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Jesus e os Evangelhos
Mateus, Marcos e João
1
inclusive, mais do que um dado: é um juízo de valor que alça os textos a outra
categoria, cuja dignidade ultrapassa à mera atribuição de valor literário. Os
evangelhos, portanto, ainda são considerados por muitos fontes de fé, ainda que
não se creia neles, por força da cultura, da catequese, da instrução cristã. Os seus
textos são coligidos para formar, como afirmou Johann Philipp Gabler (1757-1826),
na aula inaugural da Universidade de Altdorf em 1787, intitulada Oratio de justo
discrimine theologiae biblicae et dogmaticae regundisque recte utriusque finibus
[Discurso sobre a correta diferença entre a teologia bíblica e a dogmática e sobre a
correta definição da área de ambas], os ‘dicta probantia’ [ditos comprobatórios]:
textos que serviriam para confirmar preconcepções dogmáticas.
2
história da investigação a respeito da origem dos evangelhos, pistas que mostrem
por onde nós mesmos podemos trilhar para descobrir nos evangelhos Jesus,
chegando assim a uma imagem mais clara do Jesus dos evangelhos.
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particular da Deidade, ou pela interposição de algum agente invisível”. Sendo
assim, não há razoabilidade no milagre, já que ele contraria a experiência e a lei da
natureza, que é em si fruto do determinismo físico que rege o universo. Se há
alguma percepção de irrupção da ordem natural das coisas, ela provavelmente
procede da ignorância das causas, ou de uma ilusão, visto que vigora no homem o
determinismo psicológico. A história é um dos resultados da superioridade do
instinto natural como princípio que provoca como efeito o conhecimento. Em seu
artigo On the study of history [Sobre o estudo da história], Hume apresenta a
proposta de uma história filosófica para as mulheres, história que visa instruir e
entreter. Não há espaço para uma história do fantástico, exceto na
excepcionalidade dos atos e do caráter dos seus protagonistas.
1
Os chamados Wolfenbüttelschen Fragmente [Fragmentos de Wolfenbüttelschen] receberam
originalmente o nome de Apologie oder Schutzschrift für die vernünftigen Verehrer Gottes
[Apologia ou cartas para adoradores razoáveis de Deus]. Eles foram escritos entre 1735 e
1767/68 e foram publicados fragmentos (7, ao todo) por Gotthold Ephraim Lessing em 1774 e
1777/78 sob o título Textes eines Ungennanten [Texto de um anônimo]. O quarto fragmento
publicado por Lessing em 1777 provocou fortes reações. Uma segunda porção da obra de
Reimarus foi publicada em 1787 por C. A. E. Schmidt (pseudônimo) sob o título Übrige noch
ungedruckte Werke des Wolfenbüttelschen Fragmentisten [Outros trabalhos ainda inéditos do
fragmentista de Wolfenbüttelschen]. Outros fragmentos da obra de Reimarus foram publicados por
Wilhelm Klose no jornal editado por Christian Wilhelm Niedner, entitulado Zeitschrift für historische
Theologie [Revista de Teologia Histórica], publicada em 1850-1852. Uma cópia do texto foi feito e
mantido como obra coletiva em 1813 na biblioteca da Universidade de Göttingen. A publicação da
obra completa foi feita apenas em 1972, por Gerhard Alexander, em dois volumes.
2
O texto, publicado por Lessing, é o sétimo e último fragmento da coletânea.
4
atitude em relação à morte: enquanto Jesus, o reformador judeu politizado e
condenado, brada o seu fracasso na cruz, os discípulos construíram a partir desse
fracasso um modelo diferente de Messias, um Jesus que eles sabiam ser falso –
mais que um político, um taumaturgo, um ser divino. Funda-se aqui, pelo menos
para a pesquisa moderna, a oposição entre história e fé nos termos de uma
distinção crucial entre um Jesus que pode ser submetido à análise factual em
oposição a outro, alvo de crença, divinizado. Este último Jesus é alçado à estatura
de Cristo mediante uma falsificação histórica provocada pelos discípulos, que
rompem assim com os critérios do fazer histórico correto proposto por Reimarus.
5
David Friedrich Strauss (1808-1874) é o próximo a interferir decisivamente
no curso da pesquisa sobre Jesus. Autor ligado à Escola de Tübingen, Strauss foi
aluno de Friedrich Heinrich Kern3 e Ferdinand Christian Baur. O seu pensamento é
influenciado pelo hegelianismo que grassa os estudos da sua universidade e da
filosofia da história que Hegel propusera.4 A Escola de Tübingen dedicara-se aos
estudos do Novo Testamento a partir do viés histórico mediante a aplicação do
método hegeliano, tendo à época o próprio F. C. Baur,5 Eduard Zeller6 e Adolf
Bernhard Christoph Hingenfeld7 como principais nomes. Entre 1835 e 1836,
Strauss publicou a obra Das Leben Jesu, kritisch bearbeitet [A vida de Jesus
examinada criticamente], na qual ele descreve a informação histórica sobre Cristo
como mito a partir da influência que recebeu de David Hume. Em oposição ao
3
Friedrich Heinrich Kern (1790-1842) foi o responsável por importantes desenvolvimentos da
pesquisa em Tübingen sobre as cartas paulinas, em especial, sobre a questão da pseudonomínia.
Ver: “Über 2. Thess. 2,1-12. Nebst Andeutungen Über den Ursprung des zweiten Briefs an die
Thessalonicher", Tübinger Zeitschrift für Theologie, Jahrgang 1839, 2. Heft, 145-214 [“Sobre 2 Ts
2.1-12 e pistas sobre a origem da segunda carta aos Tessalonicenses”. Jornal de Teologia de
Tübingen, 1. Ed 1839, reimpressão, p. 145-214].
4
Georg Friedrich Hegel (1770-1831) é responsável pela introdução da dialética na descrição
histórica do cristianismo feita por Baur. Se para Hegel, a primeira grande fase é caracterizada pela
unidade originária na Grécia sob o influxo de Der wahre Geist [o Espírito verdadeiro], passando á
segunda fase (da Roma Antiga até a Revolução Francesa, fase de Der sich entfremdete Geist [o
Espírito alienado de si mesmo]), chegando à fase do Estado racional, fase em que Der seiner
selbst gewisse Geist [o Espírito (está) certo de si mesmo]. A mesma lógica corre com Baur, mas
com outros agentes: oposição entre o cristianismo judaizante dos primeiros apóstolos; o
evangelho universalizante e liberto da Lei, de Paulo; e o evangelho joanino.
5
Baur (1792-1860) é o autor mais influente da Escola de Tübingen no que diz respeito aos
estudos do Novo Testamento em geral, e sobre Paulo, em particular. Em relação aos evangelhos,
Baur propunha na obra Kritische Untersuchungen über die kanonischen Evangelien, ihr
Verhältniss zu einander, ihren Charakter und Ursprung [Estudos críticos dos evangelhos
canônicos, sua relação com o outro, a sua natureza e origem] de 1847 que os evangelhos revelam
uma tendência conciliatória (Tendenz), sendo o resultado das adaptações e redacionamentos a
partir de um evangelho mais antigo, sendo Mateus o evangelho mais próximo ao Urevangelium
(evangelho primitivo), Lucas um evangelho paulino, Marcos um evangelho tardio e João um
evangelho idealizante.
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Zeller (1814-1908) é um dos responsáveis pelo método histórico desenvolvido na Escola de
Tübingen, método utilizado por Baur e Strauss na descrição do cristianismo primitivo. Destaca-se
em sua farta produção bibliográfica a obra De Apostelgeschichte kritisch untersucht [Atos dos
Apóstolos examinado criticamente] de 1854.
7
Hilgenfeld (1823-1907) desenvolveu em uma via bem peculiar a sua pesquisa sobre os textos
joaninos (Die Evangelien and die Briefe des Johannes nach ihrem Lehrbegriff [O evangelho e as
epístolas de João após seu ensino]) e Marcos (Das Markusevangelium [O evangelho de Marcos])
em 1849 e 1850 respectivamente. Editor do Zeitschrift für wissenschaftliche Theologie [Jornal de
Teologia de Tübingen] a partir de 1858, escreveu uma introdução ao Novo Testamento
rigorosamente histórica em 1875: Histor.-kritische Einleitung in das Neue Testament.
6
Jesus batizado por João Batista, que ensinara, fizera discípulos e morrera por
causa da hostilidade dos fariseus, o Cristo da narrativa dos discípulos (e, por
conseguinte, dos evangelhos) era o resultado do cruzamento de informações de
sua vida e a harmonização de sua vivência histórica com as profecias do Antigo
Testamento. Os cristãos primitivos, ao forjarem uma ‘estória’ a partir de Jesus,
tornam-no o Messias, ideia a partir da qual mitos e lendas foram criados pela
comunidade cristã para veicular a sua fé. Para recuperar o Jesus da história,
Strauss propõe uma leitura que encontre no mito a biografia de Jesus, uma tarefa
quase impossível de ser cumprida pela dificuldade de discernir os fatos em meio a
tantas inovações por parte dos primeiros discípulos.
A pesquisa dos séculos XVII e XVIII sobre Jesus, ainda que sofra a
influência dos deístas e rompa com as concepções de fé e mito, como se viu
acima, ainda conservava a concepção de infalibilidade da Escritura como um valor
fundamental. As reações às obras de Reimarus, d’Holbach e Strauss foram
7
efusivas e calaram, de alguma forma, o influxo da nova pesquisa emergente.
Porém, ainda com as reações, sedimenta-se um método que junge história e
crítica, e que culminará na análise do texto bíblico sem a égide da dogmática. A
separação requerida por Griesbach entre a teologia dogmática e a teologia bíblica
torna-se, no fim do século XIX, uma separação de fato nos autores Renan,
Michaelis, Lessing, de Wette, Bleek, Wilke, Weisse e Holtzmann, com um avanço
fundamental – a respeito do divino, com raras exceções, restara apenas o nome.
8
Erasmo de Roterdã, em seu humanismo cético, afirmava que havia uma veneração por parte
dos seus contemporâneos a partir do silêncio místico - quando a Escritura era lida, partes
obscuras eram clarificadas a partir do misticismo. Lutero, distintamente do mero criticismo de
Erasmo, afirma que “existe uma dupla clareza da Escritura, assim como existe uma dupla
obscuridade: uma é externa, colocada no ministério da Palavra; a outra, situada na cognição do
coração […] tudo o que está na Escritura foi conduzido à luz certíssima e declarado ao orbe todo
pela Palavra” (Breve instrução sobre o que se deve procurar nos evangelhos e o que esperar
deles, Apostila da Igreja, 1522). Lutero afirma que qualquer passagem da Escritura é evidente,
mas só não é possível de ser vista porque o coração, obscuro, reduz, avilta, diminui a glória de
Deus. Sendo assim, o coração é fonte da claritas externa scripturae, da claridade externa da
Escritura, que faz resplandecer a glória de Deus e concentra toda a glória possível ao único que é
digno de recebê-la: o Deus da Escritura. Distintamente de Erasmo, que, Lutero afirma que a glória
de Deus que a Escritura revela é algo que “quae supra nos, nihil ad nos” ([que está acima de nós,
não junto a nós] De servo arbitrio, 1525).
8
leitor mais atento observar contradições no texto,9 até a desconfiança em torno da
veracidade de determinadas passagens, tais questões abalaram, mas não
derrubaram a leitura do Novo Testamento a partir do paradigma de fidedignidade e
infalibilidade do seu conteúdo.10 A inerrância da Escritura, a sua impossibilidade de
falhar e a aplicabilidade irrestrita de seu texto a todas as situações vivenciais do
crente – sendo a Escritura a ‘regra de fé e prática’ – foram, autor a autor, crítica a
crítica, cedendo lugar a outro referencial. O referencial que ganha cada vez mais
espaço, após a tentativa seiscentista e setecentista de submeter o texto bíblico ao
conceito de verdade racionalista é, no século XIX, submeter tais concepções a
ideia mais bem acabada de história.
9
Após a tradução da Bíblia nas línguas maternas dos leitores e a disseminação do seu texto por
causa da imprensa recé-m-inventada por Gutenberg, tornou-se costumeiro o fato de um leitor
mais atento observar as dificuldades relacionadas ao registro dos evangelhos a respeito do avô de
Jesus (Mt 1.16, Lc 3.23), ou da hora de sua crucifixão (Jo 19.14, Mc 15.25), ou mesmo da bebida
que ele tomou na cruz (Mc 15.23, Mt 27.45), ou sobre quem carregou a cruz (Jo 19.17, Mt 27.32),
ou então sobre o sinal pedido pelos judeus (Mt 12.39, Mc 8.12). Tais textos, sob o influxo da ideia
de inerrância e infalibilidade a partir de referências racionalistas, de fato sucumbem à análise mais
criteriosa. Tal crítica se deu bem cedo na história da pesquisa, tanto do Antigo quanto do Novo
Testamento com Richard Simon (1678), Henning Bernhard Witter (1711) e Jean Astruc (1753).
10
O exemplo mais pujante da concepção de inerrância é o chamado Textus Receptus. O Novo
Testamento Grego publicado em sua segunda edição na Holanda pelos irmãos Elzevir (1633)
trazia em seu prefácio o seguinte: “Textum ergo habes nunc ab omnibus receptum, in quo nihil
immutatum aut corruptum damus” [Portanto, tens o texto agora recebido por todos, que não
damos em nada alterado ou corrompido]. A primeira edição de Elzevir (publicada em 1624)
permaneceu até o limiar do século XX como a edição standard do Novo Testamento grego – e
isso, meramente, por questões dogmáticas, inclusive a concepção de infalibilidade. Apenas em
1899 Marvin Vincent mencionou, em sua obra A History of the Textual Criticism of the New
Testament de 1899, que ele tinha sido superado, pelo trabalho de L. Konstantin von Tischendorf,
Westcott e Hort, permanecendo como um ‘monumento histórico’. Não é por acaso que ele assim
permanecera, mesmo com tantos textos disponíveis para consulta desde o século XVII, muito dos
quais diferiam em muito do texto estabelecido pelos irmãos Elzevir e eram-lhe superiores, como
apontara Johann Jakob Griesbach em sua edição do Novo Testamento grego publicada entre
1775 e 1777.
9
1883. Texto que endossa o viés romântico que grassa a Europa e, em particular, a
França do seu tempo, demonstra a partir das fontes, os evangelhos, a luta de
Jesus contra os judeus de seu tempo, o que faz do protagonista da obra de Renan
um arauto do humanismo secular e universal. O Jesus da biografia escrita por
Renan é promotor de um culto puro, de uma religião em que os sacerdotes estão
apartados, em que os sentimentos e a imitação de Deus prevalecem. Então, a
conclusão de Renan é a de que Jesus renegou a sua judaicidade em suas
práticas. O Jesus da obra de Renan não faz milagres, mas se atém à investigação
teológica. A imaginação artística de Renan, unida ao acesso às fontes e ao
conhecimento do conteúdo das mesmas tornou Jesus o Cristo porque ele
observara nas montanhas, ventos, céu, na sua ambiência, o sentido da vida
religiosa que traduziu no sermão do Monte e das parábolas. Sucumbe, então, com
o sucesso da obra de Renan qualquer possibilidade de retorno para os termos
ingênuos a partir dos quais a vida de Jesus era lida até o fim do século XIX – a
crítica popularizara-se em um caminho aberto à força pelos pioneiros, porém
agora, popularizado em obras consumidas por leitores que frequentam as
bibliotecas, mas também por tantos outros que leem os novos consensos em sua
alcova.
10
em comum como fontes. A hipótese da existência de vários evangelhos primitivos
será refinada por Gottfried Ephraim Lessing na obra Theses aus der
Kirchengeschichte [Teses da história da Igreja] de 1776; e na obra Hypotesen über
die Evangelisten als bloss menschliche Geschichtschreiber betrachtet [Hipótese
sobre os evangelistas considerados como historiadores meramente humanos] de
1778. Lessing afirma em ambas as obras que os Evangelhos são traduções feitas
pelos evangelistas de um evangelho aramaico muito antigo e de origem apostólica,
o evangelho dos Nazarenos, texto citado por Jerônimo no século IV.
11
1834) na obra Über die Schriften des Lukas ein kritischer Versuch [Sobre os
escritos de Lucas: uma prova crítica] de 1817. Na obra, Schleiermacher afirma,
contra Gieseler (teoria do evangelho oral) e contra os adeptos da teoria da mútua
utilização, que os autores do conteúdo evangélico são os apóstolos, os quais
anotavam as pregações de Jesus em resumos (diegéseis) que foram recolhidos
quando a primeira geração de cristãos começou a desaparecer. Logo, os autores
dos evangelhos sinóticos seriam, na verdade, compiladores que reuniram, cada
um deles, aquilo que mais o interessava. O caminho se abre, então, para uma
dupla conclusão: tanto houve um material oral ou escrito de base, quanto houve
mútua utilização dos textos, como já afirmou Johann Jakob Griesbach (1745-1812)
na obra Commentatio qua Marci Evangelium totum e Matthaei et Lucae
commentariis decerptum esse monstratur de 1789 (I) e 1790 (II – republicado
inteiro, com adições, em 1794). Griesbach afirma que Marcos depende das obras
de Mateus e Lucas, uma vez que teria resumido Mateus e que teria Lucas como
Vorlage. Friedrich David Strauss e a Escola de Baur assumiram a tese de
Griesbach, bem como Wilhelm Martin Leberecht de Wette (1780-1849) em seu
Einleitung in das Neue Testament [Introdução ao Novo Testamento] de 1826; e
Johannes Bleek (1793-1859) em seu Synoptische Erklärung der drei ersten
Evangelien [Leitura sinótica dos três primeiros evangelhos] de 1862 reafirmam a
mútua utilização.
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Untersuchung über das Verwandtschaftsverhältniß der drei ersten Evangelien [O
primeiro evangelista, um estudo exegético e crítico sobre a relação entre os três
primeiros evangelhos]. Weisse, na obra em dois volumes Die evangelische
Geschichte, kritisch und philosophisch bearbeitet [A história do evangelho, editado
de forma crítica e filosoficamente]. Sendo assim, o caminho estava aberto para
Heinrich Julius Holtzmann endossar e reafirmar a prioridade de Marcos em relação
aos outros evangelhos em 1893, na obra Die synoptischen Evangelien, ihr
Ursprung und geschichtlicher Charakter [Os evangelhos sinóticos: sua origem e
característica histórica].
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O silêncio messiânico e o silêncio da história
WILLIAM WREDE
ALBERT SCHWEITZER
14
Em quarto lugar, é certo na pesquisa de que não é possível escrever uma
biografia de Jesus no sentido atual do termo ‘biografia’. Os evangelhos são a
principal fonte sobre Jesus, visto que eles são resultado do impacto que a vida e a
obra de Jesus provocou nos seus seguidores. As memórias de Jesus conservadas
na mente e no coração dos seus seguidores foram também preservadas em
escritos provenientes das mãos de crentes que escreveram e interpretaram o
passado de Jesus a partir de sua fé no Cristo ressuscitado. Sendo assim, eles não
escreveram biografias, mas anunciaram ass boas novas sobre Jesus, tratando-o
como Senhor, Messias e Filho de Deus no texto.
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importantes esforços para analisar criticamente a literatura rabínica, de forma a
impedir que os pesquisadores cheguem a conclusões falsas sobre o judaísmo pré-
70 (Neusner, Sanders).
8Sanders, Jesus and Judaism 10–11; I think Jesus not merely a healer but an
exorcist, a point too often downplayed in the quests for relevance. Compare Norman
Perrin, The New Testament: An Introduction (New York: Harcourt, Brace,
Jovanovich, 1974) 277–78, for a similar list by a scholar sympathetic to the second
quest. These factoids are not sufficient for writing a biography of Jesus.
A pesquisa atual está fazendo um grande esforço para localizar Jesus dentro
do judaísmo do seu tempo. Tal questão é muito mais complexa e diversificada do
que se pensava até recentemente. Jesus é o fundador de um movimento de
renovação ‘judaico’ (Theissen). Corrigida a tendência em vigor há alguns anos, que
enfatizava apenas o caráter original e único de Jesus, em detrimento de seu
engfajamento com as questões de seu contexto religioso, aplicam-se hoje leituras
dos dados muito menos exclusivistas e muito mais flexíveis, visto ser um caminho
para a investigação o chamado ‘critério de continuidade’ entre Jesus e o judaísmo
que o precedeu, bem como o judaísmo contemporâneo. É verdade que tem havido
atribuições de características ao movimento de Jesus advindo de ambiente
estrangeiro (por exemplo, as relações entre Jesus e os cínicos itinerantes,
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destacadas por Downing, Mack e em parte por Crossan), mas tais leituras
sofreram uma crítica muito eficiente, sendo assim posta sob limite.
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Diferentes modelos ainda fazem parte da ampliação criativa de métodos e
abordagens a respeito do Jesus Histórico. Meier concebeu o seu campo de
investigação a partir da realidade de Jesus como ‘judeu marginal’. Horsley,
Theissen e Kaylor analisam Jesus como um ‘reformador social’. Downing, Mack e
Crossan apresentam Jesus como um ‘itinerante cínico’. Bem-Witherington III e
Schussler-Fiorenza tratam Jesus como ‘mestre de sabedoria’. Vermes e Borg
tratam Jesus como ‘piedoso judeu’ (hasid) cheio do espírito. Meier, Wright, Dunn,
Stulmacher e Bocmuel apresentam Jesus como profeta escatológico de Jesus.
Não há, certamente, o risco de focar a pesquisa sobre um aspecto particular,
negligenciando outros aspectos também coletados na tradição de Jesus, caso se
dê necessária atenção à contribuição mais sólida e fundamentada proveniente de
cada modelo. O Jesus que age como ‘profeta escatológico’ é o mesmo que
promove a ‘mudança social’ exigida pela vinda do Reino de Deus. O Jesus que é
movido pelo Espírito de Deus também se dirige aos doentes para curar as suas
doenças e fornecer o perdão. Ele não apenas prega o reino de Deus e a sua
instauração definitiva, mas também promove a busca de justiça. A aproximação
teórica de Jesus deve evitar o risco de ficar presa a um modelo único, mas deve
ser consistente entre as diferentes contribuições.
É possível concluir dizendo que são três as características que podem ser
observadas na investigação atual sobre o Jesus Histórica: há uma mudança em
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curso na pesquisa da União Europeia, em especial nos países de fala inglesa; há
ainda um crescimento significativo de trabalhos e publicações sobre o assunto
‘Jesus Histórico’; e, por fim, há um grande crescimento no desenvolvimento de
pesquisas interdisciplinares, como se pode ver no grupo dedicado ao Jesus
Histórico, criado em 1983 na Sociedade de Literatura Bíblica, o Jesus Seminar,
criado em 1985, e o Context Group, ou ainda o International Project Q.
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que é essencial para a análise dos textos. É necessário, contudo, estar atento para
o risco de dar mais atenção aos aspectos sociais que às questões individuais e
religiosas, o que seria uma leitura limitada do texto.
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A utilização de métodos que tenham afinidade com o conteúdo do texto é
importante para lembrar que o conhecimento certo do texto bíblico só é acessível
para aqueles que procuram ouvir aquilo que um texto fala. Logo, não deve haver
obstáculos para que se lance mão de teorias hermenêuticas que permitam uma
boa percepção da realidade mais profunda do que a Escritura fala, levando tal
realidade para auxiliar e edificar o homem contemporâneo. Não há dúvida de que a
sintonia com a mensagem de Jesus torna o exegeta mais capaz de compreender a
sua própria realidade a partir da leitura da Bíblia.
Houve também um evangelho escrito antes de 70. Ela chegou até nós
incorporado em Mateus e Lucas, o que mostra que tal evangelho foi uma
importante fonte. Os pesquisadores deduziram a sua existência a partir da análise
crítica de Mateus e Lucas, evangelhos escritos de forma independente um do
outro, mas que coincidem muitas vezes até literalmente. Esse fato pode ser
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explicado somente se ambos copiarem uma fonte anterior a sua redação. Esse
escrito, de autor desconhecido, cujo nome atribuído é “Fonte Q” (o termo alemão
Quelle significa “fonte”), foi escrito em grego e composto na Palestina antes da
destruição de Jerusalém. Contém apenas discursos e parábolas – não contém
narrativas de qualquer tipo, nem uma narrativa da paixão, nem ao menos
narrativcas de aparição da ressurreição. Essas frases foram provavelmente
coletadas por missionários itinerantes dos primeiros anos do cristianismo, que
registraram o estilo de vida e a pregação de Jesus, o que demonstra grande
interesse sobre o seu ensino. A fonte Q é agora objeto de atenção de muitos
pesquisadores e é um dos capítulos mais emocionantes da pesquisa moderna
sobre Jesus. Avançar no estudo das diferentes fases de sua composição, do grupo
de pregadores itinerantes que deram origem a esse evangelho ou estilo de vida e
de contracultura proposta em suas linhas, são desafios atuais. Embora haja muitas
questões abertas, é possível falar de um consenso, e a fonte Q é considerado hoje
como o documento mais importante para reconstruir o ensinamento de Jesus.
O Evangelho de Mateus
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Evangelho de Lucas
O evangelho de Lucas foi escrito, como Mateus, por volta dos anos oitenta,
provavelmente em algum lugar da Palestina. Ele foi concebido como a primeira
parte de uma grande obra dividida em duas: o evangelho de Jesus e Atos dos
Apóstolos. As fontes de Lucas são o evangelho de Marcos e a fonte Q, que é o
material mais abundante recolhido pelo evangelista e que cobre quase a metade
do seu evangelho. Há em Lucas grandes discursos e ricas exposições parabólicas.
Lucas usa o material próprio para apresentar a seu próprio relato da infância. Em
termos gerais, Lucas segue Marcos, com poucas mudanças e algumas omissões
importantes. Lucas trabalha e molda a figura de Jesus de acordo com a sua
própria perspectiva.
Evangelho de João
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ASPECTOS GERAIS DA VIDA DE JESUS
Nascimento de Jesus
A vida em Nazaré
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Jesus passou a sua infância, a sua juventude e os seus primeiros anos de
vida adulta em Nazaré, que era uma pequena aldeia que ficava em uma colina na
região montanhosa da Galileia, longe das rotas comerciais importantes. Jesus
tinha uma mentalidade mais rural do que urbana. O conhecimento da realidade
sociocultural e religiosa da Galileia pode plausivelmente reconstruir alguns
aspectos da atividade de Jesus como artesão e a sua educação dentro de uma
família judia. Discute-se a possibilidade de Jesus ter trabalhado na reconstrução
de Séforis, que naqueles anos estava sendo restaurada por Herodes Antipas.
Jesus começou a sua atividade sem o apoio da sua família. Sua família não
apoiou a sua atividade de profeta itinerante. Eles chegaram a acreditar que ele
estava fora de si e sentiu que ele desonrou a sua família. Jesus criou novas
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relações ao formar um grupo de seguidores. Ao considerar os laços da família um
obstáculo à sua missão, Jesus finalmente abandonou a sua casa em Nazaré e foi
para Cafarnaum. Mais tarde, aparentemente, alguns parentes de Jesus estavam
ligados ao seu movimento.
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Jesus fala só de si mesmo. Sua pregação se concentra no que ele chama de ‘reino
de Deus’. Sua mensagem provém da tradição judaica, mas não vêm diretamente
da literatura apocalíptica ou o ensinamento oficial dos escribas, mas da sua
profunda experiência de Deus, que Jesus está tentando comunicar através de uma
linguagem simbólica e poética, extraída da vida. Em sua pregação, é central a
relação com um Deus que é Pai, que faz nascer o sol sobre os bons e os maus,
que acolhe e procura seus filhos perdidos. É essencial ao seu convite para ‘entrar’
no reino de Deus e no seu chamado para ser ‘compassivo’, o perdão aos inimigos.
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normas de pureza ritual. Ele não se dedicava aos ritos, como o de limpar as mãos
antes de comer. Ele não praticava o jejum. Ele quebrou algumas vezes as regras
prescritas no sábado, vivia em torno de pessoas indesejáveis, como os cobradores
de impostos e as prostitutas. Ele aparecia em público acompanhado por mendigos,
famintos e marginalizados, se confraternizava e comia com os pecadores. Ao
contrário dos costumes Contrariamente aos costumes sociais estabelecidos, Jesus
tentou publicamente admitir as mulheres entre os seus discípulos. Maria de
Magdala ocupa um lugar importante no movimento de Jesus. Aparentemente,
Jesus teve uma atitude acolhedora também com as crianças. Tudo isso era feito
por Jesus, mas de uma forma não provocativa. Sua intenção era mostrar que o
reino de Deus está aberto a todos, sem excluir ou marginalizar qualquer pessoa
que seja.
Jesus nunca teve a intenção de romper com o judaísmo ou contra Israel. Ele
sempre aparecia convocando o povo para o reino de Deus. Mas, de fato, Jesus
formou em torno de um pequeno grupo de seguidores, entre os quais havia
também um número de mulheres. Além desse pequeno grupo, houve uma maior
disposição das seguidoras de continuarem a viver em suas casas, acolhendo a
Jesus e a seu grupo quando eles chegavam ao seu vilarejo. Jesus cercou-se de
um grupo mais próximo, os ‘Doze’, que simbolizavam o seu desejo de restauração
de Israel.
As reações a Jesus
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Além do pequeno grupo de discípulos e do círculo de adeptos, Jesus chegou
a uma popularidade muito grande na Galileia e regiões circunvizinhas. Parece que
esse eco popular diminuiu durante o curto tempo de sua atividade itinerante. De
fato, Jesus mobilizou massas relativamente importantes, e isso o tornou perigoso
para as autoridades. Jesus também causou rejeição de setores que tentaram
estigmatizá-lo, lançando-o ao descrédito para impedir a sua influência. De fato,
Jesus não foi bem recebido pelos seus vizinhos e sofreu oposição dos escribas e
dos líderes religiosos, tanto na Galileia e quanto em Jerusalém. Ele foi criticado por
comer com pecadores e foi acusado de ser possuído pelo demônio.
A morte de Jesus
29
Jesus no Evangelho de Mateus
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