Você está na página 1de 31

STBNE

Jesus e os Evangelhos
Mateus, Marcos e João

Prof. Brian Kibuuka


07-nov-2012

Conferências no Seminário Teológico Batista do Nordeste


À Guisa de Introdução: Jesus e os Evangelhos

Jesus. Os quase dois milênios do cristianismo ocidental portaram em sua


pregação esse nome. Jesus, o Judeu, o Galileu, o Nazareno, o Crucificado. Os que
creem nele consideram-no Deus e Senhor, prestam-lhe culto. Sendo tal a realidade
que habita a fé dos cristãos, revisitar Jesus Cristo no afã de entender como Jesus
se tornou Cristo a partir da documentação textual disponível é um exercício
necessário, porém polêmico. Polêmico porque, em primeiro lugar, geralmente há,
no mundo ocidental, alguma noção geral a respeito dos textos que nutrem nos
crentes a fé em torno do Cristo. Mesmo os que nunca leram os evangelhos ou
nunca ouviram as histórias que eles narram conhecem-nas. Além disso, as bíblias
trazem em seu bojo quatro evangelhos que muitas vezes são compreendidos pelos
leitores como preciosas e fidedignas fontes de informação. Os milagres narrados
nos evangelhos são considerados por muitos fatos históricos. As parábolas são
lidas nas igrejas cristãs como palavras genuínas de Jesus. A crucificação e, ainda
mais, a ressurreição, são tidas como provas incontestáveis de um ato salvífico em
favor dos pecadores que creem e que crerem no Cristo – daí, a evangelização, o
ato de comunicar Jesus Cristo crucificado e ressurreto para homens e mulheres,
no afã de conduzi-los à salvação da alma, e até mesmo do corpo.

Tanto o conhecimento do texto - de sua existência e/ou do seu conteúdo -


quanto a aceitação da verdade, validade e até mesmo historicidade de sua
narrativa, são duas realidades pertencentes ao contexto de recepção
contemporânea dos evangelhos que consideramos aqui premissas. Quando
falamos os nomes Mateus, Marcos, Lucas, João, tais nomes são associados a
Jesus e a maior parte dos interlocutores se lembrará das Bíblias de capas pretas,
de passagens marcantes, de ditos de Jesus, de milagres. Os nomes dos textos se
associam quase que imediatamente ao nome do gênero, evangelho – o que é,

1
inclusive, mais do que um dado: é um juízo de valor que alça os textos a outra
categoria, cuja dignidade ultrapassa à mera atribuição de valor literário. Os
evangelhos, portanto, ainda são considerados por muitos fontes de fé, ainda que
não se creia neles, por força da cultura, da catequese, da instrução cristã. Os seus
textos são coligidos para formar, como afirmou Johann Philipp Gabler (1757-1826),
na aula inaugural da Universidade de Altdorf em 1787, intitulada Oratio de justo
discrimine theologiae biblicae et dogmaticae regundisque recte utriusque finibus
[Discurso sobre a correta diferença entre a teologia bíblica e a dogmática e sobre a
correta definição da área de ambas], os ‘dicta probantia’ [ditos comprobatórios]:
textos que serviriam para confirmar preconcepções dogmáticas.

Não faz parte dos nossos objetivos desconstruirmos a fé cristã, nem


desqualificarmos os evangelhos, muito menos a dogmática. Nós não temos a
pretensão de dizer que toda a história evangélica não passa de um engodo, de
uma farsa criada pelos primeiros cristãos. É claro que há obras com o claro
objetivo de desconstruir o “mito” chamado Jesus Cristo, ou que acabam fazendo
isso em seu percurso investigativo, mesmo que quase o faça acidentalmente. Mas
colocar a questão nos termos da defesa ou ataque do cristianismo é um
reducionismo desnecessário e prejudicial, ainda que haja por parte de
pesquisadores tal premissa. Nossa intenção passa longe desse objetivo.

O que desejamos é colocar o debate em termos mais claros. É lançar o


nosso olhar às premissas do debate. Afinal, a dogmática é posta em oposição à
ciência histórica pelo mesmo Gabler que citamos acima, ciência da qual faz parte a
teologia bíblica. Porém, opor fé e dogma, dogmática e história, fé e ciência, é
sucumbir à tendência à dicotomia típica do idealismo que forjou o debate. É claro
que há oposições, mas escolher as tais após categorizar tautologicamente os
campos de discussão é discutir sobre alicerces em areia. Logo, urge, antes de
avançar, apontar os protagonistas das várias fases da investigação sobre Jesus e
procurar desvendar os seus referenciais teóricos. Neste afã, passamos a mostrar a
história da pesquisa para elucidar na primeira questão do Jesus histórico ou na

2
história da investigação a respeito da origem dos evangelhos, pistas que mostrem
por onde nós mesmos podemos trilhar para descobrir nos evangelhos Jesus,
chegando assim a uma imagem mais clara do Jesus dos evangelhos.

O divórcio entre Jesus e os evangelhos

A questão do Jesus histórico se dá mediante a compreensão de que a


pessoa Jesus pode ser elucidada mediante a disciplina nascente, a história. E sob
a égide do nome história, utilizado em uma acepção moderna que é nova no
percurso investigativo humano sobre o seu passado, que emergem novas
demandas – e a principal delas: a análise da veracidade dos textos que antes
serviam, sem grandes questionamentos, para descrever uma personagem
histórica. Antes do século XVI, os evangelhos eram utilizados como fontes
fidedignas para falar de Jesus, Paulo, da Igreja Primitiva. Na modernidade, a
objetividade, a neutralidade, o racionalismo e o naturalismo metodológico surgem
como novos referenciais básicos para o fazer histórico, referenciais que são, ao
mesmo tempo, medidas para atestar a veracidade ou não de um texto.

As questões relacionadas à verdade histórica dos textos religiosos e da


crítica dos documentos que lhe servem de base emergem com força nos séculos
XVII e XVIII sob o influxo das ideias racionalistas, empiristas, mas principalmente
deístas, em especial, as de David Hume. Os evangelhos do Novo Testamento
estão eivados de milagres, de narrativas pertencentes ao campo do sobrenatural e
do maravilhoso. A filosofia de Hume, por outro lado, impede qualquer expressão
proveniente de algo sobrenatural, sem, contudo, impedir a sua percepção. No
caso, em An Enquiry Concerning Human Understanding [Um ensaio acerca da
compreensão humana] de 1748, Hume afirma na seção 10 (‘Sobre os Milagres’)
que o milagre é “uma transgressão de uma lei da natureza por uma volição

3
particular da Deidade, ou pela interposição de algum agente invisível”. Sendo
assim, não há razoabilidade no milagre, já que ele contraria a experiência e a lei da
natureza, que é em si fruto do determinismo físico que rege o universo. Se há
alguma percepção de irrupção da ordem natural das coisas, ela provavelmente
procede da ignorância das causas, ou de uma ilusão, visto que vigora no homem o
determinismo psicológico. A história é um dos resultados da superioridade do
instinto natural como princípio que provoca como efeito o conhecimento. Em seu
artigo On the study of history [Sobre o estudo da história], Hume apresenta a
proposta de uma história filosófica para as mulheres, história que visa instruir e
entreter. Não há espaço para uma história do fantástico, exceto na
excepcionalidade dos atos e do caráter dos seus protagonistas.

A influência das ideias de Hume sobre o milagre, sobre a divindade deísta e


sobre a história se dissiparam por toda a Europa e deixaram marcas profundas
entre os germânicos, como se pode perceber na pesquisa bíblica. E é a partir de
tais referenciais que Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) lança o debate a
partir de sua obra Apologie der Schutzschrift für die vernünftigen Verehrer Gottes
[Apologia ou cartas para adoradores razoáveis de Deus].1 No capítulo intitulado
Von dem Zwecke Jesu und seiner Jünger [Sobre os propósitos de Jesus e de seus
discípulos],2 Reimarus declara haver diferenças importantes entre o que Jesus era
e aquilo que os seus discípulos afirmaram sobre ele. A diferença principal que é
apontada por Reimarus entre Jesus e os seus discípulos se dá na distinção de

1
Os chamados Wolfenbüttelschen Fragmente [Fragmentos de Wolfenbüttelschen] receberam
originalmente o nome de Apologie oder Schutzschrift für die vernünftigen Verehrer Gottes
[Apologia ou cartas para adoradores razoáveis de Deus]. Eles foram escritos entre 1735 e
1767/68 e foram publicados fragmentos (7, ao todo) por Gotthold Ephraim Lessing em 1774 e
1777/78 sob o título Textes eines Ungennanten [Texto de um anônimo]. O quarto fragmento
publicado por Lessing em 1777 provocou fortes reações. Uma segunda porção da obra de
Reimarus foi publicada em 1787 por C. A. E. Schmidt (pseudônimo) sob o título Übrige noch
ungedruckte Werke des Wolfenbüttelschen Fragmentisten [Outros trabalhos ainda inéditos do
fragmentista de Wolfenbüttelschen]. Outros fragmentos da obra de Reimarus foram publicados por
Wilhelm Klose no jornal editado por Christian Wilhelm Niedner, entitulado Zeitschrift für historische
Theologie [Revista de Teologia Histórica], publicada em 1850-1852. Uma cópia do texto foi feito e
mantido como obra coletiva em 1813 na biblioteca da Universidade de Göttingen. A publicação da
obra completa foi feita apenas em 1972, por Gerhard Alexander, em dois volumes.
2
O texto, publicado por Lessing, é o sétimo e último fragmento da coletânea.

4
atitude em relação à morte: enquanto Jesus, o reformador judeu politizado e
condenado, brada o seu fracasso na cruz, os discípulos construíram a partir desse
fracasso um modelo diferente de Messias, um Jesus que eles sabiam ser falso –
mais que um político, um taumaturgo, um ser divino. Funda-se aqui, pelo menos
para a pesquisa moderna, a oposição entre história e fé nos termos de uma
distinção crucial entre um Jesus que pode ser submetido à análise factual em
oposição a outro, alvo de crença, divinizado. Este último Jesus é alçado à estatura
de Cristo mediante uma falsificação histórica provocada pelos discípulos, que
rompem assim com os critérios do fazer histórico correto proposto por Reimarus.

O segundo influxo na pesquisa sobre Jesus se dá por iniciativa do Barão


d’Holbach. Paul Heinrich Dietrich, alemão de Edesheim que migrara para a França
e adotara ali o nome Paul-Henri Thiry Holbach, escreveu a obra Histoire critique de
Jésus-Christ: ou Analyse raisonneé des Evangiles. Ecce Homo [História crítica de
Jesus Cristo ou análise racional dos evangelhos. Ecce Homo] e a publicou
anonimamente em 1769 na cidade de Amsterdã. No decorrer do texto, episódios
da vida de Jesus, desde o nascimento até a morte, são descritos a partir da
premissa de ser Jesus um homem natural – e, portanto, histórico, desprovido das
sobrenaturalidades que perpassam as narrativas evangélicas a seu respeito. A
perspectiva crítica de d’Holbach se converte em um campo investigativo – história.
A fala de Jesus a partir da descrição de sua vida recebe o nome de história, não
mais cristologia, nem mais biografia. A concepção virginal, a ressurreição, as
profecias, se tornam dados que devem ser submetidos à discussão e crítica. Ainda
se pode ver em d’Holbach a menção aos teólogos, ou aos incrédulos, mas o
pêndulo está nas mãos do crítico, o próprio autor da obra, que descreve Jesus em
termos muito menos elevados que os utilizados nas obras encomiastas do século
da Reforma. Surgiu um novo campo e, com ele, uma nova (e
limitada/limitante/limitadora) forma de apresentar Jesus: a partir das concepções
de verdade e mentira, de fato ou ilusão, de fé ou história (não mais razão, ou
ciência). E tal se deu antes mesmo da disciplina história obter de forma mais
evidente o status de disciplina que se lhe dará nos séculos seguintes.

5
David Friedrich Strauss (1808-1874) é o próximo a interferir decisivamente
no curso da pesquisa sobre Jesus. Autor ligado à Escola de Tübingen, Strauss foi
aluno de Friedrich Heinrich Kern3 e Ferdinand Christian Baur. O seu pensamento é
influenciado pelo hegelianismo que grassa os estudos da sua universidade e da
filosofia da história que Hegel propusera.4 A Escola de Tübingen dedicara-se aos
estudos do Novo Testamento a partir do viés histórico mediante a aplicação do
método hegeliano, tendo à época o próprio F. C. Baur,5 Eduard Zeller6 e Adolf
Bernhard Christoph Hingenfeld7 como principais nomes. Entre 1835 e 1836,
Strauss publicou a obra Das Leben Jesu, kritisch bearbeitet [A vida de Jesus
examinada criticamente], na qual ele descreve a informação histórica sobre Cristo
como mito a partir da influência que recebeu de David Hume. Em oposição ao
3
Friedrich Heinrich Kern (1790-1842) foi o responsável por importantes desenvolvimentos da
pesquisa em Tübingen sobre as cartas paulinas, em especial, sobre a questão da pseudonomínia.
Ver: “Über 2. Thess. 2,1-12. Nebst Andeutungen Über den Ursprung des zweiten Briefs an die
Thessalonicher", Tübinger Zeitschrift für Theologie, Jahrgang 1839, 2. Heft, 145-214 [“Sobre 2 Ts
2.1-12 e pistas sobre a origem da segunda carta aos Tessalonicenses”. Jornal de Teologia de
Tübingen, 1. Ed 1839, reimpressão, p. 145-214].
4
Georg Friedrich Hegel (1770-1831) é responsável pela introdução da dialética na descrição
histórica do cristianismo feita por Baur. Se para Hegel, a primeira grande fase é caracterizada pela
unidade originária na Grécia sob o influxo de Der wahre Geist [o Espírito verdadeiro], passando á
segunda fase (da Roma Antiga até a Revolução Francesa, fase de Der sich entfremdete Geist [o
Espírito alienado de si mesmo]), chegando à fase do Estado racional, fase em que Der seiner
selbst gewisse Geist [o Espírito (está) certo de si mesmo]. A mesma lógica corre com Baur, mas
com outros agentes: oposição entre o cristianismo judaizante dos primeiros apóstolos; o
evangelho universalizante e liberto da Lei, de Paulo; e o evangelho joanino.
5
Baur (1792-1860) é o autor mais influente da Escola de Tübingen no que diz respeito aos
estudos do Novo Testamento em geral, e sobre Paulo, em particular. Em relação aos evangelhos,
Baur propunha na obra Kritische Untersuchungen über die kanonischen Evangelien, ihr
Verhältniss zu einander, ihren Charakter und Ursprung [Estudos críticos dos evangelhos
canônicos, sua relação com o outro, a sua natureza e origem] de 1847 que os evangelhos revelam
uma tendência conciliatória (Tendenz), sendo o resultado das adaptações e redacionamentos a
partir de um evangelho mais antigo, sendo Mateus o evangelho mais próximo ao Urevangelium
(evangelho primitivo), Lucas um evangelho paulino, Marcos um evangelho tardio e João um
evangelho idealizante.
6
Zeller (1814-1908) é um dos responsáveis pelo método histórico desenvolvido na Escola de
Tübingen, método utilizado por Baur e Strauss na descrição do cristianismo primitivo. Destaca-se
em sua farta produção bibliográfica a obra De Apostelgeschichte kritisch untersucht [Atos dos
Apóstolos examinado criticamente] de 1854.
7
Hilgenfeld (1823-1907) desenvolveu em uma via bem peculiar a sua pesquisa sobre os textos
joaninos (Die Evangelien and die Briefe des Johannes nach ihrem Lehrbegriff [O evangelho e as
epístolas de João após seu ensino]) e Marcos (Das Markusevangelium [O evangelho de Marcos])
em 1849 e 1850 respectivamente. Editor do Zeitschrift für wissenschaftliche Theologie [Jornal de
Teologia de Tübingen] a partir de 1858, escreveu uma introdução ao Novo Testamento
rigorosamente histórica em 1875: Histor.-kritische Einleitung in das Neue Testament.

6
Jesus batizado por João Batista, que ensinara, fizera discípulos e morrera por
causa da hostilidade dos fariseus, o Cristo da narrativa dos discípulos (e, por
conseguinte, dos evangelhos) era o resultado do cruzamento de informações de
sua vida e a harmonização de sua vivência histórica com as profecias do Antigo
Testamento. Os cristãos primitivos, ao forjarem uma ‘estória’ a partir de Jesus,
tornam-no o Messias, ideia a partir da qual mitos e lendas foram criados pela
comunidade cristã para veicular a sua fé. Para recuperar o Jesus da história,
Strauss propõe uma leitura que encontre no mito a biografia de Jesus, uma tarefa
quase impossível de ser cumprida pela dificuldade de discernir os fatos em meio a
tantas inovações por parte dos primeiros discípulos.

O resultado imediato do influxo da pesquisa de Strauss foi uma nova


oposição. A história, campo a partir do qual se entende o verdadeiro, o correto, o
factual, que se opusera à fé, agora se opõe ao mito. Jesus e Cristo estão em
campos opostos, sendo a tarefa de a Kritik conceber uma figura histórica
dissociada de qualquer arroubo de sobrenaturalidade ou excepcionalidade. A
consequência disso foi a descrição de um Jesus sem evangelho, cuja motivação e
ação se deram no campo das relações circunscritas a um espaço geográfico e
tempo específicos, nos quais as interações provocaram, na lógica de causalidade
que governa a descrição, uma ruptura com qualquer ideia de irrupção, de
disjunção. As relações na temporalidade e espacialidade circunscrita descrita pela
crítica de Reimarus, d’Holbach e Strauss, sendo sujeitas às mesmas ordenações e
limites, exigem, numa descrição histórico-crítica, a supressão dos conteúdos dos
evangelhos que apontem para uma ruptura da ordem vigente. Sendo assim, Jesus
não é divino; sua morte é excepcional, porém natural; e seus discípulos, para além
de seguidores, são forjadores da continuidade do argumento.

A pesquisa dos séculos XVII e XVIII sobre Jesus, ainda que sofra a
influência dos deístas e rompa com as concepções de fé e mito, como se viu
acima, ainda conservava a concepção de infalibilidade da Escritura como um valor
fundamental. As reações às obras de Reimarus, d’Holbach e Strauss foram

7
efusivas e calaram, de alguma forma, o influxo da nova pesquisa emergente.
Porém, ainda com as reações, sedimenta-se um método que junge história e
crítica, e que culminará na análise do texto bíblico sem a égide da dogmática. A
separação requerida por Griesbach entre a teologia dogmática e a teologia bíblica
torna-se, no fim do século XIX, uma separação de fato nos autores Renan,
Michaelis, Lessing, de Wette, Bleek, Wilke, Weisse e Holtzmann, com um avanço
fundamental – a respeito do divino, com raras exceções, restara apenas o nome.

Em busca do evangelho mais antigo

O percurso da pesquisa sobre Jesus no fim do século XIX aprofundou o


abismo entre os evangelhos e a concepção da figura histórica de Jesus. Se o
século XVI representou a afirmação de que a Escritura não é apenas uma Palavra
de Deus, mas a Palavra de Deus, o olhar mais atento à Escritura feito mediante a
premissa de que todos os leitores poderiam entendê-la (ideia promovida no mote
sola scriptura dos reformadores)8 culminou no encontro com as inúmeras questões
do texto. Desde as diferentes narrativas dos mesmos eventos, que permitiam ao

8
Erasmo de Roterdã, em seu humanismo cético, afirmava que havia uma veneração por parte
dos seus contemporâneos a partir do silêncio místico - quando a Escritura era lida, partes
obscuras eram clarificadas a partir do misticismo. Lutero, distintamente do mero criticismo de
Erasmo, afirma que “existe uma dupla clareza da Escritura, assim como existe uma dupla
obscuridade: uma é externa, colocada no ministério da Palavra; a outra, situada na cognição do
coração […] tudo o que está na Escritura foi conduzido à luz certíssima e declarado ao orbe todo
pela Palavra” (Breve instrução sobre o que se deve procurar nos evangelhos e o que esperar
deles, Apostila da Igreja, 1522). Lutero afirma que qualquer passagem da Escritura é evidente,
mas só não é possível de ser vista porque o coração, obscuro, reduz, avilta, diminui a glória de
Deus. Sendo assim, o coração é fonte da claritas externa scripturae, da claridade externa da
Escritura, que faz resplandecer a glória de Deus e concentra toda a glória possível ao único que é
digno de recebê-la: o Deus da Escritura. Distintamente de Erasmo, que, Lutero afirma que a glória
de Deus que a Escritura revela é algo que “quae supra nos, nihil ad nos” ([que está acima de nós,
não junto a nós] De servo arbitrio, 1525).

8
leitor mais atento observar contradições no texto,9 até a desconfiança em torno da
veracidade de determinadas passagens, tais questões abalaram, mas não
derrubaram a leitura do Novo Testamento a partir do paradigma de fidedignidade e
infalibilidade do seu conteúdo.10 A inerrância da Escritura, a sua impossibilidade de
falhar e a aplicabilidade irrestrita de seu texto a todas as situações vivenciais do
crente – sendo a Escritura a ‘regra de fé e prática’ – foram, autor a autor, crítica a
crítica, cedendo lugar a outro referencial. O referencial que ganha cada vez mais
espaço, após a tentativa seiscentista e setecentista de submeter o texto bíblico ao
conceito de verdade racionalista é, no século XIX, submeter tais concepções a
ideia mais bem acabada de história.

A passagem definitiva da pesquisa para um espectro ainda mais firmado na


reconstrução histórica se dá efusivamente pelo influxo da obra popular do francês
Joseph Ernest Renan (1823-1892). O seu livro La Vie de Jésus [A vida de Jesus],
publicado em 1863, foi traduzido para a língua inglesa no mesmo ano de seu
lançamento e permaneceu sendo relançado ininterruptamente até hoje. A obra é o
primeiro volume de uma história do cristianismo escrita pelo autor entre 1863 e

9
Após a tradução da Bíblia nas línguas maternas dos leitores e a disseminação do seu texto por
causa da imprensa recé-m-inventada por Gutenberg, tornou-se costumeiro o fato de um leitor
mais atento observar as dificuldades relacionadas ao registro dos evangelhos a respeito do avô de
Jesus (Mt 1.16, Lc 3.23), ou da hora de sua crucifixão (Jo 19.14, Mc 15.25), ou mesmo da bebida
que ele tomou na cruz (Mc 15.23, Mt 27.45), ou sobre quem carregou a cruz (Jo 19.17, Mt 27.32),
ou então sobre o sinal pedido pelos judeus (Mt 12.39, Mc 8.12). Tais textos, sob o influxo da ideia
de inerrância e infalibilidade a partir de referências racionalistas, de fato sucumbem à análise mais
criteriosa. Tal crítica se deu bem cedo na história da pesquisa, tanto do Antigo quanto do Novo
Testamento com Richard Simon (1678), Henning Bernhard Witter (1711) e Jean Astruc (1753).
10
O exemplo mais pujante da concepção de inerrância é o chamado Textus Receptus. O Novo
Testamento Grego publicado em sua segunda edição na Holanda pelos irmãos Elzevir (1633)
trazia em seu prefácio o seguinte: “Textum ergo habes nunc ab omnibus receptum, in quo nihil
immutatum aut corruptum damus” [Portanto, tens o texto agora recebido por todos, que não
damos em nada alterado ou corrompido]. A primeira edição de Elzevir (publicada em 1624)
permaneceu até o limiar do século XX como a edição standard do Novo Testamento grego – e
isso, meramente, por questões dogmáticas, inclusive a concepção de infalibilidade. Apenas em
1899 Marvin Vincent mencionou, em sua obra A History of the Textual Criticism of the New
Testament de 1899, que ele tinha sido superado, pelo trabalho de L. Konstantin von Tischendorf,
Westcott e Hort, permanecendo como um ‘monumento histórico’. Não é por acaso que ele assim
permanecera, mesmo com tantos textos disponíveis para consulta desde o século XVII, muito dos
quais diferiam em muito do texto estabelecido pelos irmãos Elzevir e eram-lhe superiores, como
apontara Johann Jakob Griesbach em sua edição do Novo Testamento grego publicada entre
1775 e 1777.

9
1883. Texto que endossa o viés romântico que grassa a Europa e, em particular, a
França do seu tempo, demonstra a partir das fontes, os evangelhos, a luta de
Jesus contra os judeus de seu tempo, o que faz do protagonista da obra de Renan
um arauto do humanismo secular e universal. O Jesus da biografia escrita por
Renan é promotor de um culto puro, de uma religião em que os sacerdotes estão
apartados, em que os sentimentos e a imitação de Deus prevalecem. Então, a
conclusão de Renan é a de que Jesus renegou a sua judaicidade em suas
práticas. O Jesus da obra de Renan não faz milagres, mas se atém à investigação
teológica. A imaginação artística de Renan, unida ao acesso às fontes e ao
conhecimento do conteúdo das mesmas tornou Jesus o Cristo porque ele
observara nas montanhas, ventos, céu, na sua ambiência, o sentido da vida
religiosa que traduziu no sermão do Monte e das parábolas. Sucumbe, então, com
o sucesso da obra de Renan qualquer possibilidade de retorno para os termos
ingênuos a partir dos quais a vida de Jesus era lida até o fim do século XIX – a
crítica popularizara-se em um caminho aberto à força pelos pioneiros, porém
agora, popularizado em obras consumidas por leitores que frequentam as
bibliotecas, mas também por tantos outros que leem os novos consensos em sua
alcova.

As obras populares e acadêmicas que traziam em seu título ‘a vida de


Jesus’, concedendo assim uma faceta histórico-biográfica ao seu teor, se
multiplicaram. Algumas dessas obras conservavam um viés tanto iconoclasta
quanto iluminista, enquanto outras apresentavam as linhas gerais do romantismo
alemão, francês ou inglês. E a busca pela historicidade, aliada à tendência
romântica de retorno ao Urchristentum provocou um movimento em busca do
evangelho mais primitivo, mais antigo, entre os canônicos, evangelho esse que
seria base dos demais e que estaria mais próximo do Jesus Histórico. A hipótese
de um evangelho primitivo já havia sido aventada por Johann David Michaelis na
obra Einleitung in die göttlichen Schriften des Neuen Bundes [Introdução aos
escritos sagrados do Novo Testamento] de 1759 (1788 4a ed.) – Michaelis afirmou
que os sinóticos concordavam em muito por usarem vários evangelhos apócrifos

10
em comum como fontes. A hipótese da existência de vários evangelhos primitivos
será refinada por Gottfried Ephraim Lessing na obra Theses aus der
Kirchengeschichte [Teses da história da Igreja] de 1776; e na obra Hypotesen über
die Evangelisten als bloss menschliche Geschichtschreiber betrachtet [Hipótese
sobre os evangelistas considerados como historiadores meramente humanos] de
1778. Lessing afirma em ambas as obras que os Evangelhos são traduções feitas
pelos evangelistas de um evangelho aramaico muito antigo e de origem apostólica,
o evangelho dos Nazarenos, texto citado por Jerônimo no século IV.

A mesma linha de investigação de Lessing torna-se, no influxo do


romantismo que norteava a busca por um texto mais antigo e, concomitantemente,
mais histórico e mais puro, foi adotada por Johann Gottfried Eichhorn (1753-1827)
na obra Über die drei ersten Evangelien: Einige Beiträge zu ihrer künftigen
kritischen Behandlung [Sobre os três primeiros evangelhos: algumas contribuições
para o seu tratamento crítico futuro] de 1794 afirma que cada um dos evangelistas
usou um mesmo evangelho primitivo de maneira própria, fazendo-o, porém, de
maneira distinta do estudo de Lessing. Aqui, os três evangelhos, analisados em
seções sinóticas, são confrontados e diferenciados em relação a um texto cuja
existência é hipotética. A impossibilidade de apontar traços mais gerais do texto
primitivo conduziu Eichhorn a desenvolver em Einleitung in das Neuen Testament I
[Introdução ao Novo Testamento I] de 1804 a ideia da existência de um evangelho
aramaico primitivo do qual se derivam nove evangelhos diferentes. Segundo o
autor, os evangelhos sinóticos são escritos tendo por fundamento esses nove
evangelhos mais primitivos.

A busca por evangelhos hipotéticos, porém, não respondia a questão mais


importante: dos sinóticos, qual o evangelho mais antigo? A resposta a tal pergunta
não apenas satisfazia uma curiosidade a respeito do texto, mas resolvia uma
importante questão relacionada aos evangelhos que os pesquisadores tinham em
mãos: qual deles evoca o textemunho mais antigo – e, por isso, o mais histórico –
de Jesus? Parte da resposta já fora dada por Friedrich Schleiermacher (1768-

11
1834) na obra Über die Schriften des Lukas ein kritischer Versuch [Sobre os
escritos de Lucas: uma prova crítica] de 1817. Na obra, Schleiermacher afirma,
contra Gieseler (teoria do evangelho oral) e contra os adeptos da teoria da mútua
utilização, que os autores do conteúdo evangélico são os apóstolos, os quais
anotavam as pregações de Jesus em resumos (diegéseis) que foram recolhidos
quando a primeira geração de cristãos começou a desaparecer. Logo, os autores
dos evangelhos sinóticos seriam, na verdade, compiladores que reuniram, cada
um deles, aquilo que mais o interessava. O caminho se abre, então, para uma
dupla conclusão: tanto houve um material oral ou escrito de base, quanto houve
mútua utilização dos textos, como já afirmou Johann Jakob Griesbach (1745-1812)
na obra Commentatio qua Marci Evangelium totum e Matthaei et Lucae
commentariis decerptum esse monstratur de 1789 (I) e 1790 (II – republicado
inteiro, com adições, em 1794). Griesbach afirma que Marcos depende das obras
de Mateus e Lucas, uma vez que teria resumido Mateus e que teria Lucas como
Vorlage. Friedrich David Strauss e a Escola de Baur assumiram a tese de
Griesbach, bem como Wilhelm Martin Leberecht de Wette (1780-1849) em seu
Einleitung in das Neue Testament [Introdução ao Novo Testamento] de 1826; e
Johannes Bleek (1793-1859) em seu Synoptische Erklärung der drei ersten
Evangelien [Leitura sinótica dos três primeiros evangelhos] de 1862 reafirmam a
mútua utilização.

É Karl Konrad Friedrich Wilhelm Lachmann (1793-1851), o filólogo, quem


conduz a discussão a termos mais definitivos. Lachmann afirma na obra De Ordine
narrationum in evangeliis synopticis [A ordem da narração de eventos nos
evangelhos sinóticos], Theologische Studien and Kritiken [Estudos teológicos e
críticas], VIII, 1835, que Marcos e Lucas estão de acordo entre si na sequência de
Marcos, e que este reproduz a tradição mais próxima do original; e que Mateus
acrescentou material marciano a uma coleção de logia. Em 1838, Christian Gottlob
Wilke (1786-1854) e Christian Hermann Weisse (1801-1866) dão um passo adiante
ao afirmarem de forma ainda mais conclusiva que Marcos é a fonte de Mateus e
Lucas. Wilke o faz na obra Der Urevangelist oder exegetisch kritische

12
Untersuchung über das Verwandtschaftsverhältniß der drei ersten Evangelien [O
primeiro evangelista, um estudo exegético e crítico sobre a relação entre os três
primeiros evangelhos]. Weisse, na obra em dois volumes Die evangelische
Geschichte, kritisch und philosophisch bearbeitet [A história do evangelho, editado
de forma crítica e filosoficamente]. Sendo assim, o caminho estava aberto para
Heinrich Julius Holtzmann endossar e reafirmar a prioridade de Marcos em relação
aos outros evangelhos em 1893, na obra Die synoptischen Evangelien, ihr
Ursprung und geschichtlicher Charakter [Os evangelhos sinóticos: sua origem e
característica histórica].

As demandas da pesquisa e o romantismo inerente à filosofia desde meados


do século XIX provocaram a busca do evangelho mais primitivo. O consenso da
última metade do século XIX era que, mesmo sendo plausível a existência de um
evangelho perdido, aramaico, de autoria apostólica, ou mesmo de notas de
pregações de Jesus, dos evangelhos sinóticos, Marcos era o mais antigo. E
Marcos, tendo prioridade temporal em relação aos demais evangelhos, teria
também prioridade em relação ao valor dado as suas narrativas. Ele, sendo o
evangelho a partir do qual os outros evangelistas construíram os seus evangelhos,
seria reconhecido até por esses como um evangelho mais próximo dos eventos –
logo, mais adequado e, na visão da crítica histórica do fim do século XIX, Marcos
seria um evangelho mais histórico. Beneficiaria tal visão a constatação o seu
tamanho, sua forma simples, a teologia pouco elaborada, a concentração em
milagres (e não em ensinos). Tudo levava a crer que a pesquisa tinha conseguido
chegar ao objetivo de apresentar uma fonte fidedigna para o exercício histórico.
Mas o estado da questão não ficará assim: o olhar mais atento a Marcos provocou
a redefinição desse consenso parcial até o abandono da tentativa de encetar a
partir das fontes, uma história: e é isso o que se verá a seguir em Wrede, em
Schhweitzer e em Bultmann.

13
O silêncio messiânico e o silêncio da história

WILLIAM WREDE

KARL LUDWIG SCHMIDT

ALBERT SCHWEITZER

Os consensos da pesquisa atual sobre Jesus

A pesquisa atual sobre Jesus, após os desenvolvimentos metodológicos dos


últimos trinta anos, atingiu alguns consensos importantesmque viabilizam a
pesquisa e a tornam um campo fértil de investigação.

Em primeiro lugar, a pesquisa hodierna superou o ceticismo de Bultmann


quanto às possibilidades de se fazer uma reconstituição de Jesus, guardados os
devidos limites, a partir das fontes. Os pesquisadores de hoje se movem em uma
atmosfera de otimismo cauteloso e confiança.

Em segundo lugar, a pesquisa atual sobre Jesus superou o preconceito de


que a investigação sobre Jesus a partir de um viés histórico é irrelevante para a fé
cristã. Ela é relevante, uma vez que reconstitui a trajetória e a mensagem de Jesus
em termos que podem ser atualizados e dirigidos novamente para homens e
mulheres com relativa consciência da mudança nos condicionantes da mensagem
devido a reconstituição cada vez mais precisa da situação social, política e cultural
da Palestina dos tempos do protocristianismo.

Em terceiro lugar, a pesquisa atual parte da premissa de que, mesmo com


os avanços, o que se pode saber de Jesus e de seu tempo é muito pouco. Ainda
assim, o que se pode saber sobre Jesus é muito mais do que aquilo que se pode
saber de outros judeus do mesmo século, como Flávio Josefo e Paulo de Tarso.
Como afirma David Flusser, “Jesus é o personagem judaico mais conhecido do
seu tempo”.

14
Em quarto lugar, é certo na pesquisa de que não é possível escrever uma
biografia de Jesus no sentido atual do termo ‘biografia’. Os evangelhos são a
principal fonte sobre Jesus, visto que eles são resultado do impacto que a vida e a
obra de Jesus provocou nos seus seguidores. As memórias de Jesus conservadas
na mente e no coração dos seus seguidores foram também preservadas em
escritos provenientes das mãos de crentes que escreveram e interpretaram o
passado de Jesus a partir de sua fé no Cristo ressuscitado. Sendo assim, eles não
escreveram biografias, mas anunciaram ass boas novas sobre Jesus, tratando-o
como Senhor, Messias e Filho de Deus no texto.

Em quinto lugar, apesar de algumas restrições apresenadas, por exemplo,


por John P. Meier, a pesquisa lança mão de um conjunto bem amplo de métodos.
A crítica literária das fontes, a arqueologia, a sociologia, a antropologia cultural, a
economia das sociedades agrárias pré-industriais e outros tantos referenciais
teóricos são utilizados no afã de elucidar questões obscuras sobre Jesus e o
cristianismo primitivo, com significativo sucesso.

O sexto consenso é que a figura de Jesus deve ser investigada a partir de


todas as fontes disponíveis, embora se discuta ainda a prioridade dos evangelhos.
Sendo assim, é apropriado falar de uma “terceira questão” (third quest) do Jesus
histórico, que vai da década de oitenta do século passado até os dias de hoje,
sendo consedânea da “primeira questão” (first quest), que vai de Reimarus (1694-
1768) até Schweitzer (1875-1965); e da “segunda questão” (second quest), que vai
de E. Kasemann (1953) até E. Schillebeeckx (1979).

A sétima questão consensual é a de que os sinóticos constituem a fonte


mais importante e decisiva sobre Jesus. Muitos progressos estão sendo obtidos a
partir da investigação dos evangelhos apócrifos, das obras de Josefo, da literatura
rabínica, dos targumim e dos escritos intertestamentários apócrifos ou
pseudepígrafos. Sublinha-se aqui, no entanto, o rigor crítico com que os estudos
dos escritos de Flávio Josefo tem sido condzidos, dada a sua tendência
prorromana na apresentação dos fatos (Freyne, Horsley), bem como os

15
importantes esforços para analisar criticamente a literatura rabínica, de forma a
impedir que os pesquisadores cheguem a conclusões falsas sobre o judaísmo pré-
70 (Neusner, Sanders).

Em oitavo lugar, vê-se que os dados provenientes da arqueologia tem


contribuído significativamente para o conhecimento da Palestina romana pré-70
d.C. Não se espera, contudo, descobertas excepcionais, mas a coleta e a
avaliação de materiais que permitam desvendar mais detalhes sobre o judaísmo
dos galileus, sobre a vida cotidiana nas aldeias da Galileis, o grau de helenização
das suas cidades, o impacto da construção de Séforis e Tiberíades na Alta e na
Baixa Galileia entre outros aspectos (Reed, Gonzalez Echegaray, Charlesworth).
1. Jesus was baptized by John the Baptist.
2. Jesus was a Galilean who preached and healed.
3. Jesus called disciples and spoke of there being twelve.
4. Jesus confined his activity to Israel.
5. Jesus engaged in a controversy about the Temple.
6. Jesus was crucified outside Jerusalem by the Roman authorities.
7. After his death Jesus’ followers continued as an identifiable movement.
8. At least some Jews persecuted at least parts of the new movement . . . and it
appears that this persecution perdured at least to a time near the end of Paul’s
career.8

8Sanders, Jesus and Judaism 10–11; I think Jesus not merely a healer but an
exorcist, a point too often downplayed in the quests for relevance. Compare Norman
Perrin, The New Testament: An Introduction (New York: Harcourt, Brace,
Jovanovich, 1974) 277–78, for a similar list by a scholar sympathetic to the second
quest. These factoids are not sufficient for writing a biography of Jesus.

A pesquisa atual está fazendo um grande esforço para localizar Jesus dentro
do judaísmo do seu tempo. Tal questão é muito mais complexa e diversificada do
que se pensava até recentemente. Jesus é o fundador de um movimento de
renovação ‘judaico’ (Theissen). Corrigida a tendência em vigor há alguns anos, que
enfatizava apenas o caráter original e único de Jesus, em detrimento de seu
engfajamento com as questões de seu contexto religioso, aplicam-se hoje leituras
dos dados muito menos exclusivistas e muito mais flexíveis, visto ser um caminho
para a investigação o chamado ‘critério de continuidade’ entre Jesus e o judaísmo
que o precedeu, bem como o judaísmo contemporâneo. É verdade que tem havido
atribuições de características ao movimento de Jesus advindo de ambiente
estrangeiro (por exemplo, as relações entre Jesus e os cínicos itinerantes,

16
destacadas por Downing, Mack e em parte por Crossan), mas tais leituras
sofreram uma crítica muito eficiente, sendo assim posta sob limite.

O estudo da Galileia tem adquirido ainda, nos últimos anos, significativa


importância, para que de tal investigação seja possível entender mais
concretamente o contexto em que Jesus se moveu. As questões transitam em
torno da organização das aldeias e o modo de vida nas proximidades do lago de
Genesaré, lugares em que Jesus desenvolveu as suas atividades e pregação
(Freyne, Horsley, Reed, Charlesworth). O foco da pesquisa é, principalmente, o
grau de helenização da região, o impacto socioeconômico dos centros urbanos de
Séforis e Tiberíades sobre tais aldeias, os impostos e as taxas cobrados junto às
populações camponesas e a presença dos fariseus e dos doutores da lei na
Galileia.

Outra tendência da pesquisa atual do Jesus Histórico é a aplicação das


ciências sociais e da antropologia cultural (Malina, Rohrbaugh, E. W. Stegemann e
W. Stegemann, Moxnes, Aguirre, Pebble e membros do Context Group). Houve
progressos no conhecimento da situação econômica do tempo de Jesus (Hanson,
Oakman). Tais campos investigativos funcionam a partir de uma convicção dupla:
a sociedade de que Jesus fazia parte sabia que não era possível separar a religião
da situação sociopolítica. Jesus não era um revolucionário social, mas a sua
atividade e a sua mensagem tinha implicações diretas na ordem social (Horsley).

Algumas particularidades do movimento de Jesus têm sido examinadas a


partir das ciências sociais e da antropologia: a atividade de Jesus como
taumaturgo tem sido objeto de uma investigação sociocultural da medicina antiga,
magia e milagres (Kee, Pilch, Avalas, Pebble, Stevan), e o mesmo acontece com a
sua prática de exorcismos (Twelftree, Strecher, Chilton, Pebble). A comensalidade
de Jesus com publicanos e pecadores também é alvo de análise atenta a partir da
antropologia do sistema alimentar e dos códigos de pureza (Douglas, Malina,
Neusner, Aguirre, Crossan).

17
Diferentes modelos ainda fazem parte da ampliação criativa de métodos e
abordagens a respeito do Jesus Histórico. Meier concebeu o seu campo de
investigação a partir da realidade de Jesus como ‘judeu marginal’. Horsley,
Theissen e Kaylor analisam Jesus como um ‘reformador social’. Downing, Mack e
Crossan apresentam Jesus como um ‘itinerante cínico’. Bem-Witherington III e
Schussler-Fiorenza tratam Jesus como ‘mestre de sabedoria’. Vermes e Borg
tratam Jesus como ‘piedoso judeu’ (hasid) cheio do espírito. Meier, Wright, Dunn,
Stulmacher e Bocmuel apresentam Jesus como profeta escatológico de Jesus.
Não há, certamente, o risco de focar a pesquisa sobre um aspecto particular,
negligenciando outros aspectos também coletados na tradição de Jesus, caso se
dê necessária atenção à contribuição mais sólida e fundamentada proveniente de
cada modelo. O Jesus que age como ‘profeta escatológico’ é o mesmo que
promove a ‘mudança social’ exigida pela vinda do Reino de Deus. O Jesus que é
movido pelo Espírito de Deus também se dirige aos doentes para curar as suas
doenças e fornecer o perdão. Ele não apenas prega o reino de Deus e a sua
instauração definitiva, mas também promove a busca de justiça. A aproximação
teórica de Jesus deve evitar o risco de ficar presa a um modelo único, mas deve
ser consistente entre as diferentes contribuições.

A respeito dos limites da pesquisa sobre o Jesus Histórico, James D. G.


Dunn apontou dois problemas. Primeiro, a investigação não costuma levar em
conta que o seu objetivo não consiste em chegar a um ‘Jesus puro’ a partir da
tradição, eliminadas da mesma todos os acréscimos subsequentemente. O
objetivo é captar a forma mais clara possível o impacto que Jesus deixou em seus
seguidores. Além disso, Dunn ainda afirma que os pesquisadores acostumados à
cultura escrita nem sempre levam em conta a importância da tradição de Jesus na
transmissão oral, retomando assim aspectos relevantes da pesquisa desde a
primeira questão, seja com Eichhorn ou, principalmente, com Schleiermacher.

É possível concluir dizendo que são três as características que podem ser
observadas na investigação atual sobre o Jesus Histórica: há uma mudança em

18
curso na pesquisa da União Europeia, em especial nos países de fala inglesa; há
ainda um crescimento significativo de trabalhos e publicações sobre o assunto
‘Jesus Histórico’; e, por fim, há um grande crescimento no desenvolvimento de
pesquisas interdisciplinares, como se pode ver no grupo dedicado ao Jesus
Histórico, criado em 1983 na Sociedade de Literatura Bíblica, o Jesus Seminar,
criado em 1985, e o Context Group, ou ainda o International Project Q.

Critérios gerais para a interpretação

A interpretação bíblica deve lançar mão de uma pluralidade de métodos,


obtendo assim a otimização de seus resultados. Um princípio fundamental também
é a rejeição da leitura literal da Bíblia em todos os detalhes, dispensando a
utilização de qualquer método científico. Tal maneira de ler os evangelhos ignora
os escritores e a sua linguagem humana que muitas vezes estão ligados a uma
tradução particular e oferece interpretações muitas vezes piedosas, mas falsas. A
leitura fundamentalista da Bíblia é uma forma de suicídio intelectual.

A respeito do método histórico-crítico, tal visa capturar o mais claramente


possível o significado expresso pelos autores, levando em conta a análise crítica
textual, a semântica e a análise linguística, bem como o estudo dos gêneros
literários e o processo de escrita. É um importante método para o estudo de textos
antigos. Uma boa compreensão dos textos evangélicos requer a utilização desse
método. Portanto, os exegetas têm se servido do método histórico-crítico, sem a
ele, contudo, exclusividade.

O estudo crítico da Bíblia também exige um conhecimento tão preciso


quanto possível do contexto sociológico em que os textos nascem. O
reconhecimento dos dados sociológicos que contribuem para o funcionamento de
um texto diz respeito à leitura do contexto econômico, cultural e religioso da Bíblia,

19
que é essencial para a análise dos textos. É necessário, contudo, estar atento para
o risco de dar mais atenção aos aspectos sociais que às questões individuais e
religiosas, o que seria uma leitura limitada do texto.

Quanto à importância da abordagem da antropologia cultural, ela procura


definir as características da sociedade em que os textos bíblicos foram originados,
em especial os valores, os modos de controle social, as concepções de família, o
estatuto das mulheres, a estrutura social e tantos outros fatores relacionais.
Abordar os aspectos culturais dos textos é fundamental para os textos que
apresentam os ensinamentos de Jesus, como parábolas, uma vez que muitos
detalhes podem ser esclarecidos graças a essa abordagem. O mesmo se aplica a
conceitos fundamentais da pregação de Jesus, como o Reino de Deus. É
necessário lembrar que toda esta abordagem não é capaz por si para explicar o
sentido profundo que um crente encontra na mensagem de Jesus, mas elucida os
sentidos que enraízam os códigos no contexto cultural em que os textos foram
enunciados.

A contribuição da abordagem libertacionista da Bíblia traz elementos de


indubitável valor. A perspectiva libertacionista chama a atenção para a intolerância
de Deus em relação à opressão e à injustiça. A insistência na dimensão
comunitária da fé e a urgência de uma práxis libertadora enraizada na justiça e no
amor é muito relevante para a investigação sobre Jesus. Tal leitura da Bíblia,
porém, deve ser equilibrada – ela não pode ser neutra, tampouco deve ser
unilateral.

A leitura feminista da Bíblia também permite contribuições positivas, uma vez


que as mulheres têm sido muitas vezes melhor do que os homens para perceber a
presença, o significado e o papel das mulheres na Bíblia e na história das origens
da igreja cristã. Agindo com equilíbrio, é possível entender e corrigir certas
correntes de interpretação tendenciosa, que procura justificar a dominação do
homem sobre a mulher. Porém, o contrário também é possível, e deve ser evitado.

20
A utilização de métodos que tenham afinidade com o conteúdo do texto é
importante para lembrar que o conhecimento certo do texto bíblico só é acessível
para aqueles que procuram ouvir aquilo que um texto fala. Logo, não deve haver
obstáculos para que se lance mão de teorias hermenêuticas que permitam uma
boa percepção da realidade mais profunda do que a Escritura fala, levando tal
realidade para auxiliar e edificar o homem contemporâneo. Não há dúvida de que a
sintonia com a mensagem de Jesus torna o exegeta mais capaz de compreender a
sua própria realidade a partir da leitura da Bíblia.

As fontes literárias canônicas do Jesus Histórico

Há um consenso na pesquisa em considerar o evangelho de Marcos o mais


antigo dos supértites. Nesse evangelho, o autor copila tradições de caráter oral e
escrita que remonta às antigas tradições jesuânicas. No evangelho de Marcos, as
memórias corculantes entre os seguidores de Jesus são colocadas no contexto de
uma história da fundação renarrada no momento da transição da primeira para a
segunda geração de cristãos. O evangelho de Marcos é a fonte dos evangelhos de
Mateus e Lucas. Seu esquema cronológico e geográfico é bastante artificial, mas
os materiais coletados são de extrema importância saber como foi Jesus lembrado
desde o início, bem como o seu desempenho e a sua mensagem.

A contribuição decisiva da fonte Q

Houve também um evangelho escrito antes de 70. Ela chegou até nós
incorporado em Mateus e Lucas, o que mostra que tal evangelho foi uma
importante fonte. Os pesquisadores deduziram a sua existência a partir da análise
crítica de Mateus e Lucas, evangelhos escritos de forma independente um do
outro, mas que coincidem muitas vezes até literalmente. Esse fato pode ser

21
explicado somente se ambos copiarem uma fonte anterior a sua redação. Esse
escrito, de autor desconhecido, cujo nome atribuído é “Fonte Q” (o termo alemão
Quelle significa “fonte”), foi escrito em grego e composto na Palestina antes da
destruição de Jerusalém. Contém apenas discursos e parábolas – não contém
narrativas de qualquer tipo, nem uma narrativa da paixão, nem ao menos
narrativcas de aparição da ressurreição. Essas frases foram provavelmente
coletadas por missionários itinerantes dos primeiros anos do cristianismo, que
registraram o estilo de vida e a pregação de Jesus, o que demonstra grande
interesse sobre o seu ensino. A fonte Q é agora objeto de atenção de muitos
pesquisadores e é um dos capítulos mais emocionantes da pesquisa moderna
sobre Jesus. Avançar no estudo das diferentes fases de sua composição, do grupo
de pregadores itinerantes que deram origem a esse evangelho ou estilo de vida e
de contracultura proposta em suas linhas, são desafios atuais. Embora haja muitas
questões abertas, é possível falar de um consenso, e a fonte Q é considerado hoje
como o documento mais importante para reconstruir o ensinamento de Jesus.

O Evangelho de Mateus

O evangelho de Mateus foi escrito próximo à década de oitenta, após a


destruição de Jerusalém. Provavelmente apareceu em território galileu ou sírio. Ele
é escrito em uma atmosfera de controvérsia entre os grupos cristãos e líderes
judeus. O evangelista usa como fontes o evangelho de Marcos, a fonte Q e
tradições próprias composta por parábolas, informações de caráter lendário e o
relato da infância de Jesus. Em linhas gerais, Mateus segue Marcos, mas organiza
materiais de acordo com o seu próprio plano. O evangelista adapta com frequência
as palavras de Jesus para a situação de conflito em que vive, mas mantém em
linhas gerais o seu conteúdo essencial.

22
Evangelho de Lucas

O evangelho de Lucas foi escrito, como Mateus, por volta dos anos oitenta,
provavelmente em algum lugar da Palestina. Ele foi concebido como a primeira
parte de uma grande obra dividida em duas: o evangelho de Jesus e Atos dos
Apóstolos. As fontes de Lucas são o evangelho de Marcos e a fonte Q, que é o
material mais abundante recolhido pelo evangelista e que cobre quase a metade
do seu evangelho. Há em Lucas grandes discursos e ricas exposições parabólicas.
Lucas usa o material próprio para apresentar a seu próprio relato da infância. Em
termos gerais, Lucas segue Marcos, com poucas mudanças e algumas omissões
importantes. Lucas trabalha e molda a figura de Jesus de acordo com a sua
própria perspectiva.

Evangelho de João

A contribuição histórica do Evangelho de João é significativa. O evangelho é


próximo em estrutura aos de Marcos, Mateus e Lucas, mas é muito diferente em
relação ao seu conteúdo e linguagem. O evangelho é provavelmente siríaco, tendo
sido redigido no final do primeiro século. O esquema narrativo é distante do dos
sinóticos - ao contrário deles, fala de três viagens a Jerusalém para a festa da
Páscoa, o que sugere que o tempo de atividade de Jesus foi superior a dois anos.

23
ASPECTOS GERAIS DA VIDA DE JESUS

Nascimento de Jesus

Jesus nasceu durante o reinado do imperador romano Augusto, certamente


antes da morte de Herodes, o Grande, que teve lugar na primavera do ano 4 a.C.
É incerta a data exata de seu nascimento, mas os historiadores concordam em
colocá-la entre os anos 6 e 4 a.C. Provavelmente Jesus nasceu em Nazaré, mas
Mateus e Lucas falam de Belém por razões teológicas. Em qualquer caso, Nazaré
era o seu verdadeiro lar. Seus pais eram José e Maria.

A língua materna de Jesus

A língua nativa de Jesus era o aramaico, o dialeto comum na Galiléia. Não


há ceerteza se ele lia e escrevia. Certamente Jesus sabia o hebraico, que na
época era a língua literária usada na liturgia do templo e nas sinagogas. As
Sagradas Escrituras eram lidas em hebraico e traduzidas para o aramaico. De
acordo com um número crescente de autores, Jesus podia falar um pouco de
grego também. Ele provavelmente não conhecia o latim.

A vida em Nazaré

24
Jesus passou a sua infância, a sua juventude e os seus primeiros anos de
vida adulta em Nazaré, que era uma pequena aldeia que ficava em uma colina na
região montanhosa da Galileia, longe das rotas comerciais importantes. Jesus
tinha uma mentalidade mais rural do que urbana. O conhecimento da realidade
sociocultural e religiosa da Galileia pode plausivelmente reconstruir alguns
aspectos da atividade de Jesus como artesão e a sua educação dentro de uma
família judia. Discute-se a possibilidade de Jesus ter trabalhado na reconstrução
de Séforis, que naqueles anos estava sendo restaurada por Herodes Antipas.

A reunião com o Batista

Jesus, em um ponto de sua vida, ouviu a respeito de João Batista, que


promovia um movimento de conversão em uma área de deserto perto do rio
Jordão. Ele deixou a sua aldeia, Nazaré, para ouvir a mensagem do Batista e
recebeu o batismo. Jesus viveu na Jordânia uma experiência religiosa muito
importante: ele não voltou para a sua família em Nazaré, mas também não
permaneceu por muito tempo com o Batista. Inicialmente desenvolveu uma
atividade batismal, mas logo deixou o deserto e começou uma atividade original e
diferente da de João.

O rompimento de Jesus com a sua família

Jesus começou a sua atividade sem o apoio da sua família. Sua família não
apoiou a sua atividade de profeta itinerante. Eles chegaram a acreditar que ele
estava fora de si e sentiu que ele desonrou a sua família. Jesus criou novas

25
relações ao formar um grupo de seguidores. Ao considerar os laços da família um
obstáculo à sua missão, Jesus finalmente abandonou a sua casa em Nazaré e foi
para Cafarnaum. Mais tarde, aparentemente, alguns parentes de Jesus estavam
ligados ao seu movimento.

A atividade itinerante de Jesus

Jesus começou, no ano 27-28, uma viagem da Galileia a Jerusalém. Ele


provavelmente foi executado em 7 de abril de 30 d.C. Foi, portanto, uma atividade
curta, mas intensa, que não durou mais do que três anos. Não é possível
reconstruir precisamente as localizações das suas atividades e de suas rotas de
viagem. Jesus certamente transitou pelas aldeias vizinhas ao Mar da Galileia. Os
evangelhos mostram Jesus transitando de uma aldeia para outra, mas nunca relata
qualquer visita de Jesus a Séforis ou a Tiberíades, as duas principais cidades da
Galiléia. Por um tempo, a sede da atividade de Jesus foi Cafarnaum, às margens
do lago. Jesus, em seguida, passou a exercer um ministério itinerante
acompanhado por um grupo de discípulos. As suas atividades se concentraram em
duas tarefas: a cura dos doentes e o anúncio da mensagem sobre o ‘reino de
Deus’. A sua fama cresceu rapidamente e as pessoas se mobilizaram em segui-lo.
Jesus estava acostumado a retirar de noite para lugares remotos para orar.

Jesus: o profeta do Reino de Deus

Jesus usa uma linguagem característica e sugestivo. Suas palavras breves e


penetrantes, seus aforismos e, acima de tudo, as parábolas são belas e confusas.

26
Jesus fala só de si mesmo. Sua pregação se concentra no que ele chama de ‘reino
de Deus’. Sua mensagem provém da tradição judaica, mas não vêm diretamente
da literatura apocalíptica ou o ensinamento oficial dos escribas, mas da sua
profunda experiência de Deus, que Jesus está tentando comunicar através de uma
linguagem simbólica e poética, extraída da vida. Em sua pregação, é central a
relação com um Deus que é Pai, que faz nascer o sol sobre os bons e os maus,
que acolhe e procura seus filhos perdidos. É essencial ao seu convite para ‘entrar’
no reino de Deus e no seu chamado para ser ‘compassivo’, o perdão aos inimigos.

A atividade de Jesus como taumaturgo

Embora seja difícil determinar o grau de historicidade de cada relato


presente nas tradições evangélicas, não há dúvida de que Jesus realizou curas de
vários tipos que foram consideradas por seus contemporâneos como milagres.
Também fez exorcismos em pessoas possuídas por espíritos malignos. Jesus era
visto na sociedade de seu tempo como um exorcista e um curandeiro popular, que
era uma forte atração entre as pessoas. Ele apresentou essas curas e exorcismos
como sinais da vinda do Reino de Deus em favor dos que mais sofriam. No
entanto, Jesus sempre resistiu realizar sinais espetaculares em algumas situações
críticas.

O comportamento desviante de Jesus

Jesus adotou um comportamento estranho e provocador. Ele quebrou


constantemente os códigos de conduta em sociedade. Ele não praticava as

27
normas de pureza ritual. Ele não se dedicava aos ritos, como o de limpar as mãos
antes de comer. Ele não praticava o jejum. Ele quebrou algumas vezes as regras
prescritas no sábado, vivia em torno de pessoas indesejáveis, como os cobradores
de impostos e as prostitutas. Ele aparecia em público acompanhado por mendigos,
famintos e marginalizados, se confraternizava e comia com os pecadores. Ao
contrário dos costumes Contrariamente aos costumes sociais estabelecidos, Jesus
tentou publicamente admitir as mulheres entre os seus discípulos. Maria de
Magdala ocupa um lugar importante no movimento de Jesus. Aparentemente,
Jesus teve uma atitude acolhedora também com as crianças. Tudo isso era feito
por Jesus, mas de uma forma não provocativa. Sua intenção era mostrar que o
reino de Deus está aberto a todos, sem excluir ou marginalizar qualquer pessoa
que seja.

Jesus e os seus discípulos

Jesus nunca teve a intenção de romper com o judaísmo ou contra Israel. Ele
sempre aparecia convocando o povo para o reino de Deus. Mas, de fato, Jesus
formou em torno de um pequeno grupo de seguidores, entre os quais havia
também um número de mulheres. Além desse pequeno grupo, houve uma maior
disposição das seguidoras de continuarem a viver em suas casas, acolhendo a
Jesus e a seu grupo quando eles chegavam ao seu vilarejo. Jesus cercou-se de
um grupo mais próximo, os ‘Doze’, que simbolizavam o seu desejo de restauração
de Israel.

As reações a Jesus

28
Além do pequeno grupo de discípulos e do círculo de adeptos, Jesus chegou
a uma popularidade muito grande na Galileia e regiões circunvizinhas. Parece que
esse eco popular diminuiu durante o curto tempo de sua atividade itinerante. De
fato, Jesus mobilizou massas relativamente importantes, e isso o tornou perigoso
para as autoridades. Jesus também causou rejeição de setores que tentaram
estigmatizá-lo, lançando-o ao descrédito para impedir a sua influência. De fato,
Jesus não foi bem recebido pelos seus vizinhos e sofreu oposição dos escribas e
dos líderes religiosos, tanto na Galileia e quanto em Jerusalém. Ele foi criticado por
comer com pecadores e foi acusado de ser possuído pelo demônio.

A morte de Jesus

Jesus subiu a Jerusalém, na terra da Judeia, na primavera de 30 d.C. A


Judeia era governada por um prefeito romano. A cidade de Jerusalém era
governada naquele pelo sumo sacerdote Caifás. Jesus realizou um gesto hostil
contra o templo, o que levou a sua detenção. O julgamento de Jesus perante as
autoridades judaicas não parece ter sido adequado. Em vez disso, na esteira do
poder do templo, a aristocracia sacerdotal acusou a sua periculosidade por supor
que Jesus havia transgredido contra o poder estabelecido e conspirou contra ele
para fazê-lo desaparecer. Jesus foi crucificado, provavelmente, em 7 de abril do
ano 30 d.C. e foi o prefeito romano Pôncio Pilatos, que emitiu a ordem para a sua
execução. Jesus contava com a possibilidade de uma morte violenta e realizou um
jantar de despedida com seus discípulos, no qual ele fez um gesto com pão
simbólico e vinho. No momento de sua prisão, ele foi abandonado por seus
seguidores mais próximos.

29
Jesus no Evangelho de Mateus

A Comunidade Mateana e Jesus

Jesus nas Seções de Ensino do Evangelho de Mateus

Jesus nas Seções de Milagres do Evangelho de Mateus

Jesus na Seção Parabólica do Evangelho de Mateus

A Paixão de Cristo no Evangelho de Mateus

Jesus no Evangelho de Marcos

Jesus entre Judeus e Gregos: paradigmas sociológicos do discurso sobre Jesus no


Evangelho de Marcos

Os Milagres de Jesus entre os Judeus no Evangelho de Marcos

Os Milagres de Jesus entre os Gentios no Evangelho de Marcos

Jesus e os Discípulos no Evangelho de Marcos

A Paixão de Cristo no Evangelho de Marcos

Jesus no Evangelho de João

A Comunidade Joanina e Jesus

Os Milagres do Evangelho de João e Jesus

Os Discursos de Jesus no Evangelho de João

A Paixão de Cristo no Evangelho de João

À Guisa de Conclusão: Os Evangelhos e Jesus

30

Você também pode gostar