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IGREJA LUSITANA CATOLICA APOSTOLICA ae PUBLIGAGAO MENSAL : PREGO 50800 ‘OUTUBRO 1989 N A IGREJA eg croc AOD 7 1A BORIUGUEZA Ghee ane LUSITANA ess ae X Sis EA INSTAURAGAO DA REPUBLICA —— Pégines 6 © 7 ENCERRAMENTO DO , ENSINO PRIMARIO NAS ESCOLAS DO Be! TORNE E DO PRADO * AS RAZOES DA DECISAO —__ pigina 5 histéria A IGREJA LUSITANA E A INSTAURACAO DA REPUBLICA Fol 9 Rev. Diogo Crssels o reeponsével pels compra de primeira bendeira de Repabiles, no Terne "Portugal acaba de realizar uma Gigantesca conquista na gloriosa jr nada de 5 de Outubro”! & neste tom ‘exclamatério e emocionado que A Luz @ Verdade, periédico dirigido entao ppelo futuro bispo Anténio F. Fiandor, satida a instauracao da Repiblica. (1) Reunida poucos dias apés a revolugao republicana, em 11 de Ou- tubro, a Junta Paroquial do Torn constitulda ao tempo por Bernardino Francisco Ferreira, Joaquim Ferreira da Silva, Jos6 Teixeira da Fonseca, ‘Armando Rodrigues Annes, Julio Gomes dos Santos ¢ José Pereira de Pina Cabral, sob a presidéncia do Rev. Diogo Cassels, lanca em acta “um voto de saudago & Republica Portuguesa” @ decide, num gesto de entusiasmo, a Imediata compra de “duas bandeiras nacionais com as cores verde e vermelha’, (2) aquisigo que nao se teré revelado facil, dado que ainda em Julho de 1911 Diogo Cassels se compromete a mandar fazer a referida bandeira nacional, (3) ‘Mas de maiores consequéncias fo! 1 decisao tomada também em 11 de Outubro pela Junta da Capela de S, Joao Evangelista no sentido de no ‘culto de domingo 30 de Outubro “ser proferido na Egreja um discurso que ‘endo religioso, seja ao mesmo tempo demonstrative, & face do Evangelho, de que os principios sociaes da democracia s80 de harmonia com a doutrina de Christo” (2) E na realidade, na data aprazada, efectuaram-se, de manha, "Exequias em commemoracao das victimas da Tevolugéo © collecta em favor das familias que ficaram na miséria qualquer que seja a sua cér politica’: @ da parte da tarde, Anténio Peres, Pregador licenciado, proferiu 0 "sermao congratulatério pela victoria pacifica da Repiblica’, nos termos da Gecisdo da Junta Paroquial. (4) Estes actos religiosos estiveram concor- Fidissimos @ a eles assistiram algumas entidades publicas, bem como “bas- tantes membros de alguns Clubes re- Publicanos’, (5) Alguns meses depois, 0 ircunspecto Light & Truth, boletim da Spanish and portuguese Church Aid Society (uma sociedade que no Reino Unido promovia a causa e recoihia apoios para a loreja Lusitana, a lgreja Espanhola Reformada Episcopal © ‘outras Igrejas protestantes), sob~o titulo “Grandes mudangas’, informava 08 leltores de lingua inglesa que “nunca na histéria da europa se fez ‘uma tevolugéo com tal rapidez © que obtivesse Inteiro sucesso com 180 pequenas perdas de vidas ou de bens" (6) Na Tealidade, destacados _res- ponsavels da Igreja Lusitana Catdlica Apostélica Evangélica, como de outras confissées cristas de cardcter evangélico, receberam com grande expecativa e fundadas esperangas 0 ovo regime poltico. ‘As titimas trés. décadas da mo- nrarquia constitucional. vinham por mitindo aos ndo-catdlicos gozar de alguma liberdade de culto no plano legal ¢ os evangélicos desirutavam muitas vezes da simpatia de alguns ‘sectores politicos mais progressistas, ‘quer no quadro do regime vigent quer _na area republicana, como o llustra a acgao do deputado portuense Rodrigues de Freitas, que em finals da década de 70 se fez portavoz dos ctistéos evangélicos na sua luta pela liberdade de consciéncia contra a pressao crescente do clericalismo ul tramontano. Mas se em 1910 as perseguicdes ‘aos evangélicos eram ja raras nos Grandes meios urbanos do Porto ou de Lisboa, onde jé néo se apreendiam Biblias, queimavam folhetos ou encar- ceravam colportores, nos ambientes Turais do interior a situago pouco ou nada se tinha alterado. A, imperava ‘a influéncia dominante do reacciona- tismo catélico, veiculado pelas ordens ‘eligiosas © | particularmente pelos jesultas, que apesar das leis anti ‘congreganistas se vinham instalando, ‘com a geral complacéncia das auto- ridades e 0 brado dos protestantes € da Imprensa politica da oposicao. Ora, em alguns aspectos, pelo menos, republicanos e evangélicos tinham’ estado do mesmo lado da barricada nos tltimos decénios da monarquia. Na oposigao ao ultramon- tanismo catélico que se afirmava pela infalibilidade papal agitava como bandeira as condenagdes do Syllabus; na recusa do dogma da Imaculada Conceigao, que impuisionava a mario- latria em desfavor do cristianismo sébrio, primitive, de matriz cris: tolégica; ‘na bataina pela implemen tagao do registo civil, para subtrair & Igreja o dominio absoluto sobre a vida Pessoal e familar; na critica ao poder temporal da Igreja © ao “dinhelro de” S. Pedro” (a campanha de fundos que © diario catélico do Porto, A Palavra, sustentava para o “pobrezinho do Vaticano’, na linguagem verrinosa cu- rativas da agua de Lourdes, das pretensas aparigses © mais que Suspeitos milagres que a propaganda devota do mundo caiélico piamente fazia circular; © sobretudo, nos ataques & missionacao cada vez mais pblica dos padres da Companhia de Jesus, gracas & particular influéncia, que recuperavam no Ensino © a0 modo como utiizavam a confiss3o auricular, “contraria & Sagrada Escri- tura (...), contréria & propria razao (...), contréria @o bem estar da familia 2 da sociedade’, nas palavras de Guitherme Dias. (7) Por isso, a Republica surgiu acs colhos de muitos cristaos reformados como a oportunidade histérica que Poderia, eventualmente, alterar de forma significativa os dados na sit- tuagao religiosa portuguesa. ‘Se bem que normaimente com a natural prudéncia que 0 tradicional apoliticismo das lgrejas aconselhava, nos dias subsequentes ao 5 de Outubro, 08 evangélicos —_ multipi: caram-se em telegramas © represen: tagdes aos poderes publicos. ‘Assinando como “decano da Egreja catholica reformada em Portu- gal’, Diogo Cassels dirige-se a Ber- nardino Machado © a Teétlo Braga: “Embora collectivamente alheia” a poltica partidaria, a egreja Lusitana (..), em Gaya, sada em v. exc. 0 advento da republica portuguesa, por termos relia a esperanca de que ‘acabaré com todas as leis de ex- ccepgao de que temos sido victimas © nos ‘rard as liberdades que ha muito ambicionamos para desafogadamente trabalharmos pela instrugao da nossa patria’. (4) Homens como Cassels ou Santos Figueiredo terao pelo menos por momentos acreditado que a Republica poderia dar a lgreja Lusitana 0 ensejo de afimmar-se como a verdadeira Igreja_velho) catdlica portuguesa, libertando 0 Pals do obscurantismo do sgrémio catélico-romano Assim se explica a grande preocu- ago, notéria em publcagses da €poca, de enfatizar a independéncia — a lusitanidade — da \greja Cer- tamente pela pena de Cassels. a Egreja Lusitana confima tal objectvo: "Se as instituigbes republicanas nos vao dar, como esperamos, mals I- berdade’ para alargar 0 noseo campo de accao em derramar a luz @ a insttucgae, também nos vem trazer novas "responsabilidades, que so Podem ser aproveltadas por uma s6 egieja, no 6 nominalmente, mas realmente nacional, independente © patriotica. Sabemos que ja hé-grande rhumero de pessoas que desejam unir- -se & Egreja Lusitana logo que se convengam de que ella 6. inde- Pendente de Roma ou de qualquer outta auctoridade estrangelra’. (4) Entretanto, prevendo-se a Lel da Separagao, que viria a ser publicada a 20 de Abiil de 1911, Santos Figueiredo solicita que antes da separaco do Estado da Igreja se efectue a completa nacionalizagao desta, com 0 sentido evidente ‘de contrapér a “portugalidade” do catoli- cismo lusitano a natureza “estrangeira’ do catolicismo romano. (6) E igualmente, 0 futuro bispo-eleito da IL adere as principals reivind!- cagées do cristianismo. nao-romano ‘em Portugal: a aboligao do celibato eclesiastico, total liberdade de cultos, livre edificagéo de templos, isengao do agamento de cOngruas aos que nao professam a religido romana, seculari- ago dos cemitérios e livre circulagao de livros religiosos. (5) Em congregagées como a do Tome, que tinha entre os seus membros. varios diigentes locais do Partido Republican, (8) a expectativa manteve-se durante algum tempo. Na do Redentor, no Porto, comunidade ‘com uma tradi¢ao mais evangélica, 0 Rev, Flower nao deixa também de afirmar a sua confianga no novo regime, expressando numa assem- bleia paroquial, em Dezembro de 1911, que “a pouco © pouco as auctoridades reconhecerao que as Egrejas Evangelicas sao democraticas na sua constituigao © moralisadoras nas suas doutrinas’, (9) Analisar as tazdes que terao levado a0 esvaziamento desta opor- tunidade de plena afirmacao nacional da Igreja Lusitana é tarefa que nao cabe nesta curta evocacéo. Sao Tazoes que terao de buscar-se no (© moviemnto revolucionsrie Anténio Manuel Silva * Percurso histérico da nossa primeira tepablica, bem como no perfil socio- légico da populag&o portuguesa, na qual 0 trago evidentemente indelével de séculos de catolicismo marcou fundo uma identidade muito proprid fem que 0 imaginatio da_mitologia ‘campesina se fundiu com uma religio- sidade crista similarmente milagreira © misteriosa. Razées, finalmente, que terao também de passar pela propria Igteja Lusitana, na qual o peso insti- tucional nem sempre conseguiu uni- formizar diferentes tradig6es e sensi- bilidades religiosas, traduzindo um corpo eclesial enriquecido (mas também por vezes dividido) por diver- S08. posicionamentos litirgicos, pas- torais, devocionais, Afinal, aquilo que © ema da ILCAE tao bem consubstan- cia, a0 propor como divisa ao povo lusitano: unidade na certeza, liberdade na duvida, caridade em tudo, * Membro da Paréquia de S. Joao Evangelista Professor de Histéria no ensino secundario (1) A Luz @ verdede, 10-11. Porto, Set/Out. 1910. (2 ACTAS J. P. 03 (Arquivo Paroquial do Tore), acta de 11.10.1910. () Idem, Acta de 13.07.1911 (4) Egreja Lustana, 276, V. N. Gala, 18.10.1910. (8 Idem, 277, 3.11.1910, (6 Light & Tihth, SPCAS, XXxI, London, Jan. 1911 (Tradugao noss). (7) Resposta a instrucéo pastoral do Exe.mo Bispo do Porto, DAmérico, sobre © Protestantiame, Porto, 1878, p. 137. (8) Agradecomes @ coleboragio, nesta, rmatéria, do Dr. Sikestre Lacerda, do ‘Arquivo Municipal de Gla. (9) Peréquia do Redentor, Lio de Actes da Comisséo Cultual. 1911-14 acta do 23.12.1911 5 de Outubro de 1910 englobou civie « miltares

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