demais povos do meio em que
estão inseridos, eles não confiam por medo de que aconteça novamente e que sua andança
nunca tenha fim, porém eles deixaram bem claro que se alguém quiser tentar compreender a
sua forma simples de viver podem chegar a sua casa que serão bem recebidos.
A entrevistada Silvane, 52 – Delmiro Gouveia, ainda relata que um dos motivos pelo
qual os grupos ciganos casam entre famílias – desde muitos séculos – é a falta de confiança no
não cigano, pois precisam de que a pessoa seja 100% confiável para assim trazer para dentro
de sua comunidade, e por terem sido, muitas vezes roubados pelo o não cigano, procuram
evitar a todo custo essa miscigenação. Por isso buscam fazer a celebração de um compromisso
55

matrimonial quando seus filhos ainda são bem pequenos, ou seja, na infância, tanto que este
acordo chega a ser firmado até mesmo quando as mulheres estavam grávidas. Dessa forma, no
futuro, as famílias estariam unidas e os netos e netas seriam comuns às duas famílias, um puro
sangue cigano. Eles sabem que uma vez que abrir esses limites para se misturarem com os não
ciganos a miscigenação será inevitável, fazendo com que percam a pureza de seus costumes e
tradições por adotarem novos hábitos diferenciados, consequência da união das etnias e
correndo sérios riscos de deixarem para trás seus princípios e valores tradicionais que
acabarão por destruir e matar a cultura cigana.

4.1 O Acordo de Casamento – Noivado

Segundo as entrevistadas, as crianças das comunidades ciganas da casta Calon,


crescem na preparação para o casamento, sendo orientados por seus pais desde a sua infância
nas regras de como deve ser sua conduta para a aceitação de seu matrimônio. Esses
ensinamentos irão evitar com que eles, os pretendentes, no futuro, cheguem a se desviar de
seu destino, pois terão consciência de seu compromisso e não sentirão pretensão de se
misturar, não adotando assim, os costumes dos demais membros não ciganos nos ambientes
em que frequentarem, por exemplo, na escola que é onde acontece o primeiro contato direto
com os demais membros da sociedade, ou seja, quando estiverem entre os jurens9, não haverá
vontade de conhecer algo diferenciado da sua tradição, pois o compromisso do matrimônio os
faz respeitar mutuamente um ao outro desde o acordo de casamento, quando os pais dos
noivos deram sua palavra e fizeram seus juramentos, trazendo-os de volta à responsabilidade
e obediência à sua cultura. ―Pelo menos comigo foi dessa forma. Claro que um ou outro
fogem a regra, porém, é muito raro isso acontecer‖. (LUANA, 22 – Sátiro Dias-BA, 2019).
As entrevistadas relataram que o acordo de casamento acontece da seguinte forma: é
uma conversa entre duas famílias. É apenas o pai do rapaz que vai a procura do pai da moça, a
qual o filho escolheu, para entrar em um consenso e fazer-lhe a proposta de casamento. Em
alguns casos é o pai da moça quem faz a proposta. Não há nada documentado em papéis e o
acordo é feito apenas entre os pais, os homens, e vale o que ficou decidido ali entre eles ―a
palavra de um cigano quando é dada é a honra dele que está sendo depositada a premio‖
(SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

9
Jurens: não cigano. No dialeto cigano das comunidades estudadas.
56

Nesse momento é feita a proposta de casamento e discutido sobre o dote,


como dividirão as despesas da festa de casamento, e a maneira de como
ensinarão os seus filhos a conviverem um com a família do outro, pois a
moça irá sair da casa de seus pais e agora deverá obediência a seus sogros.
(SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

Segundo Schepis (1996), como manda a tradição, o casal depois de sua união em
matrimônio tem que passar a viver, por alguns anos, com os familiares do noivo, isso para que
a jovem esposa possa se adaptar à sua nova família, aprendendo todos os gostos e hábitos de
seu marido. Ela deverá tratar os sogros como sua verdadeira família, na verdade como pai e
mãe, em troca serão tratados como uma legítima filha. Deverá responder obedientemente sua
sogra e seu sogro, além de seu esposo, e não se fazer ausente em nenhum momento
principalmente nos casos de doença ou por ocasião de velhice ―findo o prazo para a adaptação
da nova esposa e compreendendo os familiares do novo marido, que eles estão aptos para
serem independentes, ou seja, viver por conta própria. São liberados para habituar-se a novos
rumos os quais desejarem‖ (p. 80).
Contudo, o pai da noiva tem que garantir que sua filha é virgem, esta é a condição
principal para que um casamento aconteça e seja bem sucedido. Nessa hora a mãe da moça é
convidada a fazer-se presente no ambiente para dar a sua palavra, que a sua filha é virgem.
Após o acordo é feito uma reunião entre todos os homens da comunidade será feita para
relatar qual foi o acordo feito entre as famílias. E a partir deste momento haverá uma data
marcada para os noivos se conhecerem, então ele irá presenteá-la com o anel de casamento,
entre outros presentes, caso tenha ficado acordado. Após o ritual do noivado, como de
costume, as duas comunidades fazem uma grande festa para comemorar a união entre as
famílias.
As entrevistadas ainda relatam que as maiorias dos casamentos em sua comunidade
são realizadas sem a exigência desse ritual do acordo de casamento, pois os pretendentes são
parentes muito próximos, são prometidos ainda na infância, moram na mesma comunidade,
eles crescem juntos, e o acordo de casamento formal não é exigido da mesma forma, bem
como acontece, quando os noivos são de comunidades diferentes, pois a confiança é mútua
entre famílias e o acordo do dote também é diferente, pois os pais dos pretendentes dividem
tudo já que os mesmos cresceram financeiramente juntos. O acordo é feito ainda na infância e
os noivos se preparam e aprendem a convivência com os sogros naturalmente, sem todo
aquele ritual de ensinamentos e reuniões para discussão sobre entrega de anel de compromisso
e cerimônia de noivado.
57

Segundo a entrevistada Luana, 22 – Sátiro Dias-BA, nos descreveu como acontece o


processo de empoderamento dentro da comunidade, ela relata que:

Nos dias atuais as meninas de nossa comunidade se empoderaram muito em


relação a seus direitos e desfaz o noivado quando cresce e descobre que não
gosta daquele o qual foi escolhido por seus pais, se recusa a casar-se e até
mesmo exige escolher o seu pretendente. Isso em nossa comunidade é
considerado um ato de rebeldia e desobediência. Até mesmo as mulheres
mais velhas ignoram isso, e para que essas jovens não sofram com punições,
os pais sempre vão atrás de outro noivado, na busca de que um pretendente a
interesse. De qualquer modo temos que casar com quem for escolhido por
nossos pais, pois de um jeito ou de outro não podemos nem temos o direito
de nos apaixonarmos. Casamos sem ao menos conhecer nosso pretendente,
caso o escolhido seja de outra família. Não podemos namorar e só
conversamos na presença dos pais. Depois do processo do acordo de
casamento – o noivado, o passo seguinte é começar com os preparativos e
ensinamentos aos noivos para o casamento porque os ciganos se casam
muito cedo, entre os 14 e 20 anos, então o processo para os ensinamentos
tem que acontecer de imediato entre a mãe e sogra com a moça e pai e sogro
como o rapaz. (LUANA, 22 – Sátiro Dias-BA, 2019).

Luana, 22 – Sátiro Dias-BA, recordando o seu casamento aos 14 anos de idade, nos
conta que após um mês descobriu que estava grávida. Sua filha hoje tem 9 anos de idade.
Ainda segundo a entrevistada, na cultura cigana da casta Calon da comunidade de
Sátiro Dias-BA, a chegada do casamento é a fase adulta da mulher, não importa que idade ela
tenha. Após o casamento, a mulher tem, como por obrigação, ter um filho o mais rápido
possível, pois para o povo cigano, o filho é a continuidade da sua família e quando seus pais
morrem cabe a ele dá continuidade a sua história. Esse processo, assim se repete durante as
próximas gerações, feito um círculo que nunca para de girar.
A entrevistada Denise, 41 – Sátiro Dias-BA, relatou a história de seu
empoderamento10 e como foi todo o processo até chegar a seus pais e dizer que se recusava a
se casar com aquele pretendente.

Desde os meus sete anos de idade já era malcriada com quem viesse falar do
nosso casamento, e deixava bem claro que eu não iria me casar com ele
quando eu crescesse. Meus pais, por sua vez, não rebatiam as minhas
resistências ao noivado e recebia de forma muito tranquila as minhas
pretensões quando eu falava sobre o fim do meu noivado, sempre aceitou a
não me forçar a um casamento contra a minha vontade. Porém para os pais
do meu pretendente, essa minha recusa era um ato de rebeldia o que os

10
Empoderamento: neste sentido, implica na conquista da liberdade de livre escolha, avanço e superação do
estado de subordinação. (Valoura, L. D. (2005/2006). Paulo Freire, o educador brasileiro autor do termo
empoderamento, em seu sentido transformado. Recuperado em 26 janeiro, 2011, de Instituto Paulo Freire:
http://www.paulofreire.org/pub/Crpf/CrpfAcervo000120/Paulo Freire e o conceito de empoderamento.pdf).
58

deixavam infelizes e muito desgostosos, pois o rapaz vinha sendo ensinado a


me esperar crescer para poder casar com ele – ele era um pouco mais velho
que eu – a decepção deles foi maior ainda com os meus pais, pois os
culparam. Eles cobravam que me ensinassem a aceitar o casamento, e os
julgavam por não terem me educado do jeito certo, pois eu era a mais velha
dos irmãos e por tradição teria que aceitar o casamento. Apesar disso, eu
sempre compreendi o lado deles, pois eram meus padrinhos e almejavam
muito a minha união matrimonial com o filho deles. Eles me tinham como
uma filha e foi uma decepção pra eles a minha desobediência e rebeldia, mas
respeitaram, apesar dos pesares. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA, 2019).

A entrevistada continuou dizendo:

Casei-me aos 20 anos de idade com o meu escolhido, com a permissão dos
meus pais, eles concordaram com a minha escolha. No entanto, se meus pais
não aceitassem o rapaz que eu escolhi para me casar, o nosso casamento não
teria como ter acontecido. De toda forma, mesmo com todo empoderamento,
só nos casamos com quem os nossos pais querem. E aos 20 anos na cultura
cigana a moça já está ficando pra titia. Eles tinham que me casar logo e do
noivado ao casamento foi um período de apenas seis meses. (DENISE, 41 –
Sátiro Dias-BA, 2019).

Na comunidade cigana de Delmiro Gouveia- AL, encontramos uma mulher de nome


Silvania, 48 – que segundo as tradições da comunidade, é ―moça velha‖, ou seja, não casou-se
e concordou em nos contar sua história.

Apaixonei-me por um rapaz ainda muito jovem, eu tinha 12 anos, e ele


também era apaixonado por mim, foi amor à primeira vista. Porém minha
mãe não aceitava, pois há algum tempo atrás existiram algumas diferenças
entre nossas famílias e isso fez com que nos tornássemos rivais, assim, nos
separamos por algum tempo e logo depois de alguns anos recebi a notícia de
que ele havia se casado com outra. Foi um choque muito grande, mas tive
que me conformar. Eu perdia o amor da minha. Passaram alguns anos meus
pais apareceram com um pretendente, cigano de outra comunidade, dizendo
que ele pediu minha mão em casamento. Eu recusei o pedido, apesar das
investidas dos pais dele eu recusei o casamento. Meu pai nunca me forçou a
um casamento contra minha vontade. Após esse apareceu vários outros, até
mesmo junom pedindo minha mão a meu pai, mas eu continuei a recusar
todos os pretendentes. Guardei aquele sentimento dentro de mim até os dias
atuais. Hoje ele é falecido, porém meu amor ainda continua igual.
(SILVANIA, 48 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

Na mesma comunidade, entrevistamos a senhora Silvane, 52 – Delmiro Gouveia-AL,


como os próprios ciganos dizem, a que possui mais sabedoria na comunidade, pois como já
explicado anteriormente, os mais velhos são a voz da sabedoria e o que eles disserem é lei.
Perguntei sobre o processo da escolha dos pretendentes e o processo do seu comprometimento
a seu parceiro para a vida e ela então, ao sorrir, ela relata o seguinte:
59

Foi amor à primeira vista. Houve uma confusão entre os ciganos da minha
família com os da comunidade vizinha na cidade de Lagoa do Ouro – PE, e
minha família teve que sair às pressas da cidade para fugir da perseguição
dos policiais e procuramos refúgio na cidade do Inhapi–AL, na comunidade
de alguns primos do meu pai Moacir Ferraz. Quando chegamos à cidade a
primeira pessoa que percebo em minha vista foi ele e o coração bateu forte.
Porém ele estava prometido a outra cigana de outra comunidade, mas a irmã
do mesmo se negou a casar-se com o irmão dessa moça a qual ele estava
prometido e com raiva os pais da noiva desfizeram o contrato de casamento,
pois alegaram que só casaria a filha se Silvana, a irmã do meu amado
Aeronildo, casasse com o filho dele para realizar dois casamentos na mesma
família, e Silvana se recusou e as famílias cancelaram o acordo. Ao desfazer
o noivado, Aeronildo então, demonstrou interesse por mim e fez um
comentário com meu primo Ivanez, o qual fez a ponte para que pudéssemos
conversar debaixo de uma árvore e então ele me pediu em casamento.
Combinamos então, que eu iria esperar ele falar com meu pai. Alguns dias
depois meu tio tentou fazer o acordo com meu pai em nome do pai dele e
meu pai recusou dizendo que eu era muito nova pra casar. Nesse momento a
tristeza tomou conta de nós dois. Alguns dias se passaram e falei a minha
mãe do meu interesse por aquele rapaz e ela enfrentou meu pai dizendo que
íamos se unir em matrimônio sim, mesmo contra a vontade dele. E então
meus pais procuraram os pais de Aeronildo para fazermos o acordo de
casamento e todo o ritual de noivado. Após 6 meses nos casamos na cidade
do Inhapi, no ano de 1989 (Imagem 10), com a benção do padre Eraldo, o
atual prefeito de Delmiro Gouveia. Hoje temos 30 anos de casados, quatro
filhos e uma netinha. (SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

Como podemos perceber o processo de empoderamento feminino nas comunidades


ciganas da casta Calon, vem se sobressaindo desde muitas décadas, mas não é bem o que
parece ser, pois a evolução das normas dos costumes tradicionais vem caminhando a passos
de formiga, uma vez que as mulheres ainda são forçadas a casarem com quem não amam.
Como é o caso da Suzana, 24 – Delmiro Gouveia-AL, que nos contou sua história.
Seu casamento aconteceu recentemente no ano de 2014, com um rapaz escolhido por
seus pais. Suzana, 24 – é a filha mais velha de Silvane, 52 – e segundo ela relata, vive um
casamento sem amor, casou sem gostar de seu pretendente, somente para cumprir com a
tradição da família.

Eu tinha 14 anos quando meu pai escolheu meu noivo, este já gostava de
mim e falou de seu interesse em casar comigo para meu pai. Porém, não
pensava em casar, tinha vontade de estudar, fazer faculdade e trabalhar. Mas
meus pais queriam muito o nosso casamento, até mesmo porque ele é
sobrinho de meu pai. Porém o pai dele sempre se negou a aceitar os
sentimentos dele por mim e foi por causa disso, que ele procurou
primeiramente meu pai para falar dos seus sentimentos e pediu para tentar
convencer o pai dele a aceitar o casamento. Então meu pai e minha mãe
foram até a casa dos pais dele e fizeram a proposta, tudo isso sem que eu
soubesse de nada, não quiseram saber minha opinião sobre o assunto. O pai
dele rejeitou a proposta e disse que o filho dele iria se casar com uma jurim,
60

pois ele tinha uma namorada, já há algum tempo e para evitar briga na
família, meu tio, o pai dele, foi embora para o Inhapi. Mas ele não desistiu e
ligava todos os dias para minha mãe, dizendo o quanto que estava
inconformado e não mais falava com o pai. Até que um dia ele resolveu vir
embora para Delmiro e largou os pais em Inhapi, minha mãe combinou com
ele para ficar na casa de minha vó. Tudo sem o meu conhecimento. Neste
momento ele começou a andar muito em minha casa foi falando aos poucos
dos seus sentimentos por mim, até que um dia me pediu em casamento. Eu
recusei. Quando ele foi embora, meus pais começaram a discutir comigo por
causa da minha recusa, e ainda me deram uns tapas. Eu nunca tinha
apanhado de meu pai e foi então que eu percebi que eu seria obrigada a
aceitar a minha sina e cumprir com a tradição da família. No entanto, depois
dessa surra, resolvi aceitar o casamento, porém deixei bem claro que não
gostava dele e que casaria somente para fazer a vontade de meus pais. Ele
não se importou e neste dia foi para casa feliz. Meus pais marcaram o dia do
noivado, que foi no dia 19 de janeiro de 2014 e não teve dote. Pois o pai dele
ainda se recusava a aceitar o nosso casamento. Sendo assim, não ofereceu
nada como dote. Meus pais arcaram com todas as despesas da festa de
noivado e do casamento e assumiu toda a responsabilidade com os gastos
para o início da nossa sobrevivência em uma vida a dois. Deu-me uma casa,
móveis e uma ajuda de custo para que pudéssemos sobreviver. Passamos 11
meses noivos e nos víamos diariamente, porém só conversávamos na
presença de um adulto e nunca demos se quer um beijo na boca. No dia do
casamento eu já estava acostumada com ele e até já sentia algum sentimento
poe meu noivo, alguma coisa eu sentia, não sei dizer o que, mas não era
amor e nem chegava perto de paixão, acho que era mais o costume mesmo, a
forma de tratamento e de cuidado que ele tinha comigo, sempre respeitando
minhas vontades e nunca me disse não. Casamo-nos no dia 28 de dezembro
do ano de 2014, na Igreja da Vila em Delmiro Gouveia (Imagem 5 e 6).
Temos uma filha de 5 meses e o amor é construído diariamente. (SUZANA,
24 – Delmiro Gouveia-AL, 2019).

Imagem 5: Cerimônia de casamento.

Fonte: Suzana Ferraz 2014.

Durante a entrevista inteira, além do convívio que tivemos durante os dias que
passamos na comunidade Suzana, 24 – Delmiro Gouveia-AL, não soube nos dizer o que sente
61

por seu esposo. Ainda hoje ela não sabe dizer o que sente, só fala que se acostumou, é um tipo
de aceitação e conformismo pelas tradições da família. A insistência da família é tanta que as
mulheres chegam a temer se impor, ao mesmo tempo, os pais sabem que não haverá
resistência nem malcriação do lado das filhas e tiram proveito do seu poder de autoridade
fazendo valer sua vontade, sempre. Por outro lado, mesmo as mais ―rebeldes‖ aquelas que se
recusam ao casamento com quem não gostam, sabem bem das consequências que sofrerão
diante a malcriação e desobediência e por temerem uma vida mais regrada do que a de
costume, diante da recusa, muitas se submetem a aceitar um casamento imposto na tentativa
de fugir de tanta hierarquia dos pais.
De acordo com Liechocki (1999), normalmente os noivos eram escolhidos pelos
próprios pais, como forma de se manter as tradições e preservar a sua cultura milenar, porém
nos dias atuais, os ciganos já podem, eles mesmos, escolherem seus pares. Seus pais os dão
autonomia para que possam se sentir a vontade de fazer sua opção, se aceita ou não o seu
pretendente e/ou fazer sua escolha quando a hora chegar. Porém a recusa ao pretendente
escolhido pelos pais não é comum nas comunidades ciganas.

Normalmente os noivos eram escolhidos e prometidos pelos próprios pais.


Nos dias de hoje os ciganos já podem, eles mesmos, escolherem seus pares e
o dote já pode ser dispensado. Não se força nada, deixa-se à vontade e tudo
fluirá através do próprio destino. (LIECHOCKI. 1999. p. 47).

Perguntei as entrevistadas, o que acontece se os pais da moça não aceitarem o seu


escolhido e caso se recusem a casar-se com outro, elas me disseram que: nesse caso as que se
recusam ficam pra titia, ―moça velha‖. Aquela mais empoderada, o que os ciganos chamam de
rebeldes, costumam fugir com seu amado. Porém estes dois últimos casos é muito raro
acontecer porque é difícil a moça recusar seu pretendente, ―eu não me recordo de ter
acontecido nenhum desses casos na minha comunidade, mas nossas mães, contam histórias
que já aconteceu no tempo delas‖. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA, 2019).
Segundo Liechocki (1999), quando uma cigana teimava em casar-se com um juron,
era banida da tribo. Contudo, na comunidade de Sátiro Dias-BA, também seguem essa regra.
Assim conta Denise, 41:

Em alguns casos, quando a cigana que se apaixona por um jurom e se


arriscavam a namorar escondido, chegaram até mesmo, a se virar contra sua
comunidade e teimava em casar com o mesmo. Esta era punida pelas leis da
comunidade cigana Calon. E as que tinham coragem fugiam de casa, indo
62

embora para sempre, pois não seria mais aceita de volta ao berço da família.
(DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA, 2019).

Perguntei ainda, sobre a questão das fugas. O que acontece se a cigana fugir? Se há
algum tipo de punição?

Sim. Eles irão ser deserdados da família e da comunidade. Eles não podem
mais retornar para o nosso grupo, pois não serão aceitos na comunidade
novamente. Uma vez que estes envergonharam a família, sujaram o nome e a
honra da casa dos pais da moça e ela não será novamente aceita por seus
ascendentes e ficará com o seu nome sujo entre todas as comunidades
ciganas. (DENISE, 41 – Sátiro Dias-BA, 2019).

De acordo com as regras das comunidades ciganas da casta Calon estudadas, estas
punições são lei e deve ser cumprida para se fazer valer e manter a ordem dentro da
comunidade. Os ciganos consideram essa rebeldia e oposição aos costumes milenares um ato
de prostituição.
A baixo segue alguns temas abordados pelas entrevistadas:

4.1.1 O dote
Segundo as entrevistadas, o dote é uma ajuda financeira, que fica acertado no
momento do acordo de casamento, para garantir a sustentabilidade dos filhos que se uniram
em matrimônio. Por exemplo, a casa onde irão morar, os gastos com a festa de casamento,
como irão dividir as despesas da casa até que o casal se adaptar com uma vida a dois, pois é
tradição na comunidade, a princípio, os pais darem um suporte financeiro e garantir a
estabilidade financeira do casal até quando aqueles jovens começarem a se manterem
financeiramente sozinhos.
De acordo com Schepis (1996), no dia do noivado os pais da noiva fixam um valor a
ser pago como dote no dia do casamento pelos pais dos noivos. A quantia é baseada nas
qualidades da moça, em sua beleza e em seus conhecimentos e habilidades para bem
administrar o futuro lar. Quanto mais prendada e bonita for a jovem maior o valor do dote.

4.1.2 A cerimônia
O matrimônio é uma cerimônia feita por uma benção dada pelo padre, da mesma
maneira que um casamento organizado pela cultura da sociedade dominante, pois há muitos
anos os ciganos aceitaram o batismo adotando o catolicismo como religião oficial da
comunidade cigana. Assim é marcada uma data para o casamento na igreja católica, a qual foi
63

escolhida para a união. O diferencial do casamento cigano para o casamento de um não


cigano é que dentro das tradições ciganas existe um ritual que é indispensável, a realização do
ato da carreata. Onde todos os carros de todos os convidados seguem o carro que leva a noiva
até a igreja, ao buzinar, para que todos os moradores da cidade saibam que ali irá acontecer
um casamento cigano e todos que quiserem presenciar estarão convidados. O carro da noiva,
nesse momento, não vai para a igreja, dá algumas voltas pelas ruas próximas, para que dê
tempo dos convidados e os padrinhos se acomodarem em seus lugares. E então quando tudo já
estiver preparado, a noiva entra na igreja, é levada pelo seu responsável até o altar onde ele a
entrega para o seu futuro esposo. Alguns minutos após a cerimônia ter finalizado, todos
seguem para o espaço onde será realizada a festa e a carreata segue o carro, agora com os
noivos, ao buzinar, anunciando para todos que o casamento foi realizado sem nenhum
empecilho. (Imagem 5 e 6).

4.1.3 As vestes dos noivos


As vestes são um vestido de noiva e um terno, igualmente as vestes do não cigano
quando se casam, pois os ciganos adaptaram-se bem ao vestido de noiva da sociedade atual,
tanto que alguns vestidos das ciganas até lembram um vestido de noiva destes que são
alugados nas casas de noiva. A festa é realizada com bandas locais e de fora, dependendo do
que ficou acertado no momento do acordo de casamento, até mesmo porque na família cigana
existem muitos músicos e geralmente quando se reúnem a festa é garantida. O palco onde
acontecem todas as apresentações artísticas fica a disposição de quem quiser ir fazer sua
apresentação musical, dança e/ou discurso. A comunidade cigana segue as comemorações
com a mesma alegria por três ou sete dias. Até que aconteça o ritual da virgindade. Este é o
último dia de comemorações do ritual do casamento cigano. (Imagem 6).

4.1.4 A festa de casamento


De acordo com as entrevistadas a festa de casamento cigano da comunidade é uma das
mais belas festas já vistas na sociedade onde firmam moradia, quando realizadas dentro das
tradições ciganas. A festa começa na casa dos pais da noiva às vésperas do casamento quando
começam a receber os convidados e pode se estender de três a sete dias, em particular se o pai
da noiva for muito rico e dependendo também do que ficou acordado no contrato de
casamento, pois é, sem dúvida, a festa mais cara de todas as festividades dentro das tradições
da cultura cigana. Os convidados de diversas comunidades ciganas chegam para se arranchar
64

na comunidade dos pais da noiva na véspera do dia de casamento, onde o pai da noiva tem
que já ter preparado um espaço confortável para acomodar os convidados, pois fica sobre ele
a responsabilidade de arcar com todos os gastos e despesas dos convidados, em alguns casos
os pais do noivo dividem a responsabilidade, vai depender do tipo de acordo que firmaram.

Imagem 6: Vestes de casamento dos noivos.

Fonte: Suzana Ferraz (2014).

A festa acontece em um espaço reservado próximo a casa dos pais da noiva, onde é
construída uma espécie de palhoção, coberto por lona e cercado por tábuas de madeira, os
quais os ciganos chamam de ―carramanchão11‖. Ali são postas as mesas e é feita toda
decoração da festa, e há um lugar específico onde os noivos ficarão para receberem os
cumprimentos e para tirarem fotos. Este é o primeiro e único momento em que os noivos
podem ficar próximos um do outro, durante o tempo do matrimônio à noite de núpcias, pois é
tradição na cultura cigana a moça só ir para a casa de seu esposo três dias após o casamento.
A festa de casamento é o momento de o cigano mostrar todo o poderio econômico
financeiro do seu grupo, por motivo de vaidade familiar e também pessoal. Quanto mais rica,
luxuosa e mais bonita for à festa, maior o orgulho do pai cigano que faz tudo o que estiver a
seu alcance para que tudo saia a contento de todos os convidados para que saiam falando bem
de sua comunidade. Os comes e bebes do casamento são feitos pelas mulheres da comunidade

11
De acordo com as entrevistada, carramanchão é uma estrutura em forma de palhoção, onde suas laterais são
feitos por madeira e o teto é coberto por palhas de coqueiro ou lona. Onde acontecem as festas de casamento.
65

e são postas às mesas para que todos os convidados possam se servir. É feito um verdadeiro
banquete com muita fartura durante todos os dias das festividades. Os povos ciganos não
costumam alugar local para a festa nem contratar garçons para servirem os convidados, assim
como a comida, a bebida também fica à disposição para que todos possam se servir à vontade.
A festa começa na véspera do dia do casamento com a matança dos animais para garantir a
alimentação de todos os convidados. Da mesma forma, segue os próximos dias até o momento
do ritual após a noite de núpcias.

4.2 A Virgindade da Noiva e o Ritual Após a Noite de Núpcias nas Comunidades


Ciganas Calon

Segundo as entrevistadas, a virgindade é a condição principal para que aconteça um


casamento cigano, de acordo com as tradições ciganas da comunidade da casta Calon, a moça
tem que se guardar para seu esposo desde o momento do seu nascimento e terá que provar sua
virgindade para todas as comunidades ciganas que compareceram ao seu casamento. Para isso
os convidados permanecem naquela comunidade até um dia após a noite de núpcias. A moça,
agora mulher, tem por obrigação fazer com que a prova da sua virgindade fique em um pano,
o que os ciganos chamam de ―a saia‖, para que no dia seguinte, á sua noite de núpcias, este
pano possa ser exposto para todos das comunidades vizinhas presente.
Durante a convivência com as comunidades, elas me contaram dois tipos de rituais
diferentes para comprovação da virgindade da jovem casada. Porém todos terminam em festa,
pois nunca nas comunidades ciganas aconteceu de uma moça perder a virgindade antes do
casamento. Caso a jovem, recém-casada, não seja virgem é motivo de briga entre as
comunidades e a moça será devolvida aos pais, onde então ela será punida pelas leis que
regem a comunidade cigana.
Na comunidade de Sátiro Dias-BA, o ritual da virgindade acontece de forma bastante
distinta e tradicionalmente com muito rigor, assim narra Denise, 41 – ―após o casamento a
jovem esposa será examinada pelas mulheres mais importantes da comunidade, a mãe, a sogra
e/ou a matriarca, para comprovar a virgindade‖. Neste sentido, no entanto, não fui autorizada
a narrar neste trabalho os detalhes desse costume, pois essa é a maneira mais tradicional dos
grupos ciganos e fere a integridade da comunidade abrir os detalhes para quem não é cigano,
uma vez que, pode ser visto com maus olhos pelos povos não ciganos.
Após a comprovação da virgindade da noiva, as mulheres e a recém-casada,
saem de casa com ar de triunfo, sendo o fato compartilhado para todos, que
66

igualmente exultam, até aliviados, pois não acontecerá nenhuma tragédia


familiar. (SHEPIS. 1996. p. 85).

De acordo com as entrevistas da comunidade de Delmiro Gouveia-AL, o segundo


ritual acontece dias após a cerimônia de casamento, quando o esposo, junto a seus pais, fazem
uma visita ao sogro para receber sua esposa, já preparada para a grande noite. É de tradição,
na comunidade citada, a jovem passar de 3 a 7 dias na casa de seus pais antes de ir morar com
a família de seu esposo. Até então, nenhum convidado para o casamento vai embora, pois
todos esperam o ritual do dia seguinte à noite de núpcias.
Silvane, 52 – Delmiro Gouveia-AL, narra como acontece o processo do ritual após a
noite de núpcias em sua comunidade.

Ao amanhecer, os pais dos noivos esperam ansiosos pala a camisa – pano


que comprovará que o casamento foi consumado e que a moça era, de fato,
virgem. Nesse momento a camisa é aberta para os pais dos noivos e depois
posta pobre um varal na frente da casa dos pais da noiva e ali fica exposta
para que todos possam vê-la. Esse ritual da virgindade é o orgulho e
satisfação, tanto dos pais da noiva como de toda a comunidade, ao mesmo
tempo, que todos parabenizam a mãe que soube educar sua filha conforme
manda a tradição. (SILVANE, 52 – Delmiro Gouveia-AL).

Assim, as comunidades dão inicio a mais um dia de festividade para comemorarem o


orgulho do patriarca da família e exaltam a passagem da moça, que agora, torna-se mulher.

4.3 O Divórcio

Segundo as entrevistadas, nas comunidades ciganas Calon, das cidades de Sátiro Dias-
BA e Delmiro Gouveia-AL, o divórcio não é uma opção, pois não é aceito separação nas
famílias ciganas, somente em casos excepcionalmente especiais. Os ciganos formam casais
legítimos e unidos, pelos laços do matrimônio e não faz parte de seus costumes viverem
amasiados e/ou não aceitarem a união livre e estável de um homem e uma mulher, uma vez
que, nas comunidades ciganas, todas as mulheres se casam.
O casamento cigano é para todo o sempre, vivem juntos geralmente até a morte e
raramente ocorrem entre eles separações ou divórcios. A separação somente acontece se
existir uma razão muitíssimo grave e, mesmo assim, depois de ocorrer uma reunião para uma
decisão através do tribunal Cris Romani, para julgar a questão e analisar todos os lados. Se o
motivo for apenas ambos não se gostarem o tribunal não aprova a separação. Os cônjuges
67

terão que manter a paciência e tolerância para sustentar a vida comum a dois. Porém a
separação só será aprovada se houver casos de violência extrema por parte do esposo, abusos
sexuais, traições comprovadas e se ela for espancada ou violentamente mal tratada por seus
sogros. Neste caso a mulher poderá retornar ao lar paterno e sua família não será obrigada a
devolver o dote, recebido pelo casamento no dia do acordo de noivado.
68

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fizemos um percurso primeiramente pelos estudos das tradições da cultura cigana para
compreendermos o papel da mulher em duas comunidades ciganas da casta Calon e apresentar
a forma que os ciganos usam para repassar seus costumes e seus mandamentos para as futuras
gerações, bem como, a maneira que estes sujeitos reagem ao receberem essas informações.
Nesta pesquisa procuramos compreender os desafios que os povos ciganos tiveram de
enfrentar para serem aceitos como cidadãos na busca de um lugar para deitar suas raízes e
como as comunidades lidam com o olhar preconceituoso do não cigano, bem como, esses
povos interagem dentro e fora da sua comunidade, que de certo é um desafio diário, o qual os
povos ciganos aprenderam a contornar essas barreiras.
Quando iniciou-se o trabalho de pesquisa, constatou-se que os povos ciganos, tem
costumes extremamente tradicionais e não abrem mão de suas tradições. Conforme o
andamento do estudo, conseguimos descobrir, perante toda uma vida regrada que levam essas
mulheres da comunidade, os limites que lhes são impostos e entendemos que a mulher tem
um papel dentro das comunidades ciganas.
Diante disso, a pesquisa teve como objetivo geral analisar a condição feminina, o
Papel da Mulher nas Comunidades Ciganas da Casta Calon, bem como, lidam com as regras
as quais têm que seguir. Porém compreendemos que apesar de haver muita resistência elas
acabam por aceitar as limitações impostas pelas leis ciganas, pois já estão habituadas com as
tradições de suas comunidades e todas apresentam consciência que precisam aceitar e praticar
seus costumes para preservar as tradições culturais de seu povo.
Entendendo todas as regras da cultura cigana, partimos para a próxima inquietação que
foi responder a pergunta, por que o cigano anda em grupos, geralmente numeroso? E a
pergunta foi respondida, pois da mesma forma que todo sujeito sente falta do berço familiar,
da proteção que a família lhes transmite, os ciganos também sentem falta da referencia
familiar, e entendem que, morar em uma cidade onde não tenha referência alguma não é fácil,
e o cigano por temerem que seus costumes fiquem esquecidos, se desapegar, se desligar e se
desmembrar de uma parte da família não é uma tarefa simples, pois a comunidade cigana é
um povo muito unido, um protege o outro e todos se protegem juntos da incompreensão dos
outros povos, e unidos se sentem mais fortes, por isso, sempre andam em grupos.
69

Tivemos o cuidado de avaliar como essas comunidades ciganas lidam com o


preconceito, e durante a pesquisa conseguimos compreender que todo esse preconceito que a
comunidade cigana sofre no dia a dia pela sociedade onde fixam moradia, não passa de falta
de conhecimento cultural, porém a comunidade cigana compreende os olhares curiosos e
julgamentos dos não ciganos, entretanto, não se importam com esses julgamentos e seguem
em paz, pois aprenderam a conviver com eles.
Para chegarmos a estes resultados, fizemos uma pesquisa do tipo qualitativa,
caracterizada como estudo de caso junto as duas comunidades ciganas da casta Calon, uma
das comunidades fica localizada na cidade de Sátiro Dias-BA e a segunda comunidade fica
localizada na cidade de Delmiro Gouveia-AL, nos períodos de abril de 2018 a setembro de
2019. Uma das dificuldades para fazermos essa pesquisa foi, a falta de recursos financeiros
para o transporte, pois foi preciso nos deslocar para outra cidade ao encontro da comunidade
de Sátiro Dias-BA, para podermos estuda-la, porém usamos recursos próprios e conseguimos
finalizar a pesquisa atingindo os principais objetivos. Devido à falta de recursos para a
presente pesquisa tivemos que nos limitarmos nas informações a serem repassadas neste
trabalho, pois a distância dificultou na coleta de dados. A segunda dificuldade para a pesquisa
foi devido comunidade de Sátiro Dias-BA ainda cultivar a maneira tradicional do nomadismo,
pois comecei a entrevista na cidade de Serrinha-BA, e quando precisei voltar para a
comunidade para coletar os dados que ainda faltavam para o trabalho a comunidade já estava
morando na cidade de Sátiro Dias-BA. Porém hoje a entrevistada Luana, 22 – não se
encontra mais residindo na cidade de Sátiro Dias-BA, somente Denise, 41 e sua família ainda
reside no município.
Recomendamos aos próximos pesquisadores que busquem recursos quando escolher
seus temas para que consigam um melhor resultado, para uma pesquisa satisfatória, procurem
por informações, o máximo possível, de como fazer um estudo de caso e comecem a se
programar antecipadamente para garantirem um bom resultado e já tenham em mãos o
documento de autorização para uso de áudio e imagem para no momento da visita já
apresentar a documentação e pedir para assinarem, evitando dessa forma um atraso na
conclusão da pesquisa.
Durante pesquisa, diante da boa recepção e da excelente troca de comunicação com as
comunidades, nos deparamos com o interesse que esses grupos ciganos demonstraram ter de
serem estudadas. As comunidades revelaram como almejam e merecem serem estudadas para
que se possibilite desenvolverem novos conceitos sobre a sua cultura. Assim entendemos que
70

as comunidades estudadas sonham com um dia em que a cigana possa sair na rua, com suas
vestes, sem que sofram preconceito. E ainda relataram suas pretensões quando nos revelaram
que a maneira mais eficaz de tratamento para o povo cigano seria incluí-los dentro das
políticas públicas do Estado. Pois este ato mostraria um devido respeito e reconhecimento as
suas tradições e costumes milenares, bem como, facilitaria seu melhor entrosamento no meio
em que estão inseridos. Entretanto, uma vez que o poder local criar programas sociais para
conservação e proteção da cultura cigana, esse povo será melhor compreendido e bem mais
respeitado pela sociedade como um todo. Isso significaria também, que nenhum cigano teria
mais motivos de negar sua etnia para serem aceitos, pelo contrário, teria mais orgulho de
revelar sua verdadeira origem.
71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Estudos Históricos na New School Research em Nova York. Cadernos Pagu (3) 1994: pp.
29-62. Nova York 1994.
74

ANEXOS
75

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.)

Você está sendo convidado(a) a participar do projeto de pesquisa A Condição Feminina na


Comunidade Cigana Calon das Cidades de Sátiro Dias-BA e Delmiro Gouveia-AL. Da(o)
pesquisadora(o) Vanessa Montenegro da Silva. A seguir, as informações do projeto de
pesquisa com relação a sua participação neste projeto:
1. O estudo se destina a Universidade Federal de Alagoas – Campus do Sertão/Delmiro Gouveia –
Alagoas.

2. A importância deste estudo é mostrar a realidade das mulheres ciganas da etnia Calon das
comunidades de Sátiro Dias-BA e Delmiro Gouveia-AL. Para fazer-se compreender o papel da
mulher cigana dentro e fora da comunidade mostrando toda tradição e costumes que rege as leis de
seu grupo.

3. Os resultados que se desejam alcançar são os seguintes: estudar mais a fundo as comunidades
ciganas e apresentar perante a sociedade toda a riqueza de suas tradições. Encontrar uma forma de
amenizar o preconceito movido pela a ignorância da sociedade onde acampam. Trazer novos olhares
para a presente cultura cigana e suas tradições, promover a existência social. Mostrar a história de
existência cultural.

4. A sua participação será fornecer uma entrevista sobre os temas propostos pela pesquisadora e
disponibilizar imagens e vídeos que possam comprovar e incrementar a pesquisa.

5. Os incômodos e possíveis riscos à sua saúde física e/ou mental são: desconhecidos, mas se caso se
sinta violada em algum momento podemos encerrar.

6. Os benefícios esperados com a sua participação no projeto de pesquisa, mesmo que não
diretamente são: uma boa experiência em comunicação e uma troca de aprendizado para ambas as
partes.

7. Você será informado(a) do resultado final do projeto e sempre que desejar, serão fornecidos
esclarecimentos sobre cada uma das etapas do estudo.

8. A qualquer momento, você poderá recusar a continuar participando do estudo e, também, que
poderá retirar seu consentimento, sem que isso lhe traga qualquer penalidade ou prejuízo.

9. As informações conseguidas através da sua participação mostrará sua identificação e a divulgação


das mencionadas informações será feita de forma profissional, porém só será acrescentada ao
trabalho de pesquisa por meio de sua autorização.

10. Você não será ressarcido(a) de forma financeira pelas informações que veio trazer com a sua
participação nesse estudo, sendo assim não garantimos a existência de recursos. No entanto o estudo
não acarretará nenhuma despesa para você.

11. Você receberá uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por sua pessoa.
76

Eu ____________________________________________________, tendo compreendido


perfeitamente tudo o que me foi informado sobre a minha participação no mencionado estudo e
estando consciente dos meus direitos, das minhas responsabilidades, dos riscos e dos benefícios que a
minha participação implicam, concordo em dele participar e ceder as imagens necessárias para a
presente pesquisa e para isso eu DOU O MEU CONSENTIMENO SEM QUE PARA ISSO EU
TENHA SIDO FORÇADO(A) OU OBRIGADO(A).

Endereço dos(as) responsáveis pela pesquisa (OBRIGATÓRIO):


Instituição: Universidade federal de Alagoas
Endereço: Rua Barão de Penedo, n° 77
Complemento: Bairro Campo Grande
Cidade/CEP: Delmiro Gouveia-AL
Telefone: (082) 98101-0214 – 99944-4503
Ponto de referência:

ATENÇÃO: O Comitê de Ética da UFAL analisou e aprovou este projeto de pesquisa. Para
obter mais informações a respeito deste projeto de pesquisa, informar ocorrências irregulares ou
danosas durante a sua participação no estudo, dirija-se ao:
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas
Prédio do Centro de Interesse Comunitário (CIC), Térreo, Campus A. C. Simões,
Cidade Universitária
Telefone: 3214-1041 – Horário de Atendimento: das 8:00 as 12:00hs.
E-mail: comitedeeticaufal@gmail.com

Delmiro Gouveia ______ de ______________________ de ______.

Assinatura ou impressão Nome e Assinatura do Pesquisador


datiloscópica do(a) voluntário(a)
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Imagem 7: Vestes tradicionais ciganas.

Fonte: Luana Messias (2018).

Imagem 8: Primeiras adaptações das vestes ciganas.

Fonte: Vanessa Montenegro da Silva (2019).


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Imagem 9: Processo de adaptação das vestes ciganas.

Fonte: Denise Messias (2018).

Imagem 10 – Casamento de Silvane, a matriarca da família.

Fonte: Silvane Ferraz (1989).

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