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Unidade IV

Limites éticos
do Jornalismo
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[A regra do jogo]1

Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria.


Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como
marceneiro é igual à minha ética como jornalista – não tenho
duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é
a mesma do cidadão. Suponho que não se vai esperar que,
pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater carteira e não
ir para a cadeia.
Onde entra a ética? O que o jornalista não deve fazer
que o cidadão comum não deva fazer? O cidadão não pode
trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro,
não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional
como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em
qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder
fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se
nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar
qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é
um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é
ruim para o cidadão é ruim para o jornalista.
Evidentemente, a empresa tem a sua ética, que é a dos
donos. Pode variar de jornal para jornal, mas o que os
jornalistas deveriam exigir seria um tratamento mais ético da
empresa em relação a eles e seus colegas. Isso não tem
acontecido. É preciso uma atitude muito ética dentro da
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ABRAMO, Claudio. A regra do jogo. São Paulo: Companhia das Letras,
1988.
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redação: os chefes e os responsáveis pelo jornal têm de dar o


exemplo ao pessoal mais novo, senão é o caos. Um chefe de
redação que tolera hipocrisia e golpes baixos contra
funcionários do jornal perde a ética e o direito de usar essa
palavra.
A resolução da questão ética depende também do que
o jornalista considera como seu dever de cidadão. Caso ele
saiba de algo que põe em perigo a pátria, que põe em perigo o
povo brasileiro, o dever de cidadão deve se refletir na
profissão. O limite do jornalista é esse, ou seja, o limite do
cidadão. Se um médico souber que estão preparando um
golpe de Estado, ele tem obrigação de contar, se for contra. Se
for a favor, ele não tem obrigação. A ética do jornalista,
portanto, é um mito que precisa ser desfeito.
O jornalista não pode ser despido de opinião política.
A posição que considera o jornalista um ser separado da
humanidade é uma bobagem. A própria objetividade é mal
administrada, porque se mistura com a necessidade de não se
envolver, o que cria uma contradição na própria formulação
política do trabalho jornalístico. Deve-se, sim, ter opinião,
saber onde ela começa e onde acaba, saber onde ela interfere
nas coisas ou não. É preciso ter consciência. O que se procura,
hoje, é exatamente tirar a consciência do jornalista. O
jornalista não deve ser ingênuo, deve ser cético. Ele não pode
ser impiedoso com as coisas sem um critério ético. Nós não
temos licença especial, dada por um xerife sobrenatural, para
fazer o que quisermos.
O jornalismo é um meio de ganhar a vida, um
trabalho como outro qualquer; é uma maneira de viver, não é
nenhuma cruzada. E por isso você faz um acordo consigo
mesmo: o jornal não é seu, é do dono. Está subentendido que
se vai trabalhar de acordo com a norma determinada pelo
dono do jornal, de acordo com as ideias do dono do jornal. É
como um médico que atende um paciente. Esse médico pode
ser fascista e o paciente comunista, mas ele deve atender do
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mesmo jeito. E vice-versa. Assim, o totalitário fascista não


pode propor no jornal o fim da democracia nem entrevistar
alguém e pedir: “O senhor não quer dizer uma palavrinha
contra a democracia?”; da mesma forma que o revolucionário
de esquerda não pode propor o fim da propriedade privada
dos meios de produção. Para trabalhar em jornal é preciso
fazer um armistício consigo próprio.
Sempre digo que o jornalismo não é uma profissão, é
uma ocupação. Um dia desses Paulo Francis melhorou meu
pensamento – dizendo que é dele, aliás, como é o costume no
Brasil – e definiu o jornalismo como uma carreira, o que acho
uma definição correta. É uma carreira, não uma profissão. O
que é o jornalista é uma questão complicada. Depende muito
do conceito que se tem da função do jornal, do jornalista, e do
papel que eles exercem na sociedade. O que tenho a oferecer é
a minha visão, que provavelmente não é compartilhada por
outros jornalistas brasileiros ou do resto do mundo.
O papel do jornalista é o de qualquer cidadão patriota,
isto é, defender seu povo, defender certas posições, contar as
coisas como elas ocorrem com mínimo de preconceito pessoal
ou ideológico, sem ter o preconceito de não ter preconceitos.
O jornalista deve ser aquele que conta a terceiros, de maneira
inteligível, o que acabou de ver e ouvir. Ele também deve
saber interpretar coisas como decretos presidenciais,
fenômenos geológicos, a explosão de um foguete, um desastre
de rua. Deve saber explicar para o leitor como o fato se deu,
qual foi o processo que conduziu àquele resultado e o que
aquilo vai trazer como consequência.
Existe o jornalista que só conta o fato: um muro caiu
na cabeça da dona Maria e ela morreu debaixo de 35 tijolos.
Isso é um fato, puro e simples. Haverá outro jornalista que
dirá que o muro caiu porque o dono do terreno se recusou a
gastar dinheiro e usou um suporte ruim, que ameaçava cair.
Aí começa-se a desenvolver o que se passa, da narrativa do
fato para a crítica da sociedade.
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Outro exemplo: o jornalista vai falar do sr. João da


Silva, 25 anos, que morreu ontem atropelado por um
automóvel marca tal, chapa tal, dirigido por Fulano de Tal, às
20:15h na avenida Rebouças. Também é possível dizer que o
referido João da Silva era operário da construção civil,
absorvia oitocentas calorias por dia e naquela noite não tinha
jantado; enquanto o motorista do carro que o atropelou
consome quatro mil calorias por dia e tinha tomado café da
manhã com queijo, presunto, ovos e suco de laranja, almoçado
picanha com batatas e jantado. Neste ponto começa a crítica
dos costumes, mas só ela não basta: é preciso ter o costume da
crítica. A crítica de costumes quem faz é o meu amigo Paulo
Francis; sua relação com a realidade é muito parecida com a
daquelas peças de vaudeville do Joracy Camargo ou do
Procópio Ferreira – que nunca vi, mas sei que existiam –, uma
sátira de costumes que ficava na superfície e não ia ao âmago
das coisas. Quase todos os jornalistas se dão ao luxo desse
vício.
O jornalista pode escrever que o operário atropelado e
morto só comera uma vez naquele dia, que era casado e tinha
cinco filhos, já tinha perdido dois, morava na periferia e
estava atravessando a avenida porque tinha descido do ônibus
que vinha de Santo Amaro e ia pegar um outro para a Penha, e
gastaria nesse percurso quase duas horas e meia de seu tempo
de lazer. O proprietário do carro, por sua vez, tinha gasto três
minutos para chegar onde estava, vindo de seu escritório.
Caso se dê a notícia simplesmente, ela não é
mentirosa: aconteceu aquilo. Mas a informação pode ir mais
fundo, isto é, pode se dar mais informações sobre o atropelado
e o atropelador, ou sobre o muro que caiu e a vítima. Pode se
dizer que João da Silva morava na periferia porque não tinha
dinheiro para pagar aluguel num bairro mais próximo do
centro. Tudo isso são informações que não são acessórias.
Hoje, no Brasil, os jornais estão acreditando muito que as
informações são badulaques, quando não são. A informação
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importante é a informação vertical, de profundidade: como a


pessoa vivia, quanto ganhava, quantas calorias absorvia por
dia, se era doente ou não – essas são as informações
importantes, que fazem o leitor chegar à conclusão de que se
um absorveu oitocentas calorias e o outro quatro mil, se um
tinha carro do ano e o outro estava nu diante de seus inimigos,
então o João da Silva estava ali para ser morto mesmo, como é
o caso da maioria da população miserável deste país, exposta
aos ônibus, aos automóveis e à polícia. Os miseráveis estão aí
para serem mortos e trucidados.
A reportagem é uma narrativa, simplesmente uma
narrativa. Ela depende muito do poder de observação do
narrador, da maneira de transmitir essa observação em
palavras e de saber concatenar bem a forma de expressá-la.
Uma observação cuidadosa não é necessariamente uma boa
reportagem. Mas uma reportagem é necessariamente o fruto
de uma observação cuidadosa. Uma observação cuidadosa de
um fato histórico pode se constituir história e uma observação
cuidadosa de um fato não histórico é tipicamente uma
reportagem. Tucídides, por exemplo, na Guerra do
Peloponeso, fez uma observação tão cuidadosa da peste em
Atenas que foi possível, na Idade Moderna, identificar qual foi
a doença que atingiu seus habitantes. Por outro lado, André
Malraux escreveu A condição humana, que é talvez o maior
romance do século XX, e chamou esse romance de reportagem
– é verdade que trinta anos depois.
A rigor, não há uma definição clara do que é
reportagem. Nos tempos modernos, devido a influências
várias e por causa do influxo de jornalistas com pendores
literários, a reportagem perdeu seu aspecto de narrativa fria –
aparentemente fria, porque não existe nada de frio no relato
das coisas No Brasil, por influência do jornalismo mineiro,
digamos assim, que se corporificou no estilo do Jornal da
Tarde, a reportagem, porque assim era mais fácil,
transformou-se numa narrativa que mistura fatos objetivos
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com impressões subjetivas. Impressões subjetivas no plano


sensorial, e não social.
Examinando as reportagens feitas no fim do século
passado, começo deste, pelos primeiros jornalistas que se
propuseram a fazer reportagens impressionistas, percebe-se
que o básico era impressionar a imaginação do leitor, não com
frases muito bonitas, nem com rebuscamento de estilo, mas
com uma narrativa muito dura, muito cruel, muito factual de
certas características do fato que estava sendo visto. Há uma
reportagem famosa sobre a entrada dos alemães na Bélgica,
na Primeira Guerra Mundial. O exército alemão foi o primeiro
na história a usar uma farda só, um só uniforme. Até a
Primeira Guerra, os exércitos tinham vários fardamentos
diferentes. Os alemães usaram uma só cor, aquele cinza. E o
que mais impressionou o repórter foi aquele mar de soldados,
todos com a mesma roupa, entrando nas cidades belgas. Ele
se impressionou muito com aquela fantástica massa humana,
uniforme, monocromática. Deu ênfase à narrativa dessa
maneira, mas contou coisas que viu.
Tucídides, para contar o que contou, teve de se basear
apenas em narrativas pessoais, em observações de terceiros.
Plutarco, quando escreveu Vidas paralelas, também se baseou
em trabalhos de outros historiadores. Heródoto contou
histórias de povos que não tinha visto, aumentando muito,
exagerando. Ele se baseava em informações muito discutíveis.
Naquela época os números muito grandes eram inconcebíveis
para as pessoas. Para Heródoto era inconcebível imaginar o
vulto do exército persa. Ele fala de trezentos mil homens.
Deviam ser três mil ou trinta mil. Mas, para ele, trezentos mil
queria dizer na verdade um número fantástico.
Por que o êxito extraordinário do livro Dez dias que
abalaram o mundo, de John Reed? Porque é a narrativa de
um fato que se tornou um grande fato histórico. Quando ele
escreveu a reportagem (pois o livro é uma reportagem), não
sabia que a Revolução Russa era o que era; ele sentiu o que
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era e conferiu uma grande importância à narrativa. Então, por


que o livro é tão importante? Porque Reed viu de perto coisas
que depois se tornariam muito vivas na imaginação das
pessoas. Esses fatos têm um vigor, uma força intrínseca tão
poderosa que é difícil ler algo parecido. Não existe nada
parecido, por exemplo, em relação à Revolução Chinesa ou à
Revolução Francesa, porque foram fatos que se desenrolaram
com mais lentidão. O livro de Reed abrange um período de
dez dias. Tem o vigor de ser uma cobertura como se fosse um
filme, de descobrir um fato tão dramático, tão traumático, em
tão pouco tempo.
Hoje a reportagem está um pouco diluída, porque se
criou, com vantagem para a profissão, a preocupação de
verificar muito a validade das informações. Os fatos são
submetidos, ou pelo menos deveriam ser, a um segundo crivo.
Mas às vezes não dá. Os repórteres que cobriram o sequestro
do dirigente democrata-cristão Aldo Moro, na Itália, em 1978,
fizeram uma cobertura a distância, porque ninguém sabia o
que estava acontecendo com ele, até sua morte. O repórter
imaginava o que estava acontecendo e as duas únicas coisas
factuais que existiam eram as cartas terríveis que Moro
mandava e os comunicados dos sequestradores das Brigadas
Vermelhas. A narrativa ficava muito complicada, porque os
repórteres tinham que se basear na repercussão que o fato
básico provocava.
É conhecida a piada do repórter que classifica o
entrevistado como um homem muito alto; num outro jornal,
sai que ele era muito baixo. Isso porque um entrevistador era
baixinho e o outro um homem muito grande.
É impossível determinar com muita frieza, muita
lógica, o que é uma reportagem. Em resumo, é um documento
da realidade, uma narrativa a mais objetiva possível daquela
realidade, num determinado momento, que se baseia em dois
elementos principais: um agudo senso de observação do
repórter e a presença de referenciais universais, a fim de
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evitar que o alto ou o baixo digam que o entrevistado é baixo


ou alto.
Existem reportagens que se destinam ao registro
histórico e outras que nunca entrarão para a história. Uma
narrativa muito bem-feita da morte de um operário que caiu
do andaime, ou de um moço que é baleado na rua pela PM,
não entrará na história, será um fato menor do ponto de vista
humano e universal. Mas a reportagem sobre a morte de
Vladimir Herzog entra para a história, porque ficou sendo a
única tentativa de fazer um documento válido sobre um fato
que teve importância histórica.
O jornalista precisa ter muito contato com o mundo
exterior, precisa viver um pouco. Por isso as experiências
feitas com jornalistas muito jovens não dão resultado; não
porque os jovens não tenham talento, mas porque eles ainda
não tiveram tempo de ver as coisas. Provavelmente esses
jornalistas jovens são melhores do que os de minha geração,
mas como ainda não tiveram tempo de assistir a muitas coisas
geralmente lhes faltam os termos de comparação. Essa é uma
das tragédias do jornalismo, ou seja, a falta de parâmetros, o
desconhecimento do que aconteceu antes. E como o
jornalismo é, em grande parte, o registro do histórico
cotidiano – ou do cotidiano histórico, como se queira –, é
preciso ter pontos referenciais sobre o universo em que se
vive.
A escola tão-somente não faz um bom jornalista – é
preciso ainda que ele saiba das coisas e as tenha visto. É
preciso andar na rua e saber que ela é feita de paralelepípedos.
Não adianta apenas ler a respeito: é necessário pisar aquele
chão, sofrer o sol, saber ver nos rostos da multidão o que é
uma pessoa e o que é outra. Certas coisas são difíceis de
transmitir teoricamente. Além disso, boa parte das pessoas
que as transmitem é muito incompetente. Mas isso é outra
coisa.
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O importante é o jornalista nutrir um certo ceticismo.


Posso dizer que esta parede é branca, mas talvez ela não seja
tão branca assim, se comparada a um branco mais branco.
Não se podem aceitar as coisas pelo seu face value, por aquilo
que parecem ser mas não são. É preciso ver melhor, examinar
melhor. Assim, são necessários certos parâmetros, certa
experiência de vida, até no plano emocional. Não dissocio o
jornalista de uma certa paixão. Ele tem que ter uma certa
paixão; não pela profissão, que isso é besteira, mas deve ser
capaz de sentir as coisas como elas são, ou com a intensidade
que elas devem ter.
É evidente que não desprezo uma aproximação mais
íntima do jornalista com a realidade, ou com a notícia. Na
cobertura da doença de Tancredo Neves, por exemplo, com
exceção da Folha de S. Paulo, todos os jornais se portaram
muito mal. A Folha foi procurar a verdade, nunca enganou o
público, foi saber o que Tancredo tinha e revelou a existência
de um tumor benigno que até então tinha sido ocultado. Nesse
episódio a Folha portou-se com uma dignidade profissional
exemplar. Enquanto isso, os outros jornais não se portaram
tão bem e tinham meios tão bons ou até melhores do que a
Folha. Na edição do Plano Cruzado, em 1986, todo mundo
ocultou que houve ali um confisco salarial. Eu fui o primeiro
jornalista a denunciar que havia embutido no pacote um
confisco salarial – e isso já no segundo dia –, e depois todo
mundo usou essa expressão. Essa é a procura do jornalista
pela verdade que está camuflada atrás da verdade aparente. E
para isso é preciso investigar muito.
Existem jornalistas e matérias jornalísticas de
diversos níveis. É possível fazer um grande jornal apenas
relatando os fatos, mas acredito que um jornal assim não é
capaz de cumprir o seu papel, já que não vai até o fim das
coisas e deixa ao leitor a incumbência de julgar por si só. É
uma maneira de fazer jornal que não me parece apropriada
para um país como é o Brasil neste momento. São necessárias
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as referências, os parâmetros, principalmente quando se trata


de jornalistas muito moços.
Tenho visto críticos de 25, 26 anos, que ainda não
viram nada. Tudo bem, para ser crítico de cinema o sujeito
pode, teoricamente, ter passado dez anos, dos 16 aos 25,
fechado numa sala vendo filmes. Mas como ser crítico literário
aos 25 anos, se não se conseguiu ler todos os Dostoievski,
Thomas Mann, Shakespeare, Flaubert, os gregos? Na verdade,
esse pessoal leu o que outros escreveram sobre George
Lukács, sobre Umberto Eco, esse novo papa. São epígonos
desses camaradas, que interpretaram o que outros
escreveram. É uma coisa de quinta mão, colonizada, ancilar: a
interpretação da interpretação da interpretação. Um crítico de
arte, por exemplo, tem que ter visto as coisas boas e as ruins,
tem que ter visto Piero Della Francesca, Paollo Ucelo, Picasso,
as esculturas indianas, a arte asteca.
É claro que nenhum jornal pode ser feito da forma
ideal, pelo contrário. O jornal é feito de maneira muito
elementar. Nenhum de nós conseguiu fazer jornal desse jeito,
mesmo porque os patrões não querem e não temos material
humano e nem paciência para fazer isso. Mas é uma bobagem
esperar que o jornalista tenha uma atitude neutra, fria ou
álgida diante das coisas. Aquele que não se comoveu ou achou
ridículas as lágrimas da Maria da Conceição Tavares na TV,
quando na edição do Plano Cruzado, não pode ser jornalista.
Não importa se o Cruzado foi feito para consolidar o sistema
capitalista – o que é verdade, mas não importa. O fato de a
Conceição Tavares ter-se comovido tocou a maioria das
pessoas, e o jornalista que não entendeu isso não pode ser
jornalista.
Um dos defeitos que noto nos jornalistas é partirem
do princípio de que são seres separados, uma espécie – que
chamo de Homo informans – sem compromisso com nada. É
que o jornalista não tem muita formação moral: é fraco, como
todo ser humano; e mais fraco, talvez, porque ganha mais do
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que os outros. Na média que vejo, trata-se de uma categoria


privilegiada; aliás, privilegiada desde os tempos de Getúlio
Vargas. Por si só, o jornalista não é muito confiável. Mas além
de não ser confiável por natureza, ser também uma pessoa
dissociada da sociedade e do mundo me parece uma
contrafação da realidade, algo que vai contra o que é correto e
normal.
O que a maioria dos jornalistas pensa? Qual é sua
ideologia? Inventaram que as ideologias morreram, mas as
pessoas têm objetivos na vida que se encaixam nesta ou
naquela ideologia. O sujeito tem que ser comunista ou
fascista, não há meio termo. Ou então, católico ou budista.
Qual é o objetivo dos jornalistas brasileiros? É fazer carreira,
ganhar dinheiro? Então já não sou mais jornalista, já pertenço
a uma espécie em extinção.
O niilismo é uma atitude fruto da ignorância, que não
conduz a nada. As pessoas do povo, quando se referem aos
políticos, não dizem que tudo é igual, e todos são ladrões? Isso
é niilismo, é fruto da ignorância; o povo brasileiro é isso. Os
jornalistas são iguais. Na vida sexual das pessoas existe a
ejaculação precoce; o jornalista contemporâneo sofre de
niilismo precoce, que é altamente destruidor.
Para ter êxito atualmente no jornal, o jornalista tem
de ser despido de qualquer opinião sobre qualquer coisa; isso
se está exigindo intimamente, não só formalmente. É uma
violação do direito íntimo de as pessoas terem opinião; uma
equiparação da profissão a uma espécie de renúncia de si
mesmo: não se tem opinião sobre nada, principalmente
opinião política. Se um sujeito é pintor e o mandam pintar
uma parede de branco, isso não o impede de achar que um
azul ficaria melhor, embora cumprindo a ordem de a pintar de
branco. Essa deveria ser a posição do jornalista, embora hoje,
quando perguntado sobre qual a melhor cor para a parede, ele
deva dizer que não sabe, que não tem opinião; assim ele terá
sucesso.
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Isso implica problemas na qualidade do jornal.


Acredito que pessoas resignadas a esse estado não têm boa
qualidade operacional. No Terceiro Mundo há causas que são
comuns a todas as pessoas voltadas para o interesse popular,
para a melhora do nível de vida do povo, e que não podem ser
colocadas em dúvida; elas prevalecem sobre qualquer outro
critério. As pessoas que renunciam a essa noção não têm uma
qualidade técnica boa, porque renunciaram a uma condição
prévia, perdem uma parte do senso crítico; e quando isso
acontece, afeta-se também o senso crítico para as outras
coisas.
A tendência nos jornais é de haver uma relação de
absoluta subordinação e total conformidade dos jornalistas
com as normas, e não necessariamente com a linha do jornal.
Os altos salários e o sistema de privilégios internos criam uma
rede inevitável de interesses e subordinações. Os jornais,
naturalmente e por necessidade operacional, tendem a adotar
limites cada vez maiores na atuação de seus profissionais, o
que por outro lado é normal.
Para se fazer carreira hoje nos meios de informação,
com raríssimas exceções, não se pode pensar fora dos padrões
estabelecidos. Quais são os padrões? São os tidos como
normais no Ocidente: operário é operário, patrão é patrão,
patrão paga bem ao operário, operário colabora com o patrão,
não faz greve, se faz o Tribunal diz se é legal ou ilegal e
algumas greves não são permitidas. A ideologia do
empregador é a ideologia do consumo, do mercado livre; tenta
imitar os padrões europeus e americanos mas não consegue,
no Brasil, oferecer o que se oferece lá, isto é, semana de 38
horas de trabalho, lazer e nível de vida condigno ao
proletariado. Aqui o capitalismo não consegue fazer isso
porque é completamente incompetente; sequer oferece um
salário mínimo maior do que cinquenta dólares. É uma
vergonha. Este é um país de vermes.
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Nesse quadro, a liberdade de imprensa só é usada


pelos donos das empresas. Em quarenta anos de jornalismo
nunca vi liberdade de imprensa. Ela só é possível para os
donos do jornal. Os jornalistas não podem ter opinião, mas os
jornais têm suas opiniões sobre as coisas, que estão presentes
nos editoriais e nos textos das pessoas que escrevem por
linhas paralelas às do jornal.
A liberdade de opinião do jornalista tem como limite a
orientação do jornal. Evidentemente, como a matéria de
jornal é um mero produto industrial (que pode, assim mesmo,
atingir uma certa grandeza universal), deve obedecer à
orientação do jornal, pois está subordinada a um projeto
global.
Alguns anos atrás, por força da conjuntura política, os
jornais brasileiros deram a alguns a liberdade de escrever um
pouco mais. Isso depende da valorização que os proprietários
dos jornais, as cúpulas, dão a este ou àquele jornalista,
individualmente. Isso não quer dizer que o jornalista x, que
escreve com maior liberdade, é superior ao jornalista z, que
escreve com menos liberdade. É apenas uma opção da
empresa, sujeita a todas as vicissitudes dos preconceitos
pessoais e das injunções conjunturais.
A grande imprensa, como já está definida pelo nome,
é ligada aos interesses daquela classe que pode manter a
grande imprensa. Na medida em que essa classe está em
contradição com a conjuntura nacional, os jornais podem
exercer um papel de esclarecimento. Mas é preciso não
esquecer que esse esclarecimento vai até o nível dos interesses
da própria grande imprensa. Ela tem interesses peculiares,
pertence a pessoas cujos interesses estão ligados a um
complexo econômico, político e institucional. Mas pode
exercer um papel de educação.
O equívoco que existe entre os jornalistas é considerar
que essa grande imprensa possa ir além daquilo que é o seu
papel histórico. O que pode acontecer, como na história de
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todos os países, é existirem momentos de convergência de


interesses normalmente diferenciados. São momentos
traumáticos. Um exemplo é o do assassinato de Vladimir
Herzog. Nessa ocasião, a grande imprensa se juntou na
denúncia do que os jornalistas consideravam um crime.
Houve uma convergência temporária de pontos de vista.
Durante os governos Geisel e Figueiredo, também
houve convergências conjunturais entre a grande imprensa e a
opinião dos jornalistas. O Estado de S. Paulo, o Jornal do
Brasil e a Folha de S. Paulo faziam críticas ao regime, ao
sistema, à escolha indireta dos governadores, à escolha
indireta do presidente, ao “pacote de abril”, à ausência de
autonomia do Poder Judiciário e do Congresso. Não era, como
não foi, uma situação permanente.
Os jornalistas confundem muito essas coisas. A
história da humanidade está cheia de exemplos. Houve um
período em que a Rússia e a Inglaterra se uniram para
combater Napoleão; noutro, a União Soviética e a Inglaterra
uniram-se aos Estados Unidos e ao que restava da França
para combater Hitler. Quer dizer, são momentos da história,
nos quais o analista não deve perder de vista o que vem
depois. Esse equívoco tem de ser rompido, quebrado,
esclarecido.
Quando um jornalista entra para um jornal sabe que
aquele jornal tem uma determinada linha. A eventual
coincidência de pontos de vista entre o jornal e o jornalista é
limitada no tempo e no espaço. E nesse aspecto quero
salientar que não existe jornalismo objetivo. Isso é uma ilusão
que se tenta passar para os jornalistas e deve ser expurgada do
espírito dos profissionais. Não existe um jornalismo objetivo,
existem vários. Quando um jornalista vai trabalhar numa
empresa, deve perguntar o que é objetivo, segundo aquele
jornal. Porque essa diferença entre o objetivo e o não objetivo,
de acordo com a linha do jornal, se reflete em várias coisas.
Mesmo entre os jornalistas, o que é objetivo para um pode
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não ser para outro, dependendo da análise que cada um faz da


sociedade em que se vive.
No jornal, a notícia tem aquela objetividade que foi
optada pela empresa e cooptada pelo jornalista. Ainda que às
vezes, de acordo com um entendimento prévio, o repórter
também possa interpretar a notícia. A interpretação não é
opinião. Pode se interpretar o desencadeamento, a
concatenação dos fatos e o significado de certas coisas. Pode
se dizer: tal fato ocorreu porque antes havia ocorrido isto e
amanhã pode ocorrer aquilo. É uma interpretação. A opinião
fica um passo além. É quando se diz: isso aconteceu e está
errado. Creio que não há muita gravidade em se interpretar os
fatos. A necessidade que os jornais têm de limitar a
interpretação e a opinião dos jornalistas vem, primeiro, do
fato de a opinião ser centralizada na cúpula do jornal; e,
segundo, porque a interpretação e a opinião estão às vezes
muito próximas. Por isso, é óbvi0 que a interpretação fica
limitada pelo conhecimento individual que a cúpula tem do
trabalho de cada repórter, redator ou analista.
Em geral, os jornais explicitam a sua opinião nos
editoriais. No Brasil, ficou estabelecido que os grandes jornais
têm que ter sua opinião. Embora a Folha, em 1977, tivesse
suspendido os editoriais sem sofrer nenhum traumatismo.
Talvez porque o tenha feito num momento em que estava
sendo pressionada; e daí não tenha sofrido um impacto muito
grande em seu prestígio. Parece até que aconteceu o contrário,
porque aquilo foi tomado como uma atitude de reação à
pressão a que o jornal estava sendo submetido.
Mas creio que os editoriais funcionam, na medida em
que o jornal explicita cada vez mais o seu ponto de vista em
relação às questões que afetam a vida do cidadão. O New York
Times, por exemplo, nos dias de eleições para presidente da
República, ou para a renovação do Congresso, dá os nomes
que apoia. Leva a opinião ao ponto extremo.
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Porém, no Brasil, ignoramos se o leitor comum gosta


ou não de ler editorial. Acho que não gosta, mesmo porque o
editorial se dirige a uma parcela mínima da população, a uma
parcela de elite. O editorial é o meio mecânico de interlocução
entre o jornal e o poder, entre o jornal e setores da sociedade.
Hoje o jornal pode falar com os estudantes, amanhã com os
sindicatos. O editorial é a boca do jornal, através da qual ele
diz aos outros o que pensa. Daí a sua natureza restrita, porque
se dirige a grupos muito específicos.
Um equívoco que a esquerda geralmente comete é o
de que, no Brasil, o Estado desempenha o papel de
controlador maior das informações. Mas não é só o Estado, é
uma conjunção de fatores. O Estado não é capaz de exercer o
controle, e sim a classe dominante, os donos. O Estado influi
pouco, porque é fraco. Até no caso da censura, ela é dos donos
e não do Estado. Não é o governo que manda censurar um
artigo, e sim o próprio dono do jornal. Como havia censura
prévia durante o regime militar, para muitos jornalistas
ingênuos ficou a impressão de que eles e o patrão tinham o
mesmo interesse em combater a censura.
Às vezes me perguntam se sou censurado na Folha.
Em minha coluna não sou, mas no resto fui censurado
ultimamente, apesar de ter dirigido o jornal durante anos.
Tudo bem, é uma empresa particular que não quer que certas
coisas sejam ditas; é um direito dela. Ao longo de minha
experiência de chefe de redação deixei de publicar coisas dos
outros. É um direito lícito do dono. Devo ter suprimido
milhares de matérias ao longo de trinta anos. Não podia
publicar, porque era contra a linha do jornal. Daí não existir
liberdade de imprensa para o jornalista; ela existe apenas para
o dono. Por isso não posso aceitar quando jornalistas
defendem a liberdade da imprensa: é como eu assinar uma
declaração dizendo que, para o resto da vida, eu sou um
canalha e o patrão é um homem de bem.
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Nunca fui impedido de dar nenhuma informação


importante, mas já fui muito limitado no meu direito de
opinar sobre certos assuntos. Isso é normal. Se o jornal não
quiser publicar, não publica, mesmo porque não é meu. Acho
até engraçado o constrangimento com que essas coisas são
apresentadas a nós, jornalistas, pelos donos. Não se trata de
censura: o jornal é deles e eles fazem o que quiserem. Não é
uma propriedade pública, é uma propriedade privada.
Para mim a abertura política não mudou nada,
profissionalmente. Eu não tinha emprego na TV e continuei
não tendo, não tinha convites para trabalhar em outros
jornais e continuei não tendo. A mudança do regime militar
para a democracia não modificou nada para mim e para
outros jornalistas: continuamos párias. Para mim o regime
militar não acabou. Pelo alcance diário de minha coluna na
Folha, seria normal que eu recebesse convites para trabalhar
em outros jornais, mas isso não se deu. Trabalho na Folha
porque o dono acha que posso trabalhar lá; sou marginalizado
porque minha posição política é muito conhecida dos donos
de jornais, e há um certo temor injustificável da parte deles de
que eu não saiba administrar isso. Frequentemente sou
procurado por pessoas que me pedem recomendações para
trabalhar neste ou naquele jornal. Mas uma recomendação
minha é a melhor maneira de garantir que a pessoa não vai
conseguir o emprego que queria. Quando fui trabalhar no
Estado, o dr. Julinho Mesquita sabia perfeitamente quem eu
era. E quando fui para a Folha, essa pergunta me foi feita por
Frias e respondi com toda a franqueza. Mas não faço
concessões. Aliás, não me pedem para fazer concessões, mas o
jornal pode bloquear, não publicar o que escrevo.
Escrevo de modos diferentes para a Folha e para a
Senhor; nesta sinto-me mais livre, porque a revista tem uma
circulação pequena. Se amanhã ela estiver numa posição de
vender quinhentos mil exemplares, o arco de leitores a
atender será muito maior, e naturalmente entenderei isso e eu
94

mesmo limitarei mais minha liberdade. Isso é algo que o


jornalista delimita, não é preciso que o patrão diga. É a regra
do jogo. Não se podem propor certas coisas numa publicação
que vai atender a um número muito grande de leitores.
Em meus artigos pode se perceber que tenho uma
tendência acentuadamente popular, embora sempre me
mantenha no limite. Se eu publicar que Antônio Ermírio de
Moraes não pode ser eleito para o governo de São Paulo
porque é a favor da propriedade privada dos meios de
produção, o jornal vai me despedir. O jornal não é marxista. O
que faço é obedecer à regra do jogo. Na campanha de 1985
pela prefeitura de São Paulo, por exemplo, a Folha adotou
uma posição de neutralidade, ou pelo menos tentou. E eu
ataquei Jânio Quadros. Mas não foi uma atitude doutrinária
que colocasse em risco a sociedade, do ponto de vista do
jornal. Simplesmente fui contra um candidato que
considerava um atraso político para o Brasil. Não segui a linha
da Folha mas não aí dos limites doutrinários do jornal.
No tempo em que fui chefe de redação do Estado, ali
escreviam pessoas como Lívio Xavier, Oswaldo Peralva e
outros que eram claramente identificados com uma ideologia
contrária à que o jornal defendia. Fui fazendo ver à direção
que o jornal deveria ser o mais pluralista possível. Não mexi
na linha editorial. Fui conversando com Júlio Neto, Ruy, Zizo
e Juca Mesquita, e o jornal foi ficando muito amplo. Francisco
Julião escrevia matérias sobre as Ligas Camponesas ao
mesmo tempo em que o editorial esculhambava o Julião. Era
um consenso, não imposto por mim, mas algo que o jornal
achava correto. A Folha, por exemplo, publica matérias de
Florestan Fernandes, que são opostas a qualquer jornal do
establishment.
Essas pessoas não podem contar com o suporte de
uma imprensa alternativa, porque os jornais pequenos jamais
atingirão a venda e a eficácia operacional dos grandes jornais.
A história da imprensa alternativa no Brasil é trágica. Quando
95

a abertura começou, esse tipo de imprensa acabou, e para isso


contribuiu muito a linha que a Folha adotou a partir de
meados de 1975, quando publicávamos tudo. A Folha tornou-
se um jornal muito aberto nesse período.
A pretensão dos jornais é de serem neutros. A não ser
O Estado de S. Paulo, que é engajado, os demais jornais
exibem uma aparência de neutralidade. O Estado é contra a
reforma agrária, contra a Igreja progressista, contra o fim da
Lei de Segurança Nacional, quer o predomínio da burguesia
no Congresso mas, mesmo assim, começa a entrar em choque
com suas próprias concepções. É contra a Censura – ainda
que não tenha se manifestado com a mesma veemência da
Folha –, mas não acha muito bom Lula ter quinze minutos
para falar no horário da propaganda eleitoral, ou que Leonel
Brizola também tenha esse tempo. No fundo, a neutralidade
nos jornais e revistas é muito difícil de ser administrada. Se
me pedissem para dar um exemplo de neutralidade, não
conseguiria. E a pretensão de uma neutralidade excessiva
inevitavelmente conduz o jornal a um certo manfichisme, a
uma certa indiferença diante das coisas, o que também traz
contradições e muitos dramas de consciência.
Durante todo o tempo em que estive na Folha – de
1965 a 1977, quando deixei definitivamente a direção do jornal
– trabalhei sob a ditadura. A ditadura jogava bruto, censurava
o jornal, sonegava notícias, mentia, manipulava índices de
custo de vida. Aliás, eu mesmo provei isso, com Eduardo
Suplicy, que levara para a Folha. Houve um período em que
não se podia acreditar em nada que saía impresso; era
publicado nos jornais que um guerrilheiro tinha morrido
atropelado, quando na verdade tinha morrido numa cela, sob
as torturas mais bárbaras.
Eu também jogava bruto com a ditadura; fazia um
jornal propositalmente tendencioso, para lutar contra os
militares. Mas não se espera de todo jornalista que aja desse
modo. No meu caso, antes de ser jornalista sou um ser
96

político; o que me interessa de fato é fazer política, é mudar a


sociedade brasileira. Para mim, o jornalismo foi
frequentemente um instrumento que usei em benefício de
minhas ideias. Como acho que a realidade brasileira é cruel
demais, me achava na obrigação de mudá-la, mas isso não
quer dizer que seja obrigação de todo jornalista.
Certa vez, ao ser entrevistado por um jornal
americano sobre a questão da revisão do período de ditadura,
disse ao repórter que posso ser acusado de revanchismo. Creio
que alguns crimes que foram praticados devem ser conhecidos
e, se possível, os culpados punidos. Não me refiro às mortes
em combate, mas às mortes sob tortura, em condições
absolutamente desumanas; aos desfalques gigantescos, à
violência institucionalizada, à perversão de todos os hábitos
brasileiros, à tentativa – que felizmente não deu certo – de
introduzir a delação como método de governo.

Vicíos da imprensa2
1. Distorção, deliberada ou inadvertida.
2. Culto das falsas imagens.
3. Invasão de Privacidade.
4. Assassinato de reputação.
5. Superexposição do sexo.
6. Envenenamento das mentes das crianças.
7. Abuso do poder.

A listagem é arbitrária, mas é um bom ponto de


partida. Antes de detalhar cada um dos “pecados”, é bom
registrar que algumas outras listas já foram sugeridas, e são
igualmente úteis. Entre elas a de Marcelo Leite, então
ombudsman da Folha de S. Paulo, num artigo de 31 de
2
Paul Johnson. Publicado no Jornal da Tarde de 24 de março de 1993.
In.: BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
97

dezembro de 1995. Dos problemas que ele apontava na


imprensa brasileira, há cinco que ainda permanecem
preocupantes.

1. Fernandohenriquissimo. Na visão de Marcelo


Leite, uma unanimidade havia se apossado da cobertura
política brasileira entre 1994 e 1995. A adesão festiva às teses
do presidente Fernando Henrique Cardoso passou a
contribuir para a distorção dos fatos. O ombusdman escreveu
uma advertência contra o movimento que iria culminar na
reeleição de FHC, três anos depois:

O arrastão econômico parapolítico e antidemocrático


produzido pelo Plano Real continua em marcha. Investiu
Fernando Henrique Cardoso no Planalto e, apesar do fogo
amigo na Esplanada dos Ministérios e no Congresso, ainda
alicerça um consenso inabalável entre os donos do poder. O
bezerro de ouro se chama estabilização. O bolo já não precisa
crescer: basta que não desande. Há coisas mais urgentes que
dividi-lo, como reeleger o presidente-professor. Todo o debate
público se esfuma diante de meia dúzia de pedras de toque:
modernidade, anticorporativismo, eficiência, privatização,
competitividade, reforma. Esse credo deixou há muito as salas
de editorialistas e fincou raízes fundas nas redações.

2. Vazamentismo. Aqui, a referência do


ombudsman eram “os escândalos postos no colo da imprensa”
com base em informações “oficialmente” vazadas dos
gabinetes do poder. Na verdade, esse “vazamentismo” estava
se tornando um expediente rotineiro de políticos interessados
em prejudicar a imagem de outros. Denúncias chegavam aos
jornais sem origem declarada e eram publicadas sem maior
trabalho de verificação prévia.
3. Offismo. O off é um termo que faz parte do jargão
das redações. Tem origem na expressão inglesa off the record,
que designa aquilo que se diz a um jornalista
98

“confidencialmente”, isto é, algo que se diz para não ser


registrado. Há aqui uma variante sutil que merece nota. O que
a fonte declara em off, rigorosamente, é algo que não deve ser
publicado nem mesmo quando ela, fonte, não é mencionada
na reportagem. Diferente disso é aquilo que a fonte declara
para publicação, pedindo no entanto sigilo sobre sua
identidade. No Brasil, a expressão “declaração em off” admite
os dois significados. Em seu uso mais corrente, a expressão se
refere à informação que poderá ser publicada desde que não
se identifique a fonte. Entre nós, é verdade, o uso do off
tornou-se rotina e se transformou em abuso. Com freqüência,
o leitor, o telespectador ou o ouvinte não fica sabendo da
origem da informação. Ele só é avisado de que “uma alta
autoridade do Ministério tal” ou “um professor que prefere
não se identificar” ou ainda “uma fonte qualificada” disse isso
ou aquilo. Outros recursos para o mesmo procedimento são os
cacoetes de texto do tipo “comenta-se”, “garante-se” etc.
Muito comum nas colunas de notas de informação política,
econômica e de interesse geral, esse modo de informar, salvo
exceções, é também um modo de desinformar. Afinal: quem
diz? quem garante? quem comenta? Não se faz bom
jornalismo com declarações anônimas. O que o ombudsman
da Folha apontava é que, em lugar de um procedimento
excepcional, aceitável apenas sob condições muito especiais, o
off tinha virado regra. Qualquer código de posturas éticas
recomenda cautela e parcimônia no uso do off. Além de ser
um recurso pelo qual o jornalista encontra um subterfúgio
para escapar ao trabalho duro de sair atrás de confirmações –
basta-lhe, antes da informação de fonte obscura, que ele não
foi checar, acrescentar um “comenta-se que” —, o “offismo” se
converte numa porta para que boatos infundados interfiram
na opinião pública. Marcelo Leite enumerou os cuidados que
o uso do off requer:
99

O jornalista deve ter plena confiança na fonte, com


base em um histórico de veracidade;
A fonte deve ter motivo plausível e aceitável para
proteger-se (como risco de vida ou de punição);
A informação em pauta deve ser de grande
relevância para o público;
O jornalista deve tentar confirmá-la com pelo
menos uma fonte independente;
Cabe à fonte pedir e ao jornalista aceitar – ou não —
o “off”, nunca o inverso.
A maioria das reportagens em “off”, neste país, não
satisfaz nenhuma dessas condições. Na Folha, o
leitor pode reconhecê-las pelo emprego da fórmula
canônica “a Folha apurou que...”.

4. Retranquismo. Outro neologismo, retranquismo


é derivado de retranca, que, no jargão das redações, dá nome
àquelas palavrinhas que classificam as diversas reportagens
por assunto. Nas revistas, as retrancas aparecem no alto de
cada reportagem, normalmente acima do título: Política
Nacional, Teatro, Esportes, Saúde. De cara, o leitor é
informado pela retranca sobre o tema geral daquela página.
Para Marcelo Leite, o uso abusivo das retrancas acabou
redundando no “retranquismo”: a subdivisão obsessiva de
uma única história em inúmeros “departamentos”. De fato,
isso se tornou uma prática rotineira e sistemática no
jornalismo impresso — e agora também na internet. Em lugar
de textos longos, dá-se preferência a uma sequência de
brevíssimos tópicos, em forma de legendas ou boxes
(pequenas caixas de texto) de dois ou três parágrafos. As
velhas retrancas se multiplicam em incontáveis sub-retrancas.
De um lado, essa tendência se justifica em nome da falta de
tempo do leitor, que tem o direito de achar o mais
rapidamente possível a informação de que precisa sem ter de
percorrer colunas e mais colunas de texto. A divisão de uma
100

longa reportagem numa série coerente de vários tópicos ajuda


o leitor. O problema é a edição malfeita, que empobrece a
informação. A proliferação das retrancas suprime a visão de
conjunto — e, com isso, suprime também a compreensão do
contexto —, transformando o jornalismo numa fragmentação
caleidoscópica sem a menor unidade.
5. Egocentrismo. Aqui, o ombudsman se referia à
“tríade ego-corpo-consumo”: o jornalismo começa a girar em
torno da satisfação narcisista dos desejos do consumidor. Ora,
mas que problema ético haveria nisso? Aparentemente,
nenhum. Mas há, sim, um problema. Conforme o grau em que
os órgãos de imprensa assimilam a lógica do egocentrismo, tal
qual ele foi definido por Marcelo Leite, põem em risco sua
capacidade de informar criticamente a sociedade — pois isso
requer uma visão crítica dos hábitos da sociedade. Se o
jornalismo aceita os paradigmas de classificação do mundo
dados pelo consumismo, ele foi engolido pela lógica do
consumismo — e não mais pode vê-lo com distanciamento. O
curioso é observar que no jornal Valor Econômico, lançado
em maio de 2000, numa associação da Folha de S. Paulo com
O Globo, há um caderno destinado a lazer, entretenimento e
consumo que se chama, exatamente, “Eu &“.

Pecados capitais da imprensa

Uma outra tábua de pecados da imprensa aparece


no livro do professor Ciro Marcondes Filho, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, A saga
dos cães perdidos.3 São ao todo doze deslizes, compilados pelo
autor com base em livros e artigos nos quais prepondera uma
visão europeia (boa parte das pesquisas de Marcondes Filho
foram realizadas na França). Enquanto a lista de Marcelo
3
C. MARCONDES FILHO, A saga dos cães perdidos, São Paulo, Hacker
Editores, 2000, p. 137.
101

Leite é o diagnóstico de alguém que observa a redação pelo


lado de dentro — ele flagra problemas técnicos internos do
fazer jornalístico — a lista de Marcondes Filho reúne vícios
que são vistos por quem está fora das redações. A lista do
ombudsman identifica os pecados no modo de trabalhar; a de
Marcondes Filho os encontra nos resultados. Pode-se ler a sua
compilação como uma sequência das queixas mais comuns da
sociedade. É bom conhecê-las:

1. Apresentar um suspeito como culpado.


2. Vasculhar a vida privada das pessoas, publicar
detalhes insignificantes de personalidades e de
autoridades para desacreditá-las.
3. Construir uma história falsa, seja em apoio a
versões oficiais, seja para justificar uma suspeita.
4. Publicar o provisório e o não-confirmado para
obter o furo. Transformar o rumor em notícia.
5. Filmar ou transmitir um suicídio ao vivo.
6. Expor pessoas para provar um flagrante.
7. Aceitar a chantagem de terroristas.
8. Incitar “rachas” [discórdias cizânias, buscar a
polêmica pela polêmica, jogar uns contra os
outros].
9. “Maquiar” uma entrevista coletiva ou exclusiva.

Aqui, a maquiagem pode acontecer por meio da


“transformção” mal-intencionada de uma entrevista
coletiva numa “exclusiva”: o repórter ou o editor
fazem parecer que declarações gravadas numa
entrevista coletiva, para vários órgãos de imprensa,
foram dadas com exclusividade para aquele veículo.
A maquiagem também acontece pela modificação
das declarações, para dotá-las de mais “impacto”.
10. Comprar ou roubar documentos.
102

11. Gravar algo à revelia, instalar microfones


escondidos.
12. Omitir que se é jornalista para obter
confidências4.
Abuso de poder

Diz Paul Johnson:

Desde que Macaulay denominou a imprensa de “o Quarto


Poder”, há consciência do poder político de que a mídia dispõe,
o que pode ser chamado de “síndrome de cidadão Kane”. [...] Os
proprietários dos meios de comunicação nem sempre estão
conscientes do grau de poder que exercem, e de sua natureza
corruptora. Pois o dito de lord Acton de que todo poder tende a
corromper aplica-se tanto à mídia quanto à política. O exercício
por longo prazo de um grande poder produz uma vulgarização
das sensibilidades morais, uma certa abordagem descuidada e
temerária de decisões graves.
4
O décimo segundo “deslize” admite uma ressalva. Há casos em que o
interesse público justifica que o repórter não se declare como tal. Por
exemplo: em 1999, foram publicadas na imprensa brasileira algumas
reportagens sobre a venda de gasolina adulterada. Se os repórteres se
identificassem logo de início perante os traficantes de combustível diluído
em solvente (diluído contra a lei), jamais poderiam chegar aos depósitos
clandestinos. Na primeira abordagem aos falsificadores, eles se
apresentaram como compradores comuns. Uma vez obtida a confirmação
da fraude (o que pode passar pela gravação sem consentimento de uma
conversa telefônica, por exemplo), e comprada a gasolina adulterada, eles
se identificam perante os criminosos, que então podem apresentar sua
versão dos fatos. Sem esse recurso, a imprensa não teria como obter as
confirmações sobre uma conduta ilegal que lesa o cidadão, expondo-o a
riscos de vida (uma falha mecânica provocada pelo combustível pode
ocasionar acidentes graves), e lesa também o consumidor, prejudicando a
conservação de seu automóvel. O mesmo se dá com o repórter que vai a
uma loja, a um hotel ou a um restaurante para verificar como é que os
fregueses comuns são tratados nesses estabelecimentos. É essa ainda a
situação de repórteres que investigam histórias de crimes em zonas
dominadas pelo tráfico de drogas, que visitam áreas onde se explora o
trabalho ou a prostituição infantil, e também regiões em guerra. Às vezes,
declarar-se jornalista é aumentar desnecessariamente o risco de vida
103

Não há como discordar dessas palavras.


Isso é ainda mais grave quando se pensa no poder de
um veículo como a televisão que, nas últimas três décadas do
século, exerceu hegemonia na organização do espaço público
contemporâneo em todo o mundo e, de modo mais marcante,
no Brasil. Muitos já lançaram advertências sobre o perigo
dessa hegemonia, entre eles o filósofo austríaco Karl Popper
(1902-94), que, no livro Televisão – Um perigo para a
democracia, pediu um controle para o poder da televisão:
“Não pode haver democracia se não submetermos a televisão
a um controle, ou, para falar com mais precisão, a democracia
não pode subsistir de uma forma duradoura enquanto o poder
da televisão não for totalmente esclarecido”. A introdução
desse mesmo livro, assinada por Giancarlo Bosetti, exprime o
desconforto representado por Karl Popper: “A televisão
tornou-se um poder incontrolado, e qualquer poder
incontrolado contradiz os princípios da democracia”. 5
Ninguém aqui irá propor qualquer fórmula de
censura ou qualquer colegiado de autoridades públicas que
sejam encarregadas de “filtrar” aquilo que a televisão pode
veicular. A liberdade de imprensa é inegociável. Mas, como
poder que são, os meios de comunicação requerem de seus
controladores uma subordinação a valores éticos que
construam e não corrompam a democracia em nome da qual a
liberdade lhes é conferida. Não é a veiculação de conteúdos
que precisa ser monitorada pela autoridade, mas o poder que
precisa ser limitado — e isso significa limitar a propriedade
dos meios eletrônicos de comunicação. É disso que se trata.
A democracia deve assegurar um regime em que
prevaleça, no mínimo, a pluralidade de veículos informativos
e a competição entre os órgãos de imprensa. Isso,
infelizmente, como já foi visto, ainda não se verifica no Brasil
5
K. POPPER, Televisão – Um perigo para a democracia, Lisboa, Gradiva
Publicações, 1995, p. 30.
104

no que se refere aos meios eletrônicos. Daí resulta um


desequilíbrio que distorce a informação e que convida os
proprietários a se esquecer da responsabilidade que lhes cabe.
Eles, afinal, não precisam prestar contas a ninguém. A
concessão pública de um canal a uma emissora de televisão no
Brasil tem validade de quinze anos, e sua não-renovação
depende da aprovação de, no mínimo, dois quintos do
Congresso Nacional em votação nominal (artigo 223,
parágrafo terceiro da Constituição Federal). Ora, isso é o
mesmo que dizer que a concessão é perpétua. Que
parlamentar quer arriscar-se a cair nas listas negras das redes
de televisão?
A concessão não está subordinada na prática sequer a
uma carta de princípios que, se desobedecida, justificaria uma
pena de suspensão ou mesmo de cassação da concessão. As
emissoras de televisão no Brasil, quando distorcem as
informações, saem impunes. O abuso de poder é uma lei a lei
da selva. Nessa matéria, a ética jornalística não basta. Esperar
que a liiriitação de poder possa brotar da boa consciência dos
proprietários é insistir no erro. É preciso que, por força da
legislação, haja limites para o poder das emissoras — como
existe nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, esse limite é um
limite da proriedade privada. Uma agência, a Comissão
Federal de Comunicações (FCC), é a responsável pela
regulação do setor. Por meio do estabelecimento de regras e
também pela fiscalização, ela procura proteger a pluralidade e
a diversidade de empresas e de opiniões na comunicação
social.
Tradicionalmente, a FCC não autoriza que uma
mesma empresa tenha uma emissora de televisão e um jornal
numa mesma cidade. A partir da década de 1990, é verdade,
esse veto vem admitindo flexibilizações em casos específicos,
o que em parte se deve ao advento das novas tecnologias (com
a confluência dos meios, não há mais um limite claro entre um
jornal pela internet e meios eletrônicos, e a lei não pode impor
105

regras baseadas em tecnologias ultrapassadas). Mas, acima


das flexibiliações, o princípio de garantir a diversidade
permanece. “O mercado de mídia torna-se cada vez mais
dinâmico e competitivo, com um crescente número de
distribuidores de informação e plataformas de mídia e os
americanos usando essas opções mais que nunca”, disse
William E. Kennard, presidente da FCC.6 “Nosso relatório
equaciona o interesse público relativo à diversidade da
propriedade com as exigências de um mercado em mudança e
com a necessidade de as empresas de radiodifusão
aproveitarem a eficiência econômica e continuarem
competitivas.” Segundo a FCC, as restrições não serão
revogadas, mas apenas afrouxadas em casos específicos.
No relatório bienal que foi divulgado em junho de
2000, a FCC reafirma seus objetivos históricos:

Por mais de meio século [a agência foi criada pelo


Comrnunications Act de 1934], as regulações desta Comissão
para os serviços de radiodifusão vêm sendo guiadas pelas metas
de promover competição e diversidade [...]. Competição é uma
parte importante porque promove o bem-estar do consumidor e
o uso eficiente dos recursos, além de ser um componente
necessário para a diversidade. A diversidade de proprietários
[dos meios de comunicação] leva à diversidade de pontos de
vista e promove os princípios centrais da Primeira Emenda [a
emenda constitucional de 1791 que consagra a liberdade de
reunião, de expressão e de imprensal].

Por isso, em nome de manter a diversidade e a


pluralidade, a FCC proíbe expressamente qualquer fusão ou
aliança entre as quatro grandes redes de TV nos Estados
Unidos: a Fox, a ABC, a NBC e a CBS. Não se trata de discutir
em detalhes o número de jornais que cada empresa pode ter
em combinação com outro número de canais por assinatura e
6
Em “EUA liberalizam normas para empresas de rádio e televisão”, O
Estado de S. Paulo, 1/6/2000.
106

mais a participação em redes nacionais. O que é preciso


destacar é o princípio democrático de limitar a propriedade
dos meios de comunicação para resguardar o regime da
concorrência entre as empresas e um ambiente de
multiplicidade de opiniões e pontos de vista. Esse princípio é
que é essencial. É verdade que vários dos limites de
concentração de propriedade de meios de comunicação vêm
sendo revistos e afrouxados nos Estados Unidos, mas o
princípio de manter a diversidade continua vivo. No Brasil,
jamais se cultivou verdadeiramente nada parecido. Aqui, o
abuso de poder caminha sem a menor perspectiva de controle.
É uma pena. A ética jornalística, para prosperar, depende da
existência de um ambiente minimamente equilibrado e plural
para os meios de comunicação.
107

“Os Dez Mandamentos”

Contra as mazelas e as falhas, Paul Johnson propõe


“dez mandamentos” que devem nortear o trabalho dos
jornalistas. Devem também orientar o público, pois cabe ao
público exigir que lhe seja dada informação de qualidade. São
eles:

1. Desejo dominante de descobrir a verdade.


2. Pensar nas conseqüências do que se publica.

Em Normas y conflictos, carta reservada e editada


por Carlos Soria, da Universidade de Navarra, divulgada em
1993, há um episódio que ilustra bem a procedência desse
mandamento: “A informação mata. Um editorial do diário
italiano Il Tempo resumiu nessa ideia sua decisão de não
publicar mais nenhuma informação sobre as circunstâncias e
métodos usados pelos suicidas para se matar. Dez jovens
italianos já tinham se matado pelo método de respirar os
gases do cano de escapamento de seus carros”. 7

3. Contar a verdade não é o bastante. Pode ser


perigoso sem julgamento informado.

Aqui, o apelo de Johnson é de natureza utilitária, ou


seja, o jornalista deve levar em conta as conseqüências de seus
atos antes de decidir o que fazer.

4. Possuir impulso de educar.


5. Distinguir opinião pública de opinião popular.

7
C. SORIA (ed.), Normas y conflictos, no. 1, p. 12.
108

O termo popular na frase não é feliz. Permite um


entendimento de que o “popular” carrega um valor negativo
em oposição ao público, e não é esse o caso. O mais preciso
seria dizer: distinguir o interesse público da curiosidade
perversa do público e distinguir legitimidade de popularidade.

6. Disposição para liderar.


7. Mostrar coragem.

O sexto e o sétimo “mandamentos” soam um tanto


épicos. O jornalismo não é nenhuma liderança política da
sociedade. Mas deve-se ter em conta que “disposição para
liderar” significa ser capaz de remar contra a maré, ter a
iniciativa de, se necessário, combater o senso comum. O que
se completa com a obrigação de “mostrar coragem”. Sem
bravatas nem demonstrações de valentia, a imprensa não
pode se dobrar às pressões e tem de deixar explícito que não
se dobra.

8. Disposição de admitir o próprio erro.


9. Equidade geral.
10. Respeitar e honrar as palavras.

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