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Conferência DIREITO E BIOÉTICA, com Prof.

Doutor DANIEL SERRÃO


Terça-feira, 23 de Novembro de 2010 · 14:00 - 16:00

ANF 001 - Faculdade de Direito da Universidade do Porto

NOTA: Aconselha-se a consulta do sítio na Internet do Professor Doutor


Daniel Serrão (www.danielserrao.com), onde constam textos completos
sobre Bioética, Antropologia, Medicina e Saúde.

A presente exposição assenta em dois pólos fundamentais:

 Protecção dos direitos e liberdades fundamentais do ser humano;


 Limitação dos avanços da Ciência e da Tecnologia.

Conceito moderno de Ética

 Trata-se de uma categoria (capacidade) mental da inteligência do


Homem moderno, que permite, quando tomamos decisões (algo
que realizamos constantemente), realizar a ponderação de valores,
decorrente da recolha de informação do mundo exterior, desde o
início da vida (resposta a estímulos externos), isto porque o cérebro
é constituído por várias áreas em potência;
 Por Lógica (logos), entende-se a avalização de aspectos
quantitativos, cuja extracção se processa por via do pensamento;
 A recepção dos estímulos (avaliações estéticas, éticas e racionais) é
realizada por delicadas e muito especializadas estruturas nervosas,
que procedem à memorização (cultura de episódios);
 Um valor constitui uma percepção interpretada (valorizada) em
termos estéticos, éticos e racionais (a título individual). Importa
proceder à devida diferenciação com os valores sociais, como são o
respeito pela vida humana, a verdade ou a justiça, que se revelam
indispensáveis à coesão social e emergem da vida em sociedade,
oscilando no tempo e no espaço;
 Os valores sociais (abstractos) da colectividade constituem o
suporte da Moralidade Pública;
 Inclusão dos níveis da eticidade individual e da eticidade social na
eticidade do cidadão, sendo esta cristalizada em normas. Numa
sociedade, vigoram normas de 4 naturezas: éticas, deontológicas,
morais e jurídicas;
o Normas éticas

Valores → Princípios → Normas


 Individuais Princípios operativos. Por Manifestação
(experiência exemplo: na prática de
pessoal – o o Princípio da um princípio.
“armazém” liberdade;
próprio de o Princípio da
valores); autonomia
 Sociais – («autos» «nomós»)
utilizados para – qualidade
a criação de intrínseca do ser
normas. humano (livre-
Valores “prima arbítrio). O respeito
facie”, pela autonomia é
fundamentais, um princípio ético.
intrínsecos à
sociedade

 A criação de uma norma sobre uma situação concreta


constitui ética descritiva, que implica a identificação de
valores e princípios para a ética prescritiva (norma
ética, de prescrição de um comportamento, para o
caso particular ou na generalidade).
o Normas deontológicas
 Aplica-se para uma dada ordem ou câmara profissional;
 Constitui uma prescrição ética, que se aplica a casos
tipificados, cristalizados no tempo, após avaliação ao
longo de séculos, em que as situações estão descritas e
os comportamentos estão prescritos;
 O desrespeito pelas normas deontológicas tem como
consequência a censura da ordem ou câmara, sem
eficácia externa, podendo haver lugar a aplicação de
sanção pelo Conselho de Disciplina da Ordem, sendo a
pena máxima a exclusão da ordem ou câmara e a
proibição do exercício da profissão, decorrente da Lei.

o Normas morais
 Decorrem da moral pública, que não se encontra
plasmada em nenhum diploma;
 Verificam-se dificuldades para classificar um
comportamento como moral ou imoral;
 A violação das normas morais conduz à censura pela
sociedade pela prática de um comportamento
desconforme (segregação social).

o Normas jurídicas
 Decorrem da análise ética, deontológica e da moral
pública. Pode o Direito entender recepcionar ou não a
orientação decorrente desta análise;
 O Código Deontológico dos Enfermeiros assume força
jurídica, sendo, portanto, um código jurídico, publicado
em Diário da República.
Consentimento informado

 Instituto jurídico, cuja criação seria da responsabilidade dos


médicos, no que concerne ao exercício do poder médico sobre o
utente;
 Até ao século XIX, verifica-se o respeito pelo «poder da palavra» (do
utente – sintomas, e do médico – terapêutico) de Hipócrates, que
afasta o «sacerdotismo mágico»;
 A partir do momento em que se verifica um avanço tecnológico e
científico da Medicina, perde-se o «poder da palavra», passando a
existir «médicos-cientistas»;
 Em consequência desta evolução, assiste-se à revolta do doente
face ao «médico-cientista» (nomeadamente por Benjamin Cardozo),
alegando o direito de ninguém dispor do seu corpo contra a sua
vontade;
 O consentimento informado surge no Direito, sendo levado para a
Medicina;
 Compete ao médico transmitir, de modo claro, toda a realidade
envolta da situação do doente, competindo a este último consentir,
de per si ou por representante, a disposição do corpo, sendo que se
a informação médica for falsa, o consentimento é nulo;
 O facto de o doente padecer de uma patologia não implica a perda
da capacidade decisória (livre e autónoma) deste;
 No caso dos menores, verifica-se que a concepção tradicional pai-
filho, como cerne nuclear da família, deixou de o ser;
 O consentimento por delegação ou substituição só pode ser
prestado no interesse do menor;
 A colheita de medula óssea de um irmão para outro, em prejuízo do
primeiro, não pode ser autorizada pelo representante legal, mesmo
que tal conduza à morte do outro, salvo se resultar para o primeiro
um sofrimento imenso a posteriori (habilidade jurídica, que
contorna o regime-regra);
 Admite-se, em situações excepcionais, ao abrigo da Convenção
Europeia da Bioética, a experimentação médica em grávidas, desde
que seja necessário para a finalidade prosseguida e em benefício
destas;
 Trata-se de um consentimento “mal-amado” pelos médicos, por
falta de tempo e de disponibilidade, ainda que seja dispensável em
situações de urgência;
 Estamos perante um consentimento imposto legalmente, cuja
violação pode resultar no cumprimento de uma pena de prisão até
3 anos;
 Em estado de coma, o médico, adoptando as “boas práticas
médicas”, pode substituir-se ao doente.

Testamento vital

 Designação incorrecta, devendo ser denominado «declaração


antecipada de vontade»;
 Como o paciente não vai poder dar o seu consentimento, poderia
dá-lo, neste momento, em pleno estado de saúde, que se aplicará
quando se encontrar em estado de inconsciência;
 O paciente vai presumir que vai padecer de uma patologia, devendo
elencar todas as situações em que pretende a adopção de uma
conduta positiva ou negativa, se padecer dessa doença;
 Trata-se de uma declaração de difícil execução, devendo ser
fundada numa lei jurídica perfeita e com apoio médico e de
especialistas nas condições determinadas (para discriminação
técnica), tendo de ser genuíno. Implica atestado de psiquiatria e
redacção de escritura, na presença de duas testemunhas e do
médico assistente;
 Não constitui um respeito pela autonomia (exercida antes), nem um
desenvolvimento civilizacional, podendo induzir uma desconfiança
face à actividade médica;
 Em Inglaterra, é admitida uma mera declaração verbal.
Eutanásia

 Consiste no facto de um indivíduo consciente solicitar a outrem


(médico) que coloque termo à sua vida;
 Exemplo holandês: discussão entre Ética e Direito
o Matar o doente como forma de evitar o sofrimento deste,
atendendo ao seu pedido (princípio de “força maior” – estado
de necessidade);
o Implica que a Lei despenalize este acto, com fundamento nas
decisões jurisprudenciais;
o Requisitos exigidos:
 Pedido insistente;
 Doença incurável conhecida pelo doente;
 Médico independente verifica a doença incurável;
 Verificação da vontade insistente de morte suave.

o Morte em casa, comunicada ao Ministério Público, sujeita a


observação durante 4 anos;
o Pretende-se a descriminalização da eutanásia em Portugal,
sendo que na Holanda consiste num simples acto médico
insusceptível de processo criminal;
o Na Holanda, considera-se a “terminação da vida” e, dentro
desta, a eutanásia e o auxílio ao suicídio.

 Implica pedido do doente, verificado e atendido pelo médico, face


às circunstâncias;
 O erro médico (não culposo nem negligente) apenas é censurado
deontologicamente;
 Compete ao médico tratar e curar o doente que se pretende
matar, reconstruindo o seu projecto de vida.
Reprodução medicamente assistida

 Consiste na formação de um embrião fora do corpo da mulher, para


ultrapassar uma situação de infertilidade em laboratório,
efectuando a transferência do embrião. Trata-se de uma técnica
reprodutiva não imoral e que atende aos seguintes ditames:
o Procriação como valor biológico fundamental;
o Desejo do casal ter filhos;
o Ausência de Lei autorizante para realizar tal procedimento,
visando esta apenas evitar abusos deste mecanismo,
nomeadamente a utilização de gâmetas alheios e a
experimentação científica.

 A doação de gâmetas não resolve problemas de infertilidade, na


medida em que se trata da concepção de um ser que não descende
daqueles “pais”:
 Não se pode fazer experimentação de genomas humanos nem a
utilização de embriões excedentários (condenados à morte) ou
gâmetas estranhos ao casal;
 Deve constituir uma ultima ratio após a realização de todos os
tratamentos médicos e cirúrgicos;
 Compete ao médico informar o casal da probabilidade de eficácia
do tratamento;
 A Lei actualmente em vigor decorreu do debate ético.
Clonagem reprodutiva

 Encontra-se regulada pela Convenção Europeia para a Defesa dos


Direitos do Homem (“Convenção de Oviedo”), que constitui Direito
interno em Portugal;
 Está proibida a clonagem;
 Conduziria à alteração da diversidade humana, fundamental para a
sobrevivência da espécie em causa;
 Diferente da clonagem com fins terapêuticos;
 A “Convenção de Oviedo” é alvo de interpretações extensivas ou
restritivas em relação à clonagem com fins terapêuticos;
 O clone distingue-se do embrião (implica vida intra-uterina) ou do
zigoto.

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