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ROBERT D.

MIEWALD
Do Califórnia State College
Tradução de VERA DIAS GARCIA CÔRTES

Fonte: Public Administration Review, M ar./Abr./1970

O autor debate o tratamento por Max Weber da organização militar moderna.


Embora o entendimento de Weber do relacionamento entre a natureza geral
das organizações militares pré-burocráticas e a sociedade em seu todo fosse
Inovador e tenha vencido a prova do tempo, suas referências à organização
interna do exército nitidamente moderno são surpreendentemente desajeitadas.
Há ambigüidades e inconsistências nas teorias acadêmicas usuais sobre admi­
nistração m ilitar — principalmente quando contrastadas com posições teóricas
assumidas por alguns administradores militares nos tempos modernos — que
deveriam ser examinadas por estudiosos de administração pública.

É hoje óbvio que poucos estudantes a condução dos assuntos militares. É


de administração pública foram leva­ ainda muito cedo para se avaliar o
dos a dar atenção aos alertas perió­ resultado dessa invasão, principalmen­
dicos para que a organização militar te pelos economistas, mas pode-se
fosse considerada parte integrante de especular que os futuros historiadores
seu campo de estudos. Apesar da im­ de nossa época conturbada talvez a
portância atual dos militares, parece julgarão um desastre nacional.
ter sido dispensado mais cuidado es-
coiástico a distritos empenhados na Ao invés de repetir os vãos apelos
redução de mosquitos. Não há na li­ passados por uma revisão de priori­
teratura de administração pública quer dades de pesquisa dentro da adminis­
bases teóricas suficientes, quer dados tração pública, este artigo adota uma
empíricos adequados que nos habili­ orientação mais sutil. Talvez os estu­
tem a apreender os intrincados aspec­ diosos precisem ser sacudidos de sua
tos do funcionamento desse maciço presunção complacente de que já sa­
consumidor de energia e riqueza pú­ bem o suficiente sobre administração
blicas. Tal indiferença não tem sido militar, tendo aprendido suas lições
Partilhada por outros setores acadê­ diretamente de um 19-Sargento rude
micos e, recentemente, eles não têm ou indiretamente de literatura razoa­
hesitado em oferecer conselhos sobre velmente hostil a todos os aspectos
da vida militar. Talvez pudessem ser mas, num sentido importante, a orga­
incentivados a reexaminar o fenômeno nização militar representava para ele
em maior profundidade se fosse pos­ a culminação da tendência dominante
sível demonstrar que as teorias mili­ da história ocidental. O exército era
tares de administração são muito mais o máximo em burocratização. Wolf-
complicadas do que geralmente se gang Mommsen estava absolutamente
pensa. Nesse espírito, discutiremos o certo quando escreveu que, para We­
tratamento que Max Weber dá à or­ ber, o exército, tal como a empresa
ganização militar moderna, tratamento, comercial, havia desenvolvido a mais
aliás, que para tal mestre da ciência alta forma daquela qualidade essen­
social, parece surpreendentemente de­ cial para o processo burocrático de
sajeitado. tomada de decisões, qual seja, uma
disciplina racionalmente adequada. 2
A COMPREENSÃO DA Sem as erupções periódicas das for­
SOCIOLOGIA MILITAR
ças irracionais do carisma, o mundo
se irá mais e mais assemelhando a
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar
uma guarnição rigidamente controlada.
que, embora projetasse fazê-lo, Weber
Em resumo, a estrutura militar era o
nunca conseguiu terminar sua socio­
logia militar. Suas observações me­ modelo de atividade coordenada à
base do cálculo, aquela mentalidade
lhor desenvolvidas sobre a matéria fo­
que para Weber caracterizava o de­
ram dedicadas ao relacionamento en­
tre a natureza geral de organizações senvolvimento do racionalismo oci­
militares pré-burocráticas e a socie­ dental.
dade mais ampla e, como observa Em várias ocasiões e em vários pon­
Andreskl, sua linha de pensamento tos, Weber argumentou que o exército
nesse campo foi particularmente ino­ era uma burocracia completamente
vadora. 1 Sua compreensão da dinâ­ desenvolvida, que até mesmo a guerra
mica dos assuntos militares nos an­ havia sido apanhada no avanço irre­
tigos impérios orientais, por exemplo, sistível da racionalização. Como con­
suportou a prova do tempo muito me­ seqüência, o oficial se havia tornado
lhor do que a de seu contemporâneo, uma categoria especial de Beamte,
o grande historiador militar Hans Del- em contraste com os guerreiros do
brück. Através dos trabalhos de We­ passado, tais como o cavaleiro, o con-
ber, porém, há apenas referências es­ dottiere, o chefe tribal, o herói horné-
parsas à organização interna do exér­ rico ou qualquer outro tipo carismá­
cito nitidamente moderno. Quando tico. 3 A atividade militar no mundo
reunidas, essas referências formam moderno, junto com a maioria dos ou­
um conceito de administração militar
1 Military Organlration and Soçiety,
inteiramente incompatível com a dou­ Stanlslav Andreskl (Berkeley, Unlverslty ot
lifornia Press, 1968), p . 225. t
trina articulada pelos oficiais alemães
2 Ma* Weber’s Polltical Soclology and H‘*
da época. Philosophy of Hlstory, da Wolfgang Mommse•
International Social Science Journal, Vol.
Os comentários de Weber sobre o (1965) p. 38.
exército moderno ficavam em posição * em alemão, funcionário público (N .T .)
3 Staatssoziologie, de Max Weber (3 e f'in-
secundária perante outros problemas, Duncker und Humblot, 1966) p. 33.
tros empreendimentos humanos, era crença entre os militares, como indica
tão precisamente previsível que pode­ seu exame do papel da disciplina den­
ria ser dirigida de dentro de um es­ tro de uma grande organização. Atra­
critório. vés da implantação de uma noção de
RACIONALISMO FORMAL disciplina, todos os membros da or­
ganização se comportarão de uma tal
Essa conclusão sobre o exército de­
maneira que a direção pode estar cer­
corre naturalmente da visão de Weber
ta de obter reações uniformes e pre­
da civilização ocidental. Segundo
visíveis ao exercício da autoridade
Freund, a visão que Weber tinha do
formal. Mais especificamente, Weber
mundo o convencia de que um pro­
ressaltou que a disciplina de organi­
cesso inelutável de racionalização se
zação teve seu desenvolvimento ini­
havia apossado das questões huma­
cial e mais completo na unidade mi­
nas. 4 Ou, como Weber acrescentaria,
litar. De fato, por várias formas, ele
a característica própria do Ocidente
previu alguns dos mecanismos de ge­
era sua ênfase no racionalismo formal,
rência mais operativos que têm tido
isto é, em uma crença na possibili­
um papel tão controvertido na psico­
dade de cálculos quantitativos mesmo
logia industriai recente. Ele achava
nas relações entre os homens, o Con­
claramente que os militares haviam
forme expôs, tratando de trens ou
reformado de tal maneira suas téc­
elevadores, de dinheiro ou leis, de
nicas de controle que poderiam dar
militares ou medicina, a fé de que as
conta até das paixões mais imponde­
condições de cada um podem ser in­
ráveis e irracionais; em suas palavras,
fluenciadas por algum cálculo objetivo
a organização militar se assenta sobre
é o que distingue o civilizado do sel­
uma base tão calculável quanto o co­
vagem. 0 Além disso, este é exata­
mércio de carvão e aço. 8 Como um
mente o tipo de capacidade de cál­
exemplo da manipulação friamente
culo expressa pelo estilo burocrático
planejada do soldado, Weber cita a
de vida. A ampla aceitação dessa
utilização da religião dentro de um
crença em uma sociedade controlada
exército. Uma burocracia como o exér­
por leis previsíveis foi, sem dúvida, o
cito deve naturalmente desconfiar das
que levou Weber, em uma de suas
mensagens mais sinceras, a perder a
4 The Sociology ot Max Weber, de Jullen
esperança no futuro da humanidade. 7 Freund (New York; Pantheon, 1968), pp. 17-24.
Quando uma tal idéia se torna pre­ 5 The Theory of Social and Economic Or-
dominante, não há como refutar sua çsnization, de Max Weber (New York: Oxford
Unlverslty Press, 1947), pp. 184-185.
Posição sombria de que o mundo per­ 6 Ueber elnige Kategorien der verstehen-
tence à burocracia. Na realidade, se­ den Sozlologie, Gesammelte Aufsaetze zur Wis-
senschaftslehre (Tübingen: J. C. B. Mohr,
ria então uma indagação eminente­ 1968) pp. 473-474.
mente prática a de saber qual o grau 7 Debattoreden auf der Tagung des Verelns
fíir Sozlalpolitlk In Wien 1909 zu den Ver-
de convicção dos dirigentes burocrá­ handlungen über Dio wirlschaftllchen Unter-
nehmungen der Gemeinden, Gesammelte Auf-
ticos na calculabiiidade do comporta­ saetze zur Soziologie und Sozialpolitik (Tübin­
mento humano. gen: J . C. B. Mohr, 1924), pp. 412-416.
8 The Meaning ot Discipline, de Max We-
Aparentemente Weber tinha poucas ber, In H. H. Gerth and C. W. M ills (eds.)
(New York: Oxford University Press, 1946), p.
dúvidas sobre a Intensidade dessa 254.
tendências irracionais do sentimento guerra era a antítese do cálculo frio
religioso, porém instrumentos como o simplesmente em função da quantida­
capelão são tolerados porque forne­ de incrível de variáveis desencadeadas
cem uma útil “ forragem para o re­ pela interação de paixões humanas. A
cruta” . 8 Assim, na interpretação de despeito de como se tenha bem pla­
Weber da doutrina militar, toda forma nejado, a despeito de quaisquer medi­
de cálculo era tecnicamente possível. das preventivas que se tenha tomado,
Não é de espantar que o exército pa­ é provável que ocorra o inesperado. A
recesse se haver burocratizado com­ raiz do problema não era tanto a na­
pletamente. tureza violenta do ambiente do exér­
cito, mas, ao contrário, a reação do in­
Mesmo o crítico mais pretensioso
divíduo àquele meio ambiente constan­
deve hesitar antes de apontar erros de
temente ameaçador; não havia como
Weber nesse terreno. Além de suas
dizer se um homem, sob as pressões
credenciais intelectuais impecáveis,
do combate, iria atacar para a frente
não pode deixar da impressionar o fa­
ou entrar em pânico. Assim Clause­
to de que ele era oficial da reserva e
witz, numa frase muito expressiva, aler­
de forma alguma um antimilitarista
tava todos os oficiais sobre o elemen­
dogmático. Contudo, a doutrina mili­
to de atrito que inevitavelmente surge
tar alemã, tal como desenvolvida
em qualquer atividade humana coorde­
quando viveu Weber, não oferece qual­
nada. 10 Esse atrito tornava uma or­
quer fundamento para sua caracteriza­
ganização militar dependente das va­
ção do exército como uma burocra­
riações da sorte.
cia mecânica. Ao contrário, pelo me­
nos desde Clausewitz, os oficiais ale­
mães meditaram tanto sobre as gran­ A DOUTRINA DE CLAUSEWITZ
des incertezas de sua profissão que A doutrina de Clausewitz permeou
sua teoria administrativa teria desnor­ exatamente a mesma teoria adminis­
teado qualquer burocrata weberiano. trativa que Weber achou tão confian­
É quase como se o mais erudito dos te em sua crença na calculabilidade.
prussianos não tivesse jamais lido Vom Pelo menos durante a I Guerra Mun­
Kriege* ou levado em consideração as dial, os oficiais alemães continuavam
lições para administradores que devem a ressaltar que a guerra estava envol­
ser extraídas desse guia clássico do ta em improbabilidades e que reações
pensamento militar alemão (e da maio­ altamente estruturadas eram inadequa­
ria da Europa). das. Era unanimemente aceito que os
fatores morais, tais como Clausewitz
Infelizmente, Clausewitz continua
os havia identificado, constituíam os
sendo um dos teóricos administrativos
elementos cruciais no funcionamento
mais esquecidos, porém para os que o
de um exército e era igualmente acei­
iêem com cuidado a mensagem é cla­
ra: a guerra é a mais imprevisível das 9 The Sochlogy of Rellglort, de Max Weber
(Boston: Beacon Press, 1963), pp. 89-90.
atividades humanas e planejar demais
* em alemão, "DA GUERRA” , obra clás­
diante dessa incerteza é cortejar o fra­ sica de Clausewitz (N .T .)
casso. Em contraste com Weber, Clau-- 10 On War, de Carl Von Clausewitz (Lon-
sewitz insistia em que a condução da don: Kegan Paul, Trench, Trübner and Com-
pany, 1908), pp. 77-81.
to que o oficial competente deveria ainda naqueles subalternos que Weber
desconfiar da estabilidade desses im­ considerava tão infinitamente maleáveis
portantes fatores. Talvez um certo Ma­ nas mãos de seus chefes burocráticos.
jor Loffler tenha usado a frase mais Em “ A força da personalidade na guer­
feliz ao advertir contra o “ balanço do ra” , escrito em 1911, Hugo von Frey-
entusiasmo” ; esse entusiasmo motiva tag-Loringhoven apresentou um vigo­
a massa militar, porém dificilmente se roso lembrete dos princípios de Clau­
pode prever em que direção. 11 sewitz. O atrito irredutível introduz um
Outros destacados teóricos da época fator de sorte incontrolável em todas
as operações. A única solução, suge­
edificaram a organização militar ale­
ria ele, estava num sistema que pro­
mã em torno dos elementos de incer­
movesse o trabalho criativo da um ar­
teza e sorte. Como disse o velho Mol-
tista — um artista cujo produto não
tke, o que melhor utilizou a maior con­
podia ser firmemente padronizado. 14
tribuição da administração militar ale­
Em outro manual influente, Wilheim
mã — o Estado-Maior, só se pode pla­
Balck também advogou que o soldado
nejar com objetividade a primeira
fosse libertado das reações estereoti­
ação. 12 Depois dela entra-se no que
padas estabelecidas por uma abundân­
Clausewitz denominou o meio resisten­
cia de regulamentos. Ao contrário, ele
te da guerra, no qual as ações que pa­
desejava ver uma esfera bem defini­
reciam tão simples na prancheta se tor­
da de ações independentes dentro da
nam agora impossíveis de executar.
qual o indivíduo teria condições de
Colmar von der Gotz melhor resumiu
exercer a necessária iniciativa. 15
a atitude não-burocrática do oficial
alemão em relação a normas e regula­
mentos, a planos de decisões preesta- ATITUDE POSITIVA
belecidas, quando escreveu:
Na verdade seria possível reunir uma
“ No domínio da arte da guerra, quantidade de observações desses es­
tais cálculos matemáticos são um critores suficiente para dar a impres­
tanto perigosos; eles poderiam ser são de que havia mais anarquistas do
a causa de falsas expectativas ou que nobres no exército prussiano. Evi­
traiçoeira confiança. A guerra é dentemente, porém, eles buscavam
rica em milhares de ocorrências meios de assegurar o comportamen­
acidentais e detalhes acessórios to adequado de seus homens. É útil
que exercem uma influência de­
terminante sobre os acontecimen­ 11 Strategie, de Loeffler (Leipzig: Goes-
chen, 1910), p . 37.
tos e aumentam ou diminuem sua 12 The Franco-Prusslan War of 1870-71, de
importância, de maneira que o cál­ Helmuth von Moltke (New York: Harper &
Brothers, n .d .), p . 8.
culo prévio mais cuidadoso é mui­ 13 The Conduct ot War, de Colmar von
tas vezes diametralmente inverti­ de Goltz (Kansas City; Hudson-Kimberty, 1896),
p. 33.
do. A incerteza e a Insegurança 14 The Power of Personality In War, de
constituem o elemento natural da Hugo von Freytag-Loringhoven (Harrisburg:
Milltary Service Printing Company, 1955), p.
guerra! 18” 95.
Para os comentaristas militares do 15 Tactics, de Wilheim Balck (Fort Lea-
venworth, Kansas: U. S. Cavalary Association
século XX, o problema central residia 1915), p. 201.
referir-nos a um observador inglês con­ dado fosse transformado em um pro­
temporâneo para termos a melhor pers­ fissional independente capaz de desin-
pectiva das soluções teóricas dos ale­ cumbir-se de seus deveres basicamen­
mães para as tensões entre indivíduo te por sua própria iniciativa.
e organização. O Capitão F.N . Maude
Como quer que se queira descrever
estava convencido de que os alemães
essa orientação, ela não parece en­
haviam descoberto, em seus regula­
quadrar-se bem dentro da estrutura
mentos, uma excelente alternativa pa­
weberiana de burocracia. Ao invés de
ra a disciplina imposta de forma drás­
prender o soldado dentro de uma tra­
tica. A resposta estava na educação,
ma de regras uniformes, mecânicas e,
ou melhor, no cultivo de uma atitude
por isso mesmo, excessivamente que­
positiva em relação à missão da orga­
bradiças, os alemães queriam dar-lhe
nização. Não era bastante que uma
meios para que pudesse fazer alguma
ordem fosse obedecida; era a quali­
escolha. Tal orientação visava a trans­
dade dessa obediência que importava
por os limites do racionalismo formal
no caos do combate. Segundo Maude,
dentro de uma situação altamente in­
o soldado seria intimamente estimula­
formal. Se tivermos de aplicar algo de
do a cumprir seu dever, analogamen­
Weber a essa orientação de doutrina
te a um membro de uma comunidade
militar, talvez fosse melhor descrever
orgânica. Em suas palavras:
esse cultivo cuidadoso dos elementos
“ Na verdade, o que o novo regu­ morais como uma busca de uma forma
lamento faz é, ao invés de degra­ não-eccnômica de racionalismo subs­
dar o soldado ao nível de uma tantivo, na qual os objetivos finais são
máquina sem raciocínio, colocá- reconhecidos como sendo superiores
lo, no campo de batalha, no nível aos procedimentos formais. Como
de inteligência que as leis inglesas observou Weber, basear um siste­
há muito atribuíram ao cidadão co­ ma de atividade humana em raciona­
mum no caso de uma agitação ou lismo substantivo era uma tarefa ex­
baderna de rua — isto é, impor- tremamente difícil, precisamente por­
Ihe a obrigação de tomar sua de­ que lhe faltavam os padrões de cálcu­
cisão e agir segundo o que lhe pa­ lo quantitativo e, sem dúvida, muitos
reça ser a melhor maneira de pre­ oficiais enfrentaram essa dificuldade.
servar a ordem pública e não ficar Ninguém se deveria surpreender ao ve­
simplesmente como um especta­ rificar que, em operações, o exército
dor. . . ” 18 alemão recuou para o terreno aparen­

Em linguagem mais moderna, os ofi­ 16 Milltary Letiers and Essays, da F. N.


Maude (Kansas City: Hudson-Klmberly, 189o).
ciais estavam advogando que cada sol­ p. 200.
temente mais firme da estrutura for­ tária por parte do indivíduo poderia ser
mal e, a despeito de suas boas inten­ um ingrediente importante do êxito mi­
ções, padeceu de esclerose de organi­ litar.18 Não obstante, o julgamento tem
zação. O importante porém é que, en­ de continuar sendo o de que Weber
quanto se manteve fiei à teoria admi­ via o exército moderno como uma en­
nistrativa de Clausewitz, o quadro de tidade burocrática.
oficiais alemães não podia ficar satis­
Meu objetivo certamente não é pegar
feito com a orientação puramente bu­
pedaços dos trabalhos de um dos
rocrática de sua doutrina administrati­
maiores pensadores do século*. Ao
va. A burocracia simplesmente não
contrário, espero que esta rápida in­
podia fornecer as barreiras desejadas
cursão na teoria de administração mi­
contra as contingências que surgiriam
litar possa servir para esclarecer algu­
quando as operações fossem conduzi­
mas das bases filosóficas de seus es­
das em um ambiente volátil.
tudos. Max Weber não foi o primeiro, e
Mais uma vez cumpre repetir que
certamente não foi o último, a lamen­
Weber jamais deduziu todas as impli­
tar a desmistificação progressiva do
cações da sociologia do exército mo­
mundo. E bem pode vir a acontecer
derno. Em sua defesa pode-se citar re­
que suas apreensões por um mundo
ferências isoladas às determinantes
cheio de Ordnungsmenchen* estavam
não-burocráticas da eficiência militar.
terrivelmente certas. As tendências da
Nunca estará perfeitamente claro, por
ciência da administração nas últimas
exemplo, se ele considerava ou não o
décadas confirmariam muitas de suas
exército como uma empresa ou uma
conclusões sobre racionalização dentro
comunidade; há diversas observações
da organização; o objetivo da previsi­
certas, sobretudo em Wirtschaí und
bilidade na administração é tão atraen­
Gesellschaft *, que dão a impressão de
te como sempre fo i. Poderá chegar o
que ele considerava até mesmo o
dia em que o meio-ambiente do homem
exército moderno como um grupo co­
seja tão tranqüilo que não haverá sur­
munitário. Especialmente seus traba­
lhos escritos durante a guerra indicam
um deslocamento em direção a uma * em alemão, “ Economia e Empresa” __
(N .T .)
visão mais elaborada das organizações
** em alemão, "camaradagem” (N .T .)
militares. Dirigindo-se a um grupo de 17 ner Soziallsmus, de Max Weber. Ge-
oficiais austríacos, ele elogiou o sen- sammelt Aufsaetze zur Soziologle und Sozial-
(lübingen: j . c . B. Mohr, 1924), p.
Mmento de Kameradschaft** que cons- 494.
18 The Methodology of the Social Scien­
tituía a verdadeira argamassa da cor­ ces, de Max Weber (Glencoe: Free Press,
poração m ilitar.17 Ele concordou tam­ 1949), p. 46.
* em alemão, "gente de regulamentos"
bém que uma dose de devoção volun­ (N .T .)
presas capazes de transtornar o plano sos de administração pública. P °r
administrativo mais grandioso nem sur­ exemplo, uma compreensão da consi­
presas humanas para perturbar uma ro­ derável complexidade do pensamento

tina absolutamente burocrática. Toda­ administrativo militar poderia ter evi­


via é interessante observar que, quan­ tado a agonia do Vietname; Clause-
do Weber escreveu, pelo menos um witz certamente teria posto em dúvida
grupo de administradores não tinha o acerto dessa guerra burocrática.19
nada da confiança que os estudiosos Ou poderíamos ter ouvido com mais
lhe atribuíam da atingir o milênio bu­ atenção as queixas do Almirante Ricko-
rocrático. Sua teoria, senão na práti­ ver de que o PPBS* estava excessiva­
ca, se revela muito mais encorajadora mente dedicado ao que podia ser me­
para o individualista do que sugerem dido. Em suma, reconhecendo aos mi­
as opiniões de Weber. litares sua própria esfera de competên­
cia e fazendo um esforço sério para
Esta conclusão não deve ser tomada apreciar suas conclusões relevantes,
como significando que os militares são
a administração pública poderia estar
liberais por natureza ou que sua dou­
prestando um serviço valioso a si mes­
trina tenha resolvido qualquer das
ma e à sociedade.
grandes questões da moderna teoria
10 On Clausewitz and the Application °*
de administração. Force, de R. D. Miewaid. A ir University Re-
view, Vol. 19 (julho-agosto de 1968). PP-
Resta aqui indicar que existem cer­ 74-78.
* "planning-programming-budgeting system >
tas ambigüidades e inconsistências que que é equivalente ao que no Brasil foi aoo-
tado sob a d e s ig n a ç ã o d a " o r ç a m e n t o - p r o g ra­
devem ser examinadas pelos estudio­ m a ".

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