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Carta de Recomendação: Benedito Medrado
Carta de Recomendação: Benedito Medrado
CARTA DE RECOMENDAÇÃO
Atenciosamente,
Benedito Medrado
Professor adjunto
Departamento de Psicologia
SIAPE 1461833
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
GRADUAÇÃO DE PSICOLOGIA
1. RESUMO
2. INTRODUÇÃO
A atenção oferecida pelo CAPS diz respeito a suplantar o modelo asilar, e como
traz o Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental (2002, p. 36), numa
“implantação de uma política de desospitalização/substituição progressiva dos leitos em
hospitais psiquiátricos, com a concomitante construção de uma rede substitutiva” 2. O
que demonstra a importância desse serviço por se propor a uma atenção de qualidade de
forma integral, com ações de cuidar e acolher abarcando a inclusão social e efetivando
uma reforma humanizada e no entendimento do controle social.
O CAPS José Carlos Souto, localizado no Distrito Sanitário II, atua com uma
equipe composta por profissionais de diversas áreas: uma gerente geral (psicóloga), uma
gerente clínica (psicóloga), dois agentes administrativos, quatro psicólogas, duas
assistentes sociais, três psiquiatras, um terapeuta ocupacional, duas enfermeiras e duas
auxiliares de enfermagem. Conta ainda, no quadro geral, com a equipe de profissionais
das seguintes áreas: uma arte educadora, um educador físico, e três funcionários de
serviços gerais.
2
Isso concernente com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica em consonância com a Lei
Federal n.º 10.216/01 e Portaria/GM n.º 799/00.
relações e estruturas sociais. Entende-se então a importância do psicólogo na
compreensão do sujeito e nas suas construções humanas significativas.
Período de Estágio I:
Início: setembro de 2007
Término: janeiro de 2008
Carga horária parcial: 210
Carga horária semanal: 16 horas (manhã e tarde – segunda-feira, terça-feira,
quarta-feira e sexta-feira – 8 às 12h – sendo também no turno da tarde na
segunda (UFPE) e na sexta (CAPS) – 14 às 18h)
4. ATIVIDADES DE ESTÁGIO
O CAPS3 José Carlos Souto, em seu Projeto Técnico (2002), tem o entendimento
da “atenção” a cada usuário baseado na inserção social, respeito à individualidade e
exercício da cidadania que valoriza o sujeito, além de ações junto aos familiares. Dessa
3
O referido CAPS corresponde à modalidade de CAPS II (em municípios com população entre
70.000 e 200.000 habitantes), com dois turnos de funcionamento – manhã (I) e tarde (II).
forma, tendo como intuito maior à qualidade de vida e inclusão social para os usuários
em saúde mental, entendendo sua singularidade e contando com os subsídios técnicos e
interventivos de uma equipe multiprofissional.
A. Reunião de orientação
B. Reuniões de estagiários
C. Reunião de equipe
Numa das reuniões discutimos, como temática, um comunicado feito pelo CAPS
Espaço Vida. Nele havia uma série de reclames sobre a situação de trabalho nos CAPS.
O que teve como gênese uma tentativa de agressão de um usuário a uma técnica. No
CAPS José Carlos Souto, um usuário ameaçou com faca uma técnica (a faca estava
escondida na sua cintura), fato este que foi contornado pela mesma e o usuário acabou
largando a faca.
Os encaminhamentos centraram-se numa mobilização dos técnicos do serviço
para reverem seus direitos por meio de documentos com assinaturas e de pactuações
internas, especialmente neste CAPS, para fixarem o entendimento do que é “admissão”,
para que o serviço não abarrote usuários sem a devida atenção psicossocial, já que como
relembramos na reunião: “as admissões devem ser de pacientes em crises severas e
persistentes”, segundo o próprio projeto técnico do CAPS. As discussões foram ricas e
promoveram um espaço de reflexões sobre: o serviço, a atuação dos técnicos e a
tentativa de não corroborar com o sistema que não dá a estrutura necessária (recursos
matérias e humanos) para o serviço.
Numa outra reunião discutimos três novos casos que resultaram na admissão e
concomitante aceitação de técnicos de referência. No entanto, observamos e
confrontamos as admissões com a situação atual do serviço, onde cada técnico está
como referência de em média treze usuários.
Foi refletida a condução das admissões que devem ser feitas de modo mais
criterioso, mas dando a devida atenção a contingência das pessoas que chegam para
triagem, a equipe percebe a necessidade de acolhimento para uma atenção diferenciada
em alguns casos. Discutimos a real atenção terapêutica aos usuários; com reflexão na
postura que o CAPS pode estar assumindo de depositário de “doentes”. Pensou-se em
fechar a triagem, mas percebe-se a impossibilidade devido à demanda semanal.
D. Reunião técnica
Numa outra reunião (dia 28 de setembro de 2007) foi discutido, dentre outros
casos, o de “At” que está na residência terapêutica e com problemas no seu processo de
curatela. A família não o aceita, o que proporciona nele um comportamento ansioso. A
técnica se preocupa por ele estar fazendo uso de álcool, mas o consumo não é diário,
acontecendo uma vez no mês quando o usuário recebe seu benefício. É preciso que a
equipe reflita com “At” acerca do consumo da bebida, contando com um pensamento
autonômico, ciente das suas responsabilidades, e do limite.
Tem-se que existir um cuidado, atenção e reflexão constante para que não se
replique o modelo asilar da psiquiatria. Isso se deu na discussão da Reunião Técnica,
que reflete a carência de mais espaços de atenção psicossocial (mais CAPS); e de
técnicos (de todas as áreas). Cogita-se a possibilidade de manutenção de alguns
hospitais psiquiátricos, já que o “radicalismo” da Reforma não coaduna mais com o
contexto atual (assegurando o ideal dentro da contingência social da rede de atenção a
saúde mental).
E. Encontro de CAPS
A. Hora do Conto
B. Grupo Operativo
Uma psicóloga do CAPS facilita o grupo uma vez por semana. Nele os usuários
se apresentam e sugerem temas para discussão e troca de experiência. Sendo essa troca
a tarefa proposta pelo grupo. Isso, visto que o grupo operativo tem como objetivo o
desenvolvimento e realização de uma tarefa (RIVIÈRE in ZIMERMAN, 1997). Poderia
ser um também um grupo terapêutico, comunitário, e informativo.
Num grupo realizado, os usuários propuseram três temas: relação entre técnicos
e usuários, preconceito e discutir as atividades do CAPS. Este último foi escolhido e
houve a participação dos usuários, delimitando sugestões e críticas. Refletimos junto
aos usuários acerca da importância das atividades, bem como sobre sua “função”, que
seria de reinserção social, promoção de saúde, meio para interações psicossociais, etc.
Como exemplo, temos o grupo que contou com a presença de quatro familiares
que espontaneamente trouxeram o mote da preocupação com o uso e a importância dos
medicamentos; bem como o relacionamento do remédio com a melhora do usuário. Isso,
na representação dos familiares, em relação ao “bom sono” e alimentação. Ou o
contrário, a piora relacionada ao não dormir, comer demais, etc. Estar, ou não,
“comportado” parece ser o interesse dos familiares. Só assim poderiam se enquadrar nos
padrões sócio-morais e conviver com o coletivo.
D. Passeio Terapêutico
E. “Convers(a)cão”
Essa atividade individual foi compreendida durante o estágio, visto que não
existe essa denominação no plano de estágio, muito menos no projeto técnico do CAPS.
Percebemos a demanda de solicitação do usuário de espaços de fala, bem como a
implicação clínica em proporcionar uma atenção psicossocial.
Uma convers(a)ção surgiu após “Cn” oferecer um livro para leitura, algo que
sempre antecede todo discurso da usuária, que está no serviço após uma crise que
ocorreu durante o vestibular de medicina que tenta há quatro anos. Ela fala de livros,
indica leituras e a partir daí tecemos uma conversa sobre autores, pensamentos
filosóficos, mitos, etc. Em momentos pontuais fala com agressividade de que não
“deixam estudar para o vestibular” (siu), mas logo volta à conversa de modo cordial e
trazendo soluções para sua melhora.
Numa outra convers(a)ção “Rz” falou da sua relação com o pai. Disse com uma
mímica muito tristonha, numa expressão de angustia, que sentia-se rejeitado pelo pai,
pois ele dizia que “Rz” não seria seu filho. O subestimavam em relação a estudo e
trabalho, e, pensando essa dimensão em relação ao entendimento de vazio, a “Rz” era
atribuído um lugar de incapacidade, descrédito, banalização da existência. O vazio
numa dimensão de passividade, apatia e desconhecimento perante a sociedade em
relação a si próprio; e vê-se que “seu verdadeiro problema é não ter uma experiência
definida de seus próprios desejos e necessidades” (MAY, 1980, p. 14).
F. Evolução
A. Anamnese:
Identificação:
Cássia (pseudônimo), 43 anos de idade, solteira, nível superior completo, exerce
a função de professora readaptada no Estado.
Histórico da doença:
A usuária diz ser bipolar e estar com perdas motoras, sente-se agitada, hostil e
intolerante. Não quer fazer higiene pessoal e se alimentar. Em outros momentos chora
e tem desejo de se matar, encenou suicídio na frente do médico, numa consulta e teme
fazer uma loucura com a própria vida. Traz como causa dessa crise um problema no
trabalho e, concomitante afastamento, mas como desejo primordial de voltar ao
trabalho, por mais que lhe demande sofrimento, pois precisa do salário para se manter.
Antecedentes hereditários:
Primo andarilho, não sabe seu paradeiro. Pai e irmão alcoolista, sendo este
último heteroagressivo. A mãe faleceu após choque anafilático numa gravidez. Cássia
é a segunda filha de uma prole de cinco filhos.
Histórico pessoal:
Na infância morou com a avó e um irmão alcoolista que a agredia muito e aos 18
anos começou a tomar medicação psicotrópica por causa dessa relação com o irmão.
Ainda na infância foi abusada sexualmente em três momentos diferentes: por um
amigo do pai, por uma colega e por uma prima. Foi casada três vezes. O primeiro
marido, com o qual teve um filho, tentou vários suicídios até concretizar, cortando a
femural. O segundo marido sofria de delírio de ciúme e chegou a colocar pessoas para
vigiá-la nos lugares que freqüentava. Teve um terceiro marido numa relação
conturbada, além de um relacionamento homossexual por 7 anos. Atualmente reside
com o filho de 16 anos.
Hipótese diagnóstica:
Transtorno bipolar tipo II – depressão com hipomania.
Transtorno de personalidade borderline.
B. Estudo psicodinâmico:
Cássia reflete sobre a preocupação com o trabalho (do qual está de licença
médica) e o desejo de “(...) voltar bem para lá” (siu). Nesse sentido, fala da
dificuldade em seguir regras, fato que a incomoda no trabalho e em suas vivências de
relacionamentos interpessoais, apresentando instabilidade constante de humor. Ao
mesmo tempo, nesses relacionamentos diz portar-se com submissão, o que relaciona
ao amor que sempre é vivido por ela com exacerbação de emoções.
Salienta que mantém atitudes de chantagem nas relações, mas sente-se ridícula,
quando precisa “prender e atrair um homem” (siu). Classifica as mulheres de “burras
ou aproveitadoras espertinhas” (siu), se intitulando na categoria das burras por sentir-
se dependente e obsessiva nas suas relações. Apresenta hipersensibilidade e
impulsividade emocional com sentimentos de rejeição, de abandono, de egoísmo dos
outros em relação a ela.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliação do estágio
Nos moldes de uma reforma radical, não vemos as práticas empenhadas pelo
CAPS, senão um modo peculiar e regional, especificamente na cidade do Recife, de
atenção em saúde mental. Refletimos, dessa forma, a prática e proposta do Sistema
Único de Saúde (SUS) para o público, mas com necessidades primordiais do exercício
de um saber-fazer visando uma transformação institucional. Propomos uma
reformulação do Projeto Técnico do CAPS pela equipe.
Auto-avaliação
O estágio no CAPS é um universo no qual pude vivenciar uma prática que tem a
capacidade de proporcionar momentos de construção das minhas inquietações
ideológicas. Existe, dessa forma, uma ansiedade da minha parte para uma práxis
reformista, o que não é de fácil exercício, devido às barreiras institucionais e
estruturais.
6. REFERÊNCIAS
VOLICH R. M. O cuidar e sonhar: por uma outra visão da ação terapêutica e do ato
educativo. O Mundo saúde (1995);24(4):237-45, jul.-ago. 2000.
ZIMERMAN, OSÓRIO, & col. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.