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CADERNOS PUR/UFRJ

JAN/ABR 1987 A N O II N? 1

Trabalho, Capital e Espaço Urbano: Notas Sobre o Caso Brasileiro


fíosélia Piquet
Observações Sobre a Questão Regional
Hermes M. Tavares
O Capital Incorporador e seus Movimentos de Valorização
Martim Oscar Smolka
Qualidade d o s Serviços Públicos Prestados aos Favelados: Opinião
dos Moradores do Pereirão, M o r r o do U r u b u e Vila Catiri
Ana Elena Behrens
Algumas Notas Sobre Topalov
Pedro Abramo Campos
Por Que é Necessário o Estudo do Norte Fluminense
Carlos Eduardo Rebello de Mendonca

Jhn•DDn
INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL

IPPUR/UFRJ

Comitê de Redação:

Hermes Magalhães Tavares


Lena Lavlnas
Rosélia Piquet

Endereço: IPPUR/UFRJ
Prédio da R e i t o r i a - 59 andar - s a l a 543
Cidade Universitária - I l h a do Fundão
Cep.: 21.910 - Rio de J a n e i r o - RJ.
g
UFRJ U N I V E R S I D A D E F E D E R A L DO R I O D E J A N E I R O

REITOR
HORÁCIO MACEDO

SUB REITOR DE ENSINO P A R A G R A D U A D O S E PESQUISA


PAULO ALCANTARA GOMES

SUPERINTENDÊNCIA DA EDITORA
LÍGIA VASSALLO
MARIA EMÍLIA BARCELLOS DA SILVA

ENDEREÇO:
PRÉDIO DA REITORIA - SALA 306
CIDADE UNIVERSITÁRIA - ILHA DO FUNDÃO
CEP: 21 910 - RJ

Editora Associada i

ASSOCIAÇÃO M A S I l i m A
DAS lOflOAAS UNlV'ISlfAAIAS
APRESENTAÇÃO

Com e s t e segundo número, damos prosseguimento ã pu


b l i c a ç ã o da s é r i e Cadernos PUR/UFRJ, avançando mais um pas-
so quanto ã forma de apresentação gráfica.
Mantém-se a intenção inicial de d i v u l g a r , priorita
riamente, trabalhos de p r o f e s s o r e s , pesquisadores e alunos
do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Régio
nal do PLANUR (UFRJ), recentemente transformado, pelo Conse
lho U n i v e r s i t á r i o , em I n s t i t u t o de P e s q u i s a e Planejamento
Urbano e Regional (IPPUR) , com o que certamente se airpliarão
nossas p o s s i b i l i d a d e s de trabalho na UFRJ.
Com o número a n t e r i o r , não nos norteamos por uma
preocupação com uma unidade temática. Levamos, antes,em con
ta a r e l e v â n c i a dos assuntos tratados, a l i b e r d a d e de cria-
ção e a c o n s c i ê n c i a e responsabilidade intelectual dos auto
res.
Ao d i v u l g a r a nossa produção c i e n t i f i c a , temos a in
tenção de c o n t r i b u i r para ampliar o d e b a t e relativo às ques
tões urbanas e r e g i o n a i s v o l t a d a s para o planejamento nes-
sas áreas.
Manifestamos nossos agradecimentos ã Reitoria da
UFRJ q u e , através da Sub-Reitoria de PÓS-Graduados e Pesqui
sa, tem colocado â nossa d i s p o s i ç ã o çs meios n e c e s s á r i o s ã
c o n c r e t i z a ç ã o desta s é r i e editorial.
Trabalho, Capital e Espaço Urbano: Notas Sobre o Caso Brasi-
leiro

Rosélia Piquet
P r o f e s s o r a do PUR/UFRJ

Introdução

O que se pretende neste t e x t o é levantar alguns


pontos e s p e c í f i c o s do desenvolvimento industrial brasileiro
em suas relações com o sistema urbano e a e s t r u t u r a interna
de nossas c i d a d e s . Não se busca r e c o n s t i t u i r de forma intejra
da e s i s t e m á t i c a as o r i g e n s da i n d u s t r i a l i z a ç ã o no Brasil,
nem tampouco r e a l i z a r um levantamento sobre a evolução urba-
na .
O objetivo é somente d i s c u t i r as condições das
cidades brasileiras no que r e s p e i t a ao assentamento de uni-
dades fabris e, por outro lado, apresentar,ainda que a lar-
gos t r a ç o s , as condições de moradia da população trabalhado
ra.

A localização industrial e a cidade brasileira

Historicamente,as cidades brasileiras preexis


tiram às i n d ú s t r i a s . As maiores c i d a d e s se formaram como se
des do c a p i t a l comercial e / o u aparelhos b u r o c r á t i c o s do Es-
tado. De f a t o , Rio de J a n e i r o e S a l v a d o r têm seu desenvolvi
mento l i g a d o ã situação e s p e c i f i c a de c a p i t a i s administrati
vas; Recife surge como centro urbano em e s t r e i t a relação can
a economia açucareira; Belém como pólo a d m i n i s t r a t i v o nas re
lações do Norte com a metrópole; São Paulo deve seu deservol
vimento ao movimento do c a p i t a l comercial e financeiro da
economia cafeeira.
Mas a cidade é , teoricamente, o locus por ex
celência da a t i v i d a d e industrial. Enquanto aglomerado po-
pulacional, a c i d a d e possui dupla função, ambas essenciais
ã produção de mais-valia na f á b r i c a e a sua r e a l i z a ç ã o co-
mo l u c r o : c o n f i g u r a - s e como mercado de consumo e p r o p i c i a a
formação de um mercado de trabalho.
Como ponto do espaço concentrador do " meio
ambiente c o n s t r u í d o " pode d i s p o r , ainda, de uma base de e-
quipamentos e s e r v i ç o s (armazéns, bancos, sistema viário e
de t r a n s p o r t e s ) necessários ã circulação e d i s t r i b u i ç ã o das
mercadorias industriais e, mesmo, ã agilização destes pro-
cessos .
No e n t a n t o , no período que medeia dos f i n s do
século XIX às p r i m e i r a s décadas do s é c u l o X X , a cidade bra
sileira não se c o n s t i t u i no " l u g a r " privilegiado da locali
zação da i n d ú s t r i a , ocorrendo tendência a um r e l a t i v o iso-
lamento da produção industrial.
Segundo F r a n c i s c o de O l i v e i r a , " c i d a d e s den-
tro de f á b r i c a s são a regra no B r a s i l da R e p ú b l i c a V e l h a "
e, ainda, "esta a u t a r q u i z a ç ã o da produção i n d u s t r i a l eleva
va os c o e f i c i e n t e s do c a p i t a l c o n s t a n t e a níveis insuportá
v e i s para a f r á g i l formação do c a p i t a l industrial".1 De fa
to, a disponibilidade de i n f r a - e s t r u t u r a e serviços tanto
libera capital para o empobrecimento industrial propriamen
te d i t o , como não s o b r e c a r r e g a os custos fixos. Contraria-
mente, quando as empresas internalizam p a r t e das suas con-
dições gerais de produção não só necessitam mais intensanen
te de c a p i t a l como passam a operar com c u s t o s f i x o s mais e
elevados.
0 que r e v e l a esta aparente contradição? Por
que os empresários do i n i c i o do s é c u l o são levados a cons-
truir verdadeiras cidades nucleadas por suas fábricas?

Esse r e l a t i v o isolamento da a t i v i d a d e fabril


em determinados núcleos autônomos revelava, no caso especí

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f i c o do B r a s i l , os l i m i t e s da a t i v i d a d e industrial, seja no
que concerne aos c a p i t a i s envolvidos, s e j a quanto aos merca
dos consumidores para os quais era v o l t a d a , seja a i n d a no
que se r e f e r e ã infra-estrutura p r o d u t i v a que impunha sérias
restrições ao r a i o de abrangência da produção.
Procura-se,a seguir, q u a l i f i c a r esses elemen-
tos restritivos.
Os c a p i t a i s aplicados na indústria na virada
de século eram advindos do processo de d i v e r s i f i c a ç ã o de e-
conomia c a f e e i r a , dos excedentes acumulados por grandes co-
merciantes ligados ã exportação de produtos p r i m á r i o s , d e in
vestimentos d i r e t o s de firmas e s t r a n g e i r a s (associadas ou
não ao c a p i t a l nacional) e, ainda, de pequenas poupanças dos
imigrantes europeus. São d e c o r r ê n c i a , portanto, de aplicações
alternativas dos excedentes acumulados em outros setores,já
que a i n s t a b i l i d a d e dos preços e da c o m e r c i a l i z a ç ã o interna
cional "aconselhavam" uma diversificação.

Há que se ter p r e s e n t e que a produção industrial


d e s t e período era centrada na produção de bens de can3imo não
duráveis, como a s e g u i r se apresenta.

Estrutura Produtiva da I n d ú s t r i a de Transformação no


Brasil
Participação Segundo o V a l o r Bruto da Produção,19202

- Indústrias Alimentícias - 31%


- Têxtil - 29«
- Bebidas e C i g a r r o s - 6%
- Metalurgia e Mecânica - 5%
- Indústria Química - 2%

Ura dos elementos v i a b i l i z a d o r e s dessas ativj.


dades industriais foi, sem d ú v i d a , a disponibilidade demão-
de-obra barata e relativamente abundante. Embora a força de
trabalho l i b e r a d a da produção a g r í c o l a não se constituísse
em mão-de-obra capaz se cumprir as e x i g ê n c i a s técnicas e dis
ciplir.ares das a t i v i d a d e s industriais, o grande a f l u x o de

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imigrantes aia esta disponibilidade e a baixo custo.
Faltam d a d o s para p r e c i s a r melhor o peso dos
imigrantes na composição d a classe operária brasileira mas,
em l i n h a s gerais, pode ser d i t o que embora s u a p r e s e n ç a se-
j a menos s i g n i f i c a t i v a no R i o , Minas e Nordeste, seu predo-
mínio é marcante nos e s t a d o s do S u l . P a r a São P a u l o , p o r e-
xemplo, dos 10 '184 o p e r á r i o s têxteis existentes em 1912,
60% eram i t a l i a n o s para apenas 18% de brasileiros.

Essa i n c i p i e n t e produção industrial era basi


camente v o l t a d a p a r a a produção d e bens d e consumo popular:
biscoitos, pão, massas, banha, ó l e o de cozinha, cerveja, te
eidos de algodão, chapéus, roupas e calçados, móveis, lou-
ças, materiais para construção (como m a d e i r a s , vidros, cera
micas, olaria, cantaria), sabão, velas, vassouras, fósfo-
ros , cigarros .
Dessa forma , g a r a n t i a - s e um d o s mecanismos ba
sicos da acumulação industrial: os trabalhadores assalaria-
dos convertiam-se também em c o n s i m i d o r e s d e s s a mesma produ-
ção, permitindo a realização dos lucros capitalistas no mer
cado.
E s t a produção e r a d e s e n v o l v i d a em estabeleci
mentos com formas de trabalho e relações técnicas de produ-
ção muito d i v e r s a s : pequenas o f i c i n a s oom c e r c a d e cinco o-
perãrios produzindo paralelamente a grandes estabelecimen-
tos com até mais d e 1 000 o p e r á r i o s . O quadro a seguir evi-
dencia esta afirmação.

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QUADRO I

Estabelecimentos Industriais Segundo o N9 de Pessoas Ocupa-


das Brasil - 1920

Pessoas N9 de E s t a Pessoal Estabeleci Pessoal


Ocupadas belecimentos Ocupado mento (%) (I)

até 5 7 2 32 15 32 6 76 10, 6
de 5 a 9 1 169 6 907 12 4,8
de 10 a 49 672 11 4 82 7 7,9
de 50 a 199 214 20 6 87 2,3 14, 3
de 250 a 499 102 29 949 1,0 20 ,7
mais de 500 61 60 2 69 0,5 41,7

Total 9 475 144 520 100 , 0 100 ,0

Fönte: CANO, W i l s o n . Raízes da concentração industrial em


São Paulo • Di f e l , 1975 . T a b e l a 67, p. 30 6.

Embora não se p o s s a falar genericamente so-


bre localização industrial p o i s os d i v e r s o s ramos industri-
ais têm e x i g ê n c i a s locacionais distintas, pode-se conside-
rar que s o b as mesmas condições tecnológicas e históricas
os principais parâmetros locacionais são: exigências de ma-
térias-primas e fontes e n e r g é t i c a s ; disponibilidade de in-
fra-estrutura; disponibilidade de mäa-de-obra e existência
de mercados ODnsumidores .

Pode-se c l a s s i f i c a r os principais segmentos


industriais existentes no B r a s i l neste p e r í o d o tomando-se
como v a r i á v e i s analíticas o problema t e c n o l ó g i c o e o energé
tico. E s t a c l a s s i f i c a ç ã o dos segmentos industriais, segundo
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o g r a u de complexidade ,e p r o p o s t a por W i l s o n Cano.
- os segmentos simples compreendem aqueles setores com pre-
cário uso de máquinas e de e n e r g i a e l é t r i c a . Trata-se de
um conjunto de s e t o r e s onde não e x i s t e m barreiras ã entra
da. Nele se incluem: pequenas o f i c i n a s mecânicas, massas
alimentícias, bebidas alcoólicas e refrigerantes, serra-
rias e móveis de m a d e i r a , perfumarias, sabões e velas;

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- o grupo i n t e r m e d i á r i o se c a r a c t e r i z a por uma p e j u e n a fle-
xibilidade tecnológica e baixo uso de e n e r g i a elétrica.
Da mesma forma que no grupo a n t e r i o r , as economias de es-
c a l a são r e l a t i v a m e n t e pequenas e , portanto, comportam em
presas de pequeno e médio p o r t e . Este oonjunto compreen-
de, dentre o u t r o s : calçados, curtimes, cigarros:,. char-
ques, m a t e r i a l de t r a n s p o r t e , o f i c i n a s de bens de capi-
tal;
- os segmentos complexos encontram-se sujeitos a economias
de e s c a l a , a uma mecanização mais i n t e n s a e a um uso
maior de e n e r g i a e l é t r i c a . Em d e c o r r ê n c i a d e s s e s requisi-
tos t é c n i c o s e do montante d a i n v e r s ã o necessária/ apenas
grandes empresas neles operam. São exemplos: fiação e te-
celagem, papel, siderurgia, moinhos de t r i g o , usinas do
açúcar, etc.
E v i d e n t e m e n t e , os parâmetros locacionais des
ses segmentos industriais serio diversos: enquanto as peque
nas tendiam a oonoentrar-se nas áreas centrais urbanas, os
grandes e s t a b e l e c i m e n t o s tenderam a uma l o c a l i z a ç ã o perifé-
rica aos maiores centros urbanos havendo mesmo a propensão
a localizações isoladas.
Estes parâmetros locacionais são determina-
dos p e l a s condições infra-estruturais extremamente reduzi-
das das p r i n c i p a i s cidades brasileiras. Isto equivale a di-
zer que dada a i m p o s s i b i l i d a d e de i n t e r n a l i z a ç ã o das oondi-
ções gerais da produção pelos pequenos e s t a t e lecimentos , es
tes buscavam nas aglomerações urbanas certas externalida-
des, a i n d a que p r e c á r i a s , que lhes permitissem a sobrevivén
cia: mão-de-obra p r ó x i m a , mercados locais, serviços, ener-
gia, etc.

J á para os s e t o r e s dependentes de matérias-


primas e s p e c í f i c a s e mais e x i g e n t e s quanto a energia e ao
ttansporte (o t e r c e i r o segmento acima r e f e r i d o ) , as condi-
ções gerais d a produção o f e r e c i d a s pelas nossas cidades se
mostravam i n s u f i c i e n t e s . As empresas d e s t e s setores teriam
que procurar alternativas para as suas necessidades através

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do auto-s uprime nto .
Importa o b s e r v a r que todos os serviços urba-
nos de grande vulto - e s t r a d a s de ferro, s e r v i ç o s de água,
esgoto, i n s t a l a ç ã o de luz e l é t r i c a , telégrafo - eram opera-
dos por firmas p r i v a d a s . Estes s e r v i ç o s foram implantados
por meio de empréstimos externos e principalmente por invés
timentos d i r e t o s de firmas e s t r a n g e i r a s . São exemplos: a
Light and Power, o r g a n i z a d a no Canadá oom c a p i t a i s ingleses
e que concentrou a maior parte dos s e r v i ç o s públicos de

gás, água, e s g o t o , luz, energia e l é t r i c a , transportes urba-


nas e t e l e f o n e s de São P a u l o , Rio e r e g i õ e s circunvizinhas;
a Eletric tond and Share (maior t r u s t e mundial de produção
e d i s t r i b u i ç ã o de e n e r g i a e l é t r i c a ) , cuja s u b s i d i á r i a con-
trolava estes serviços para a B a h i a , parte de M i n a s , Para-
ná, S a n t a C a t a r i n a e Rio Grande do S u l ; a Great W e s t e r n of
B r a z i l R a i l w a y Company que monopolizou o transporte ferro-
v i á r i o do Nordeste de 187 3 até 1950 . 5
Os preços d e s s e s s e r v i ç o s eram não só preços
de mercado como, na m a i o r i a das v e z e s , preços de monopólio.
Só mais t a r d e , no deoorrer dos anos cinqüenta, é que estes
serviços foram sendo encampados pelo Estado e o f e r e c i d o s a
preços subsidiados. Dessa forma, tornava-se necessária e
até v a n t a j o s a a internalização pelas grandes empresas des-
sas condições gerais d a produção (ou d e s s e s custos de produ
ção), em que pese o fato d e que nas r e g i õ e s Rio de Janeiro/
Guanabara e São Paulo e n t r e 1907 e 1919 a e n e r g i a fornecida
por t e r c e i r o s representava, em m é d i a , d o i s terços do total
consumido; no r e s t a n t e do p a í s , a geração p r ó p r i a e r a de
6
83%.
É portanto, o "despreparo" das cidades brasi^
l e i r a s que leva as unidades p r o d u t i v a s , a d e s p e i t o do bem
f i n a l para o q u a l estavam d e s t i n a d a s , a oonter d e n t r o de si
setores especializados , t a i s como: reparação de equipamen-
to, geração J e e n e r g i a e , até mesmo, provimento de moradia
para a sua força de trabalho.
Sendo assim, é natural que a produção pro-

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priamente fabril (não aquela d e s e n v o l v i d a em pequenas o f i e i
nas) s u r g i s s e em d i f e r e n t e s pontos do t e r r i t ó r i o nacional,
apresentando o caráter autárquico comum aos pioneiros empre
endimentos industriais.7
Vale d i z e r , os parâmetros locacionais expli-
cam-se não p e l a p o s s í v e l e x i s t ê n c i a de economias externas
(ou condições g e r a i s d a produção) nos centros urbanos mas,
sim, pela presença de fontes de m a t é r i a s - p r i m a s , de energia
natural (suprimentos de água para a produção de vapor e es-
coamento de d e j e t o s ) e, ainda, p e l a o c o r r ê n c i a de mercados
consumidores, a i n d a que restritos.
É ainda esta n e c e s s i d a d e de internalização
d e s t a s é r i e de custos de i n f r a - e s t r u t u r a e s e r v i ç o s que faz
com que e s t e s p r i m e i r o s empreendimentos industriais se cons
tituam desde s e u i n i c i o em conglomerados.
Os grandes grupos eoonómicos que a i n d a hoje
conseguem manter um p a p e l d e d e s t a q u e na economia brasilei-
ra, desde sua origem procuram d i v e r s i f i c a r suas "carteiras
de i n v e r s õ e s " sendo e s t a . i n c l u s i v e ,uma das p o s s í v e i s causas
de s e u s u c e s s o . Assim, a família Matarazzo era proprietária
de 2 6 e m p r e s a s , a f a m í l i a Simonsen d e 1 2 , os J a f e t de 11, o
grupo Hermínio d e Moraes de 7 , Siciliano de 6, Crespi de 8,
S i l v a Prado de 16 e V i d i g a l de 21.®
A localização esparsa, a c a r ê n c i a de meios
de t r a n s p o r t e dé longo percurso e a p r o l i f e r a ç ã o de impos-
tos e s t a d u a i s criavam o b s t á c u l o s reais à c i r c u l a ç ã o de mer-
cadorias, oonferindo a estas indústrias uma s i t u a ç ã o de mo-
g
ropolio espacial.
Se por um lado e s s a autarquização exigia
graus de c a p i t a l i z a ç ã o muito mais altos, por outro levava a
uma d i v e r s i f i c a ç ã o de i n v e s t i m e n t o s que em épocas de crise
revelava-se importante. O v a l o r dos amplos t e r r e n o s adqui-
ridos para o assentamento d e s s e s conglomerados (inclusive
as i m o b i l i z a ç õ e s em m o r a d i a ) funcionavam com " g a r a n t i a de
última i n s t â n c i a " , caso o empreendimento viesse a fracas-
sar. O Quadro I I ilustra a afirmativa.

12
QUADRO II

E s t r u t u r a do C a p i t a l Empregado na Indústria
B r a s i l - 1919 (em %)

Terras e Edifícios 33,4


Maquinismos 30,8
Estoques 35 , 8

T O T A L 100,0

Fönte: Cano, W . o p . cit. p. 307 .

Para nosso p r o p ó s i t o , cabe apenas que ao con-


t r á r i o de períodos mais r e c e n t e s (década de 5 0 ) , quando o-
oorre um processo de concentração industrial não só regio-
nal como também em torno de poucas grandes cidades, o que
c a r a c t e r i z o u e s t e surto i n d u s t r i a l d a R e p ú b l i c a V e l h a foi a
sua o c o r r ê n c i a em quase todas as grandes cidades brasilei-
ras como também no i n t e r i o r , sendo comuns os exemplos de
aglomerados urbanos que surgem nucleados por fábricas. Evi-
dentemente , certas cidades j á apresentavam predominância na
produção i n d u s t r i a l , como é o caso do Rio de J a n e i r o , que
ooncentrava 35% d a produçáo n a c i o n a l . O que se quer ressal-
tar é que as produções localizadas em d i v e r s a s cidades eram
regionalmente mais importantes do que hoje o são.

O espaço urbano e a e x c l u s ã o do trabalhador

Esta produção i n d u s t r i a l nasoente já impõe


sua marca nas p r i n c i p a i s cidades brasileiras que passam a
apresentar mudanças na sua e s t r u t u r a ç ã o i n t e r n a . J á se dis-
tingue nitidamente a l o c a l i z a ç ã o e a f i s i o n o m l a dos bairros
oper ãr i o s .
Além dos cortiços e h o s p e d a r i a s , constituíam
o espaço t í p i o o na v i d a das massas t r a b a l h a d o r a s - no nível
imediato e concreto de sua localização - os terrenos íngre-
mes o u alagadiços onde construções p r e c á r i a s de madeira ou

13
outros m a t e r i a i s baratos iam sendo levantados. Começam a
surgir na paisagem urbana das maiores cidades brasileiras
as favelas e mocambos.
Embora c o n s t i t u i n d o parcela ainda restrita
da população brasileira, a presença do p r o l e t a r i a d o indus-
trial - seja como força de t r a b a l h o seja,como força social
e p o l i t i c a - j á sé faz s e n t i r na s o c i e d a d e . Em que pese a
r e l a t i v a p r e c a r i e d a d e das e s t a t í s t i c a s industriais deste pe
ríodo, que consideravam como o p e r á r i o s e estabelecimentos
industriais um vasto s e t o r de o f i c i n a s de base artesanal,
havia em 190 6 , n a cidade do Rio d e J a n e i r o , 1 1 8 770 operários
numa população de 811 443 h a b i t a n t e s , ou s e j a , oerca de
10
15%.
A v i d a o p e r á r i a e r a marcada p e l a superexplo-
ração na f á b r i c a , p e l a repressão p o l i c i a l nos momentos deci
sivos e pelo controle s o c i a l e ideológico nas ruas e na ci-
dade. A exploração económica e a opressão p o l í t i c a de clas-
se atingiam não só os p r o l e t á r i o s mas, de modo g e r a l , o con
junto das massas pobres do campo e das cidades. Como colo-
cam Foot e Leonardl "o o p e r á r i o e r a concebido pela burgue-
sia como um a g i t a d o r e marginal perigoso o u , na melhor das
hipóteses, oomo um i g n o r a n t e que n e o e s s i t a v a de 'proteção'
dos capitalistas. Tanto em um caso como no o u t r o , era conce
bido oomo m a r g i n a l : 'bandido' ou 'po-brezinho' • Era necessá-
r i o reprimi-lo e controlá-lo dentro e f o r a d a fábrica".11
Po c o n t r á r i o de períodos mais recentes em
que a segregação e s p a c i a l urbana é maior (os s u b ú r b i o s e ci
dades-dormltórios acabaram por a f a s t a r os l o c a i s de moradia
das unidades de p r o d u ç ã o ) , n e s t a época h a v i a uma possibili-
dade mais acentuada d e controle, por parte do proletariado,
do espaço urbano central. São exemplos d e s s a possibilidade
as lutas e m a n i f e s t a ç õ e s de r u a durante a greve de 1917 em
São P a u l o , quando a cidade foi tomada d e assalto pelas mas-
sas t r a b a l h a d o r a s , e a R e v o l t a da V a c i n a O b r i g a t ó r i a , no
Rio, em 1 9 0 6 . A identificação e n t r e os bairros residenciais
e o espaço de t r a b a l h o p e r m i t i a uma proximidade que se reve
lava " p e r i g o s a " nos momentos de g r e v e , possibilitando a for

14
i:iação de piquetes nas portas das f á b r i c a s e d i f i c u l t a n d o as
perseguições e batidas p o l i c i a i s . E s t a proximidade a que se
r j f e r e o texto o c o r r i a nos bairros c e n t r a i s , onde as o f i c i -
nas se localizavam aproveitando o movimento das zonas comer
12 . ~
ciais e portuárias. Em função da s e g r e g a ç a o social a que es
tavam submetidos e s t e s trabalhadores, desenvolviam-se com
isso laços i n t e n s o s de s o l i d a r i e d a d e de classe e o próprio
formato l a b i r í n t i c o dos bairros proletários facilitava a
identificação de elementos estranhos, no caso a p o l í c i a . As
sim oomo h o j e , eram i n e x i s t e n t e s as i n s t a l a ç õ e s de esgoto,
água p o t á v e l , limpeza e v e n t i l a ç ã o nas moradias populares,
o que r e p r e s e n t a v a ainda uma ameaça de propagação d e doen-
ças oontagiosas.
Destacou-se anteriormente que os t i p o s de a-
tivldades manufatureiras concentradas nas áreas centrais ur
banas não seriam os mesmos a surgir na forma de grandes fá-
bricas, pois estas últimas visavam a produção i n t e r n a de
produtos semelhantes aos até então i m p o r t a d o s . Revelou-se,
a i n d a , que sendo incipiente a acunulação na forma de melo
ambiente construído, adequado ao s e u a s s e n t a m e n t o , essas
grandes unidades industriais tenderam a l o c a l i z a r - s e de for
ma isolada.
F\ormava-se assim o s e g u i n t e q u a d r o : por um
lado, um r e l a t i v o acúmulo de mão-de-obra em certas áreas ur
banas e ima correspondente n e o e s s i d a d e de moradia para esta
população, cuja provisão não contava com q u a l q u e r estímulo
ou s u b s í d i o . Por outro lado, a grande e s c a l a d e operação de
certos estabelecimentos fabris (e a conseqüente neoessidade
de máo-de-obra) fará com que as p r ó p r i a s empresas assumam a
responsabilidade p e l a provisão de moradia a s u a força de
t r a ba 1 ho .

Assim, ao contrário dos cortiços, favelas e


mocambos que se concentravam nas áreas c e n t r a i s dos grandes
centros urbanos, as v i l a s o p e r á r i a s , construídas pelas pró-
prias empresas, tendiam a predominar nas p e r i f e r i a s das
grandes cidades, nos núcleos urbanos do interior e até mes-

15
mo em r e g i õ e s rurais.
Muitos dos b a i r r o s que hoje constituem espa-
ços j á p e r f e i t a m e n t e integrados na e s t r u t u r a das cidades fo
rara o r i g i n á r i o s do s i s t e m a fábrica com v i l a o p e r á r i a . No
Rio: Del Castilho, Bangu, V i l a I s a b e l e Gávea surgiram liga
dos a f ã h r i c a s de t e c i d o s . Para d e s e n v o l v e r o projeto d a Fa
h r i c a de T e c i d o s Bangu, foram compradas três fazendas - Ban-
gu, Retiro e Guandu do S e n n a - que j u n t a s ocupavam uma área
de 44 m i l metros quadrados, a 40 km do oentro da Cidade do
Rio de J a n e i r o . Foram contratados técnicos ingleses que
trouxeram d e Manchester uma f á b r i c a pré-moldada. Dos tijo-
los às máquinas d e M a n c h e s t e r , das telhas de M a r s e i l l e ao
pinho de r i g a d a F i n l â n d i a , tudo f o i importado. Hoje o bair
ro de Bangu conta com aproximadamente 1 milhão e 700 m i l ha
bitantes. Lapa, Água B r a n c a , Casa V e r d e , Vila Prudente,

Brás, Moca, Belenzinho, dentre outros, na cidade de São Pau


lo também são e x e m p l o s . Jaboatão, São José e Afogados no Re
cife. Em cidades menores, alguns conhecidos bairros típicos
da classe trabalhadora são: Q u a r t é i s em S a n t o s , Vila Indus-
t r i a l em Campinas, V i l a Arens em J u n d i a í . 1 3
Mo i n t e r i o r destacam-se: Rio T i n t o , no inte-
r i o r da P a r a í b a , que até hoje pertence à industria têxtil
local; Navarro, no i n t e r i o r de Pernambuco, também l i g a d o a
una f á b r i c a têxti,l; Votorantim em S o r o c a b a , SP, que se tor-
nou posteriormente município independente; Carioba, na peri
f e r i a de Americana; Nova L i m a , v i l a o p e r á r i a da Mineração
Morro Velho hoje m u n i c í p i o independente, em Minas Gerais;
Passagem d e M a r i a n a o r i g i n a l m e n t e v i l a o p e r á r i a da Minera-
ção Mina da Passagem, MG. Nem todos os exemplos citados an-
teriormente correspondem a v i l a s o p e r á r i a s construídas e
mantidas e x c l u s i v a m e n t e por uma e m p r e s a ; em alguns casos se
o o n s t i t u i u livremente o espaço urbano mas em função da loca
lização industrial.
O que j u s t i f i c a e s t e padrão d a construção de
v i l a s o p e r á r i a s que se consolida no i n í c i o d e s t e século?
Acredita-se que e s t e padrão decorre de um complexo conjunto

16
de relações sociais pois não é apenas a habitação que está
em j o g o .
S ao conhecidas as observações de Engels so-
bre as vantagens que teriam os i n d u s t r i a i s que investissem
em alojamento para seus o p e r á r i o s . Po cobrarem aluguéis a
preços de mercado, não correriam os d o i s principais riscos
que atingem os locatários comuns, q u a i s sejam: os prejuízos
eventuais advindos do não-pagamento do a l u g u e l ou da nã}-
ocupação permanente da casa. Além do m a i s , dado o poder de
monopólio de que d e s f r u t a v a m , os industriais poderiam até
mesmo cobrar aluguéis acima dos preços de mercado. Engels
estima que os p r o p r i e t á r i o s de casas o p e r á r i a s ganhavam a-
nualmente 6% do seu capital através de a l u g u e l , mas que os
14
industriais com v i l a o p e r a r i a ganhavam de 12 a 14%.
No e n t a n t o , são comuns os casos em que os
aluguéis no s i s t e m a f á b r i c a - v i l a o p e r á r i a são inferiores
aos preços de mercado, s e n d o , muitas vezes, apenas simbóli-
cos . A e x i s t ê n c i a d e s t e s casos d e n o t a que não se encontram
em jogo apenas benefícios diretamente económicos.
De f a t o , sendo o controle d a f á b r i c a e d a vi^
Ja e n f e i x a d o nas mãos do mesmo agente s o c i a l , a v i d a operá-
ria nessas v i l a s era um prolongamento d a r í g i d a disciplina
imposta pelo regime de t r a b a l h o fabril. A proximidade da
produção e d a reprodução assegura a a s s i d u i d a d e dos operá-
rios, assim como sua p o n t u a l i d a d e . Este prooesso d u p l o de
subordinação da força de trabalho é , ainda, um elemento im-
portante m estado de prontidão permanente do operariado,
principalmente nas p r o f i s s õ e s relacionadas com a manutenção
e os reparos de máquinas.
Os equipamentos v i n c u l a d o s ã moradia como ã-
gua, luz e l é t r i c a e outros tornam-se o b j e t o d e pressão a
ser e x e r c i d a p e l a administração fabril nos casos de confli-
tos coletivos, seja através d e r a c i o n a l i z a ç ã o ou preço,seja
através de tratamento d i f e r e n c i a d o entre operários.
Nas f á b r i c a s em meio r u r a l a possibilidade
Je acesso a um pedaço de t e r r a para o p l a n t i o de lavouras

17
que complementavam a alimentação d a f a m í l i a o p e r á r i a é tam-
bém mediada p e l a administração d a fáhrica.
Mas não é apenas no campo econômico que o
controle se e x e r c i a , uma vez que através das e s c o l a s e da
igreja era veiculada a ideologia dominante. Neste sentido,
o caso da i n d ú s t r i a t ê x t i l Votorantim é i l u s t r a t i v o ; poss uí ã
cinema. Igreja e una pequena p r a ç a asm c o r e t o , orde as famí
lias proletárias tinham acesso a um l a z e r comedido e limita
do no i n t e r i o r dos domínios d a empresa. A e s t r a d a de ferro
(7 km) que l i g a v a o núcleo o p e r á r i o à c i d a d e de S o r o c a b a e-
ra também m o n o p o l i z a d a p e l a i n d ú s t r i a . ^
Ouando bem s u c e d i d a s , estas v i l a s tendem a
se transformar em m u n i c í p i o s , t e n d o por governantes, freqüen
tamepte membros d a empresa (ou pessoas por e l a controla-
das), o qte se ranstitui num importante elemento adicional
de poder d a sua administração: " e s s a massa p r o l e t á r i a fun-
cionava oomo c l i e n t e l a p o l í t i c a dos p a t r õ e s , num mecanismo
análogo ao do roronelismo".
A construção de v i l a s o p e r á r i a s vem, portan-
to, responder aos i n t e r e s s e s d a acumulaçao: estas v i l a s ga-
rantem um mercado cativo de mão-de-obra; permitem um contro
le ampliado do c a p i t a l sobre sua f o r ç a de t r a b a l h o através
da dominação i d e o l ó g i c a e p o l í t i c a e , ainda, possibilitam a
d i v e r s i f i c a ç ã o <Je i n v e s t i m e n t o , uma vez que a instabilidade
nos negócios d e s e s t i m u l a v a a ampliação d a c a p a c i d a d e produ
t i v a ra próprio s e t o r . A a p l i c a ç ã o de poupanças em " b e n s de
raiz" (terras e m o r a d i a s ) sempre foi considerada a mais se-
gura.
Através da associação d e s t e s elementos com
os i n t e r e s s e s d e o u t r a s frações de c l a s s e que se viam amea-
çadas pelo p e r i g o de doenças contagiosas e pelo potencial
de r e v o l t a s o c i a l dos bairros operários inseridos na malha
urbana, podem ser identificadas as condições necessárias e
suficientes para a formação e consolidação do sistema fábri^
ca com v i l a o p e r á r i a própria.
A violenta compressão na capacidade de impor

18
tação do país d e c o r r e n t e d a crise de 2 9 e os mecanismos
acionados pejo Estado para a d e f e s a do n í v e l de rertía d a ca
f e i c u l t u r a desencandeariam nova forma d e crescimento indus-
trial.
Os maiores beneficiados na recuperação ocor-
r i d a no f i n a l dos anos 30 seriam os segmentos industriais
mais avançados. Ê neste período que começam a ser implanta-
dos os primeiros estabelecimentos voltados para uma opera-
ção em e s c a l a n a c i o n a l . Tem i n í c i o o debate sobre a neoessi
dade de desenvolvimento do s e t o r de insumos básioos e sobre
a ampliação d a i n f r a - e s t r u t u r a de apoio ao s e t o r industri-
al.
Dentre as mudanças o c o r r i d a s neste período
e que mais d i r e t a m e n t e se r e l a c i o n a m com o presente texto,
destacam-se a regulamentação das leis trabalhistas e o esca
be le cimento do s a l á r i o mínimo.
Esta nova l e g i s l a ç ã o vai significar uma rede
f i n i ç ã o das relações entre trabalho, c a p i t a l e Estado pois
libera "o c a p i t a l de certas r e s p o n s a b i l i d a d e s para com o
t r a b a l h a d o r em t r o c a d e um s a l á r i o supostamente mais eleva-
do com o q u a l o t r a b a l h a d o r a d m i n i s t r a r i a diretamente sua
sobrevivência."^7 Enquanto o Estado assume alguns itens do
custo de reprodução d a f o r ç a de t r a b a l h o (aposentadoria,
abonor>, d o e n ç a , etc.), o u t r o s são repassados ao próprio tra
balhador. Dentre e s t e s , a provisão d e moradia é sem dúvida
um dos principais.

A inserção dos t r a b a l h a d o r e s ncj espaço urba-


no é , no e n t a n t o , l i m i t a d a por três t i p o s de p r o b l e m a s : con
dições do mercado de t r a b a l h o , que torna o t r a b a l h o instá-
v e l e i n c o n s t a n t e o recebimento ie um s a l á r i o ; salários mui
to baixos e t o t a l p r i v a t i z a ç ã o do solo urbano.
Para a granie m a i o r i a d a população trabalha-
dora brasileira, portanto, os s a l á r i o s passam a cobrir ape-
nas as e x i g ê n c i a s imediatas de s u b s i s t ê n c i a , não incluindo
todas as necessidades objetivas de sua r e p r o d u ç ã o . Nos salã
rios não estão i n c l u í d o s os períodos não produtivos d a vida

1 9
dos trabalhadores, tais como a i n f â n c i a , velhics e enfermi-
dade; as n e c e s s i d a d e s não imediatas como educação e t r e i n a -
mento e certos equipamentos necessários â reprodução que
apresentam o caráter de bens de consumo duráveis.
O limite dos s a l á r i o s provoca, portanto, m n
seqüências específicas sobre a produção d e oertos serviços
e produtos. P a r a e s t e s , não haverã demanda s o l v e n t e , não ha-
vendo, conseqüentemente, produção capitalista. Evidentemen-
t e , h a v e r á demanda s o l v e n t e para e s s e s bens e s e r v i ç o s por
parte d a b u r g u e s i a , e também por frações assalariadas eleva
das .

Un contraponto com o presente

Meio s é c u l o de i n d u s t r i a l i z a ç ã o e a oitava
posição no rank i n t e r n a c i o n a l dos países industrializados
não foram capazes de romper este quadro.
Ao contrário dos p a í s e s capitalistas cen-
t r a i s , onde os custos da habitação atualmente são cobertos
pelo poder a q u i s i t i v o do s a l á r i o o u p e l a p r o v i s ã o de habita
ção pelo E s t a d o , no nosso caso,os salários são mantidos a
um n í v e l abaixo d a q u e l e que p e r m i t i r i a a compra d e s s e bem
através do mercado, além do que, as p o l í t i c a s habitacionais
têm como p r á t i c a e x i g i r retorno aos investidores.
Frente ã impossibilidade de s a t i s f a z e r parte
de suas necessidades através dos s a l á r i o s ou através do fi-
nanciamento p ú b l i c o , os t r a b a l h a d o r e s além de desenvolverem
lutas por melhorias salariais e pelo reconhecimento social
ao d i r e i t o aos i n v e s t i m e n t o s públicos, buscam s u p r i r suas
necessidades através do autoprovimento i n d i v i d u a l ou ooleti
vo. .
A grande m a i o r i a dos trabalhadores se vê as-
sim o b r i g a d a a buscar sua inserção no espaço urbano de for-
ma quase clandestina-nas franjas da cidade, enfim na chama-
da p e r i f e r i a urbana o n d e , além d a casa, cabe ao trabalhador
construir este pedaço d a c i d a d e . " A autoconstrução se esten
de, portanto, p e l a produção do espaço urbano e não se res-

20
tringe aos meios de consumo i n d i v i d u a l . Nos domingos e feri
ados , na hora do d e s c a n s o , os t r a b a l h a d o r e s constroem arte-
sanalmente uma parte da cidade."
Apenas para dar uma ordem de g r a n d e z a , na re
gião d a Grande São P a u l o , ã exoeção dos municípios mais urba
nizados e onde a renda média da população é mais alta (São
Paulo, Santo André, São C a e t a m do S u l e são Bernardo do
Campo), nos r e s t a n t e s , com raras e x o e ç õ e s , mais de 50% das
casas foram construídas pelos próprios moradoret®.
O processo de exclusão traduz-se ainda no
tempo d i s p e n d i d o no t r a j e t o casa/trabalho e na ausência dos
serviços públicos (água, e s g o t o , l i x o ) que praticamente ni>
chegam aos bairros pobres de nossas cidades.
Ao seu t u r n o , a pouca importância que o Esta
do, seja ao n í v e l f e d e r a l , estadual ou m u n i c i p a l , confere
aos meios de consumo c o l e t i v o , denota s e u comprometimento e
sua s u b o r d i n a ç ã o quase exclusivos ao processo d e acumulação
privada.
Desta forma, o crescimento urbano proporcio-
na ao c a p i t a l "economias externas" em e s c a l a crescente. Po
contrário, p a r a a f o r ç a de trabalho , esse mesmo crescimento
urbano r e p r e s e n t a um c u s t o , pois a d i s p u t a pelo solo infra-
estruturado pela l ó g i c a do mercado impede o seu acesso aos
equipamentos urbanos, restando a e s t a parcela de mão-de-
obra, como l o c a l de m o r a d i a , as f r a n j a s d a cidade.

O fenômeno da p e r i f e r i z a ç ã o d a classe traba-


lhadora não se r e s t r i n g e aos grandes centros urbanos do
país. Os anéis de pobreza se apresentam d e forma semelhante
em cidades de menor p o r t e , revelando que o processo de for-
mação de nossas cidades apenas m a t e r i a l i z a no espaço os pro
oessos de d i s c r i m i n a ç ã o econômica e s o c i a l imperantes em
nossa sociedade.

21
OESERVAÇOES SOBRE A QUESTÃO REGIONAL

Hermes M. Tavares
P r o f e s s o r do PUR/UFRJ

Int rodução

A questão r e g i o n a l , tal como se apresenta a


praticamente todas as s o c i e d a d e s capitalistas em suas eta-
pas mais a v a n ç a d a s , tem s u s c i t a d o um número considerável
de d e b a t e s . Estes, nas décadas de 1950 e 1960 foram pola-
r i z a d o s por autores como Myrdal Perroux, Hirschman, de um
lado, e autores de formação n e o c l á s s i c a , de o u t r o . Os pri-
meiros tiveram o mérito de fazer a c r i t i c a â teoria neo-
clássica, sem contudo abandonar os padrões vigentes no cha
mado mundo o c i d e n t a l . Além dessa c r i t i c a e de suas pró-
prias concepções teóricas, tais autores empenharam-se em
apresentar sugestões de p o l i t i c a econômica, com as quais
os Estados capitalistas se aparelhariam para conter os as-
sim chamados d e s e q u i l í b r i o s regionais. Inspirando-se em
Keynes (e, em certos aspectos, em S c h u m p e t e r ) , eles defen-
deram a intervenção do Estado para r e v e r t e r as disparida-
des espaciais.

As d i f i c u l d a d e s encontradas na aplicação
das p o l í t i c a s r e g i o n a i s de cunho r e f o r m i s t a contribulram
para q u e , notadamente nos anos 7 0 , surgissem novos debates
sobre a questão r e g i o n a l , desta feita incorporando a crlti
ca de e s q u e r d a . Neste p a r t i c u l a r , foram importantes as con
t r i b u i ç õ e s de autores como A l a i n L i p i e t z , Luiz Coraggio,
Rofman e , no B r a s i l , F r a n c i s c o de O l i v e i r a , Wilson Cano,
.19
Raimundo Moreira e , mais recentemente, Leonardo Guimarães.
Este artigo aborda os pontos p r i n c i p a i s das
a n á l i s e s de Myrdal e Perroux e as suas limitações; algumas
c a t e g o r i a s m a r x i s t a s que podem s e r v i r ã a n á l i s e da questão
regional; e t e n t a t i v a s de c o n c e i t u a r região segundo esta
última teoria.
A c o n t r i b u i ç ã o de autores reformistas

A questão regional, em sua dimensão ampla,


f i c a em plano s e c u n d á r i o na t e o r i a neoclássica. Entretan-
to, em termos micro (tanto s e t o r i a l quanto e s p a c i a l ) , a
contribuição neoclássica é considerável, compreendendo lar
gamente, no piano e s p a c i a l , a t e o r i a da localização. Dado
o escopo do nosso t r a b a l h o - as r e l a ç õ e s interregionais
não trataremos d e s s a t e o r i a . Segundo e s t a , o fato de que
as a t i v i d a d e s econômicas se distribuíam desigualmente no es-
paço era uma mera c o n t i n g ê n c i a , passageira, pois a longo
prazo,os efeitos do progresso t é c n i c o e dos investimentos
se fariam s e n t i r não apenas s e t o r i a l m e n t e como também espa
cialmente.
Em termos amplos, a análise neoclássica ten
dia a ver no sistema econômico um conjunto de automatismos
articulados decorrentes da i d é i a de e q u i l í b r i o , oriunda de
uma preocupação de a s s o c i a r aos fenômenos s o c i a i s os mes-
mos p r i n c í p i o s da F í s i c a , particularmente da mecânica ra-
cional. 0 principio básico é de que a toda ação correspon-
de uma reação i g u a l e c o n t r á r i a : a demanda é uma reação ã
oferta e vice-versa. As e l a b o r a ç õ e s mais r e q u i n t a d a s des-
se t i p o de r a c i o c í n i o conduziram aos modelos de desenvolvi
mento equilibrado.
A crítica a essa concepção s u s t e n t a que o
desenvolvimento, ao c o n t r á r i o do que postulam os neoclãssi
cos, é desequilibrado. Myrdal e Perroux são autores bastan
te representativos da corrente que p a r t i c i p a dessa críti-
ca .
P a r a Gunnar M y r d a l , " o jogo das forças de
mercado t e n d e , em g e r a l , a aumentar e não a d i m i n u i r as de
sigualdades regionais".^^ I s s o ocorre porque os fatos so-
ciais tendem a s e g u i r em processo de " c a u s a ç ã o circular",
segundo o q u a l uma transformação não provoca mudanças com-
pensatórias, mas, antes, s u s t e n t a e conduz o sistema com
mais intensidade, na mesma d i r e ç ã o da mudança o r i g i n a l . Ou
seja, não.há yma tendência à redução das desigualdades

24
regionais, como p o s t u l a a economia tradicional.
O desenvolvimento é um processo de equilí-
brio instável, marcado p e l a expansão de c e r t o s centros ou
áreas, onde se observam d o i s tipos de e f e i t o s : propulsores
e regressivos. Os primeiros beneficiam as áreas dominadas
e os segundos drenam recursos d e s t a s . Segundo M y r d a l , as
forcas de mercado fazem com que os e f e i t o s regressivos se-
jam mais fortes que os e f e i t o s propulsores.

Uma s i t u a ç ã o de e q u i l í b r i o é possível caso


ocorram mudanças e x ó g e n a s , fora da l ó g i c a do mercado. Essa
nova s i t u a ç ã o é p o s s í v e l "mediante interferências políti-
cas p l a n e j a d a s e aplicadas com a intenção de sustar o movi
mento". Só o Estado reúne condições suficientes para levar
a termo essa ação planejada.
As i d é i a s de M y r d a l , s u r g i d a s em meados dos
anos 5 0 , tiveram grande influência nos p a í s e s subdesenvol-
vidos. Serviram, por exemplo, juntamente com o pensamento
da CEPAL, como o p r i n c i p a l suporte t e ó r i c o para o relató-
rio do GTDN, elaborado por Celso Furtado em 1 9 5 8 , dando
início ã p o l í t i c a de planejamento r e g i o n a l do Nordeste.
Em artigo p u b l i c a d o em 1 9 5 5 , François Per-
roux começa por c r i t i c a r a concepção do d e s e n v o l v i m e n t o e-
q u i l i b r a d o dos n e o c l á s s i c o s e o modelo de Schumpeter. Para
ele, o desenvolvimento é conseqüência de uma sucessão de
desequilíbrios, provocados por a t i v i d a d e s d i n â m i c a s (motri
zes), que constituem centros ou pólos de desenvolvimento.
O caráter motriz de uma empresa é dado pelo
seu p o r t e , que lhe permite e x e r c e r significativos efeitos
para frente e para t r á s , graças aos q u a i s m u l t i p l i c a - s e o
número de novos empreendimentos. A indústria motriz, por-
tanto, é aquela q u e , por uma i n v e r s ã o de c a p i t a l , por ino-
vações t é c n i c a s que p r o v o c a , ou p e l o aumento e d i v e r s i f i c a
ção de sua c a p a c i d a d e produtiva, leva a um aumento na di-
mensão de outras firmas, e s t i m u l a mudanças na organização
das empresas e favorece o progresso econômico de todo o pó
lo de desenvolvimento.

25
Os pólos de desenvolvimento provocam efei-
tos de impulsão e de freagem, e a questão é que e s t e s últi
mos são em g e r a l mais intensos. Cabe, portanto, ao Estado,
a função de i n t e r v i r para e v i t a r que esses efeitos negati-
vos permaneçam, aumentando as d i s p a r i d a d e s . Isso é possí-
vel graças ao p l a n e j a m e n t o , ou melhor, graças ã organização
c o n s c i e n t e do e s p a ç o . A conclusão é a mesma de Myrdal quan
to à função do E s t a d o , v i a planejamento, e, claro, o Esta-
do nessas v i s õ e s aparece como uma e n t i d a d e neutra, situan-
do-se acima d a s classes.
As i d é i a s de Perroux parecem, entretanto,
ter implicações bem mais s é r i a s do que as de M y r d a l . Al-
guns t r a b a l h o s críticos recentes mostram que a o b r a de
Perroux tem uma f i l i a ç ã o i d e o l ó g i c a muito c l a r a . Por trás
dela, como mostra Corraggio, está a d e f e s a dos monopólios
e a n e c e s s i d a d e de os p a í s e s atrasados manterem-se fiéis
aos centros hegemônicos m u n d i a i s , no máximo procurando ti-
rar algum p r o v e i t o da dominação que lhes é imposta.
Perroux concebe o seu d e s e n v o l v i m e n t o pola-
r i z a d o como uma o c o r r ê n c i a universal (verifica-se em toda
a parte: nos p r o c e s s o s clássicos de desenvolvimento capita
lista, nos p a í s e s subdesenvolvidos e nos p a í s e s socialis-
tas). As r e l a ç õ e s e n t r e os d i f e r e n t e s centros ou pólos (de
tamanhos d i v e r s o s ) são marcadas p e l o que e l e chama de efei
to da dominação.' Esta é i n e l u t á v e l , além de que não é de
todo tão má, pois não está inevitavelmente acompanhada da
22
e x p li o r a ç a-o .
Neste s e n t i d o , existe uma d i f e r e n ç a funda-
mental entre as i d é i a s de Perroux e as de P r e b i s h e seus
seguidores, na medida que e s t e s - se bem não se opusessem
à p a r t i c i p a ç ã o do c a p i t a l estrangeiro - defendiam, por ou-
tro l a d o , a I d é i a do Estado-nação como meio para alcançar
a autonomia ou r e d u z i r a dependência econômica na perife-
ria.
A posição i d e o l ó g i c a de Perroux explicita-
se em outras passagens d e sua o b r a , como no período seguin

26
"A dialética marxista, que e v i d e n c i a o con-
f l i t o das forças produtivas e das formas institucionais,
açambarca uma parte da atenção que nós deveríamos dedicar
a uma outra d i a l é t i c a a t i v a no mundo moderno e que se d e f i
ne p e l o c o n f l i t o dos espaços de crescimento engendrados pe
los pólos de crescimento e dos espaços territoriais politi
camente organizados".^''
Em outra p a r t e , lê-se:
"A desigualdade e n t r e as e s t r u t u r a s econômi-
cas é r e s i s t e n t e : proporciona um argumento poderoso contra
as revoluções aparentes, as r e b e l i õ e s efêmeras e em favor
24
das politicas concertadas".
A noção de pólo de desenvolvimento teve gran
de r e p e r c u s s ã o , servindo de base para a elaboração de um
grande número de p o l í t i c a s de desenvolvimento regional,
adotadas em d i v e r s o s países; a p o l í t i c a das "metrópoles de
equilíbrio", criada em 1 9 6 4 , na F r a n ç a , as d i f e r e n t e s ten-
t a t i v a s dos governos e s t a d u a i s , no B r a s i l , de o r g a n i z a r o
espaço através da d e s c e n t r a l i z a ç ã o e criação de novos pó-
los são alguns dos muitos exemplos, nos anos 60 e 7 0 . Para
os t é c n i c o s que lidavam com questões de economia regional,
foi um achado: dispunha-se, finalmente, de um instrumento
o p e r a t i v o para a t u a r . Ocorre que as d i f i c u l d a d e s eram de
toda ordem. Ao mesmo tempo em que se apresentava como uma
teoria pronta para ser a p l i c a d a (encurtando ao máximo o
percurso entre o t e ó r i c o e o c o n c r e t o ) , inexistia uma téc-
nica razoavelmente p r e c i s a para i n d i c a r os pólos e quais
aqueles que deveriam ter um tratamento p r i v i l e g i a d o . Adap-
tou-se o quadro de r e l a ç õ e s interindustriais para esse
fim; um sem número de estudos foi realizado, seguindo esse
caminho, nos anos 50 e 60 (o auge d e s s a s práticas s e r i a a-
tingido na C o n f e r ê n c i a de B e l l a g g i o , de 1 9 6 3 ) . As dificul-
dades do lado dos sistemas estatísticos de muitos países -
além da limitação do instrumental face às e x p e c t a t i v a s cr_l
adas - levou ao d e c l í n i o desse t i p o de esforço.
25
Mais recentemente, Hermansen procurou mos-
trar que a u t i l i z a ç ã o da t e o r i a dos _ pólos para fins de

27
planejamento seria possível associando-se a esta a teoria
dos "lugares centrais", de C h r i s t a l l e r e Lttsh, sendo esta,
como sabemos, de alcance também limitado. Mas a q u e s t ã o , n o
nosso e n t e n d e r , não e s t á na busca de uma t é c n i c a que permi
ta a u t i l i z a ç ã o da t e o r i a . A questão é que a t e o r i a de Per
roux é , como v i m o s , uma apologia dos monopólios internacio
nais e q u e , ao, mesmo tempo, p r e t e n d e mostrar que os Esta-
tos n a c i o n a i s podem ordenar as c o i s a s para e v i t a r os efei-
tos mais danosos provocados pelos centros d o m i n a n t e s . Além
disso, para uma t e o r i a que - segundo seus d e f e n s o r e s - se
distinguia por ser o p e r a t i v a , o lado mais comprometedor é
que, em toda a p a r t e , as p o l í t i c a s de d e s e n v o l v i m e n t o re-
g i o n a l que seguiram seus p r e s s u p o s t o s tiveram até agora re
s u l t a d o s muito e s c a s s o s , comparados aos o b j e t i v o s expres-
sos de redução dos desequilíbrios.

A contribuição marxista

Como sabemos, M a r x , em sua o b r a , não trata,


explicitamente, da questão r e g i o n a l tal como a conhecemos
hoje. Sua a n á l i s e converge para os f a t o s econômicos e so-
ciais surgidos com o c a p i t a l i s m o , numa dimensão histórica.
Deve-se a c r e s c e n t a r q u e , à época em que a n a l i s o u o capita-
l i s m o , o problema regional não se a p r e s e n t a v a com a mesma
importância que tem h o j e . Sem d ú v i d a , o colonialismo esta-
va ainda p r e s e n t e e o império b r i t â n i c o v i v i a o seu apo-
geu, tanto q u e , em relação ã Irlanda, Marx chegou a obser-
var :
"A Irlanda, hoje, não é senão um distrito
a g r í c o l a da I n g l a t e r r a , separada d e s t a por um c a n a l , e que
lhe fornecelã, carnes, recrutas para a sua indústria e pa
- ..... 2 6
ra o seu e x e r c i t o .
A medida que o c a p i t a l i s m o avança no senti-
do da m o n o p o l i z a ç ã o , o desenvolvimento i n t e n s o de certas
ãreas e o atraso de o u t r a s passa a ser um fenômeno típico.
Nesse momento, então, são n e c e s s á r i o s novos e s f o r ç o s de
teorização. Assim é q u e , ao e s t u d a r o d e s e n v o l v i m e n t o do
capitalismo na R ú s s i a , Lenine o b s e r v a que o pleno desenvoj.

28
vimento do c a p i t a l i s m o leva a uma d i v i s ã o do mundo em duas
zonas, o centro e a p e r i f e r i a , como depreendemos do seguin
te trecho:
... "a formação de um mercado pelo capita-
lismo compreende d o i s aspectos: o desenvolvimento do capi-
talismo em p r o f u n d i d a d e , i s t o é, o desenvolvimento de
uma agricultura e ae uma indiístria capitalistas em
um t e r r i t ó r i o d a d o , p r e c i s o e bem d e l i m i t a d o , e o desenvol
vimento em e x t e n s ã o , isto é,
a extensão de sua e s f e r a de
27
dominaçao sobre novos t e r r i t ó r i o s .
Essa questão é retomada por L e n i n e , ao e s t u
dar o i m p e r i a l i s m o , como f a s e s u p e r i o r do c a p i t a l i s m o (e
não como fenômeno que c a r a c t e r i z a r i a o modo de produção ca
pitalista desde o seu s u r g i m e n t o , como queriam Rosa Luxem-
burgo e S t e i n b e r g ) . Essa questão tem a ver com a t e o r i a e
a l e i do desenvolvimento d e s i g u a l . Sua importância em si,
e para o nosso tema, em p a r t i c u l a r , é de t a l ordem que jus
t i f i c a determo-nos um pouco mais para examina-la. Nos tex-
tos sobre economia r e g i o n a l e sobre t e o r i a do desenvolvi-
mento econômico, encontramos referências freqüentes ao de-
senvolvimento d e s i g u a l , mas raramente maiores elaborações
para o seu d i s c e r n i m e n t o . Um e s f o r ç o nesse s e n t i d o foi f e i
28
to por Henri Lefebvre , de cujo resultado nos valemos
aqui .
Para esse a u t o r , o c o n c e i t o de desenvolvi-
mento d e s i g u a l aparece como a " p r i n c i p a l d e s c o b e r t a d e Le-
nine no campo econômico: a grande lei da formação so-
29
ciai". E e s t e não e estranho ao marxismo, se bem que
Marx sobre e s t e ponto dê apenas indicações. E que, segundo
Lefebvre, para Marx em seu esquema de abstração (necessá-
rio), adotado em O C a p i t a l , "o c a p i t a l i s m o é considerado
como um d a d o , acima das d i f e r e n ç a s internas entre países
capitalistas". Embora leve em c o n t a , constantemente, essas
diferenças, são os traços fundamentais que lhe importam.
Tanto para Marx quanto para E n g e l s , essas
diferenças pareciam s e c u n d á r i a s . A conseqüência d i s s o é
que " a revolução pedia e devia ocorrer simultaneamente

29
(ou mais ou menos simultaneamente no curso de uma mesma
crise g e r a l oú f i n a l ) em todos os países d e s e n v o l v i d o s ; e
que a construção do s o c i a l i s m o podia e d e v i a ter lugar nos
países d e s e n v o l v i d o s , pela ação do p r o l e t a r i a d o , mais nume
roso, mais a t i v o e mais instruído".'"'
A teoria e a l e i do d e s e n v o l v i m e n t o desi-
gual estão presentes na obra de Lenine desde o i n í c i o , mas
sua maturação é l e n t a , completando-se, em 1 9 1 7 , com o Impe
riallsmo, e t a p a s u p e r i o r do c a p i t a l i s m o . Relacionam-se,nes
se t e x t o , com a noção do " e l o mais fraco da corrente", cu-
ja j u s t i f i c a t i v a é, sem d ú v i d a , a existência de novas con-
d i ç õ e s determinadas pelo capital monopolista e o imperia-
lismo. Ao mesmo tempo, enquanto Marx e Engels precisaram
trabalhar cora c a t e g o r i a s abstratas gerais, L e n i n e teve que
pensar mais ao n í v e l do c o n c r e t o . Em outros termos, Marx
t r a t a do c a p i t a l i s m o ou da sociedade burguesa, e Lenine
preocupa-se com a questão da t r a n s i ç ã o e das sobrevivên-
cias de o u t r a s r e l a ç Õ 2 s de produção no M . P . C . , além daque-
las determinadas por c a p i t a l i s t a s - p r o l e t á r i o s . Para consi-
derar essas outras relações, Lenine trabalha com o concei
to de "formação e c o n õ m i c o - s o c i a l " , o qual inclui a idéia
do d e s e n v o l v i m e n t o d e s i g u a l e as s o b r e v i v ê n c i a s das forma-
ções e e s t r u t u r a s anteriores.^

Na v i s ã o de L e n i n e , o d e s e n v o l v i m e n t o do ca
pitallsmo em d i f e r e n t e s países é sobremodo acidentado, con
vulsivo, percepção que se r e f o r ç a com o avanço dos monopó-
lios e a Primeira Guerra Mundial.
A l e i do desenvolvimento d e s i g u a l significa
que o avanço do c a p i t a l i s m o em d i f e r e n t e s países é um pro-
cesso a c i d e n t a d o . Em um mesmo momento da h i s t ó r i a , há paí-
ses onde o c a p i t a l i s m o e s t á nascendo e há outros onde ele
estã já plenamente constituído. Não o b s t a n t e , esses paí-
ses p a r t i c i p a m de um mesmo mercado mundial de mercadorias
e de capitais.
Assim como se dá em e s c a l a m u n d i a l , também
em cada p a i s , isoladamente, observam-se d i f e r e n ç a s conside
ráveis no d e s e n v o l v i m e n t o das forças produtivas. "De certo

30
modo - observa Lefebvre - toda a obra de Lenine analisa es
tas d e s i g u a l d a d e s . Por exemplo, seus t r a b a l h o s sobre a
questão agrária descobrem ao mesmo tempo a penetração do
capitalismo na a g r i c u l t u r a e o atraso da agricultura em re
lação à i n d ú s t r i a , as d e s i g u a l d a d e s de desenvolvimento pró
prios ã agricultura. Com os fenômenos novos, que Marx não
pudera conhecer, a noção de desenvolvimento d e s i g u a l assu-
me uma p r o f u n d i d a d e cada vez maior. Ela se torna essen-
cial, fundamental, universal. Ela se estende aos países,
ás r e g i õ e s , às i n d ú s t r i a s , ás c l a s s e s . E l a se torna uma

lei: a lei das d i f i c u l d a d e s do c a p i t a l i s m o , de sua crise".


32
(sublinhado por n o s , H.M.T.)
Sobre a questão das d e s i g u a l d a d e s entre re-
giões, Lefebvre dã exemplos concretos da França e da Itá-
lia:
"As d e s i g u a l d a d e s se aprofundam e n t r e seto-
res. Notadamente e n t r e s e t o r e s geográficos no i n t e r i o r de
um mesmo p a i s . Que a parte Sul da França permanece conside
ravelmente, e cada vez m a i s , em a t r a s o em relação ao Nor-
te, é um fato hoje conhecido e reconhecido.
O Norte e o Nordeste do pais contêm a indús
tria pesada; a parte Sul permanece uma r e g i ã o a g r í c o l a , de
agricultura desigualmente desenvolvida, incluindo setores
arcaicos. A Itália apresenta uma s i t u a ç ã o análoga, se bem
que as razões históricas sejam muito d i f e r e n t e s . È um caso
de desenvolvimento d e s i g u a l em um país capitalista desen-
volvido f á c i l de observar".''
A v i s ã o de T r o t s k i , sobre a q u e s t ã o , não d i
fere fundamentalmente da de L e n i n e . Para e l e , o capitalis-
mo tende a i n v a d i r o mundo i n t e i r o , mas de forma anárquica
minando seu próprio t r a b a l h o , opondo um p a í s a outro, de-
senvolvendo certas partes da economia m u n d i a l , freando e
34
retardando o u t r a s . O desenvolvimento capitalista e desi-
gual e combinado. Combinado no s e n t i d o de que acaba exis-
tindo uma convergência de i n t e r e s s e s entre países capita-
listas avançados, d e t e n t o r e s do conhecimento técnico e ci-
entífico, e os p a í s e s capitalistas atrasados. Ê o que

31
Trotski expressa no trecho seguinte:
"Não esqueçamos que o a t r a s o histórico é
uma noção r e l a t i v a . Se hã países atrasados e avançados, hã
também uma ação r e c í p r o c a entre e l e s ; hã a pressão dos pai
ses avançados sobre os r e t a r d a t á r i o s ; hã a n e c e s s i d a d e pa-
ra os p a í s e s a t r a s a d o s de juntar-se aos p a í s e s progressis-
tas, de tomar-lKes de empréstimo a técnica, a ciência,etc.
Assim, surge um t i p o combinado de d e s e n v o l v i m e n t o ; traços

de a t r a s o s e acoplam ã última p a l a v r a da t é c n i c a mundi-


, „35
al. . .
Para T r o t s k i , o desenvolvimento desigual e
combinado exacerba-se com o e s t á g i o imperialista do capita
lismo, e isto - ratificando L e n i n e - "em razão do caráter
universal, da m o b i l i d a d e e da d i s p e r s ã o do c a p i t a l finan-
ceiro, esta força v i v a do i m p e r i a l i s m o . Cora uma r a p i d e z e
uma p r o f u n d i d a d e até então d e s c o n h e c i d a s , o imperialismo
l i g a em um todo os d i v e r s o s conjuntos nacionais e continen
tais, criando entre eles uma e s t r e i t a e vital dependência,
aproximando seus métodos económicos, suas formas s o c i a i s e
seus níveis de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o imperia-
lismo p r o s s e g u e sua meta com processos tão contraditórios,
provocando tantos saltos e se dando a t a l v a n d a l i s m o nos
países e regiões r e t a r d ã r i o s que a u n i f i c a ç ã o e o nivela-
mento da economia m u n d i a l são o b t i d o s com mais v i o l ê n c i a e
convulsões do que em todas as épocas procedentes".^®

O papel da superestrutura

A l e i do desenvolvimento d e s i g u a l explica
as questões mais g e r a i s das r e l a ç õ e s e n t r e o centro e a pe
rlferia, entre as r e g i õ e s industrializadas e as r e g i õ e s a-
grícolas dependentes. Contudo, é preciso não esquecer que
o conceito t e ó r i c o que viemos de abordar faz p a r t e das gran
des categorias g e r a i s do marxismo - da mesma forma que con
ceitos como modo d e produção - r e q u e r e n d o , portando, as ne
c e s s ã r i a s mediações que permitam a passagem do a b s t r a t o as
situações concretas.Um ponto importante é q u e , com o ca
pitalismo monopolista, o Estado assume um papel crucial na

32
acumulação de c a p i t a l , e este, como outros elementos da su
perestrutura, não está contemplado na l e i do desenvolvimen
to d e s i g u a l . A questão que devemos t r a t a r é qual o papel
da s u p e r e s t r u t u r a na acumulação de c a p i t a l , na fase monopo
lista. Ao que p a r e c e , Gramsci foi o único dos grandes auto
res marxistas que buscou responder d i r e t a m e n t e essa ques-
tão, particularmente em Algumas notas sobre a questão merl
dional ( e s c r i t o de 1926, não ooncluldo) e em I I Rlsorglmen
to.
Cabe lembrar que o Risorgiinento ratificou
as acentuadas d i f e r e n ç a s existentes entre o Norte e o Sul
do p a i s . A primeira região torna-se i n d u s t r i a l i z a d a e pas-
sa a contar com uma economia em expansão; a segunda região
permanece a g r í c o l a e atrasada. A política estatal contri-
bui para acentuar essas d i f e r e n ç a s , reforçando assim os in
t e r e s s e s do bloco i n d u s t r i a l - a g r á r i o , que se tinham pro-
gressivamente consolidado e reforçado, a p a r t i r da unifica
ção do país.
Ao e s t u d a r o atraso do S u l (agrário) em re-
lação ao Norte (industrializado), Gramsci classifica essa
questão, juntamente com a questão v a t i c a n a , como a mais im
portante para a s o c i e d a d e italiana. A n a l i s a n d o os fatores
que levaram a t a l d i s t a n c i a m e n t o (econômico) e n t r e as duas
partes da I t á l i a e atuaram no s e n t i d o de mantê-lo, ele con
verge a atenção para a e s t r u t u r a d e c l a s s e s , o papel que
e s t a s desempenham nos processos políticos regional e nacio
nal, particularizando a função dos i n t e l e c t u a i s nas ideolo
aias, o papel do Estado, enfim, o papel da superestrutura.
Gramsci mostra que os i n d u s t r i a i s do Norte
se aliara aos p r o p r i e t á r i o s de t e r r a s do S u l , formando um
bloco p o l í t i c o . A aliança tem por base a a c e i t a ç ã o do cará
ter i n t o c á v e l dos latifundiários do S u l por p a r t e dos in-
d u s t r i a i s do N o r t e . Em t r o c a , a renda gerada p e l a s terras,
boa parte d e l a s incultas, não era totalmente reinvestida
localmente; ela ia alimentar os bancos do N o r t e , favorecer;
do o crescimento d e s t a r e g i ã o . O Estado não i n v e s t i a na in
fra-estrutura do S u l e obrigava os camponeses a pagarem

33
impostos elevados.
O S u l mantinha-se como um mercado semi-colo
nial e uma reserva de poupança e de imposto. A política do
Governo, apoiada nos liberais democratas, procurava criar
no Norte um bloco urbano (industriais e operários) que
oonstituísse a base de um sistema protecionista e que re-
forçasse a economia e a hegemonia d e s s a região.
Dois t i p o s d e apões sedimentavam essa polí-
tica: de um l a d o , repressão v i o l e n t a a qualquer movimento
de m a s s a s , i n c l u i n d o massacres periódicos aos camponeses;
de o u t r o lado, regime de f a v o r e s , graças aos q u a i s os in-
telectuais do Mezzogiorno participavam ativamente da buro-
cracia estatal. Basta d i z e r que mais de t r ê s q u i n t o s dessa
burocracia eram c o n s t i t u í d o s de pessoas o r i g i n á r i a s daque-
la região.
"Assim - a c r e s c e n t a -, a camada s o c i a l que
teria podido o r g a n i z a r o descontentamento endêmico do Sul
tornava-se, ao c o n t r á r i o , um instrumento a s e r v i ç o da poli
t i c a do Norte e d e seus interesses particulares. Carente
de d i r e ç ã o , o descontentamento não era capaz de encontrar
seu modo d e expressão p o l í t i c a ; e como suas formas de mani
f e s t a ç ã o apresentavam sempre um caráter confuso e violen-
38
to, elas eram c o n s i d e r a d a s como d e l i t o s comuns".
O intelectual funciona como cimento, ligan-
do o camponês m e r i d i o n a l aos grandes proprietários rurais:
"Afirmamos que o camponês m e r i d i o n a l está ligado ao grande
proprietário r u r a l por meio do i n t e l e c t u a l . Este t i p o de
organização é o mais d i f u n d i d o em todo o M e z z o g i o r n o conti
n e n t a l e na S i c í l i a . Forma um monstruoso bloco a g r á r i o que
no seu conjunto funciona como i n t e r m e d i á r i o e guardião do
capitalismo setentrional e dos grandes bancos. Seu único
o b j e t i v o é conservar o status quo . Em seu s e i o , não existe
nenhuma luz intelectual, nenhum programa, nenhum estímulo
para melhoramentos e progressos. S e alguma idéia e algum
programa foram a f i r m a d o s , isto aconteceu porque tiveram
origem fora do M e z z o g i o r n o . . . " 39
A política de dominação^ interna apóin-p".

34
por outro lado, na i d e o l o g i a burguesa - d i s s e m i n a d a ampla-
mente e n t r e as massas - d e que o atraso do S u l devia-se,em
grande p a r t e , ao temperamento dos m e r i d i o n a i s , tidos como
preguiçosos, incapazes e, até mesmo, b á r b a r o s . além do
m a i s , o Mezzogiorno é um p a r a s i t a que impede o avanço mais
rápido da sociedade italiana. Tudo o que e r a de origem cam
ponesa, l o g o , do S u l , e r a considerado "sujo": "A Itália es
tá d i v i d i d a em n o r d l c i e sudlcl",jogo de p a l a v r a s que tem o
seguinte sentido: s u d l c i o - que quer d i z e r "sujo" e, ao
mesmo tempo, e v o c a , p e l a sua conotação fonética, a palavra
suduci, sulista, do S u l . E essa expressão t r a d u z i a de for-
ma muito c a r a c t e r í s t i c a o ódio v i o l e n t o que e x i s t i a entre
a gente do S u l , com r e l a ç ã o aos o p e r á r i o s do Norte .

Tal ideologia burguesa foi também encampada


pelo P a r t i d o S o c i a l i s t a , que c o n t r i b u i u para v e i c u l á - l a en
tre os o p e r á r i o s do Norte.
A questáo que se coloca é , pois, a da mudan
ça r a d i c a l de concepção no s e i o d e s s e mesmo proletariado
com r e l a ç ã o aos t r a b a l h a d o r e s do M e z z o g i o r n o , da transfor-
mação i d e o l ó g i c a da c l a s s e o p e r á r i a q u e , inconscientemen-
te, adotou, através da e s c o l a , dos jornais, da literatura,
a atitude p r ó p r i a da burguesia com r e l a ç ã o ao M e z z o g i o r n o .
A questão m e r i d i o n a l , p e l a sua e s p e c i f i c i d a d e , era uma
questão nacional e t e r r i t o r i a l , razão porque o novo parti-
do comunista d e v e r i a torná-la o e i x o de sua p r ó p r i a políti
ca. Diz Gramsci: "fomos p a r t i d á r i o s dessa fórmula inteira-
mente r e a l i s t a e de modo algum "mágica" da t e r r a aos campo
neses; mas nós queriamos que e l a se i n s e r i s s e em uma ação
revolucionária g l o b a l das duas classes aliadas s o b a dire-
ção do p r o l e t a r i a d o industrial. No mundo p r o l e t á r i o , os co
munistas de Turim tiveram o i n c o n t e s t á v e l "mérito" de ha-
ver imposto a questão m e r i d i o n a l ã atuação da vanguarda o-
perãria, apresentando-a como um dos problemas essenciais
da p o l í t i c a do p r o l e t a r i a d o r e v o l u c i o n á r i o em e s c a l a nacio
n a 1" .

Encarando a questão regional como um as-


pecto p r i n c i p a l das contradições do desenvolvimento do

35
capitalismo, tal como se deu na I t á l i a , Gramsci concluiu
que qualquer solução reformista é i l u s ó r i a , deduzindo, for
malmente, que só o s o c i a l i s m o , em função do papel históri-
co dos o p e r á r i o s e camponeses, seria capaz de r e s o l v e r i
questão meridional.
A a n á l i s e de Gramsci sobre o Mezzogiorno
é profundamente verdadeira e a t u a l . M a c c i o c c h i mostra co-
mo, ainda hoje, a d e s p e i t o dos grandes programas de inves-
timento da C a z z a per i l M e z z o q i o r n o , o Sul permanece em
grande atraso em r e l a ç ã o ao Norte.
"De r e s t o - d i z e l a - como não ver que
uma t a l aproximação e n t r e zona s u b d e s e n v o l v i d a e superde-
d e n v o l v i d a - e e s t a é uma questão que merece ser debatida
profundamente - impõe-se ainda p e l a sua a t u a l i d a d e ? Pois,
mesmo em termos d i f e r e n t e s , ela não d i z r e s p e i t o somente ã
Itália, mas também à enorme megalópole que se c r i o u a par-
t i r do d e s e n v o l v i m e n t o incoerente do c a p i t a l i s m o no vasto
triângulo i n d u s t r i a l da Europa c o m u n i t á r i a , delimitada pe-
lo d e s e r t o dos campos, das regiões exploradas, subordina-
das econômica, social e politicamente aos centros urbanos
de d e c i s ã o , onde o poder c a p i t a l i s t a m o n o p o l i s t a detém su-
as p r i n c i p a i s alavancas de comando: políticas, econômicas,
40
judiciarias e policiais".

Um conceito abrangente

As c a t e g o r i a s de a n á l i s e no âmbito do mar
xismo, acima a p r e s e n t a d a s , inspiram as c o n t r i b u i ç õ e s mais
r e c e n t e s que buscam avançar a discussão sobre a questão re
gional. Entre e s t a s , inegavelmente, se destacam as de Fran
cisco de Oliveira.
Preocupado em e l a b o r a r um c o n c e i t o que
não r e l e v e apenas um aspecto da r e a l i d a d e (o e c o n ô m i c o , q u a
se s e m p r e ) , esse autor v o l t a a sua atenção também para o
aspecto p o l i t i c o , que, na t r a d i ç ã o t e ó r i c a do marxismo, im
brica-se com o econõmioo. A m a t r i z encontra-se em Gramsci:

36
" A t e o r i z a ç ã o marxista sobre o tema (re-
gião) não é muito r i c a , tanto no terreno da p o l í t i c a quan-
to no da economia, e tem se centrado sobretudo no caráter
d i f e r e n c i a d o d a d i v i s ã o do t r a b a l h o entre cidade e campo.
Parece-me que o autor m a r x i s t a que mais pensou a r e s p e i t o
do tema r e g i o n a l foi precisamente G r a m s c i , particularmente
41
em A questão m e r i d i o n a l e I I Rlsorgimento.
Partindo dessa base, F r a n c i s c o de Oliveira
conceitua região como "o espaço onde se imbricam dialética
mente uma forma e s p e c i a l de reprodução do c a p i t a l , e, por
conseqüência, uma forma e s p e c i a l d e l u t a d e c l a s s e s , onde
o econômico e o p o l í t i c o se fusionam e assumem uma forma
e s p e c i a l de aparecer no produto s o c i a l e nos pressupostos
. - ,. 42
da reposição .
Nessa concepção, a e x i s t ê n c i a de regiões
corresponde aos d i f e r e n t e s estágios na reprodução do capi-
t a l que coexistem em um mesmo espaço n a c i o n a l . Assim, o es
paço s o c i a l onde o c a p i t a l comercial comanda as l e i s de re
produção . c o n f i g u r a uma região que d i f e r e d e o u t r a onde o
capital i n d u s t r i a l é dominante.
Tendo era v i s t a que as formas avançadas do
capital tendem a e s t e n d e r a sua hegemonia em e s c a l a nacio-
nal, as r e g i õ e s tendem a d e s a p a r e c e r sob o e f e i t o da homo-
geneização das relações de produção. Logo,observa o autor
que a e s s a t e n d ê n c i a do c a p i t a l i s m o (de desenvolvimento i-
gual, conforme v i s t o em o u t r a p a r t e ) opõe-se a lei do de-
senvolvimento d e s i g u a l e combinado. Dal a sua conclusão de
que a t e n d ê n c i a à homogeneização "quase nunca chega a mate
r i a l i z a r - s e de forma completa e acabada p e l o p r ó p r i o fato
de que o processo de reprodução do c a p i t a l é , por defini-
43
çao, d e s i g u a l e c o m b i n a d o . "

Qn d i v e r s a s partes de seu t r a b a l h o , o autor


ressalta a importância, em seu c o n c e i t o , da i n s t â n c i a poli
tica, o que s i g n i f i c a ter em c o n t a : o "fechamento" de uma
região por suas c l a s s e s d o m i n a n t e s , na medida que estas

conseguem reproduzir a relação social de dominaçao; a

37
"abertura" da região e conseqüente integração nacional,
:jue se dã quando a relação s o c i a l não pode mais ser repro-
duzida, permitindo a hegemonia na região de classes domi-
nantes e x t e r n a s a esta ( n a c i o n a i s ou internacionais).
Contudo, o "fechamento" pode ocorrer não só
p e l a razão antes apontada, mas também por formas de resis-
tência ao espra'iamento do c a p i t a l no momento em que define
sua hegemonia em e s c a l a nacional, como nos d i z Aluizio
Capdevllle Duarte: "0 Capital, em suas relações internas e
externas, para v i a b i l i z a r sua reprodução em seu processo
hegemônico pode i r de encontro aos i n t e r e s s e s de classes
dominantes em d i f e r e n t e s espaços d e uma formação social.
Estas forçam uma relação da s o c i e d a d e local Como um todo,
ao c a p i t a l da formação s o c i a l como uma t o t a l i d a d e . Forma-
se n a q u e l e espaço um bloco de r e s i s t ê n c i a que pode ser con
ceituado como bloco regional."
Trata-se da r e s i s t ê n c i a do bloco regional
" ã homogeneização da s o c i e d a d e e do espaço pelo c a p i t a l mo
nopolista hegemônico."
Para D u a r t e , o bloco de r e s i s t ê n c i a ou re-
g i o n a l manifesta-se através de i d e o l o g i a s do t i p o regiona-
lismo, d e f e s a da e c o l o g i a , desenvolvimento regional, etc.
Dado que e s t a s têm muito pouco a ver com as classes subal-
ternas, parece-nos que o c o n c e i t o , d e s s e modo, fica limita
do.

No nosso e n t e n d e r , a noção d e resistência


pode ser e s t e n d i d a para contemplar a luta de classes em
sua dimensão r e g i o n a l . I s t o é possível se observarmos uma
situação concreta como a do Nordeste no período imediata-
mente a n t e r i o r ao golpe de 1 9 6 4 . Naquele momento, no Nor-
deste, a c o r r e l a ç ã o de forças começava- a pender em favor
das forças populares, que marcavam crescentemente sua pre-
sença na cena p o l i t i c a , começando a i n f l u i r em d e c i s õ e s na
46
e s f e r a do p l a n e j a m e n t o . 0 que e s t a v a em j o g o era o que
fazer do E s t a d o , era que d i r e ç ã o utilizã-lo, q u e forças so-
ciais u t i l i z a r i a m o poder e s t a t a l na s o c i e d a d e brasilei-

38
Portanto, o caso c i t a d o , que absolutamente
não é único, autoriza-nos ampliar o conceito de bloco de
resistência, não o limitando ã vontade das classes domlnan
tes. As classes dominadas podem t e r , nele, uma participa-
ção d e c i s i v a na medida que mude a correlação de forças - o
que e bastante coerente com o c o n c e i t o de hegemonia de
Gramsci. Essa extensão do conceito foi f e i t a também, mais
recentemente, por Francisco de O l i v e i r a . Em seminário rea-
lizado em R e c i f e , em 1 9 8 1 , ele observa:
" O que é a r e g i ã o , em que se sustenta agora
esse c o n c e i t o , para que s e r v e , a que f i n a l i d a d e serve? Pa-
ra podermos i r a d i a n t e e recuperar o que está por baixo: a
h i s t ó r i a da r e s i s t ê n c i a popular, a h i s t ó r i a da resistência
das c l a s s e s dominadas, a forma como e l a s redefinem a pró-
pria cultura do explorador."^®
Dado que o bloco de r e s i s t ê n c i a ou bloco re
gional implica o conceito de hegemonia, com os contornos
que l h e a t r i b u i u G r a m s c i , cremos q u e a q u e l a noção abre no-
vas p e r s p e c t i v a s para os estudos d a questão regional.

39
O CAPITAL INCORPORADOR E SEUS MOVIMENTOS DE VALORIZAÇÃO

Martim Oscar Smolka


P r o f e s s o r do PUR/UFRJ

Introdução

Neste texto tentamos demonstrar como o ga-


nho na r e a l i z a ç ã o de empreendimento i m o b i l i á r i o (habita-
cional! se r e l a c i o n a com a formação e transformação de ren-
das fundiárias.
O argumento que apresentamos permite infe-
rir, também, de que forma a dinâmica p r ó p r i a do setor imobl
l i ã r i o se a s s o c i a ã estruturação i n t e r n a da c i d a d e além de
introduzir alguns elos relevantes entre e s t e processo e o
desempenho da economia em sua totalidade. Esta a n á l i s e for-
nece, assim, subsídios importantes a p a r t i r de suas implica
ções para a a v a l i a ç ã o de p o s s í v e i s efeitos de p o l i t i c a s de
controle do uso do solo sobre o desempenho do setor imobili
ãrio.

Primeiramente d i s c u t i r e m o s alguns pontos re-


l a t i v o s ao funcionamento do mercado f u n d i á r i o e que dizem
r e s p e i t o ã r e l a ç ã o entre a formação de rendas fundiárias e
o uso do s o l o , e x t r a i n d o então elementos e s s e n c i a i s ã ca-
r a c t e r i z a ç ã o do c o n c e i t o d e - c a p i t a l incorporador ccmo aque-
le responsável pela o r g a n i z a ç ã o do uso do s o l o , com vistas
ã apropriação de rendas fundiárias na forma de lucros.

A seguir apresentaremos um arcabouço de aná-


l i s e que permite e s t a b e l e c e r as bases da atuação d e s t e s ca-
pitais e os l i m i t e s de seus movimentos de v a l o r i z a ç ã o , iden
tificando-os a seguir, d i a n t e dos outros capitais.
Com base nestas informações estaremos, en-
tão, aptos a d i s c o r r e r sobre o processo a t r a v é s do qual e s t e
capital gera a segregação s o c i a l do espaço e as caracterís-
ticas deste processo.
O preço do terreno

O preço do terreno comporta as seguintes


qualificações: o t e r r e n o é um o b j e t o singular já que seus
atributos ou c a r a c t e r í s t i c a s são normalmente não-repetiti-
vos. Estas c a r a c t e r í s t i c a s podem ser c l a s s i f i c a d a s como:na
turais-clima, fertilidade, por exemplo; criadas ou produzi
das (em g e r a l , associadas ã expressão terra capital) - ter
ras d r e n a d a s , urbanizadas, etc.; acessibilidade em r e l a ç ã o
a outros i t e n s do ambiente construído, o que faz com que,
em q u a l q u e r transação de t e r r e n o s , adquira-se simultanea-
mente um lote com as c a r a c t e r í s t i c a s acima e uma localiza-
çao. Diz-se, então, que a terra c o n s t i t u i meio de produção
n e c e s s á r i o não r e p r o d u z í v e l , em o p o s i ç ã o a outros que são
p r o d u z i d o s como mercadorias industriais, inclusive para a
reprodução da f o r ç a de t r a b a l h o , qaundo utilizada para
fins residenciais, e necessária, no s e n t i d o em que ativida
des econômicas têm endereço c e r t o . Este aspecto é importan
te pois sugere, de i m e d i a t o , que o p r o c e s s o de formação de
preço para t e r r e n o s d i s t i n g u e - s e de outros p r o c e s s o s nos
q u a i s o t r a b a l h o entra como elemento c o n s t i t u t i v o fundamon
tal.

Numa p r i m e i r a aproximação, o preço do terre


no é determinado p e l o poder do p r o p r i e t á r i o em a d m i n i s t r a r
sua e s c a s s e z , bem como pela d i s p o s i ç ã o e c a p a c i d a d e de seu
u s u á r i o em remunerar aquele p r o p r i e t á r i o . A escassez do
terreno é d e t e r m i n a d a , como para q u a l q u e r o u t r o recurso,
como função do e s t o q u e de t e r r a s aproximadamente substitu-
tas d i s p o n í v e i s e, mais i m p o r t a n t e , das n e c e s s i d a d e s ou
usos para que é r e q u e r i d a ou destinada.
U s u á r i o s da t e r r a , por sua v e z , apreciariam
o v a l o r de um t e r r e n o em função das v a n t a g e n s , em termos
o b j e t i v o s monetários (lucros) ou s u b j e t i v o s (utilidade)
que o lote em questão permite r e a l i z a r quando comparado a
outros lotes disponíveis.
No e n t a n t o , o mercado f u n d i á r i o está sujei-

42
to a outros q u a l i f i c a t i v o s importantes. Dentre e l e s , mere-
cem d e s t a q u e , para nossos p r o p ó s i t o s , os seguintes:
- o preço de um lote de terreno é , em larga m e d i d a , deter-
minado externamente a ele, isto é , por a t i v i d a d e s reali-
zadas em outros terrenos e pelas características das ati
vidades que competem por seu uso;
- daí que a cada u t i l i z a ç ã o de terreno alteram-se as ca-
racterísticas de todos os o u t r o s , a f e t a n d o , assim, o pró-
prio preço do lote era q u e s t ã o . Em outras palavras, o
processo de u t i l i z a ç ã o do solo envolve externalidades
q u e , de maneira mais ampla, geram as chamadas sinergias
urbanas;
- o p r o p r i e t á r i o do terreno aufere uma renda d e r i v a d a do
direito c o n t r a t u a l que lhe confere a relação (lnstitucio
n a l ) de propriedade sobre o d i t o lote. No e n t a n t o , ele
é, por assim d i z e r , passivo no que d i z respeito ao con-
trole sobre a base m a t e r i a l necessária ã formação desta
renda.
Esta última s i t u a ç ã o deve ser contraposta
ãquela na qual p r o p r i e t á r i o s , em b l o c o , atuam (ativamente)
de modo a controlar d i r e t a ou i n d i r e t a m e n t e a escassez de
terra como meio de produção, exigindo assim um t r i b u t o ex-
tra sobre qualquer lote independente das vantagens dif^ren
ciais apontadas acima. Daí, a literatura identificar as ren
das oriundas d e s t a última situação como Rendas Diferenci-
ais, e as r e f e r e n t e s à situação d e s c r i t a , como Rendas Abso
lutas.

Com r e s p e i t o a essa c a r a c t e r i z a ç ã o do pre-


ço da t e r r a oomo um t r i b u t o imposto por seus proprietários
49
aos u s u á r i o s , em bloco ou i n d i v i d u a l m e n t e , caberia ain-
da apontar uma o u t r a d i s t i n ç ã o da maior r e l e v â n c i a aos pro
põsitos deste texto: o preço e s t i p u l a d o para que determina
do lote s e j a negociado envolve d o i s componentes referentes
a r e a l i z a ç ã o do v a l o r p o t e n c i a l e ã e x p e c t a t i v a de valori-
zação futura do t e r r e n o . Apesar d e sua não c o e t a n e i d a d e . ve
ri fica-se que e s t e s d o i s componentes podem reforçar-se mu-
tuamente .

43
O valor potencial reflete certas condições
histõrico-institucionais inerentes ao mercado de t e r r a s e
que e s t a b e l e c e m um patamar abaixo do q u a l e l a s não são ne-
gociadas. Assim s e n d o , pretende-se introduzir a idéia da
permanência ou h e r a n ç a de regulamentos, leis, instituições
em g e r a l ou c e r t a s práticas em p a r t i c u l a r , que facultam a
orquestração de interesses dos p r o p r i e t á r i o s fundiários en
quanto c l a s s e (no s e n t i d o de grupo s o c i a l c u j a base mate-
rial localiza-se na p r o p r i e d a d e fundiária como r e l a ç ã o so-
cial) e que são t r a d u z i d o s na forma de preços de monopó-
lio não apenas para lotes e s p e c í f i c o s , mas para qualquer
terreno transacionado. Não se r e f e r e aqui ao poder de mono
póllo conferido pela r e l a ç ã o de p r o p r i e d a d e (privada) so-
bre cada lote em p a r t i c u l a r , nem tampouco às chamadas ren-
das m o n o p o l í s t i c a s advindas da i n t e r c e p t a ç ã o de lucros mo-
nopolísticos em v i r t u d e da s i n g u l a r i d a d e dos atributos do
lote em questão (ex.: lote dotado de e x c e p c i o n a l vista pa-
norâmica), m a s , s i m , ao t r i b u t o conseqüente do c o n t r o l e exer
eido pelos proprietários d e t e r r a sobre sua d i s p o n i b i 1 ida
de e forma de utilização.
Assim, por exemplo, a má d i s t r i b u i ç ã o de
propriedade fundiária no B r a s i l , a l i a d a ã fragilidade dos
mercados financeiros,gerou uma s i t u a ç ã o na qual a terra
tem s i d o p a r t i c u l a r m e n t e privilegiada como r e s e r v a d e va-
lor. Como r e à u l t a d o , o volume de t e r r a s negociadas tem
sido sistematicamente menor do que s e r i a de o u t r a forma,
implicando uma s i t u a ç ã o d e e s c a s s e z absoluta, mesmo que ar
tificial e socialmente criada.51
Em suma, a r e a l i z a ç ã o da v a l o r i z a ç ã o poten-
cial é calcada na c a p a c i d a d e dos p r o p r i e t á r i o s fundiários
em exercerem i n f l u ê n c i a no uso que se dá à t e r r a , atuando
sobre ou r e s t r i n g i n d o o processo de acumulação de capital,
de forma a r e p r o d u z i r a d e p e n d ê n c i a do s e t o r produtivo so-
bre e s t e meio de p r o d u ç ã o . Caso fossem mantidas constantes
e s s a s v a n t a g e n s e a taxa de juros d e s s e preço a correspon-
dência seria: P = R onde P = preço do t e r r e n o e R = renda
fundiária perfazenáo uma anuidade tomada em h o r i z o n t e inf£

44
nito e i = t a x a de juros.
Além d e s t a p o s s i b i l i d a d e de v a l o r i z a ç ã o que
depende das características da p r ó p r i a relação s o c i a l esta
belecida pela propriedade fundiária, há:que se considerar,
também, a v a l o r i z a ç ã o d e c o r r e n t e da i n t e r t e m p o r a l i d a d e das
condições que determinam o preço pelo q u a l terrenos s i o ne
gociados a cada momento - i n c l u s i v e aquelas d e f i n i d a s aci-
ma, sobre a r e a l i z a ç ã o do valor potencial.
Reoordemos que o preço de um terreno será
dado pelo v a l o r presente de uma a n u i d a d e e q u i v a l e n t e ao
fluxo de rendas que se espera que t a l t e r r e n o possa gerar,
devidamente descontado p e l a taxa de j u r o s prevalecente.
Dizíamos,no i n í c i o d e s t a s e ç ã o , que exceto
pelas reservas apontadas anteriormente, o preço de determl
nado terreno corresponde, grosso modo, ao d i f e r e n c i a l das
vantagens proporcionadas pelo uso d e s t e terreno sobre os
demais. No e n t a n t o , estas vantagens ocorrem e se modificam
ao longo do tempo.
Tem-se q u e , ao menos no contexto d i t o urba-
no, o espaço g e o g r á f i c o é o locus de s u b s t a n c i a i s imobili-
zações financeiras na forma de c a p i t a l f i x o de longa dura-
ção e compõe o que se i d e n t i f i c a como o ambiente construí-
do para a produção e o consumo. A rigor, o ambiente cons-
truído envolve não apenas as e d i f i c a ç õ e s privadas (residên
cias, plantas industriais, etc.) mas também, e principal-
mente, todos aqueles itens referidos como de infra-estrutu
ra, a exemplo de ruas p a v i m e n t a d a s , rede d e s e r v i ç o s públi
cos, áreas de l a z e r , etc. Enfim .meios d e produção e de con
sumo c o l e t i v o normalmente providos pelo Estado.
Daí se i n f e r e que o s o l o urbano permanece
cativo de seu uso por longo período de tempo, e com isso
ficam interrompidas as p o s s i b i l i d a d e s de renegociá-lo. Re-
cordem-se as c o n s i d e r a ç õ e s iniciais sobre determinação do
preço do terreno a p a r t i r de condições externas ao lote e
fora do controle do p r o p r i e t á r i o d e s t e lote.
Evidentemente, esse período de aprisionamen
to do solo dependerá da relação e n t r e o v a l o r depreciado

45
do c a p i t a l fixo ali i n s t a l a d o e aquele do c a p i t a l a se ins
talar. No e n t a n t o , essa d e s v a l o r i z a ç ã o não depende apenas
das características f í s i c a s daquele capital, mas sobretudo
das novas o p o r t u n i d a d e s de uso para aquele terreno, ou se-
ja, da r e n t a b i l i d a d e esperada nestes novos investimentos.
Assim, nada deve impedir que a perspectiva
de: a) m o d i f i c a ç õ e s futuras no mapa de acessibilidade favo
rãveis a determinado lote, b) de maior necessidade de ter-
ras d e c o r r e n t e s de uma aceleração dos negócios na indús-
t r i a de construção civil, ou c) uma queda e s p e r a d a na taxa
de j u r o s faça com que o p r o p r i e t á r i o somente negocie este
terreno a preço mais e l e v a d o do que aquele que s e r i a cor-
respondente caso permanecessem as condições a t u a i s das va-
r i á v e i s mencionadas há p o u c o .
Tudo i s t o s u g e r e , em suma, que o preço do
terreno é determinado, em larga m e d i d a , pelas condições de
produção do ambiente construído e , em e s p e c i a l , pelo preço
dos imóveis. Parafraseando a máxima H i c a r d i a n a , dir-se-ia
que os preços dos terrenos são a l t o s porque os preços dos
imóveis são a l t o s , e não o i n v e r s o oomo a i n d a pretendem
certos analistas.
No e n t a n t o , as m o d i f i c a ç õ e s no ambiente
construído (produzidas pelos investimentos públicos e pri-
vados) envolvem s i g n i f i c a t i v a s externalidades que implicam
oontinuas alterações naqueles atributos, q u e , combi nados, de
finem as chamadas vantagens locacionais de cada lote urba-

Diante deste cenário, emerge a possibl 1 ida-


de de se c o n t r o l a r o processo de v a l o r i z a ç ã o fundiária su-
bordinando-o às a p l i c a ç õ e s de capital na mudança de uso do
solo urbano. J á que o c a p i t a l privado é ao menos parcial-
mente r e s p o n s á v e l p e l a o r g a n i z a ç ã o do espaço urbano, seria
lógico admitir que, paulatinamente, este venha a recaptu-
r a r , a o menos,parte daqueles benefícios que seriam apropria
dos pelo p r o p r i e t á r i o da terra.
Contudo, deve-se f r i s a r que e s t a possibili-
dade não se a p l i c a de forma g e n e r a l i z a d a , mas apenas pode

46
se apresentar como t a l em condições histórico - institucio-
nais r e a i s como aquelas insinuadas acima, referentes ao re
conhecimento l e g a l e ã regulação da f i g u r a do inoorporador
com a criação do SFH.
Feita a ressalva, passemos a elucidar estas
condições que viabilizam a v a l o r i z a ç ã o p e l a incorporação i
mobiliária.

O capital incorporador

Para a a n á l i s e de como se processa a imbri-


cação de ganhos imobiliários aos ganhos fundiários seria
conveniente i n t r o d u z i r o conceito de c a p i t a l inoorporador.
Entendemos o c a p i t a l inoorporador como aqte
le que desenvolve o espaío geográfico o r g a n i z a n d o os invés
timentos privados no ambiente construído, em e s p e c i a l aque-
les d e s t i n a d o s à produção de habitações . Lamarche desenvolve
noção sanelhante sugerindo que este c a p i t a l desempenha papel com
respeito às p r o p r i e d a d e s imobiliárias análogo àquele reali
zado p e l o capital comercial no tocante a bens imóveis.^

Tipicamente, para a r e a l i z a ç ã o de empreendi


mentos imobiliários, são e n v o l v i d o s desde a compra ou aqui
s i ç ã o de d i r e i t o s sobre os terrenos até a oontratação de
consultoras e planejadoras, edificadoras, agentes financei
ros para as d i v e r s a s fases do p r o j e t o e agentes responsá-
veis p e l a comercialização f i n a l de imóveis (promotores de
vendas , e t c . ) .

Na p r á t i c a , muitas d e s t a s etapas ou agentes


podem ser mesclados numa mesma unidade de c a p i t a l ; não obs
tante, para e f e i t o de a n á l i s e , é conveniente pensá-los co-
mo s e r v i ç o s prestados a terceiros.
Assim, o capital inoorporador é d e f i n i d o co
mo aquela fração do c a p i t a l que se v a l o r i z a pela articula-
ção d e s t e s d i v e r s o s serviços contratados. Alternativamen-
te, poder-se-ia conceber t a l capital oomo o que adquire
terreno com a f i n a l i d a d e de v a l o r i z á - l o na a l t e r a ç ã o de
seu uso, ou s e j a , c a p i t a l que i n v e s t e nas bases em que ren
das fundiárias são formadas. Argumenta-se, então, que o li

47
mite de v a l o r i z a ç ã o realizável pelo capital inoorporador
será dado p e l a sua capacidade em se o r g a n i z a r para c r i a r e
capturar rendas fundiárias e, como serã v i s t o abaixo, aque
las rend.?s que eram r e a l i z a d a s anteriormente por tercei-
ros. Por v e z e s , quando o p r o p r i e t á r i o simplesmente troca
seu terreno a favor de d i r e i t o s sobre o r e s u l t a d o do empre
endimento i m o b i l i á r i o , o incorporador não n e c e s s i t a sequer
dispender qualquer recurso financeiro pelo controle de seu
uso.
Esta capacidade serã francamente ampliada
na medida que o c a p i t a l incorporador p o s s a ainda contar
oom o suporte de sistema financeiro bem d e s e n v o l v i d o , bem
como certas articulações com o Estado em suas inversões no
ambiente construído.
Para facilitar a a n á l i s e dos movimentos do
capital inoorporador,seria conveniente d i s t i n g u i r os se-
g u i n t e s momentos de v a l o r i z a ç ã o imobiliária, que são obje-
to de atuação:
I - alteração no preço do t e r r e n o e n t r e aquele referente
ã sua a q u i s i ç ã o o r i g i n a l e o preço p e l o q u a l este
foi negociado ao novo u s u á r i o , isto é, o incorpora-
dor;
II - v a l o r i z a ç ã o r e a l i z a d a pelo inoorporador ao alterar
os a t r i b u t o s do t e r r e n o em q u e s t ã o , isto é , ao ree-
quipá-lo;
III - variações no preço r e f e r e n t e s a modificações na es-
trutura e s p a c i a l do ambiente construído onde se inse
re o t e r r e n o , c a p t a d a na forma do momento I em perío-
do d i s t a n t e no futuro.
E s t a decomposição de processo d e valoriza-
ção i m o b i l i á r i a permite perceber as condições que não ape-
nas suportam a penetração do c a p i t a l i n c o r p o r a d o r , enquanto
fração e s p e c í f i c a do c a p i t a l (no momento I I ) , como também
sua contínua expansão realizada nos extremos I e III acima
(ma/imento de expansão e x t e n s i v a ) . Há q u e se c o n s i d e r a r , tam
bem, as p o s s i b i l i d a d e s do c a p i t a l expandir seu espaço de
atuação a p a r t i r de oontrole sobre as bases em que rendas

48
fundiárias são a l t e r a d a s , isto é , do processo de criação
de é x t e r n a l i d a d e s .que sejam internaíizãveis (privatizá-
veis) de forma cada vez mais i n t e g r a l (movimento de expan-
são intensiva).
Assim, entende-se a atuação do c a p i t a l in-
corporador oomo aquele que se v a l o r i z a (e se expande) ao
tentar assumir o controle do processo pelo q u a l rendas fun
diárias são c r i a d a s e apropriadas. No e n t a n t o , para sua vi
abilização nestes termos, o c a p i t a l incorporador deve assu
mir esse processo de forma contraditória.
Por um l a d o , t a l v a l o r i z a ç ã o depende de sua
capacidade em minar o poder dos p r o p r i e t á r i o s em adquirir
rendas fundiárias - o que implica i n v e s t i r contra a i n s t i -
tuição da propriedade privada fundiária. Isso significa,
concretamente, r e d u z i r o preço da t e r r a r e a l i z á v e l no mo-
mento I e a n t e c i p a r a valorização realizável no momento
III.

Ao mesmo tempo ,o c a p i t a l inoorporador deve


expandir sua capacidade de v a l o r i z a r a t e r r a - momento II
- que e n v o l v e , pelas razões que j á serão e x p o s t a s , a defe-
sa das gairantias do pleno gozo dos d i r e i t o s contratuais ex
clusivos sobre o uso da terra.
A t i t u l o de i l u s t r a ç ã o , referimos o leitor
ao e d i t a l A nação, s u b s c r i t o p e l a s empresas do s e t o r imobl^
liãrio, que expõe claramente e s s a contradição ao advogar
medidas que favoreçam uma b a i x a nos preços de t e r r e n o s , su
gerindo mesmo d e s a p r o p r i a ç õ e s pelo Estado, ao mesmo tempo
que reafirmam que " s ã o de competência e x c l u s i v a das empre-
sas p a r t i c u l a r e s as a t i v i d a d e s de loteamento de t e r r a s , in
corporação...", etc. Ver J o r n a l do b r a s i l de 2 5 / 0 5 / 7 9 , em
especial itens 3.7 e 4.2. V e r , também, as d i s c u s s õ e s ou opi-
niões publicadas nas r e v i s t a s e s p e c i a l i z a d a s (ex. : Revista
ADEMI) d e s t i n a d a s à classe e m p r e s a r i a l imobiliária, que ma
rifestam sua oposição à separação e n t r e d i r e i t o de proprie
dade e de uso apregoada pelos proponentes d a legislação so
bre o " s o l o criado".

49
- Momento II

Tem-se, então, s o b r e o momento I, as insti-


tuições que, paulatinamente, dificultam a realização da
atividade de incorporação de forma atomizada ou acessível
a qualquer indivíduo; isto é, que impedem q u e o proprietá-
r i o de d e t e r m i n a d o lote assuma o comando s o b r e o processo
de t r a n s f o r m a ç ã o de uso de s u a t e r r a , realizando aquela va
lorização relativa ao momento II.

O aparato institucional ^ue incide sobre as


qualificações requeridas a proponentes incorporadores vão
desde regulamentos jurídioos até e x i g ê n c i a s quanto ao ta-
manho mínimo do e m p r e e n d i m e n t o , bem como a q u e l e s dispositi
vos que estimulam a organização e concentração desta ativi
dade em u n i d a d e s definidas de c a p i t a l - examine-se, por e-
xemplo, os m e c a n i s m o s formais e informais embutidos nas
normas que regera a c o n c e s s ã o de financiamento às imobiliá-
rias. Enfim, todas aquelas instituições que suportam a es-
pecialização da atividade incorporadora como t a l e com is-
s o o monopsonismo de m e r c a d o de terras em f a v o r daqueles
que podem alterar seu valor de uso.
Além d e s t a s , acrescente-se também as medi-
das d e s t i n a d a s a corroer as p o s s i b i l i d a d e s de realização
da valorização potencial, facilitando, assim, a penetração
capitalista nos negócios imobiliários. Ou s e j a , medidas co
mo a t r i b u t a ç ã o progressiva sobre lotes vazios, voltadas
para a transferência ou alienação do controle sobre a dis-
ponibilidade e forma de utilização da terra daqueles pro-
prietários que se beneficiam da terra parasitariamente, pa
ra aqueles que a empregam oomo meio d e p r o d u ç ã o , isto é,
que beneficiam a terra.

- Mome nto III

A valorização no momento I I será tratada


adiante. Quanto ao momento I I I , tais antecipações de valor
requerem a agilização do s i s t e m a de crédito de modo a não

50
só p e r m i t i r a r á p i d a recuperação (circulação) do capital
avançado, oomo g a r a n t i r a l i q u i d e z daquelas valorizações
realizáveis no f u t u r o . Vale d i z e r , para j u s t i f i c a r que o
comprador de um imóvel se disponha a adiantar hoje ao in-
oorporador parte d a v a l o r i z a ç ã o esperada e r e a l i z á v e l no
futuro, que é n e c e s s á r i o convencê-lo de que a q u a l q u e r ins
tante e s t e inoorporador poderá, ao menos, recuperar o cus-
to de o p o r t u n i d a d e d e sua aplicação financeira, o que im-
plica tornar l i q u i d o o t i t u l o de p r o p r i e d a d e do imóvel.
Dir-se-ia, alternativamente, que ao comer-
cializar um i m ó v e l , a incorporadora não e s t á apenas venden-
do um a t i v o fixo, mas, também, negociando o d i r e i t o flue
h a b i l i t a o rovo p r o p r i e t á r i o a especular. Para que o indi-
víduo p o s s a se candidatar a especular no mercado imobiliá-
rio,deve antes p a s s a r p e l a incorporadora. Obtém-se, assim,
a condição de s u f i c i ê n c i a para que a inoorporadora imponha
uma t a x a e q u i v a l e n t e a p a r c e l a dos ganhos que h a b i l i t a seu
cliente a realizar no f u t u r o . Esta observação sugere de
imediato que a p r ó p r i a e x p e c t a t i v a sobre o mercado imobi-
liário é um fator d e v a l o r i z a ç ã o .6, com. i s t o , introduz fon-
te de instabilidade potencial neste mercado, dado o cará-
ter cumulativo d e s t a s reações.

No e n t a n t o , para r e a l i z a r tais ganhos . e x i g e


se ainda oomo condição d e n e o e s s i d a d e , a atuação das inoor-
poradoras sobre a e s t r u t u r a de seu mercado, ou s e j a , modi-
ficações nos fatores s u b j e t i v o s da demanda.
Inclui-se a q u i , não apenas imposições sobre
novos e s t i l o s de morar, isto é, na p r ó p r i a e n g e n h a r i a do
produto, mas, principalmente, aqueles artifícios que trans
formam aos olhos do comprador a oompra do imóvel era inves-
timento .
O o b j e t o de negociação que e r a , por assim
dizer, o v a l o r de uso do imóvel, passa a s e r seu v a l o r de
troca, desviando, assim, a atenção sobre o n í v e l do preço
em favor d a v a l o r i z a ç ã o e s p e r a d a para t a l imóvel, quer di-
zer, a variação futura d e seu p r e ç o . Isto é facilmente de-
preendido do apelo da propaganda imobiliária.

51
- Momento II

Finalmente, a realização de valorização re-


ferida no momento II envolve, fundamentalmente, a altera-
ção d o uso e c r i a ç ã o de s o l o e a apropriação das rendas
fundiárias conseqüentes. Penetramos aqui em d i s c u s s ã o re-
conhecida polêmica sobre a propriedade o u não de se lançar
mão do conceito de r e n d a s fundiárias em e s p e c i a l , rendas
diferenciais criadas para e x p l i c a r lucros sobre capital.
A rigor,o o o n o e i t o de rendas diferenciais
diz respeito ã p a r c e l a do e x c e s s o de lucros que determina-
da unidade de c a p i t a l deve repassar ao p r o p r i e t á r i o daque-
l a t e r r a de oixle obtém vantagem na p r o d u ç ã o s o b r e os de-
mais capitais, isto ê, onde o p r e ç o d e produção é mais bai
xo .
Mas, no p r e s e n t e caso, o o b j e t o de atuação
do capital incorporador, isto é , a mercadoria produzida, é
exatamente a expansão e intensificação das condições sob
as q u a i s incidem rendas fundiárias. Ou s e j a , lucros provêm
apenas da parcela criada Je rendas diferenciais. Porém,
tais lucros não devem ser confundidos com as chamadas Ren-
das Diferenciais II, onde se aplica a diferenças de produ-
tividade conseqüentes d a v a r i a ç ã o de d o s a g e n s de capital
sobre a terra. Estas rendas incidem, agora, sobre as dife-
renças nas corídições de c r i a ç ã o de r e n d a s abertas ao capi-
tal incorporador, em d i f e r e n t e s lotes urbanos. Contudo, is
to não impede que a apropriação de R e n d a s D i f e r e n c i a i s II
esteja, também, sujeita ás atenuantes referidas r>o momento
5 3
I.

Vejamos como Se d á cada um d e s t e s prooes-


sos .
a) A c r i a ç ã o de rendas
Como j ã foi dito, cada m o d i f i c a ç ã o no uso
do s o l o altera t o d o o mapa de aoess i b i l i d a d e , bem como a
possibilidade para o capital assumir o controle deste pro-
cesso, internalizando ou privatizando as conseqüentes ex-
ternalldades que e r a m , anteriormente, convertidas direta-

52
mente em rendas fundiárias.
Isso é evidenciado, mais claramente, nos
chamados empreeendimentos integrados, que ocrabinam r e s i d ê n
cias com áreas de lazer, centros comerciais, ou mesmo com
benfeitorias públicas não e x i s t e n t e s antes de r e a l i z a d a a
incorporação. T a i s empreendimentos requerem, obviamente,
maiores imobilizações l o c a l i z a d a s de capital fixo, o que
somente é v i á v e l ao grande capital inoorporador. Este capl
t a l pode ser a r t i c u l a d o diretamente ao Estado d e forma a
g a r a n t i r o atendimento imediato do oonseqBente aumento lo-
c a l i z a d o da demanda por s e r v i ç o s p ú b l i o o s - a exemplo de
empreendimentos como Nova Ipanema na Barra d a T i j u c a , em to
ra a incorporação da enseada de I t a i p u j ã se i n s i n u e coroo
e x p e r i ê n c i a de urbanização i n t e g r a l pelo capital privado,
d i s p e n s a n d o o Estado da provisão de vários serviços.

As rendas c r i a d a s , v i a esse processo de alte


ração no uso do solo de forma não a n t e c i p a d a pelo proprie-
tário o r i g i n a l do terreno .poderiam ser i d e n t i f i c a d a s como
54
ganhos de fundador..
A generalização deste processo, oomo vere-
mos mais adiante, introduz elementos que afetam não só a
organização, oomo também as p r ó p r i a s p o s s i b i l i d a d e s de ex-
pansão do c a p i t a l inoorporador como um t o d o .
b) A ampliação da base de i n c i d ê n c i a das
rendas
Além das p o s s i b i l i d a d e s de v a l o r i z a ç ã o a
p a r t i r da alteração das condições que facultam a apropria-
ção de rendas fundiãrias, hã que se c o n s i d e r a r também a ca
pacidade do c a p i t a l inoorporador em a m p l i a r o número de u-
suãrios sobre os q u a i s incidem t a i s rendas.
Trata-se aqui de criação d e vantagens loca-
lizadas, pertinentes não propriamente a d i f e r e n ç a s de pro-
dutividade na produção de m o r a d i a s , mas sim ás condições
de criação do s o l o de c a r a c t e r í s t i c a s d a d a s , oomo a a c e s s l
2 - -""*
b i l i d a d e . O custo de produção do m de área construída não
v a r i a muito entre l o c a l i d a d e s , e x c e t o p e l a s d i f e r e n ç a s de

53
custo atribuídas a topografia e / o u qualidade do s o l o que
afetara as fundações. Vale d i z e r : a a t i v i d a d e de incorpora-
ção age também sobre a m u l t i p l i c a ç ã o da área de um lote de
t a l maneira que o montante pago por e l e s e j a maior do jue
o pago o r i g i n a l m e n t e , isto ê , no momento I . Note-se que pa
ra i s t o , b a s t a que a oota de terreno para cada condomínio
s e j a maior q u e ' o preço do terreno d i v i d i d o pelo número de
condôminos. A r e a l i z a ç ã o de t a i s ganhos dependerá de sua
habilidade em atuar sobre os parâmetros subjetivos do con-
sumidor (suas p r e f e r ê n c i a s ) de forma a homogeneizar o pro-
duto, tornando aos olhos do consumidor igualmente atraen-
tes formas q u a l i t a t i v a m e n t e d i s t i n t a s de morar. Sendo as-
sim, a d i f e r e n ç a entre um imóvel l o c a l i z a d o no l o t e A e
aquele no lote B fica inteiramente determinada pelas ca-
racterísticas que incidem nas rendas fundiárias. Isto é
análogo a um melhoramento ou inovação de produto destinado
a atender mais aos q u e s i t o s t é c n i c o s da produção do que no
consumidor propriamente dito.
Isso poderia sugerir a realização de rendas
moropolí s t i c a s , na m e d i d a que se r e f e r e ao sobrepreço que
o consumidor s e r i a compelido a pagar pelo d i r e i t o de morar
ou u s u f r u i r das vantagens o f e r e c i d a s num lote específico
em r e l a ç ã o a outro de " p i o r q u a l i d a d e " . No e n t a n t o , do pon
to de v i s t a do c a p i t a l incorporador a atenção recai, de fa
to, sobre as d i f e r e n ç a s nas condições em que o solo é cria
do, isto é , a área a ser amplificada. Ao c a p i t a l incorpora
dor interessa apenas a densidade habitacional que pode sor
r e a l i z a d a em cada localidade.
Nestes termos, dir-se-ia que rendas pode-
riam ser apropriadas sempre que o preço de produção de de-
terminado imóvel e s t e j a abaixo daquel-e p r o d u z i d o em condi-
ções d i t a s m a r g i n a i s . Ou s e j a , aquelas rendas dadas por in
corporações realizadas era lotes de v a l o r o r i g i n a l equiva-
l e n t e , mas onde o fator de m u l t i p l i c a ç ã o da área tenha si-
do menor. Bn o u t r a s palavras, trata-se de condições defini
das em dado momento h i s t ó r i c o e que espelham o caráter se-
q ü e n c i a l da ocupação do s o l o . Estas condições m a r g i n a i s di

54
zem r e s p e i t o a cada t i p o d e incorporação e , mais importan-
te, elas se referem de fato às mudanças nas condições niéi-
d i a s de produção que variam no tempo.
Ao mesmo tempo, fica claro que o processo
de v a l o r i z a ç ã o exposto acima depende d a atuação do capital
incorporador sobre a e s t r u t u r a do mercado i m o b i l i á r i o , is-
to é , de sua capacidade em: "inovar" em empreendimentos 1-
mobiliãrios, c r i a n d o os mais v a r i a d o s a r t i f í c i o s que supôs
tamente compensem o comprador, pelos custos de adensamen-
to, oomo a i n c l u s ã o de p i s c i n a s , s a l õ e s de festa, etc.;
a g i l i z a r o s i s t e m a de comercialização de forma a recuperar
esses benefícios enquanto ainda permaneça o ineditismo dos
empreendimentos; impedir o repasse d e s t e s ganhos aos pro-
prietários fundiários, o que i m p l i c a atuar novamente no mo
mento I ; e .obviamente . m o b i l i z a r o Estado para que este a-
companhe seus empreendimentos imobiliários com provisão
dos neoessãrios serviços públioos.
D e s t a a n á l i s e depreende-se que os movimen-
tos do c a p i t a l incorporador modificam suas p r ó p r i a s condi-
ções de reprodução na medida da n e c e s s i d a d e e irreversibi-
l i d a d e de oontínuas mudanças na forma de ocupação (inoorpo
ração) do solo urbano, q u e , como se s u g e r i u , ê imposta pe-
las conseqüentes a t u a l i z a ç õ e s do preço dos terrenos adja-
centes ou próximos a cada empreendimento.
Além d i s t o , o s movimentos do c a p i t a l inoorpo
rador estabelecem também seus próprios limites de expan-
são, na medida que este c a p i t a l se impõe na m a t r i z de es-
truturação urbana p e l a d i f e r e n c i a ç ã o do e s p a ç o , gerando
rendas d i f e r e n c i a i s onde antes não h a v i a , ou pela homoge-
neização do e s p a ç o , quando atua nas condições marginais ou
na p e r i f e r i a , reduzindo aquelas diferenças.
No e n t a n t o , é importante o b s e r v a r que áreas
periféricas não s ã o , necessariamente, as áreas d e baixa
renda, mas simplesmente áreas ainda não d e s e n v o l v i d a s (ocu
padas, oomo por exemplo a Barra da T i j u c a o u Bala de Ital-
pu). Na medida que e s t a s áreas são o o n v e r t i d a s em v e r d a d e i
ras alternativas às áreas já c o n g e s t i o n a d a s , tais projetos

55
de fato afetam as rendas d i f e r e n c i a i s , de forma semelhante
àquelas apresentadas por Marx em sua c r í t i c a a Ricardo, on
de i n v e s t i m e n t o s em melhorias favoráveis às t e r r a s de pior
qualidade reduzem todo o g r a d i e n t e de rendas (fundiárias).
Concluindo, valeria notar q u e , embora a anã
lise acima tenha s i d o conduzida de forma fragmentada, os
v á r i o s esquemas de v a l o r i z a ç ã o imobiliária considerados
não apenas se complementam mas, sobretudo, se e x p l i c a m mu-
tuamente, oonjugando-se num único processo.

A natureza do ganho i m o b i l i á r i o e sua meta-


mor fose

Na seção precedente discorremos sobre os mo


vimentos de v a l o r i z a ç ã o do c a p i t a l inoorpor a d o r , demons-
trando como o ganho i m o b i l i á r i o se a s s o c i a às bases em que
se formam e transformam os preços fundiários. 0 capital in
oorporador foi apresentado oomo aquele c a p i t a l que reorga-
n i z a o uso do solo urbano com v i s t a s à apropriação na for-
ma de lucros o u j u r o s , de mais v a l i a q u e , de outro modo,
a p a r e c e r i a sob a forma de rendas fundiárias.
Em d i f e r e n t e s momentos ao longo d e s t a anãli
se, insinuou-se, contudo, que na operação propriamente di-
t a de v a l o r i z a ç ã o p e l a incorporação . d i f e r e n t e s mecanismos
são a c i o n a d o s . Ou s e j a , no processo p e l o qual as rendas
fundiárias são apropriadas na forma de lucros ou juros,
nos momentos I, II e III são e n v o l v i d a s operações de natu-
reza industrial, financeira, oomercial, etc. Isto sugere
que, muito embora os l i m i t e s de v a l o r i z a ç ã o sejam dados pe
lo d i f e r e n c i a l entre as bases nocionais ex ante e e x post,
em que incidem as rendas f u n d i á r i a s , .a n a t u r e z a do ganho
em si não é necessariamente fundiária.
Em suma, as d i f e r e n t e s frações do capital
que concorrem ou n ã o , a r t i c u l a d a s na r e a l i z a ç ã o de um empre
endimento imobiliário, contribuem d i f e r e n c i a d a m e n t e na con
secução de lucros de incorporação de acordo com a n a t u r e z a
do empreendimento e da conjuntura v i g e n t e . O importante.

56
contudo, é que e s t a s d i f e r e n t e s m o d a l i d a d e s de g a n h o s , as-
sociadas ao processo de v a l o r i z a ç ã o d e s t e s d i f e r e n t e s capi
tais envolvidos, não se r e a l i z a r i a m isoladamente, mas tão
somente na operação i m o b i l i á r i a como um t o d o . Isto faz com
que no rateio de ganhos d e c o r r e n t e s d a r e a l i z a ç ã o de um em
preendimento i m o b i l i á r i o , ocorra, em g e r a l , uma c e r t a meta
morfose destes ganhos. Daí porque, na p r á t i c a , é tão difí-
cil se obter informações a p a r t i r de fontes indiretas so-
bre os lucros das operações imobiliárias •
Ê a e s t a última questão que nos dirigimos
agora. Mas antes d i s t o , caberá j u s t i f i c a r sua importância
para os propósitos deste e s t u d o , afirmando que ura adequado
disoernimento sobre a n a t u r e z a do ganho que p r e v a l e c e na
r e a l i z a ç ã o de d i f e r e n t e s operações imobiliárias é fundamen
tal para a v a l i a r os p o s s í v e i s e f e i t o s d a implementação de
diferentes instrumentos de p o l i t i c a urbana e habitacional.
Para isto, reexaminemos as c a r a c t e r í s t i c a s das operações
realizadas nos três momentos de v a l o r i z a ç ã o d i s c u t i d o s ha
pouco.

No momento I , observamos que toda aquela pa


rafernãlia i n s t i t u c i o n a l que regulamenta a a t i v i d a d e de in
corporação implica, a rigor, a redução não da demanda por
terrenos, mas do t i p o de demandantes p o t e n c i a i s . Em o u t r a s
palavras, tais dispositivos institucionais implicam a prá-
tica na monopsonização do mercado de terrenos edificáveis.
Daí porque se o b s e r v a , freqüentemente, que embora s e j a ava
l i a d o por X, dado terreno não a t i n g e mais que um preço Y
(para Y s u f i c i e n t e m e n t e inferior a X) no mercado. O valor
de X , d e f a t o . r e f l e t e o uso que é dado aos t e r r e n o s , e por-
tanto corresponde ao v a l o r que pode ser imputado na forma-
ção do preço do empreendimento que nele se r e a l i z a . Isto
significa que a diferença entre X e Y oonstitui-se, a ri-
gor, em rendas fundiárias transferidas do p r o p r i e t á r i o ao
incorporador. Portanto, este ganho de incorporação é emi-
nentemente fundiário, e depende e s s e n c i a l m e n t e dos disposi
tlvos legais impostos sobre p o t e n c i a i s demandantes.

57
Interessa observar ainda sobre este ponto
que o poder r e l a t i v o de barganha entre p r o p r i e t á r i o e in-
corporador poderá favorecer o primeiro, sempre que aumenta
a procura de t e r r e n o s para fins especulativos ou como re-
s e r v a de v a l o r . Este ponto s e r á retomado quando discutir-
mos o movimento d e s t e s preços ao longo do c i c l o imobiliá-
rio. De q u a l q u e r ' f o r m a , o importante a reter aqui é que a
realização deste ganho de incorporação de natureza fundiá-
ria está condicionada à c o n j u n t u r a do mercado.
Consideremos agora o momento I I d a valoriza
cão q u e , conforme d i s c u t i d o , decorre:
- d a criação d e r e n d a s quando e x t e r n a l i d a d e s geradas pelo
empreendimento são internalizãveis, apresentando-se as-
sim como uma e s p é c i e de renda de fundador;
- da ampliação das b a s e s de i n c i d ê n c i a d a renda fundiária
quando novos modos de h a b i t a ç ã o / m o r a d i a s formados pelo
capital inoorporador se apresentam como igualmente acei-
táveis aos o l h o s do mutuário, apesar de corresponderem a
padrões bem mais i n t e n s i v o s de d e n s i d a d e o c u p a c i o n a l do
solo, o jue é o b t i d o a p a r t i r de m o d i f i c a ç õ e s no produ-
to, de artifícios mercadológicos, etc.
A c r i a ç ã o de e x t e r n a l i d a d e s internalizáveis
num empeendimento imobiliário está associada, por sua vez,
ã combinação de atributos compreendidos no empreendimento,
algo que depende d a sua e s c a l a . E s t a pode s e r melhor enten
d i d a se r e p o r t a d a , analogicamente, ao teorema de A . Smith,
segundo o }ual a d i v i s ã o de t r a b a l h o depende do tamanho do
mercado.
Neste sentido, os ganhos imobiliários podem
ser decompostos em: ganhos o r i u n d o s da economia de escala
que se apresentam n a forma de ganhos industriais (de produ
tividade na e d i f i c a ç ã o ) - r e d u ç ã o de custos de m a t e r i a i s pe-
lo volume de oompra, e de custos de administração de pes-
soal, padronização de prédios, e t c . - o u d e ganhos financei-
ros, caso se r e d u z a o volume de r e c u r s o s necessários a ser
mobilizado por u n i d a d e habitacional; e ganhos de incorpora
ção propriamente d i t a , na medida da o r q u e s t r a ç ã o em si dos

58
a t r i b u t o s do empreendimento (ex. : plano urbanístico inter-
no de um grande condomínio).
J á o segundo item (ampliação das bases...)
está claramente associado ã r e a l i z a ç ã o de ganhos de nature
za m e r c a n t i l , na medida q u e , apoiado em estratégias d e mar
keting, i d e n t i f i c a - s e o produto certo para o segmento cer-
to d e mercado. V a l e d i z e r que, ao e s t a b e l e c e r o mercado pa
ra o jual o produto c i r c u l a mais facilmente o u , inversamen
te, o produto que melhor c i r c u l a em dado mercado, realiza-
se e s s e n c i a l m e n t e uma operação de v a l o r i z a ç ã o mercantil.
Finalmente, no que d i z respeito ao momento
III, a operação é eminentemente financeira. A aquisição de
p r o p r i e d a d e do imóvel transformada em financeiro com valo-
rização futura esperada envolve uma taxa ou sobrepreço oro
porcional à q u a l i d a d e d e s t e papel financeiro.
Na p r á t i c a , i s t o s i g n i f i c a que uma e x p e c t a -
tiva futura de v a l o r i z a ç ã o i m o b i l i á r i a é r e f l e t i d a no pre-
ço em que o imóvel é negociado atualmente.
Por outro l a d o , o sistema de financiamento
ã habitação é altamente segmentado, o que s i g n i f i c a íue
nem todos os t i p o s de imóveis negociados no mercado dis-
põem do mesmo volume de c r é d i t o a cada períodô ou tem o
crédito oferecido em condições idênticas. Isto faz com que
dois imóveis e q u i v a l e n t e s possam ser negociados a preços
marcadamente d i s t i n t o s . Se em determinada conjuntura o cré
dito é e s c a s s o ou d i f í c i l , o p r o p r i e t á r i o daquele imóvel,
para o q u a l e x i s t a financiamento estará em condições d e lm
por um sobrepreço correspondente ao " c u s t o d e oportunida-
de de acesso ao f i n a n c i a m e n t o " . Caso as t a x a s de juros re-
ais pudessem f l u t u a r de acordo com o mercado, e caso os fi
nanei amentos não fossem a t r e l a d o s aos i m ó v e i s , estes sobre
preços tenderiam, obviamente, a desaparecer.

Em suma, a valorização i m o b i l i á r i a da mar-


gem a que se r e a l i z e m operações d e v a l o r i z a ç ã o financeira,
envolvendo a remuneração de juros por rendas fundiárias.
Desta análise é lícito i n f e r i r que o ganho
imobiliário pode assumir formas m ú l t i p l a s e variadas. Exls

59
tem d i f e r e n t e s operações de v a l o r i z a ç ã o associadas ã reali
zação de empreendimentos imobiliários.
É f ã c i l perceber que em cada modalidade de
operações realizadas - e conseqüentemente do ganho imobili
ário - existem implicações bem d i s t i n t a s no que tanoe ã ar
t i c u l a ç ã o entre, os preços imobiliários e a dinâmica pró-
pria do s e t o r , e ao uso do solo.
Mais do que i s t o , e aqui a h i p ó t e s e que nos
interessa, admite-se que forças sistemáticas endógenas ao
setor e fatores estruturais (exógenos) devem, em larga me-
dida, c o n d i c i o n a r ou mesmo determinar que, em d i f e r e n t e s perí
odos, e s t a ou aquela modalidade d e ganho i m o b i l i á r i o deva
prevalecer. A rigor, a dinâmica do chamado circuito imobi-
liário urbano, com todas as suas implicações para a estru-
turação i n t r a - u r b a n a , constitui-se, exatamente, de trans-
formações induzidas no tempo e que são d e c o r r e n t e s da dia-
lética (na f a l t a de melhor e x p r e s s ã o ) estabelecida entre
os comportamentos individuais estruturalmente condiciona-
dos e a p r ó p r i a e s t r u t u r a conformada a p a r t i r dos efeitos
conjuntos (ou agregados) destas iniciativas individuais.
A recuperação d e s t e processo histórico é,
sem d ú v i d a , bastante complexa, exigindo informações 'iue,
obviamente, escapam aos l i m i t e s do p r e s e n t e e s t u d o . Uma
primeira aproximação d e s t e processo serã t e n t a d a era outra
parte, quando d i s c u t i r m o s o comportamento d e s t e s diferen-
tes t i p o s de ganho ao longo do c i c l o imobiliário.

Antes de concluirmos esta seção, serã impor


tante recordar que as o p o r t u n i d a d e s de r e a l i z a ç ã o de cada
modalidade de ganho deperdem de certas sinergias geradas na
operação i m o b i l i á r i a como um t o d o . Contudo, não d e v e ser
i n f e r i d o que o c a p i t a l inoorporador se apropria de todos
estes ganhos e tampouco que as d i f e r e n t e s unidades de capi
tais articuladas numa operação imobiliária sejam guiadas
p e l a mesma l ó g i c a de v a l o r i z a ç ã o , ilais concretamente, cate
rá d i s t i n g u i r - s e as a r t i c u l a ç õ e s individuais de cada unida
de (firma) de capital num empreendimento, das relações de

60
ordem mais e s t r u t u r a l entre estes capitais, i n c l u s i v e o ca
pitai incorporador. Além d i s s o , há que se apontar para as
contradições inerentes a e s t e processo de a r t i c u l a ç ã o de
diferentes frações do c a p i t a l . A tudo i s t o dedica-se a se-
ção seguinte.

O capital inoorporador frente aos outros ca


pit ais

Na seção precedente , introduzimos o conceito


de c a p i t a l incorporadcr como aquele que, assumindo a propri
edade de t e r r a por período d e f i n i d o , realiza lucros que na
sua a u s ê n c i a seriam a u f e r i d o s pelo p r o p r i e t á r i o na forma
de rendas fundiárias no momento I e I I I , embora sua presen
ça a f e t e estas rendas.

Para melhor s i t u a r este capital e entender


os m a t i z e s do argumento, isto é, de como ê e f e t i v a d a esta
valorização, s e r i a oportuno d i s t i n g u i - l a d a q u e l a realizada
por o u t r o s capitais - era e s p e c i a l o i n d u s t r i a l , o comer-
cial e o financeiro, sugerindo também p o s s í v e i s analogias
e / o u pontos de contato.
Tomemos i n i c i a l m e n t e o c a p i t a l industrial.
No s e t o r i n d u s t r i a l os ganhos de p r o d u t i v i d a d e , provenien-
tes de m o d i f i c a ç õ e s nos métodos d e produção, são traduzi-
dos em aumentos temporários na taxa d e lucros ou repassa-
dos ao mercado na forma de reduções no p r e ç o . Essa primei-
ra s i t u a ç ã o e s t i m u l a a entrada de novos c a p i t a i s que podem
conduzir, via competição, â redução nos p r e ç o s , à expansão
de produção, ou a i n d a à maior concentração da produção no
mercado. Enfim, esses ganhos são d i s s e m i n a d o s às outras
unidades de c a p i t a l , oompelidos que são p e l a oompetição a
acompanhar ou mesmo e f e t i v a r novas m o d i f i c a ç õ e s nos méto-
dos de produção, s o b pena de serem simplesmente expulsos
do mercado. Esse processo d e contínua r e v i t a l i z a ç ã o das
condições de produção e os conseqüentes deslocamentos no
centro de gravitação dos preços de mercado é parte inte-
grante da própria dinâmica d a acumulação capitalista. Po-

61
der-se-ia a i n d a mencionar os movimentos cíclicos dos negó-
cios que, ao mésmo tempo que endêmicos a este processo, re
presentam adicional coerção a cada unidade de capital, na
medida que s e l e c i o n a m os métodos de produção mais resist.cn
tes às o s c i l a ç õ e s de mercado.
Caso t a i s ganhos de p r o d u t i v i d a d e dependes-
sem de fatores éxternos à firma, como por exemplo os atri-
butos de t e r r a ou vantagens locacionais, estes seriam, co-
mo jã v i s t o , convertidos em rendas fundiárias. Tome-se,por
exemplo, a a l t e r n a t i v a de localização para uma f á b r i c a de
confecções, que em Copacabana r e a l i z a s s e sobrelucro em re-
lação a sua localização em S a n t a C r u z . Na medida que deve
d i s p u t a r p e l a sua l o c a l i z a ç ã o em Copacabana com o u t r a s com
petidoras, tais sobrelucros serão paulatinamente converti-
dos em a l u g u é i s mais altos.
J á no setor imobiliário (principalmente o
r e s i d e n c i a l ) , e s t e processo de contínua c r i a ç ã o d e condi-
ções mais v a n t a j o s a s ocorre de forma e x c l u d e n t e . Ou seja,
certas vantagens criadas não são g e n e r a l i z á v e i s , em razão
do elemento m o n o p o l í s t i c o e n v o l v i d o sempre que a acessibi-
lidade rvo espaço é r e s t r i t a àqueles que adquirem direitos
exclusivos de ocupação como proprietários.
No e n t a n t o , o que nos i n t e r e s s a o b s e r v a r é
que, similarmente à i r r e v e r s i b i l i d a d e da contínua mudança
nos métodos de produção i n e r e n t e à dinâmica do c a p i t a l in-
dustrial, verifica-se também aqui a o o n t i n g ê n c i a de modifi
cações contínuas na forma de ocupação (incorporação) do so
lo urbano.
Neste último caso, contudo, o mecanismo de
transmissão é apenas p a r c i a l m e n t e realizado através dos
preços de i m ó v e i s , ou s e j a , maior coerção se a p l i c a , de fa
to, pela a t u a l i z a ç ã o do preço de terrenos ,conseqüente a
tais empreendimentos. Assim, a atualização nos preços de
terrenos nas áreas oontíguas a um empreendimento como Nova
Ipanema i m p l i c a q u e , se i n i c i a l m e n t e tal empreendimento re
presentava uma p o s s i b i l i d a d e d e r e a l i z a r lucros extraordi-

62
nãrios, num segundo i n s t a n t e já r e p r e s e n t a uma necessida-
de. As oondições para contestar t a l empreendimento em ã-
reas v i z i n h a s já são o u t r a s , daí a contingência de contí-
nuas alterações na forma d e atuação do c a p i t a l incorpora-
dor.
Para se entender oomo o c a p i t a l incorpora-
dor se impõe à matriz d e estruturação urbana, há que se
ponderar sua atuação tanto no aumento da diferenciação
(criando rendas d i f e r e n c i a i s onde e l a s não e x i s t i a m ante-
riormente ou ampliando sua i n c i d ê n c i a ) como na maior homo-
geneização do espaço quando a f e t a a média das condições
(marginais) para a incorporação, isto ê, sua extensão aos
mercados inferiores endogeniza, por assim d i z e r , as "condi
ções m a r g i n a i s " que agora passam a ser representadas por
certa média móvel das condições em que as rendas diferen-
ciais são c r i a d a s ( o u mesmo quando i n v e s t e nas chamadas á-
reas m a r g i n a i s ou p e r i f é r i c a s , reduzindo as d i f e r e n ç a s en-
tre lotes urbanos. Neste caso, sua atuação é , era g e r a l , In
termediada pelo E s t a d o , como será v i s t a em outro estudo.
Numa p r i m e i r a aproximação vislumbrar-se - 1 a
sua atuação como responsável por f a c u l t a r aumentos de pro-
dutividade e de q u a l i d a d e d e v i d a . Ao p l a n e j a r e promover
o equipamento do e s p a ç o , expandindo e intensificando as
vantagens locacionais, contribuiria para uma maior raciona
l i z a ç ã o da c i r c u l a ç ã o de mercadorias e do acesso a itens
que oompõem o argumento d a "furição de bem e s t a r " dos indi-
víduos e dos custos i n d i r e t o s da produção c a p i t a l i s t a , ao
aumentar a e f i c i ê n c i a das atividades urbanas como as comer
ciais, financeiras, administrativas, etc.
Assim, se se mantém como r e f e r ê n c i a (como
determinante do preço de produção )as áreas cnde tais vantagens
não são a u f e r i d a s , tem-se que todos esses g a n h o s , que usu-
almente seriam convertidos em aumentos de rendas diferen-
ciais, representam t r a n s f e r ê n c i a s de v a l o r gerado e n t r e os
vários segmentos d a s o c i e d a d e . A versão c l á s s i c a d e s t a ob-
servação enuncia que as rendas d i f e r e n c i a i s são constituí-

63
das por d e s v i o s de mais-valia p r o d u z i d a , somando em zero,
portanto, na d i s p u t a com a p a r c e l a de lucros. O que impli-
ca admitir que os p r o p r i e t á r i o s fundiários sobrevivem às
custas d e c a p i t a l i s t a s - embora esta relação possa se rea-
lizar Indiretamente via salários dispendidos em m o r a d i a s .
, Neste s e n t i d o , o capital incorporador faz
jus a uma f a t i a da massa de mais-valia por motivos análo-
gos àqueles dados ao c a p i t a l comercial e ao c a p i t a l finan-
ceiro. Autores como Pickvance (1976, p. 59) questionam a
v a l i d a d e de se c o n s i d e r a r o c a p i t a l Incorporador como cate
goria r e l e v a n t e à parte, isto é, se de fato constitui-se
em novo c a p i t a l o u simplesmente um amálgama dos capitais
mercantil e financeiro. Para os p r o p ó s i t o s imediatos deste
estudo, o fato d e que certas operações de incorporação imo
biliária se c a r a c t e r i z a m mais como t í p i c a s de capital fi-
n a n c e i r o e outras como d e c a p i t a l m e r c a n t i l e ainda ou-
tras não se encaixam propriamente em nenhum d e s t e s casos,
é suficiente p a r a que o consideremos, ao menos para efei-
tos analíticos, como uma fração à parte do capital.
Inspirados em Lamarche (1976, p. 91), ohser
vamos que o c a p i t a l financeiro concentra capital em sua
forma m o n e t á r i a , o q u a l não está a i n d a e n g a j a d o em opera-
ções industriais ou c o m e r c i a i s . D e s t e modo, contribui para
a redução da p a r c e l a do c a p i t a l s o c i a l (que d e v e existir
na forma monetária como c a p i t a l de g i r o ) , para financiar a
produção, e f e t u a r pagamentos d i v e r s o s , compras, etc. Ou se
ja, ele acelera a c i r c u l a ç ã o do c a p i t a l na medida que re-
duz a p a r c e l a que cada unidade p r i v a d a deve manter em for-
ma l í q u i d a para g a r a n t i r a c o n t i n u i d a d e de suas operações.
No que ooncerne ao c i r c u i t o imobiliário, o capital finan-
ceiro facilita também a c i r c u l a ç ã o de c a p i t a l monetário ao
converter imóveis em h i p o t e c a s , transformando assim lucros
imobiliários em j u r o s .
Ora, uma das características do c a p i t a l in-
corporador ê , como vimos, exatamente a de promover o "em-
preendimento certo no lugar certo para o consumidor certo".

64
Na medida que sua atuação hegemônica, ao menos em certas á
reas e mercados, tende a promover a consolidação de certas
tendêr.cias ,principalmente , como já v i s t o , no que concerne
ã segregação s o c i a l no e s p a ç o , reduz os r i s c o s das opera-
ções de financiamento de imóveis ao mesmo tempo que expan-
de as necessidades d e financiamento ao e l e v a r o preço uni-
t á r i o dos imóveis financiados.
Estas operações que envolvem essencialmente
a re.nuneração de juros por ganhos apropriáveis, inclusive
por rendas fundiárias, podem acarretar d i f i c u l d a d e s para o
capital financeiro. Assim, a longevidade e fixidez dos i-
tens do ambiente oonstruído, j untamente ao seu a l t o valor
unitário, algo jue e x i g e esquemas de financiamento e amor-
t i z a ç ã o de prazo d i l a t a d o compatível com a sua lenta depre
ciação, s i g n i f i c a que,uma vez criados , e s t e s itens devem
ser utilizados, sob pena de perderem os valores que repre-
sentam. No e n t a n t o , estes valores são fortemente influenci
ados por e x t e r n a l i d a d e s nem sempre permanentes.
Isto implica que, se por um lado o sistema
de crédito deve ser e s t i c a d o ao máximo para p e r m i t i r o a-
cesso ou a q u i s i ç ã o d e s t e s imóveis d u r á v e i s d e alto valor
unitário, por outro , e s t e mesmo sistema de c r é d i t o deve evi
tar ao máximo sua exposição ás p o s s í v e i s consequências das
contínuas mudanças no ambiente construído. As possíveis
crises de l i q u i d e z , oriundas do comprometimento de juros a
ganhos imobiliários em que a renda fundiária representa
parcela s u b s t a n t i v a , serão tão mais agudas quanto o forem
os e f e i t o s das externalidades negativas que incidem sobre
os estoques e x i s t e n t e s (financiados) em v i r t u d e das trans-
formações o c o r r i d a s na e s t r u t u r a e s p a c i a l do ambiente cons
truí J o .
Em suma, analogamente ao c a p i t a l financei-
ro, o c a p i t a l incorporador também reduz o custo d e circula
ção ao r a c i o n a l i z a r a ocupação do espaço e / o u ao orques-
trar vários agentes, inclusive financeiros, na realização
de grandes operações imobiliárias.

65
Por sua v e z , o c a p i t a l comercial supostamen
te r e i u z os custos de c i r c u l a ç ã o na medida que e s t e s cus-
tos seriara mais elevados se cada unidade industrial tives-
se diretamente de converter suas mercadorias produzidas cm
dinheiro. Esta a t i v i d a d e é r e a l i z a d a mais rapidamente o
eficientemente pelo capital comercial. Tal como e s t e últi-
mo, o c a p i t a l incorporador localiza-se também no circuito
D-M-D' (dinheiro-mercadoria-mais dinheiro) ao r e a l i z a r a
metamorfose das construções promovidas o u não por e l e , em
dinheiro.

No e n t a n t o , esta conversão de mercadorias


produzidas p e l a i n d ú s t r i a de construção civil ã sua forma
monetária merece algumas qualificações.
A i n d ú s t r i a da construção civil é caracte-
r i z a d a em g e r a l por baixos n í v e i s de p r o d u t i v i d a d e e/ou
técnicos. De fato, historicamente este s e t o r tem e x i b i d o a
penas ganhos de p r o d u t i v i d a d e , não acompanhando em absolu-
to o ritmo de o u t r o s setores. Sua modernização parece limi
tar-se mais à introdução de novos m a t e r i a i s (inovados nou-
tras indústrias) e novos métodos d e o r g a n i z a ç ã o administra
tiva e gerencial, do que propriamente ã a t i v i d a d e da edifi
cação mesma. Uma das e x p l i c a ç õ e s já apontadas para i s t o su
gere que p e l o fato de ser p r o d u z i d a no ponto de consumo,
absorve as s i n g u l a r i d a d e s do t e r r e n o tornando assim mais
vantajoso concentrar-se nas características do mercado (im
perfeito) do que no processo de produção. Ver B a l l (1978)
para outras e x p l i c a ç õ e s mais históricas. Trata-se em geral
de i n d ú s t r i a muito fragmentada e c a r a c t e r i z a d a por reduzi-
da d i v i s ã o do t r a b a l h o , não podendo, por i s s o , gerar aumen
tos de p r o d u t i v i d a d e suficientes que suportem grandes des-
vios para as a t i v i d a d e s de i n c o r p o r a ç ã o . Esta encontra sua
sustentação noutros p r o c e s s o s . Como j á s u g e r i m o s , os lu-
cros da incorporação não dependem propriamente da diferen-
ça e n t r e o custo da construção e o preço de venda dos imó-
veis, mas sim da d i f e r e n ç a e n t r e seus custos (de incorpora
ção) e o volume e x t r a í d o na forma de rendas fundiárias.

66
Ora, tão logo se introduz a f i g u r a do i n c o r p o r a d o r , estas
últimas rendas não mais se fixam apenas com base no custo
da construção. Por isso os lucros de inoorporação podem
ser e n t e n d i d o s como relativamente independentes do nível
de p r o d u t i v i d a d e da i n d ú s t r i a de construção civil. Retor-
nando aos comentários anteriormente propostos , pode-
ríamos s u g e r i r que, quanto mais os ganhos imobiliários es-
tão atrelados aos ganhos fundiários, menor o estímulo para
modificações no processo de produção dos imóveis. Com i s t o
estabelece-se importante relação e n t r e o c a p i t a l incorpora
dor e a i n d ú s t r i a d a construção com a subordinação d e s t a à
primeira.
Por c o n s e g u i n t e , a atuação d a inoorporadora
não se prende propriamente ã atividade especulativa, já
que, além das funções mencionadas há pouoo, compreende tam
bém a capacidade d e o r g a n i z a r empreendimentos capazes de
gerar e i n t e r n a l i z a r externalidades, bem como e x p a n d i r as
bases das rendas fundiárias, processos aos q u a i s seria a-
trlbuível a promoção de c e r t a r a c i o n a l i d a d e urbana.
Contudo, não deve s e r daí i n f e r i d o que as
relações entre o c a p i t a l incorporador e os outros capitais
envolvidos nos negócios imobiliários e mesmo entre estes
últimos sejam e s s e n c i a l m e n t e funcionais e harmónicas, isto
é, livres de contradições.
A natureza destas relações parece ser bem
mais complexa, já que os interesses desses capitais não
são os mesmos. Ao c a p i t a l incorporador interessa acelerar
a r o t a t i v i d a d e das transações no mercado i m o b i l i á r i o com
paulatino aumento no preço dos i m ó v e i s , o que gera um au-
mento na p a r c e l a do orçamento d e s t i n a d o à moradia. Na medi
da que i s t o repercuta nos s a l á r i o s , todos os outros capi-
tais serão afetados.
Ao c a p i t a l industrial imobiliário interes-
sa, como já foi visto, aumentar a produção real de habita-
ção e obviamente realizá-la. Ora, o aumento do componente
das rendas fundiárias no preço f i n a l do i m ó v e l , p o r um lado.

67
pode r e p r e s e n t a r um a r t i f í c i o para ampliação da demanda e-
f e t i v a em oertos mercados e, por o u t r o , pode r e d u z i r este
mesmo mercado na medida que o elitiza.
0 capital financeiro, por sua v e z , ao atre-
lar a apropriação de juros às rendas fundiárias também pj-
de se expor a eventuais c r i s e s de lijuidez se a deprecia-
ção moral dos imóveis financiados é acelerada pela intensi
dade das transformações no ambiente construído.(as oscila-
ções, como as que o r a se observa no mercado e que fazem com
que o s a l d o d e v e d o r muitas vezes supere o próprio preço de
mercado do l m ó v e 1 ) . A s s i m , a necessidade de recriar demanda
pode levar a que o c a p i t a l incorporador inove continuada-
mente o produto acelerando a a b s o l ê n c i a do estoque existen
te.
Embora, no que concerne aos negócios imobi-
liários, os interesses do c a p i t a l comercial e incorpora-
dor, em p r i n c í p i o , sejam aparentemente idênticos, a apro-
p r i a ç ã o da m a i s - v a l i a circulante entre um e outro capital
pode envolvê-los em questões muitas vezes conflituosas.
Assim, as v a r i a ç õ e s de rendas fundiárias in
corporadas ao preço d a habitação somente são r e a l i z a d a s na
medida que o imóvel é c o m e r c i a l i z a d o . Porém o volume de i-
móveis comercializados diretamente pelo capital comercial
pode ser frahcamente reduzido, na medida que o capital
incorporador vai se tornando hegemónico na promoção de no-
vos empreendimentos. Ou s e j a , a promoção i m o b i l i á r i a sob a
é g i d e dos interesses de incorporação rescringe, de certa
forma, a extensão do mercado i m o b i l i á r i o c o n t r o l a d o direta
mente p e l o c a p i t a l em g e r a l .
Desta feita, estabelece-se verdadeiro "jogo
de soma z e r o " e n t r e os i n t e r e s s e s comerciais e de incorpo-
ração, embora a base em que cada um a p r o p r i a a mais - v a l i a
em c i r c u l a ç ã o , s e j a distinta.
Finalmente, v a l e r i a mencionar q u e , além des
tes problemas, a afirmação f e i t a mais acima quanto ã res-
ponsabilização ao c a p i t a l incorporador d e uma p o s s í v e l r,i-

68
c i o n a l i d a d e que imprimirá à planta urbana deve s e r melhor
juali f 1 cada.
De fato, a miopia de jue s o f r e o c a p i t a l in
corporador ao o r g a n i z a r (ou t e n t a r "racionalizar") direta
ou indiretamente o uso do solo urbano é a mesma endêmica
aos outros capitais e que os impede d e e v i t a r as freqüen-
tes c r i s e s de subconsumo e / o u sobreacumulação.
0 efeito combinado dos empreendimentos imo-
biliários, realizados segundo a l ó g i c a de v a l o r i z a ç ã o pela
inoorporação d e s c r i t a na seção a n t e r i o r , nem s e m p r e - n a v e r
dade raramente, respeita qualquer critério s o c i a l de efici^
ê n c i a para a p l a n t a urbana.
Recordemos que o c a p i t a l inoorporador vale-
se apenas das externalidades positivas, as n e g a t i v a s são
conseqüentes a problemas como a congestão futura provocada
pelo adensamento i m o b i l i á r i o que correm por conta dos rautu
ários. Esta s i t u a ç ã o é bem i l u s t r a d a pelo fato que na pro-
moção de lançamento de certo empreendimento i m o b i l i á r i o a-
pela-se para a t r i b u t o s v a r i a d o s no l o c a l , como v i s t a para
o verde, rua b u c ó l i c a , tranqüila, com pouco movimento, bal^
xa d e n s i d a d e , etc. No e n t a n t o , concluído o empreendimento
et pour c a u s e , são d e s t r u í d a s e s t a s mesmas característi-
cas. Este processo f i c a mais t r a n s p a r e n t e quando certa á-
rea num certo espaço de tempo é o b j e t o de atuação simultâ-
nea de um ou v á r i o s incorporadores, a exemplo, atualmente,
de áreas oomo o a l t o L e b l o n , Cosme V e l h o , etc. Estas são e
vitadas somente através d e , muitas v e z e s , dispendiosos in-
vestimentos públicos destinados a manter a v a l o r i z a ç ã o imo
blliária (ex.: obras de ampliação d e v i a s públicas como o
metrô, o e m i s s á r i o sufcmarino, etc.).
Essas o b r a s , por sua v e z , caracterizam-
se por investimentos em i t e n s do ambiente construído para
os q u a i s não se e s t a b e l e c e facilmente uri preço comparável
às o u t r a s m e r c a d o r i a s . Além d i s t o representam v u l t o s a s imo
bilizações de c a p i t a l fixo, normalmente de grande indivisl
bilidade. Isto faz oom que os impactos d e s t a s obras rara-

69
mente se r e s t r i n j a m apenas as areas adjacentes a sua loca-
lização. Como s ã o , em g e r a l , dimensionadas para satisfazer
bem além dos problemas ou "demandas inatendíveis" origi-
nais, elas criam também novos espaços para a realização de
empreendimentos privados, a exemplo da v i a b i l i z a ç ã o de ã-
reas como a barra da T i j u c a , após a auto-estrada d e aces-
so, ou o l i t o r a l norte-fluminense, após a construção da
Ponte Rio-Niterói e que são consumidos coletivamente duran
te períodos muito longos.
No e n t a n t o , o importante a se r e t e r aqui é
que os investimentos era o b r a s públicas, os empreendimentos
imobiliários p r i v a d o s e os seus impactos s o b r e os outros
setores industriais envolvem imobilizações heterogêneas de
capital fixo, sujeitas a distintos esquemas de deprecia-
ção .
A questão t r a n s f e r e - s e , então, à possibili-
dade d e se coordenar os financiamentos destes investimen-
tos de maneira harmônica com os ritmos d e d e p r e c i a ç ã o , ou
seja, de s e p e r m i t i r que o sistema d e c r é d i t o desempenhe,
de fato, sua função de homogeneização do período de circu-
lação dos capitais aplicados e n t r e estes setores. 0 fracas
so do s i s t e m a d e c r é d i t o em desempenhar estas funções sig-
n i f i c a que o processo d e s c r i t o acima f i c a sem s o l u ç ã o , e
com i s s o gera-se uma sucessão de crises de intensidade va-
r i á v e l de s e t o r a setor.
Para i s t o s e r i a necessário, obviamente, dis
por de capacidade de previsão sobre as m o d i f i c a ç õ e s futu-
ras a serem r e a l i z a d a s no ambiente construído, a fim de
que e s t a s sejam r e f l e t i d a s ou p r o j e t a d a s a q u a l q u e r momen-
to (presente) em algum i n d i c a d o r que o r i e n t e tais aplica-
ções financeiras de p r e f e r ê n c i a que se c o n s i g a i g u a l a r a
taxa de juros e o período de amortização dos empréstimos
às taxas de d e s c o n t o internas a cada empreendimento, o iue
implica poder o p e r a r em um tempo l ó g i c o que permita ajus-
tar a e s t r u t u r a p a s s a d a do ambiente construído ao futuro
antecipado no presente.

70
Ora, isto é praticamente impossível, pois
fioou patente na a n á l i s e conduzida nas seções anteriores
jue os benefícios, mesmo que r e a l i z á v e i s no f u t u r o , sobre
aplicações no ambiente construído, não são independentes,
já que aí está envolvida toda s o r t e de e s t e r n a l i d a d e s , ten
do s i d o s u s c i t a d a , também, a possibilidade da dependência
das inversões públicas ás c o n t i n g ê n c i a s c r i a d a s pelo capi-
tal incorporador e vice-versa.

Sugeriu-se«também, a conversão de vantagens


locacionais em rendas fundiárias, com boa parte d e l a s ulti
mamente apropriadas na forma de lucros d e incorporação.
Por outro lado, essas v a l o r i z a ç õ e s são re-
passadas aos mutuários que também devem a p e l a r ao sistema
de c r é d i t o para f a z e r frente ao custo dos imóveis.
Desta f e i t a , o mercado financeiro passa a
contar apenas oo.n s i n a i s interceptados pelo capital incor-
porador, que passa a dosar as n e c e s s i d a d e s do c r é d i t o se-
gundo suas próprias conveniências.
Daí se c o n c l u i jue a a l u d i d a racionalização
v i s 1 umbrada, a p a r t i r da r e e s t r u t u r a ç ã o do ambiente cons-
t r u í d o , não é r e a l i z a d a de forma a g a r a n t i r a emissão de ca
pitai fictício, como s e r i a caso e s s a racionalização fosse
c o n v e r t i d a em ganhos de p r o d u t i v i d a d e para os c a p i t a i s em
geral, mas t r a d u z i d a em novas n e c e s s i d a d e s de crédito. Is-
so porque a atuação do c a p i t a l incorporador elimina paula-
tinamente os p o s s í v e i s ganhos r e a i s para os outros capi-
tais, criando novas necessidades d e remanej amento no espa-
ço .
Em suma , ao assumir o oomando da estrutura-
ção do e s p a ç o , o capital incorporador faz com que se pa-
gue, hoje, pelos eventuais ganhos (na forma de valorização
imobiliária) que e l e mesmo t r a t a de e l i m i n a r amanhã. No en
tanto, os d é b i t o s transferidos aos mutuários permanecem...

71
O capital incorporador e a segregação so-
cial no espaço urbano

Para se entender como os movimentos deste


capital podem g e r a r a segregação social no e s p a ç o , é neces
sãrio recordar, sobretudo, que sua v a l o r i z a ç ã o ê decorren-
te não da produção (construção) da moradia em si, mas da
própria característica, ou melhor, da p r ó p r i a alteração do
uso do solo.
Ou s e j a , o vigor do c a p i t a l incorporador de
pende exatamente de sua c a p a c i d a d e em e x a c e r b a r as diferen
ças na ocupação urbana, jã que na sua a u s ê n c i a toda a v a l o
r i z a ç ã o dos c a p i t a i s aplicados no ramo i m o b i l i á r i o seria
atribuída ã a t i v i d a d e de construção c i v i l propriamente di-
ta e s u j e i t a , portanto, a essencialmente os mesmos condi-
c i o n a n t e s dos o u t r o s rairos da indústria. Muito embora, co-
mo jã d i s s e m o s , o f a t o da mercadoria ser em g e r a l produzi-
da no ponto de consumo, seu a l t o v a l o r u n i t á r i o , etc., con
ferem c e r t a especificidade ã indústria imobiliária vis-ã-
v i s os outros ramos industriais.
No e n t a n t o , e como jã v i s t o , a habitação
constitui-se em mercadoria dotada de e s p e c i f i c i d a d e s advin
das de sua v i n c u l a ç ã o e s t r e i t a ã terra, o que f a z com que
a mesma absorva certas singularidades do l o c a l em que é
produzida. Isto sugere q u e , ao se a d q u i r i r uma habitação
na mesma t r a n s a ç ã o , se a d q u i r a também toda uma s é r i e de a-
tributos associados ao c o t i d i a n o da v i d a urbana: melo de
interação s o c i a l , facilidades de a c e s s o a o u t r a s ativida-
des urbanas como o l a z e r , comércio em g e r a l , etc.
Ora, estes atributos também podem ser obje-
to de m e r c a n t i l i z a ç ã o , ou s e j a , serem c o n v e r t i d o s em merca
d o r i a s com base na d i l i g e n t e ocupação do espaço.
R a c i o c i n a n d o pelo a b s u r d o , examinemos a si-
tuação que se e s t a b e l e c e r i a se se i g n o r a s s e estas especifi
cidades e possibilidades, construindo-se aleatória e indis
criminadamente no espaço e gerando desta forma uma estrutu
ra e s p a c i a l funcional e socialmente homogênea.
Se por um lado esta s i t u a ç ã o poderia se au-
to-reproduzir na medida que m i n i m i z a r i a desde sua origem
ãs bases para o surgimento de rendas fundiárias - em espe-

72
ciai as d i f e r e n c i a i s e racnopolistas, de o u t r a feita seria
inimaginável supor, como nos s u g e r e L i p i e t z (1971), que a
d i v i s ã o s o c i a l do t r a b a l h o não e n g e n d r a s s e também alguma
forma de d i v i s ã o econômica e s o c i a l do espaço (DESE). Isso
porque a eliminação dos elementos de h e t e r o g e n e i d a d e por
grupos ou c l a s s e s sociais homogêneos (definidos particular
mente ao nível da inserção no processo d e t r a b a l h o ) que se
apropriam do espaço t e r i a s i d o h i s t o r i c a m e n t e necessária à
sua reprodução como t a l . Ao mesmo tempo, a d i f e r e n c i a ç ã o so
c i a i do espaço apresenta (va)-se também oomo q u a l i t a t i v a e
luantitativamente mais e f i c i e n t e tanto aos q u e s i t o s técni-
cos da produção como às n e c e s s i d a d e s de controle s o c i a l pe
las classes dominantes.

Com e f e i t o , experiências históricas não fa_l


tam para i l u s t r a r não só a origem d e comunidades sociais ho
inogêneas d i t a d a s pela localização industrial (ou outras),
como também a separação espacial de certos segmentos soci-
ais t i d o s oomo i n d e s e j á v e i s por razões que pouco têm a v e r
com o mercado fundiário e imobiliário propriamente dito
questões de s a ú d e , criminalidade, etc.

Era suma, a DESE deve ser considerada como


um dado se se pretende a a n á l i s e relevante ao contexto da
cidade c a p i t a l i s t a . Contudo,a análise não se esgota ai: há
que se q u a l i f i c a r esta d i v i s ã o econômica e s o c i a l do espa-
ço e x p l i c i t a n d o melhor as formas concretas d e segregação
s o c i a l que d a l podem ser d e r i v a d a s , reproduzidas e intensi
ficadas a p a r t i r dos movimentos do c a p i t a l i n c o r p o r a d o r . Era
outras palavras, a pressuposição d e uma DESE não implica
que o c a p i t a l incorporador não possa s e r responsabilizado
p e l a produção d a segregação s o c i a l no e s p a ç o , já que a úl-
tima refere-se a algo mais e s p e c i f i c o e concreto. Além do
m a i s , o surgimento e importância mesma do c a p i t a l incorpora
dor devem ser e n t e n d i d o s como h i s t ó r i c a e institucionalmen
te d e t e r m i n a d o s . Vale d i z e r , a intensificação da segrega-
ção s o c i a l no espaço está intimamente associada ao desen-
volvimento concreto dos capitais imobiliários e,em especi-

73
al, ã subordinação das atividades de construção civil pro-
priamente d i t a aos capitais envolvidos na a t i v i d a d e de in-
corporação imobiliária.
Retomando os pontos levantados mais acima,
diríamos que para transformar a DESE (como uma e s p é c i e de
meio de produção) naqueles atributos da habitação qua. mer-
cadorias, o capital incorporador deve atuar de maneira a
segregar s o c i a l m e n t e o espaço. Trata-se de estratéqia
que, por adequar melhor cada empreendimento imobiliário ã
área c e r t a , p e r m i t e e x t r a i r o maior excedente possível do
consumidor na forma de ganhos de incorporação.
Contudo, não deve ser daí inferido jue o ca
pitai incorporador c o n s t i t u a em mero i n t e r m e d i á r i o neutro
como i n s i n u a d o p e l a análise neoclássica. S u a atuação está
longe d i s t o , j á que as n e c e s s s i d a d e s e preferências dos di.
ferentes segmentos sociais envolvidos são por e l e criadas
e modificadas. Além do m a i s , aquele capital pouco ou ne-
nhum compromisso tem como padrão de segregação preexisten-
te.
Assim, bairros tidos como i n d e s e j á v e i s po-
dem ser promovidos a segmentos s u p e r i o r e s através de dili-
gente modificação e ajuste nos t i p o s de empreendimentos o-
fsreeidos . Assim, por exemplo, a implantação de um grande
shopping-oenter em certa área pode provocar uma valoriza-
ção dos imóveis e x i s t e n t e s expulsando paulatinamente a po-
pulação o r i g i n a l cujo rendimento não permite atualizar os
aluguéis. Esta v a l o r i z a ç ã o pode também a c e l e r a r a deprecia
ção "moral" de certos imóveis, abrindo com i s s o espaço pa-
ra novos empreendimentos. Processo s i m i l a r pode ser inicia
do a p a r t i r d a i n s t a l a ç ã o de alguma b e n f e i t o r i a pública,
ou simplesmente p e l a atuação d i r e t a do Estado oomo no caso
de certos desenvolvimentos de áreas que envolvam a remoção
compulsória de grupos s o c i a i s e v i c e - v e r s a ; ou s e j a , cer-
tas áreas são f a c i l m e n t e degradadas por empreendimentos
destinados a extratos sociais inferiores, principalmente
quando se pretende c r i a r demanda para novas áreas mais no-

74
bres atraindo r e s i d e n t e s d e s t a s áreas em d e t e r i o r a ç ã o .
Portanto, sua relação com t a i s padrões ê
tem mais d i n â m i c a , pois que sua v i t a l i d a d e depende de cons
tantes deslocamentos da demanda e f e t i v a l o c a l i z a d a ou geo-
graficamente definida.
Enfim, ê através da e s t r a t i f i c a ç ã o social
do espaço urbano que o c a p i t a l incorporador, por assim di-
zer, coopta certos segmentos da sociedade e com i s t o esta-
ttíleoe sua hegemonia na estruturação do espaço urbano.
Esta atuação de forma d i s c r i m i n a t i v a e sele
tiva no e s p a ç o , i s t o é , da penetração, o r g a n i z a ç ã o e subor
dinação do mercado i m o b i l i á r i o , se apresenta como necessá-
r i a para o b s t r u i r possíveis pressões p e l a apropriação so-
c i a l da cidade, tornando-se conseqüentemente contingencial
à p r ó p r i a v a l o r i z a ç ã o do c a p i t a l incorporador, passando as
sim a d e l i n e a r os próprios contornos deste capital.
Com i s t o , a expansão do c a p i t a l na e s f e r a 1
m o b i l i á r i a depende cada vez mais de fatores ligados à sua
eficiência q u a l i t a t i v a do que à quantitativa.
Para se entender este ponto, notemos de inl
cio que a homoyeneizaçáo das condições de moradia ameaça a
própria s o b r e v i v ê n c i a do c a p i t a l incorporador.
Admite-se implicitamente que a penetração
do c a p i t a l na e s f e r a imobiliária, como exclusivamente capi
tal industrial, produziria inevitavelmente condições soci-
almente indesejáveis de moradia e / o u q u a l i d a d e de v i d a ur-
bana .
I s t o s e r i a percebido na forma de degradação
urbana decorrente das e x t e r n a l i d a d e s negativas geradas pe-
la ocupação anárquica do e s p a ç o , na medida que ao capital
Industrial (essencialmente construtoras) interessaria ape-
nas o volume de imóveis produzidos e realizados (isto é , a
preocupação com a e f i c i ê n c i a q u a n t i t a t i v a ) e não, por d e f i
nição, todas aquelas outras dimensões ou v a r i á v e i s associa
Jas à habitação.
Dada a importância da moradia para a repro-

75
duçâo s o c i a l , este capital seria facilmente identificado
como responsável pelo e s t a d o de ooisas r e s u l t a n t e , tornan-
do-se, assim, vulnerável a pressões no s e n t i d o de um maior
oontrole social na forma de algum planejamento urbano.
Portanto, fica claro que ignorar as especi-
ficidades da h a b i t a ç ã o - desde a sua v i n c u l a ç ã o estreita ã
terra até as e x t e r n a l i d a d e s a ela associada - deixaria o
capital industrial i m o b i l i á r i o demasiadamente exposto à
possível regulamentação social.
É neste contexto que situaríamos o capita]
inoorporador como aquele que se a n t e c i p a ao planejamento
social urbano r e s p o n s a b i l i z a n d o - s e pelo ordenamento da ocu
pação urbana - se bem que agora ã sua imagem e desígnios,
assumindo, desta feita, c e r t a dominação hegemônica sobre a
estruturação espacial.
Assim, a imposição do capital incorporador
ã matriz de e s t r u t u r a ç ã o urbana, produzindo certa divisão
f u n c i o n a l do e s p a ç o , adequando o uso do s o l o aos diferen-
tes segmentos sociais, etc., r e f l e t e menos uma delegação
de poderes do que a subordinação do planejamento urbano
aos imperativos d a v a l o r i z a ç ã o capitalista.
Como corolário â colocação acima, fica evi-
dente que a importância do c a p i t a l inoorporador v a r i a na
razão i n v e r s a da e x i s t ê n c i a de oontrole do uso do s o l o e
rendas fundiárias urbanas, daí seu caráter h i s t ó r i o o e i ns
titucional específico.

Conclusão

A g u i s a de conclusão, seria importante


observar que o u t r o s agentes também podem se apropriar de
ganhos s i m i l a r e s àqueles apropriados pelo capital inoorpo-
rador. Com e f e i t o , a formação do c a p i t a l incorporador pode
ser reportada a experiências de outros agentes que no pas-
sado, de uma maneira ou de o u t r a , realizavam ganhos deste
tipo, embora não d a mesma forma s i s t e m á t i c a , deliberada ou
até científica. Neste s e n t i d o , caberia notar :jue t a l como

76
em outros capitais de p o n t a , o capital incorporador também
conta com uma/sua p e r i f e r i a m o n o p o l i z á v e l . Tais periferias
são r e p r e s e n t a d a s pelos outros sutmercados urbanos, notada
mente o de s u b ú r b i o s . Assim, atualmente é p o s s í v e l se en-
contrar outros agentes que atuam nestas p e r i f e r i a s e que
também se b e n e f i c i a m de ganhos imobiliários do t i p o dos
descritos mais acima. Estes ganhos, no e n t a n t o , são obti-
dos aí de forma e s p o r á d i c a e menos i n f o r m a l . Eles não são
ainda o b j e t o de uma organização finaoeira específica, bem
lubrificados pelo capital f i n a n c e i r o e outros atributos do
grande capital. A r i g o r , d i z - s e que é exatamente o surgimen-
to da p o s s i b i l i d a d e desta apropriação que e s t a b e l e c e as oon
dições necessárias (porém não s u f i c i e n t e s ) para a penetra-
ção o u extensão do c a p i t a l incorporador àquelas esferas.
iluito embora este capital esteja associado a
parcela relativamente pequena do t o t a l da produção de habi-
tações, e l e assume considerável, para não d i z e r decisiva,
importância sobre o restante do mercado i m o b i l i á r i o urbano,
na medida que a f e t a de modo s i g n i f i c a t i v o o padrão de uso
do s o l o urbano, visando, ainda, a intervenção do Estado na
alocação e s p a c i a l de meios de consumo coletivos e na dosa-
gem de recursos financeiros disponíveis para os diferentes
segmentos da s o c i e d a d e , além de oontribuir fortemente para
a segmentação do processo do mercado de t r a b a l h o na constru
ção c i v i l e c o n d i c i o n a r o progresso técnico neste setor.
Eln suma, em contraste oom o e n f o q u e neoclás-
sico, i n t r o d u z i u - s e o conceito de capital i n c o r p o r a d o r , que,
investindo na o r g a n i z a ç ã o da ocupação do s o l o , apropria-se
das rendas fundiárias resultantes, na forma de lucros.
A partir daí, demonstrou-se que a atuação
deste capital modifica a matriz da e s t r u t u r a ç ã o urbana, re-
definindo, neste processo, suas p r ó p r i a s condições de repro
dução e expansão.
Não se t r a t o u , portanto, d e decompor os pre-
ços de imóveis i s o l a n d o seus fatores explicativos, mas, so-
bretudo, de d e s c o b r i r a lógica dos deslocamentos oontingen

77
ciais destes fatores oomo produzidos internamente num pro-
oesso jue a l t e r a as p r ó p r i a s características e possibilida
des de v a l o r i z a ç ã o imobiliária. Com i s s o , a segregação so-
cial no e s p a ç o , daí resultante, passa a ser atendida não
como um mero s u b p r o d u t o , mas oomo parte d e uma explicação
mais ampla sobre as i n t e r r e l a ç ó e s entre a estruturação ur-
bana e os p r ó p r i o s agentes responsáveis por e s t e prooesso.

78
UUALIDADE DOS SERVIÇOS PÜBLICOS PRESTADOS AOS FAVELADOS!
OPINIÃO DOS MORADORES DO PEREIRftO, MORRO DO URUBU E VILA
CATIRI

Ana E l e n a Behrens
Pesquisadora do PUR e do Colégio da América Latina

I n t r o d ução

Neste trabalho serão apresentadas as o p i n i


ões dos moradores de três favelas pesquisadas quanto ã qua
lidade dos s e r v i ç o s públicos prestados à sua comunidade.
Tais serviços -abrangem os dç correios, de telefone, de
transporte, de água encanada e e s g o t o , de luz e l é t r i c a , de
polícia, de c o l e t a de lixo, como também d e sua associação
de moradores.
As favelas p e s q u i s a d a s e estudadas a seguir
são: V i l a Pereira da S i l v a , Vila C a t i r i e Morro do Urubu.
Elas não deverão ser concebidas como sendo representativas
( s t r i c t u senso e s t a t í s t i c o ) das quase 400 favelas existen-
tes na cidade m e t r o p o l i t a n a do Rio d e J a n e i r o , mas como fa
velas tipo que r e p r e s e n t a r i a m , sim, outras f a v e l a s de ca-
racterísticas socio-eoonõmicas, urbanísticas e topográfi-
cas s e m e l h a n t e s . 0 critério adotado neste artigo é portan
to t i p o l ó g i c o , fundamentalmente. Assim s e n d o , a Vila Perei
ra da S i l v a é uma f a v e l a de e n c o s t a s , com duplo aoesso
(por cima e por b a i x o ) , localizada na zona s u l do Rio de
J a n e i r o e de composição sõcio-eoonômica r e l a t i v a m e n t e hete
rogênea, vis-à-vis outras favelas.
Morro do Urubu também é uma f a v e l a construí
d a sobre um morro e tem a desvantagem de t e r aoesso só pe-
la sua b a s e , alem de e s t a r localizada na zona norte do Rio
de J a n e i r o . A oomposição sócio-econõmica dos seus morado-
res e relativamente homogênea.
Vila Catiri, nossa favela-tipo, é uma fave-
la p l a n a e de m ú l t i p l o s acessos. Tal característica vanta-
josa é oompensada negativamente pelo afastamento d e s t a fa-
v e l a do centro d a cidade do Rio d e J a n e i r o : é uma favela
suburbana. A composição sõcio-eoonõmica d e seus moradores
é relativamente heterogênea.
0 critério na e s c o l h a das três favelas foi
tipológico, porém a amostragem i n t e r n a de cada f a v e l a é do
maior rigor e s t a t í s t i o o . Era todas e l a s , o tamanho da amos-
tra foi determifiado a fim de conseguir resultados estatis-
ticamente s i g n i f i c a t i v o s ao n í v e l de 5 % , oom um e r r o máxi-
mo de 8% na amostragem.
Oonseqüentemente, foram r e a l i z a d a s 94 e n t r e
vistas para os 198 domicílios cadastrados pela Light na fa
vela V i l a Pereira da S i l v a ; 106 e n t r e v i s t a s para 22 4 domi-
cílios cadastrados p e l a L i g h t na V i l a Catirl e 12 6 entre-
vistas para os 45 6 d o m i c í l i o s cadastrados pela Light no
Morro do Urubu. Os t o t a i s de e n t r e v i s t a s realizadas exoe-
dem as amostras mínimas necessárias em 2 , 10 e 10 domicí-
lios, respectivamente.
A p e s q u i s a de campo f o i realizada durante
os meses de o u t u b r o e novembro d e 1 9 8 4 , e foi financiada
pelo IDRC - I n t e r n a t i o n a l Development R e s e a r c h Centre do
Canadá.
Este artigo tem por base ura r e l a t ó r i o par-
c i a l de uma p e s q u i s a mais a b r a n g e n t e : Consumo energétlco
domi cl l i a r em f a v e l a s cariocas de A. Behrens (1985 ) , Colé-
gio d a América L a t i n a , s é r i e Estudos E-2. Portanto, algu-
mas d a s informações às q u a i s fazemos menção a q u i , a respei
to da condição sõcio-eoonômica dos moradores entrevista-
dos, estão i n c l u í d a s no q u e s t i o n á r i o o r i g i n a l , total, e
não no q u e s t i o n á r i o e s p e c í f i c o que anexamos a este texto.
Para consultar o q u e s t i o n á r i o t o t a l , pode-se requerer ao
Colégio da América L a t i n a - C a i x a P o s t a l 934 - CEP 2 0 0 0 1 -
Rio de Janeiro.

Vila Pereira da Silva

Os r e s u l t a d o s de nossa p e s q u i s a no Pereirão
(nome popular d a V i l a Pereira da S i l v a ) referentes às rei-

80
vindicações do s e r v i ç o p ú b l i c o ã sua comunidade são os se-
guintes :
a) No que d i z respeito ã distribuição da
correspondência, os moradores têm expressado uma opinião
heterogênea: a q u a r t a parte dos e n t r e v i s t a d o s o p i n a que es
te s e r v i ç o demora até três d i a s só na d i s t r i b u i ç ã o interna
das cartas rvo morro; o u t r a p a r t e , um terço aproximademen-
te, o p i n a que demora de três d i a s até uma semana a serem
entregues a seus d e s t i n a t á r i o s ; a outra terceira parte dos
entrevistados o p i n a que e s t e s e r v i ç o demora mais d e uma se
mana, podendo demorar até mais de duas semanas na sua d i s -
tribuição interna. Este p e s s o a l mais d e s c o n t e n t e expres-
sou-nos a sua r e l a t i v a i n s a t i s f a ç ã o com a d i s t r i b u i ç ã o da
correspondência no morro porque e l a depende do grau d e ami
zade e n t r e o d e s t i n a t á r i o e o mediador informal dos Cor-
reios, quem r e d i s t r i b u i a correspondência na favela.
A demora ou perda de cartas na sua distri-
buição informal nas favelas tem d e fato p r e j u d i c a d o econo-
micamente os d e s t i n a t á r i o s de contas a pagar com d a t a fixa
de vencimento.

TABELA 1

S e r v i ç o s de C o r r e i o segundo o tempo t o t a l d e duração da


d i s t r i b u i ção.

Respostas (tempo) Moradores (% )


até 3 dias 25,5
de 3 dias até 1 semana 32,9
mais de 1 semana 29,7
não sabem 11,7

T o t a l de respostas 94

A alternativa "de um d i a para o o u t r o " foi eliminada no


q u e s t i o n á r i o em v i s t a de ter-se mostrado redundante num
pré-teste do questionário.
b) No que d i z respeito ao uso do s e r v i ç o de
telefone comunitário na f a v e l a , é p r e c i s o d i z e r que são vá
rios os moradores que têm t e l e f o n e particular (registramos

81
sete telefones privados e n t r e os 94 e n t r e v i s t a d o s ) , que
normalmente são também usados por seus v i z i n h o s , principal
mente no recebimento de ligações. A existência destes te le
fones p r i v a d o s sugere um c o n s i d e r á v e l grau d e poder aquisi
t i v o de alguns moradores d e s t a favela. Há uma e v i d e n t e ca-
r ê n c i a de t e l e f o n e s que é amenizada pelos s e r v i ç o s que os
donos dos t e l e f o n e s particulares oferecem aos seus vizi-
nhos e amigos. Além dos t e l e f o n e s particulares. Vila Perei
ra da S i l v a tem um t e l e f o n e comunitário, um o r e l h ã o na qua
d r a do Blooo Pereirão, situado ao pé do morro.
Apenas a q u a r t a parte dos e n t r e v i s t a d o s tem
condições d e usar e s t e telefone com r e g u l a r i d a d e ; os ou-
tros três q u a r t o s do3 entrevistados moram morro acima, Ion
ge demais do aparelho, dificultando consideravelmente o
acesso d e s t e serviço à comunidade. Os moradores mais recen
tes d e s t a favela ficam, portanto, mais d i s t a n t e s dos pon-
tos "privi legiaios" da f a v e l a , sendo assim duplamente pre-
judicados, uma vez em função d a p r e c a r i e d a d e das rela-
ções de amizade com a nova comunidade, que os p r i v a dos
s e r v i ç o s dos telefones particulares, e o u t r a vez pela rela
t i v a m a r g i n a l i d a d e de sua localização, longe do telefone
oomuni t ã r i o .

TABELA 2

Distribuição dos domicílios segundo a distância até o tele


fone comunitário

Distância (em m e t r o s ) Domicílios (%)


até 5 0 2 4,0
d e 50 a 100 17,2
d e 100 a 2 0 0 2 4,7
mais de 2 0 0 - 26,8
não sabem 6, 4

T o t a l de respostas 94
c) Em r e l a ç ã o ao t r a n s p o r t e público, a oomu
nidade do P e r e i r ã o se b e n e f i c i a consideravelmente da sua
localização na zona s u l do Rio d e J a n e i r o , por poder reali

82
z a r suas a t i v i d a d e s mais importantes (tais como trabalho,
escola, e t c . ) perto de seu d o m i c i l i o . A maior parte dos mo
radores pode i r a pé até seu t r a b a l h o , ã e s c o l a dos fi-
lhos, etc., ao mesmo tempo que pode usar com r e l a t i v a facl
lidade o tonde de Santa T e r e s a , o ônibus e outros meios de
transporte. De f a t o , o meio de t r a n s p o r t e mais usado pelos
moradores ê o ô n i b u s (todos os e n t r e v i s t a d o s o usam, mesmo
que tenham que andar mais de 15 minutos até o ponto de õni
bus mais próximo. Embora o bonde de S a n t a T e r e s a seja mais
barato que o ô n i b u s , ele é apenas usado por menos da meta
de dos entrevistados. Nós sugerimos que i s t o aoontece por
causa da l o c a l i z a ç ã o do ponto do bonde, morro acima, e pe-
la maior d i v e r s i d a d e de d e s t i n o s o f e r e c i d a pelo ônibus.

TABELA 3

D i s t r i b u i ç ã o do tempo de percurso até o ponto de ônibus ou


bonde mais próximo

Tempo (em m i n u t o s ) Domicílios (%)


cnibus bonde
até 5 17,, 0 21,2
de 5 até 10 9,, 6 1.2
de 10 até 15 12,,8 5,0
mais de 15 60,,0 10,0
não se aplica 0 62 ,5

T o t a l de respostas 94 80

d) Quanto ã i n s t a l a ç ã o d e água encanada e


esgoto, esta comunidade e s t á s a t i s f e i t a com a atenção da
Cedae durante o ano p a s s a d o . Temos o u v i d o algumas queixas
d i s p e r s a s de e n t r e v i s t a d o s cujas instalações têm algum de-
feito. Mesmo restes casos, os t é c n i c o s têm v o l t a d o ao Pe-
reirão para c o r r i g i r os d e f e i t o s da i n s t a l a ç ã o . Todos os
94 e n t r e v i s t a d o s possuem água encanada e e s g o t o instalado.
e) Sobre a e f i c á c i a da Associação de Mora-
dores para os e n t r e v i s t a d o s da comunidade, há uma divisão
importante. A metade dos e n t r e v i s t a d o s , aproximadamente, fa
lou da e f i c á c i a d e s t a Associação em r e s o l v e r problemas da

83
comunidade. A o u t r a metade dos moradores entrevistados ex-
pressou uma r e s p o s t a negativa a este respeito (respostas
"não é " • respostas "nem sempre é " ) . Veja a Tabela 4. Este
último grupo d e pessoas queixou-se de que os d i r e t o r e s da
Associação ao resolverem os problemas da comunidade apro-
veitam para f a z e r uso de m a t e r i a l de construção conseguido
nas suas p r ó p r i a s ruas e casas., e aproveitam para fornecer
aos amigos mais chegados, em p r e j u í z o d a q u e l e s que não são
tão amigos .

TABELA 4

O p i n i ã o dos moradores sobre o t r a b a l h o da A s s o c i a ç ã o de


Moradores

Respostas Moradores (% )
é eficaz 43, 6
não é 14,9
nem sempre é 28,7 43, 6
não sei 12, 8

T o t a l de respostas 94

f) Quanto ã luz e l é t r i c a , a Light eletrifi-


cou o P e r e i r ã o instalando iluminação pública e individual
com medidores d u r a n t e a campanha d e e l e t r i f i c a ç ã o das fave
las do R i o , em 1 9 8 4 . Unbora os moradores d e s t a favela te-
nham e x t e r n a d o sua s a t i s f a ç ã o pelo s e r v i ç o d a L i g h t , apro-
veitaram nossa p e s q u i s a para e x p r e s s a r que as contas de
luz são multo c a r a s . Todos os e n t r e v i s t a d o s têm s e r v i ç o de
eletricidade com m e d i d o r .

g) No que d i z respeito ao atendimento da po


l l c i a dentro da favela, houve o p i n i õ e s d i v e r s a s . Veja a ta
b e l a de r e s p o s t a ã pergunta "sente-se. p r o t e g i d o p e l a polí-
cia?"

84
TABELA 15

O p i n i ã o dos m o r a d o r e s sobre o atendimento da policia na


comunidade

Respostas Entrevistados (%)


sim 15,9
não 50,0
nem sempre 2 2,3
não s e i 11,7

T o t a l de respostas 94

A proporção das respostas negativas "não";


na metade dos entrevistados, c o n t r a menos d e um q u a r t o das
respostas restantes afirmativas "sim" é significativa
desproporcional. Em p a r t e , estes resultados poderiam ter
uma e x p l i c a ç ã o especifica. 0 Pereirão foi persistentemente
interrogado pela policia por causa d e um a s s a s s i n a t o come-
tido no morro, em j u n h o d e 1984, t r ê s meses antes da nossa
pesquisa. Neste caso, o significado que teve a pergunta so
bre o atendimento d a p o l i c i a levou muitos moradores a invo
car lembranças das várias perseguições às s u a s casas.
De uma a n á l i s e m a i s d e s a g r e g a d a , discrimi-
nando as r e s p o s t a s pelo nível de renda familiar do domici-
lio, é possível c o n c l u i r _ que os moradores relativamente
mais abastados são o s que mais expressam a sua insatisfa-
ção em r e l a ç ã o aos serviços prestados pela polícia.
Por o u t r o lado a favela Pereirão tem uma
composição sócio-econõmica interna desigual, a julgar pela
d i s t r i b u i ç ã o de r e n d a dos m o r a d o r e s . Os m o r a d o r e s relativa
mente influentes da f a v e l a desconfiam dos moradores mais
pobres, criando-se um ambiente d i v i d i d o e inseguro na oomu
n i d a d e em g e r a l . A f a v e l a do P e r e i r ã o tem, portanto, uma
dupla insegurança: a i n s e g u r a n ç a dos moradores a respeito
da polícia e também a i n s e g u r a n ç a i n t e r n a dos moradores en
tre si.

85
Vila Catiri

a) Quanto ã d i s t r i b u i ç ã o d a correspondência
na V i l a Catiri, os moradores e n t r e v i s t a d o s expressam sua
satisfação pelo sistema. Assim, uma t e r c e i r a parte dos en-
trevistados respondeu que a c o r r e s p o n d ê n c i a ê entregue em
até três d i a s aos seus d e s t i n a t á r i o s . Aproximadamente ou-
tro terço respondeu que p o d e r i a demorar até uma semana. Po
der-se-ia d i z e r que um terço r e s t a n t e nada sabe sobre a de
mora do Correio porque não mantém correspondência com nin-
guém. Foram poucos os e n t r e v i s t a d o s abertamente desconten-
tes com o s e r v i ç o d e d i s t r i b u i ç ã o da correspondência den-
tro d a favela.

TABELA 6
Q u a l i d a d e do S e r v i ç o de Correio segundo o tempo de demora
na sua d i s t r i b u i ç ã o aos moradores d a V i l a Catiri

Respostas (tempo) Moradores (%)


até 3 dias 34,6
de 3 dias até 1 semana 2 9,9
de 1 até 2 semanas 2,8
não s e i 23,4

T o t a l de r e s p o s t a s 107

b) No que d i z respeito ao uso e posse de te


lefone comunitário. Vila Catiri tem somente um o r e l h ã o na
porta da sede d a Associação de M o r a d o r e s . Esta Associação
tem um e f i c i e n t e s e r v i ç o d e plantão para atender ã comuni-
dade, e também ura s e r v i ç o de oomunicação através d e alto-
falante que f a c i l i t a consideravelmente o atendimento das
ligações telefônicas dirigidas aos m o r a d o r e s . Nesta comuni
dade,o acesso ao t e l e f o n e públioo é facilitado pela topo-
grafia plana desta f a v e l a e sua u r b a n i z a ç ã o de t i p o radi-
al com a sede d a Associação l o c a l i z a d a quase no centro da
fave l a .

Por ú l t i m o , é importante d i z e r -jue durante


nossa p e s q u i s a , não registramos linhas telefônicas priva-

86
das em V i l a Catiri .

TABELA 15

D i s t r i b u i ç ã o dos domicílios segundo a distância até o te le


fone conunitãrio mais próximo

Distância (em m e t r o s ) Domicílios (%)


até 50 41,5
de 5 0 até 100 32 ,0
de 100 até 200 12,3
mais de 200 13,2
nãb s e i 0,9

T o t a l de r e s p o s t a s 106

c) Quanto ao uso dos m e i o s de transportes,


os moradores d e V i l a Catiri expressaram o uso predominante
do ô n i b u s , num t o t a l de 96% dos entrevistados. Por outro
lado, o :rem a p a r e c e em s e g u n d o l u g a r de uso p e l a comunida
de de V i l a Catiri. Ele é usado e f e t i v a m e n t e por 42% dos en
trevistalos. Tal preferência poder-se-la e x p l i c a r pela pro
x i m i d a d e do p o n t o d e ô n i b u s e a distância oonsiderãvel da
e s t a c ã o de trem ã V i l a Catiri. Acontece de f a t o que mesmo
os moradores q u e p r e f e r e m o trem como meio de transporte
(porque e mais b a r a t o do q u e o ô n i b u s ) são o b r i g a d o s a u-
sar um ó a i b u s até a e s t a c ã o d e trem m a i s próxima. Esta oon
d u c ã o mista t r e m / õ n i b u s apareceu como m u i t o popular entre
os moradores (quase a metade dos entrevistados usa e s t a mo
dalidade]. Em o o n s e q ü ê n c i a , embora não s e j a exclusivamen-
te, o ônibus aparece como o meio d e t r a n s p o r t e preponderan
te nesta favela.

Além d a d i s t â n c i a de V i l a Catiri aos referi^


dos pontes e e s t a c õ e s dos meios d e transporte, a distância
mais importante ainda é aquela entre a favela e o centro
da cidade. Ambas as d i s t â n c i a s encarecem consideravelmente
as despesas de t r a n s p o r t e destes moradores porque implicam
o pagamerto de d u a s conduções, s e j a de ô n i b u s exclusivamen
te o u de condução m i s t a até seus trabalhos, diariamente.

87
TABELA 15

Tempo de percurso a t é o p o n t o de ô n i b u s e da estacão


trem mais próximos

Tempo (minutos) Domicílios (%)


ônibus trem

até 5 40 , 0 1,1

até 10 38,0 0

até 15 4,8 1,1


mais d e 15 13,3 39, 6

não se aplica 3,8 58,2

Total das respostas 105 91

d) Quanto ã o p i n i ã o dos moradores a respei


to d a c o l e t a de lixo, as respostas mostram não h a v e r con-
senso na comunidade quanto ã qualidade deste serviço. Ape-
nas faremos algumas considerações. Vila Catiri tem atendi-
mento regular da Gomlurb p a r a coletar lixo. É possível que
este serviço não alcance t o d o s os d o m i c í l i o s desta favela.
Mesmo assim, a Comlurb c o l e t a o lixo num d e t e r m i n a d o ponto
da favela e, conseqüentemente, as r e s p o s t a s variam, possi-
velmente em r e l a ç ã o ã d i s t â n c i a dos domicílios a esse pon-
to. Há de fato muitos d o m i c í l i o s distantes, cujos morado-
res preferem jogar seu lixo nos fundos da f a v e l a do que le
vá-lo até ao p o n t o d e coleta. As respostas são as seguin-
tes: um t e r ç o aproximadamente opina que o serviço de cole-
ta de lixo é melhor na f a v e l a do q u e nas redondezas (lem-
bre-se q u e V i l a Catiri é uma f a v e l a s u b u r b a n a do Rio). Uma
quarta parte dos entrevistados aproximadamente o p i n a que é
pior na f a v e l a e, finalmente, pouoo m a i s de um t e r ç o opina
q u e o mesmo s e r v i ç o é igual ao d a s redondezas.

88
TABELA 15

Opinião dos m o r a d o r e s s o b r e os serviços de o o i e t a de lixo


na favela, comparados aos mesmos nas redondezas

Respostas Moradores (% )
melhor 30,2
pior 24,5
igual 39,6
não s e i 5,6

Total de respostas 106

e) No q u e d i z respeito ã instalação de água


encanada e de esgoto,temos os seguintes resultados: 89,7%
dos entrevistados r e s p o n d e r a m que j á têm água encanada.
Quanto à rede d e esgoto, 83,0% dos entrevistados (de um to
tal de 107 respostas) usara a i n d a v a l a aberta, e apenas 0,4%
nian i f e s t a r a m ter r e d e de^ e s g o t o instalado.
f) A opinião dos moradores a respeito da e-
ficãcia da A s s o c i a ç ã o dos M o r a d o r e s de sua comunidade foi
favorável em mais d a metade dos entrevistados. Uma quinta
parte das respostas restantes mostrou-se d e s c o n t e n t e com
ela, e outras respostas, mais d i s p e r s a s , foram v a g a s na
sua o p i n i ã o . Veja a tabela a seguir.

TABELA 10

Opinião dos moradores sobre a eficácia da Associação de


Moradores

Respostas Moradores (%)


é ef i caz sim 5 9,4
não é 2 0,7
nem sempre 10,4
não s e i 9, 4

Total de respostas 106

g) A informação l e v a n t a d a mostrou q u e Vila


Catiri foi eletrificada, na s u a t o t a l i d a d e , em 1 9 8 4 , con-
juntamente com o u t r a s favelas no R i o , dentro do projeto

89
realizado pela L i g h t . Devido a isso, uma percentagem alta
de 99% dos e n t r e v i s t a d o s respondeu afirmativamente quanto
ã existência da instalação de luz e l é t r i c a com medidor nos
seus domicílios.
h) As respostas dos moradores d e s t a comuni-
dade quanto ao atendimento da p o l í c i a d e n t r o da favela fo-
ram s i g n i f i c a t i v a m e n t e negativas. Veja a tabela seguinte.

TABELA 11

O p i n i ã o dos moradores sobre proteção d a p o l í c i a ã favela

Respostas Moradores (%)


sim 26,1
não 57,9
nem sempre 7,4
não s e i 8,4

Total de respostas 107

A l g u n s dos e n t r e v i s t a d o s desta comunidade


afirmaram que tinham s i d o roubados em s e u p r ó p r i o domicí-
lio. Isto sugere, também n e s t e c a s o , a e x i s t ê n c i a de uma
insegurança interna na f a v e l a d e V i l a Catiri, como possí-
vel conseqüência d a r e l a t i v a d e s i g u a l d a d e económica inter-
na na d i s t r i b u i ç ã o da renda f a m i l i a r nesta comunidade.

Morro do Urubu

a) Um terço d o s entrevistados consideram


que a c o r r e s p o n d ê n c i a chega ao s e u d o m i c í l i o em até três
dias. Pouc>.> mais d e um q u a r t o dos moradores não mantinham
correspondência com ninguém, aparentemente. A parte restan
t e dos e n t r e v i s t a d o s estã d i v i d i d a entte aqueles que res-
ponderam que a d i s t r i b u i ç ã o i n f o r m a l da correspondência no
morro demora d e três d i a s até uma semana, e aqueles que a-
firmaram que leva mais d e uma semana, podendo chegar até
mais d e d u a s . As cartas são entregues pelo Correio ã Asso-
ciação de Moradores do Morro do Urubu e d a l i são distribuí
das a seus d e s t i n a t á r i o s . Veja a tabela seguinte.

90
TABELA 12

Opinião dos m o r a d o r e s sobre a demora dos serviços de Cor-


reio na comunidade

Respostas (tempo) Moradores (%)


até 3 dias 31,5
de 3 dias a 1 semana 16,5
de 1 a 2 semanas 9,4
mais d e 2 semanas 12,6
não s e i 2 8,3

T o t a l das respostas 127

bl A r e s p e i t o do s e r v i ç o d e telefone oomuni^
t ã r i o o morro c a r e c e de o r e l h ã o . Não tem nem mesmo no lo-
cal d a A s s o c i a ç ã o d e M o r a d o r e s , onde trabalha diariamente
o pessoal ligado à Associação. Embora a ausência de telefo
ne c o m u n i t á r i o aqui impossibilitasse nossa pesquisa a res-
peito do custo das ligações para estes moradores, obtive-
mos informação sobre a existência d e p e l o menos d o i s tele-
fones particulares na f a v e l a , os q u a i s oferecem algumas
funções comunitárias, principalmente a respeito de trans-
missão d e recados a vizinhos e amigos.

TABELA 13

Distância dos domicílios até o t e l e f o n e mais próximo

Distância (em m e t r o s ) Domicílios (%)


até 50 2 8,3
de 50 a 100 34, 6
de 100 a 200 13,4
mais d e 2 0 0 22,8
não s e i 0,8

Total de respostas 127

•Fazemos r e f e r ê n c i a aqui a mais d e um t e l e f o n e , mesmo que


sejam privados e, portanto, não comunitários, dentro da fa
vela.

91
c) No que d i z respeito ao t r a n s p o r t e públi-
co, a m a i o r i a dos estrevistados (95%) usa o ô n i b u s como
meio d e transporte. Desse t o t a l , mais de um t e r ç o tem que
andar a pé d u r a n t e mais de 15 minutos até o ponto mais pró-
ximo. O u t r o terço dos e n t r e v i s t a d o s , mais p r i v i l e g i a d o pela
l o c a l i z a ç ã o d e seus d o m i c í l i o s na base do morro (que aliás
só tem acesso pór b a i x o ) , tem o ponto d e ô n i b u s mais próxi-
mo a uma d i s t â n c i a menor, a 10 minutos andando a p é . A ter-
c e i r a p a r t e r e s t a n t e dos e n t r e v i s t a d o s se d i s t r i b u i entre
os que têm que andar d u r a n t e 15 minutos até o ponto e aque-
les que têm que andar apenas 5 minutos até o ponto mais pró
ximo (veja a tabela a seguir). Entre aqueles moradores usuã
rios do trem oatio meio d e t r a n s p o r t e , a maior p a r t e tem que
andar bem mais d e 15 minutos até a estação mais próxima.

TABELA 14

Tempo d e p e r c u r s o e n t r e os d o m i c í l i o s e o ponto d e ônibus


ou e s t a ç ã o de trem mais próxima

Tempo do percurso Domicílios (%)


(minutos ) ônibus trem
até 5 9,1 0,9
d e 5 até 10 29,8 6, 8
d e 10 a t é 15 19, 8 5,1
mais de 15 35,5 42 , 8
não se aplica 5,8 44,4

Total de respostas 121 117

d) Quanto ao atendimento de água encanada e


rede de e s g o t o , a comunidade do Morro do Urubu recebe um a-
tendimento muito d e f i c i e n t e . 0 s i s t e m a mais comum usado pe-
los moradores para a obtenção d e água ê o d e b i c a coletiva,
que está localizada no pé do morro. Esta solução é muito
precária, porque os moradores têm que c a r r e g a r os latões de
água morro a c i m a , e também porque a água só chega na bica
por i n t e r v a l o s d e tempo e normalmente d u r a n t e a madrugada.

92
TABELA 15

Distribuição dos d o m i c í l i o s segundo a instalação de água

Tipo de instalação Domicílios (% )


ãgua e n c a n a d a 5,5
poço sem encanamento 0
poço com e n c a n a m e n t o 0
bica coletiva até 100 m 47,2
bica coletiva a mais d e 100 m 25,9
outros 21,2

Total de respostas 127

A solução mais usada na favela a respeito do


esgoto é a vala aberta (dois terços dos entrevistados apro-
ximadamente), mesmo q u e não s e j a d e m a n e i r a exclusiva de ou
tros sistemas.

TABELA 16

Distribuição dos d o m i c í l i o s segundo o t i p o de esgoto

Respostas Domicílios (%)


rede de esgoto 2,3
fossa séptica 3,1
fossa negra 23,0
vala aberta 69,0
outros 2,3

Total de respostas 12 6

Dada a constituição r o c h o s a do m o r r o , é possível que as res


postas "fossa séptica" e "fossa negra" não s e j a m corretas»
neste caso, poderiam ser assemelhadas às q u e d e c l a r a r a m "va
la aberta", que então t o t a l i z a r i a m 95% d a s respostas.
e) Quanto ã opinião dos moradores sobre a e-
f i c ã c i a d a A s s o c i a ç ã o dos M o r a d o r e s de sua comunidade, a
grande maioria dos entrevistados (82% num t o t a l d e 12 6) ex-
pressou-se favoravelmente.

f) A r e s p e i t o do s e r v i ç o d e luz elétrica na
favela podemos d i z e r que 99% d o s 127 entrevistados jã têm

93
esse s e r v i ç o com medidor em suas residências.
g) F i n a l m e n t e , a o p i n i ã o dos moradores en-
trevistados aqui sobre o atendimento da p o l í c i a na oomuni-
dade, em sua m a i o r i a é c o n t r á r i a às o p i n i õ e s levantadas na
favela Pereirão e em V i l a Catiri. Aqui, a metade das res-
postas o b t i d a s foi afirmativa, contra um t e r ç o das respos-
tas restantes negativas, como poderá s e r observado na tabe
la que se segue.

TABELA 17

O p i n i ã o dos moradores s o b r e atendimento p o l i c i a l d e n t r o da


favela (Pergunta: "Sente-se protegida pela polícia?")

Respostas Entrevistados (%)


sim 50,3
não 30,7
nem sempre 15,7
não s e i 3,1

Total de respostas 127

A d i s t r i b u i ç ã o da renda f a m i l i a r nesta oomu


nidade é mais uniforme do que nas o u t r a s favelas estudadas
(contrário ao q u e acontece nas favelas Pereirão e V i l a Ca-
tiri, onde há uma maior d e s i g u a l d a d e entre as rendas fami-
l i a r e s dos seus níoradores). É p o s s í v e l que e s t a maior homo
geneidade s o c i a l do Morro do Urubu redunde num sentimento
d e maior segurança do que parece a c o n t e c e r nas outras fave
las. Assim, por exemplo, alguns dos e n t r e v i s t a d o s que aqui
responderam que o s e r v i ç o d e p o l í c i a é bom, também disse-
ram "não p r e c i s a v a m t e r mais".

94
ALGUMAS NOTAS SOBRE TOPALOV

Pedro Abramo Campos


P e s q u i s a d o r do PUR/UFRJ

Este t r a b a l h o tem por o b j e t i v o tão somente


apresentar, a i n d a que de forma pouco e s q u e m á t i c a , uma cri-
tica a algumas idéias desenvolvidas por C r i s t i a n Topalov
acerca do p r o c e s s o de reprodução do c a p i t a l i i r o b i l i á r l o . As
sim, não temos a pretensão do r i g o r académico que um traba
lho de crítica e x i g i r i a , e nem o caráter d i d á t i o o que uma
revisão bibliográfica impõe. Nosso i n t u i t o é o d e apenas
listar algumas d ú v i d a s que ao longo da l e i t u r a dos textos
nos foram surgindo.
Para comentar T o p a l o v , utilizamos principal
mente o capítulo 5 d e seu l i v r o La u r b a n i z a c l o n capltalls-
ta e o artigo A n á l i s e do C i c l o de Reprodução do C a p i t a l In
vestido na Produção da I n d ú s t r i a d a Construção Civil. Ê im
portante frisar que nossa atenção estará voltada para as
análises que T o p a l o v faz do c i r c u i t o de reprodução do capi^
tal na e s f e r a i m o b i l i á r i a e suas implicações metodológi-
cas. Sendo assim, não vamos d i s c u t i r as p e c u l i a r i d a d e s da
renda fundiária próprias ao urbano, e nem o fato d e s s a ati^
vidade produtiva apresentar, no aspecto e s p a c i a l , um f a t o r
importante de s u a d i f e r e n c i a ç ã o em r e l a ç ã o às o u t r a s esfe-
ras de v a l o r i z a ç ã o do capital.
Acreditamos que nossa c r í t i c a tem um cará-
ter mais geral, ou s e j a , colocamos no p l a n o lógico-ooncel-
t u a l questões anteriores ao aspecto e s p a c i a l ou d e s c r i t i v o
da produção imobiliária.
A atenção que Topalov d e d i c a ao c i c l o de re
produção do c a p i t a l investido na e s f e r a imobiliária não é
aleatória. A opção d e a n á l i s e d e s t e c i r c u i t o do c a p i t a l a-
presenta-se como um desdobramento lógi co-oonceit uai de sua
apreciação do fenômeno da urbanização capitalista. Na mais
pura t r a d i ç ã o m a r x i s t a , Topalov d i s t i n g u e na urbanização
capitalista forças sociais que se interagem em um movimen-
to de contrários, onde os pólos tencionados d e s t e processo
são: o Estado - espaço no q u a l se decidem as aplicações pú
b l i c a s de provimento dos equipamentos de uso c o l e t i v o - e
os c a p i t a i s que u t i l i z a m o solo urbano como espaço de imo-
bilizações monetárias. A dupla ação d e s t e s d o i s movimentos
acoplados ã d i n â m i c a p a r t i c u l a r da reprodução da força de
trabalho c a r a c t e r i z a r i a o processo de urbanização capita-
lista.
A h i s t ó r i a da urbanização capitalista é a
h i s t ó r i a das transformações desta contradição sob o
impulso das lutas s o c i a i s que e l e engendra.
A contradição a que se r e f e r e T o p a l o v é a
n e c e s s i d a d e da s o c i a l i z a ç ã o da produção e do consumo, leva
da a e f e i t o pelo fenômeno d a aglomeração urbana, contrapos
ta às relações de produção c a p i t a l i s t a , em e s p e c i a l , os se
tores que n e c e s s i t a m de solo urbano no seu processo de au-
to-expans ão.
Entretanto, o processo de urbanização capi-
t a l i s t a se m a n i f e s t a m a t e r i a l m e n t e , ou s e j a , a idéia de ur
bano para Topalov se c o n c r e t i z a no conoeito d e marco cons-
truído. 0 processo de urbanização é também a produção de
um conjunto d e m e r c a d o r i a s , que no seu todo p r o p o r c i o n a um
v a l o r de uso complexo, mas que na sua i n d i v i d u a l i d a d e (ha-
bitações residenciais, edifícios para fins industriais, lo
jas comerciais, etc.) são produzidas pelo capital. Assim,
para se compreender a manifestação aparente, qual seja, o
processo de c o n f i g u r a ç ã o do marco c o n s t r u í d o , é mister ter
claro o processo d e produção d e s s a s mercadorias imobiliá-
rias. Surge daí ,a preocupação de T o p a l o v em c a r a c t e r i z a r e
definir analiticamente e s t e processo particular de produ-
ção, bem como os agentes sociais envolvidos nesta trama
produti v a .
Ê s e g u i n d o esse t r a j e t o teórioo, que Topa-
lov tomará oomo s e u o b j e t o de estudo o c i c l o de produção
imobiliária. Sem d ú v i d a a demarcação de seu o b j e t o é rigo-
rosa e conceitualmente elegante, d e n t r o da t r a d i ç ã o france
sa mas, ao tomarmos contato com o núcleo de sua contribui-

96
ção, algumas d ú v i d a s nos surgiram.
As i n t e r r o g a ç õ e s críticas que vamos desen-
volver podem s e r apresentadas em d o i s níveis. 0 primeiro,
de caráter g e r a l , diz respeito a uma d i s c o r d â n c i a em rela-
ção ao atendimento de alguns conceitos formulados em 0 ca-
pital e que são largamente empregados por T o p a l o v . A nosso
ver, algumas p a s s a g e n s de Marx em O c a p i t a l estão restri-
tas a níveis d e abstração específioos, e sua u t i l i z a ç ã o em
outros contextos, sem a n e c e s s á r i a meditação t e ó r i c a , é
despropositada, dando margem a construções artificiais. O
segundo nível d e c r í t i c a se r e f e r e a uma extrema simplifi-
cação operada por Topalov em algumas p a s s a g e n s . Temas que
poderian s u s c i t a r um amplo e controverso debate são trata-
dos de forma r u d i m e n t a r e muito pouco d e s e n v o l v i d a , em que
se i d e n t i f i c a a completa i n d i f e r e n ç a de Topalov em relação
ã questão da transformação dos v a l o r e s em p r e ç o s , sabida-
mente p r o b l e m á t i c a . Outra passagem importante em sua obra
e que é t r a t a d a de maneira pouco o o n v e n i e n t e , devido â for
ma simples e i n g ê n u a em que i apresentada, refere-se â for
mação dc cálculo económico do promotor. Na terminologia da
t e o r i a econômica diríamos que e s t a é a questáo central na
d e c i s ã o de i n v e s t i r do c a p i t a l i s t a . Acerca d e s t a discussão
hã uma vasta l i t e r a t u r a de controvérsias.

Começaremos enunciando o que nos parece ser


o núcleo da argumentação t e ó r i c a de T o p a l o v em relação ao
c i c l o de reprodução do c a p i t a l imobiliário. O autor cons-
trói sua argumentação a p a r t i r dos esquemas de formação do
preço de produção m a r x i s t a . Para e l e , a p r i m e i r a questão é
identificar a maneira como se d i s t r i b u e m os valores gera-
dos no processo produtivo imobiliário e as e v e n t u a i s expro
pri ações de v a l o r e s , produzidos fora desse âmbito, pelos a
gentes sociais que atuam nesse c i c l o de reprodução. Para
t a l .oonstrói uma ampla t i p o l o g i a dos personagens envolvi-
dos nessa trama p r o d u t i v a , passando em s e g u i d a a definir
seus papéis sociais.

Sem d ú v i d a , e s s a tipologia nos a u x i l i a a en-


tender melhor a ampla a r t i c u l a ç ã o de frações do capital

97
que se e f e t u a no processo de produção do bem imobiliário.
Porém T o p a l o v , ao p r e t e n d e r dar um s i g n i f i c a d o teórico a
essa tipologia, passa a discutir as bases reais sobre as
quais essas frações do c a p i t a l se movimentam. Mos termos
m a r x i s t a s do d e b a t e , procura sair da expressão fenomênica
do movimento do capital para a e s s ê n c i a d e s s e processo.
Na t e n t a t i v a de o p e r a r e s s e movimento, Topa
lov retomará uma máxima de Marx (livro III de 0 capital) ,
quando d i z que o somatório da m a i s - v a l i a é i g u a l ã massa
d e lucro da s o c i e d a d e . Porém, a distribuição do lucro não
é diretamente proporcional à mais-valia incorporada no pro
duto. Em outros termos: se Marx no seu l i v r o I afirmava
que as trocas se e f e t i v a v a m a p a r t i r de uma r e l a ç ã o de e-
q u i v a l ê n c i a dos v a l o r e s incorporados, no l i v r o III esta
afirmação será r e q u a l i f i c a d a e as trocas efetivamente não
mais serão e f e t u a d a s por uma relação de i d e n t i d a d e entre
os v a l o r e s . Esta é uma questão p r o b l e m á t i c a na economia mar
- 56
x i s t a e seu d e b a t e ] a d u r a mais d e um s é c u l o .
Topalov para e x p l i c a r os movimentos de
transferências de v a l o r e s na a t i v i d a d e imobiliária utiliza
se d e s s e núcleo d e conceitos m a r x i s t a s juntamente com as
contribuições de Marx sobre as t e o r i a s da renda d a terra.
Assim, a p a r t i r d e um i n s t r u m e n t a l conceituai básico anco-
rado nas formulações de Marx a c e r c a da formação do preço
de produção e algumas passagens d e sua t e o r i a da r e n d a . To
palov busca d e f i n i r os v a l o r e s que fundamentam o preço do
bem i m o b i l i á r i o , para em s e g u i d a d i s t i n g u i r como e s s e s va-
lores são apropriados pelos atores s o c i a i s envolvidos no
c i c l o de reprodução imobiliário. E é na p a r t i c u l a r i d a d e do
"processo de reprodução ampliada do capital investido na
produção de h a b i t a ç õ e s " que Topalov identifica a possibiii
dade de frações do c a p i t a l se apropriarem d e valores.
A a n á l i s e das condições específicas da re-
produção do c a p i t a l investido na produção de habita-
ções faz s u r g i r duas condições exteriores a este capi
tal: um fluxo de c a p i t a l d e g i r o e um fluxo d e solo-

98
Mas o que gostaríamos de frisar, e que será
a fonte de nossa d i s c o r d â n c i a , ê que Topalov toma a lei do
valor oomo uma lei de g r a v i t a ç ã o , ou s e j a , para o autor,
Marx constrói sua l e i do v a l o r como fundamento dos preços
na s o c i e d a d e capitalista. Neste s e n t i d o , a lei do valor
desvendaria a superfície enganadora dos p r e ç o s . Qualquer a
nãlise económica que se pretenda filiar à tradição marxis
ta, d e v e r i a v o l t a r - s e para a e s s ê n c i a da s o c i e d a d e capita-
l i s t a - a produção de mais-valia - para só d e p o i s visuali-
zar seu caminho em d i r e ç ã o à forma lucro.
Nossa posição é de que este s e r i a um primei
ro movimento da o b r a de Marx, em e s p e c i a l no l i v r o I,
que, entretanto, não se r e s t r i n g i r á a uma a n á l i s e estática
da s o c i e d a d e capitalista. Depois de d e s m i s t i f i c a r a merca-
doria, e l e e n u n c i a que a l e i do v a l o r é , antes d e mais na-
da, uma lei de v a l o r i z a ç ã o do c a p i t a l , uma l e i que opera
o movimento D-D' , o u s e j a , é uma l e i que se d e f i n e no movi
59
mento de auto-expansao do capital.
A opção de Topalov por tomar a lei do v a l o r
oomo uma lei em torno da q u a l os preços gravitam, leva-o a
aplicar os esquemas d e t r a n s f e r ê n c i a s de v a l o r e s intra e
interdepartamentais, formulados por Marx para e x p l i c a r mo-
vimentos tendenciais do c a p i t a l , às a n á l i s e s do c i c l o de
reprodução do c a p i t a l imobiliário. Topalov utiliza-se lar-
gamente d e s s e s esquemas de t r a n s f e r ê n c i a s de valores agre-
gando a e l e s as e s p e f i c i d a d e s da a t i v i d a d e i m o b i l i á r i a , fri
sando, principalmente, aquelas que criara o b s t á c u l o s ao li-
vre f l u x o das t r a n s f e r ê n c i a s e assim p o s s i b i l i t a m a atua-
ção de frações do c a p i t a l no s e n t i d o d e se apropriarem de
sobrelucros. Lista, então, um conjunto de possibilidades
de s o b r e l u c r o s e s p e c í f i c o s do c i c l o de reprodução do capi-
tal imobiliário.60
C a b e r i a aqui una crítica metodológica a Topa
lov. Pois, ao u t i l i z a r - s e da o o n c e i t u a l i z ação de Marx dos
movimentos de t r a n s f e r ê n c i a s de v a l o r e s , Topalov passa por
cima do contexto t e ó r i c o em que e s t e s conceitos foram for-
mulados e utilizados por Marx. Ao e n u n c i a r os movimentos

99
de t r a n s f e r ê n c i a s de v a l o r e s , Marx está operando no campo
t e ó r i c o das l e i s de movimento ao n í v e l do c a p i t a l em geral
(capital médio). De forma alguma Marx e s t á d i s c u t i n d o o mo
vimento d a p l u r a l i d a d e dos capitais na sua concretude. Sua
questão t e ó r i c a v i s a à e l a b o r a ç ã o d e l e i s d e movimento do
c a p i t a l i s m o que tem como e x p r e s s ã o histórica a tendência,
a concentração e c e n t r a l i z a ç ã o do c a p i t a l d e um l a d o , e de
outro a tendência ao d e s e n v o l v i m e n t o potencializado das
forças produtivas. A expressão histórica destas forças ten
denciais é uma o u t r a t e n d ê n c i a imanente ao capitalismo,
qual seja, a sobreacumulação e a conseqüente queda nas ta-
61
xas de lucro.
Como T o p a l o v não e s t á operando ao n í v e l do
capital era g e r a l , sua d i s c u s s ã o ficará restrita â prática
r e a l de segmentos do c a p i t a l , no âmbito, portanto, da plu-
ralidade dos capitais. Sendo assim, há que s e c r i a r media-
ções t e ó r i c a s entre as formulações do c a p i t a l em g e r a l pa-
ra adequá-las ao n í v e l d a p l u r a l i d a d e dos capitais. Alguns
autores i n d i c a m o plano d a concorrência intercapitalista
como sendo um o b j e t o de e s t u d o a p a r t i r do q u a l se poderia
estabelecer mediações teóricas entre estes dois níveis. To
palov não percebe e s t a s d i f e r e n c i a ç õ e s nos níveis analíti-
cos de Marx. A p r o p ó s i t o e s t a a r g u t a observação de Possas:
p n í v e l de g e n e r a l i d a d e das afirmações de
Marx acerca das leis tendenciais do c a p i t a l i s m o cor-
responde precisamente ã a n á l i s e do c a p i t a l em geral,
isto é , o capital em sua média i d e a l , abstraído da
sua forma r e a l de p l u r a l i d a d e de capitais.62
Resumindo e s t e primeiro n í v e l de crítica,po
deríamos d i z e r que T o p a l o v , ao conceber a t e o r i a do valor
como uma t e o r i a d a g r a v i t a ç ã o dos p r e ç o s , e não, como insi
nuamos, uma t e o r i a d a v a l o r i z a ç ã o , onde a questão central
estaria repousada na t e n t a t i v a de e x p l i c a ç ã o de um valor
que no seu movimento se auto-expande, não percebe os dis-
t i n t o s patamares analíticos da o b r a de M a r x . Acreditamos
que, ao t r a t a r analiticamente um ramo e s p e c í f i c o de valori
zação do c a p i t a l como se e s t i v e s s e no plano do c a p i t a l em

100
geral, Topalov termina coiistruindo uma a n á l i s e por demais
arti f i c i a l .
Como nos indicam t e x t o s recentes, é necessá
rio, nas apreciações acerca da p l u r a l i d a d e dos c a p i t a i s , le
var em consideração uma i n f i n i d a d e d e o u t r o s movimentos
que não entram na apreciação do c a p i t a l em g e r a l . Talvez
por não perceber e s t a s u t i l e z a t e ó r i c a , T o p a l o v incorre em
simplificações exageradas oomo veremos a seguir.
A primeira simplificação a que vamos nos
referir,diz respeito â operação de transformação dos valo-
res em preços de produção. É sabido que encontrando difi-
culdades nessa passagem l ó g i c a de O c a p i t a l , Marx utilizou
se, para fins o p e r a c i o n a i s , da mediação d a t a x a média de
lucro, assumindo a formulação c l á s s i c a de t a x a d e lucro u-
niforme. Esta a t u a r i a no s e n t i d o de operar a transformação
dos valores em preços de produção, momento em que se redis
tribuiria a mais-valia entre os capitalistas, ou s e j a , a
transformação também s e r i a o mecanismo pelo qual as trans-
f e r ê n c i a s de v a l o r e s se e f e t u a r i a m . Mas M a r x , ao formali-
zar e s t a o p e r a ç ã o , i n c o r r e u em um e r r o lógioo quando, na
mesma i d e n t i d a d e , operou com v a l o r e s e preços de produção.
Bortkiewicz no começo do s é c u l o t e n t o u dar nova forma ás
equações de Marx de transformação d e v a l o r e s em preços de
produção. Suas hipóteses, porém, eram demasiado restriti-
vas e logo surgiram outras formulações que tentaram sanear
o que se considerava uma s a n g r i a no aparato oonceitual de
Marx. Foi porém E o r t k i e w i c z que primeiro formulou a ques-
tão da t r a n s f o r m a ç ã o , em H a r x , a p a r t i r de um esquema de
equações simultâneas, onde os insumos (CtV), os produtos
finais e a t a x a de lucro deveriam s e r simultaneamente de-
terminados. Este procedimento "pode ser oonsiderado como
tendo preparado o terreno e d e f i n i d o os termos do moderno
tratamento da m a t é r i a " . ® " ' Em certa m e d i d a , a formulação do
processo de transformação nos termos das equações simultâ-
neas, efetuado por B o r t k i e w i c z , prepara o t e r r e n o para as
críticas recentes dos neori c a r d i a n o s . Amparados na obra d e

101
raolidora de S r a f f a , passam a fazer uma c r í t i c a contundente
d a passagem do v a l o r a preço de produção, em Marx. Grosso
modo, podemos resumir suas críticas nos s e g u i n t e s termos:

1 - a taxa d e lucro média não pode ser d e f i n i d a antes dos


preços, pois e l a se e x p r e s s a a p a r t i r dos preços;
2 - na operação d® tlarx, e s t a taxa é d e f i n i d a antes, ca-
racterizando um procedimento tautológico;
3 - se a taxa de lucro só pode ser d e f i n i d a simultaneamen-
te aos preços e se os insumos e os produtos finais po-
dem s e r r e d u z i d o s a quantidades físicas quantificadas
p e l a q u a n t i d a d e de t r a b a l h o incorporado, não haveria
mais n e c e s s i d a d e de uma t e o r i a do v a l o r tendo o trabn-
64
lho a b s t r a t o como unidade p a d r a o .

A s s i m , os d e b a t e s sobre e s t a questão passam


a ser mais intensos e os m a r x i s t a s assumem uma a t i t u d e de-
fensiva no c o n f r o n t o com os autores ã escola neoricardia-
na. Napoleoni a r r o l a quatro grandes posições de autores
marxistas frente a este debate:6^

- a primeira s e r i a a dos convertidos ao neoricardianismo.


P o s t u l a o abandono d a t e o r i a do v a l o r t r a b a l h o por " s u a in
capacidade de cumprir seu o b j e t i v o , a saber, a determina-
ção c i r c u l a r na t a x a de lucro e dos preços;"66
- a segunda p o s i ç ã o é aquela d e f e n d i d a por autores marxis-
tas que afirmam que Marx não buscava propriamente a trans-
formação dos v a l o r e s em preços de p r o d u ç ã o , mas da mais-
valia a suas formas fenomênicas. Ê uma posição claramente
defensiva e que não e n f r e n t a a discussa posta, procurando
p r i o r i z a r o u t r a s passagens da obra de M a r x :
- a t e r c e i r a é a dos m a r x i s t a s ortodoxos e "pode ser clas-
sificada como uma não p o s i ç ã o : consiste em negar a priori
qualquer problema na passagem e f e t u a d a por Marx dos valo-
res aos preços de produção, s e j a d e ordem l ó g i c a ou teóri-
ca!...) renunciam a qualquer debate racional sob o argumen
to de que as o p i n i õ e s d i v e r g e n t e s não entenderam o que
realmente Marx q u e r i a d i z e r ou s o b a c o n s i g n a de que seus

102
i nter locuttores não são m a r x i s t a s " ; ^
- uma quairta posição admite a p e r t i n ê n c i a d a c r í t i c a , po-
rém não accredita que s e j a uma c r í t i c a mortal ã o b r a econô-
mica d e M;arx. P o s t u l a que e s t a questão e s t á em a b e r t o , não
resolvida,, e descortinada a p o s s i b i l i d a d e de um amplo deba
te tendo <como e i x o a obra de M a r x , efetivamente servindo
para revittalizã-la.

Como vimos, a questão da passagem dos valo-


res a p r e s o s d e produção é teoricamente uma controvérsia
importante no oorpo da t e o r i a econômica m a r x i s t a . Topalov,
porém, a ilgrora completamente e o p e r a suas transferências
sem m a i o r e s constrangimentos. O que torna mais grave o ca-
so da utilização dos esquemas de t r a n s f o r m a ç ã o , em Topa-
lov, é q u e ele os u t i l i z a para apenas um segmento do capi-
tal, o q u e é sem d ú v i d a uma a g r a v a n t e , pois mesmo os esque
mas de Boctkiewicz só podem ser utilizados para o conjunto
da economiLa, o u s e j a , só podem s e r operados ao nível do ca
pitai em geral.

O u t r a questão cuja complexidade T o p a l o v pa-


rece d e s c o n h e c e r ê a que s e r e f e r e ao c á l c u l o eoonómioo do
capitalista. Na t e o r i a econômica, a d e f i n i ç ã o do cálculo
económico do c a p i t a l i s t a envolve a c r u c i a l questão da decl
são d e i n v e s t i r , fonte d e inumeráveis d i s c u s s õ e s e que te-
rá i m p o r t â n c i a d e c i s i v a na d e f i n i ç ã o do n í v e l de demanda
e f e t i v a d a economia, pois o conjunto das d e c i s õ e s de invés
tir definem o investimento agregado da economia. Topalov
descreve o cálculo económico do promotor d e forma muito
pouco analítica. Sua fórmula do cálculo eoonómioo é mera-
mente contábil. Enunciando a t a x a d e lucro do promotor:
"o lucro l í q u i d o sobre o c a p i t a l comprometido multiplicado

pelo número de períodos d u r a n t e os q u a i s se encontra imobi_


68
lizada" , Topalov e v i d e n c i a s u a extrema s i m p l i f i c a ç ã o eco
nômica. A primeira c r í t i c a que poderíamos f a z e r é que Topa
lov pensa o cálculo econômico de forma e s t á t i c a , tal qual
o pensamento neoclássico. Não i n c o r p o r a a d i n â m i c a ecorvómi
ca c a p i t a l i s t a em sua r e f l e x ã o do c i r c u i t o do c a p i t a l imo-

103
biliário. Para t a l , deveria necessariamente levar em con-
sideração a concorrência capitalista, ou s e j a , que cada de
cisão d e i n v e s t i r ê tomada i n d i v i d u a l m e n t e pelo capitalis-
ta, mas q u e , t o m a d a esta d e c i s ã o , e l a influirá nas condições
de tomada de d e c i s ã o dos outros capitalistas. Outra ques-
tão, que em c e r t a ' m e d i d a é d e o o r r e n t e da a n t e r i o r , termi-
nantes nas c o n c e i t u a l i z a ç õ e s das d e c i s õ e s d e i n v e s t i r , e a
que se r e f e r e ao tempo econômico. Esta noção tem uma face
histórica, um c a r á t e r cronológico, mas o que é mais
impor-
69
tante é apreender a noção t e ó r i c a do tempo económico ,
constituindo-se era um p r é - r e q u i s i t o indispensável para se
compreender como a d i n â m i c a capitalista se estabelece. Pas
semos então a s u a definição:
" a noção de tempo económico envolve três ti
pos d e c o n s i d e r a ç õ e s referentes ao e f e i t o do tempo sobre
as d e c i s õ e s dos agentes económicos:
1 - a ação dos acontecimentos do passado s o b r e as decisões
do presente;
2 - o efeito, por i n t e r a ç ã o do s i s t e m a eoonõmioo, das deci
soes futuras, no futura;
3 - e o e f e i t o das expectativas acerca dos acontecimentos
0
futuros s o b r e as d e c i s õ e s presentes".

D e uiua forma simples e esquemática podería-


mos d i z e r : a i n f l u ê n c i a do passado sobre o p r e s e n t e , do
p r e s e n t e sobre o futuro e do futuro (esperado) sobre o pre
sente. Assim, a economia capitalista é estruturalmente ins-
tável e, neste s e n t i d o , as d e c i s õ e s d e i n v e s t i r dos capita
listas são tomadas numa e x p e c t a t i v a d e i n c e r t e z a s . A ques-
tão do tempo econômico é d e t a l forma importante e contro-
v e r s a que d o i s autores fundamentais na moderna t e o r i a eco-
nómica, e que produziram obras com grande a f i n i d a d e em i n ú
meros p o n t o s , discordam quanto à proeminência d e s t e s tem-
pos s o b r e a d e c i s ã o de i n v e s t i r do c a p i t a l i s t a . São eles:
Kalecki e Keynes. O primeiro a c r e d i t a que a d e c i s ã o de in-
vestir está intimamente r e l a c i o n a d a com as d e c i s õ e s toma-
das no passado pelos capitalistas e que seus efeitos estão

104
se fazendo s e n t i r no p r e s e n t e . Keynes j á credita à incer-
t e z a do futuro o elemento determinador na d e c i s ã o de invés
tir. S e r á era função da e x p e c t a t i v a quanto ao provável lu-
cro futuro que o c a p i t a l i s t a i n v e s t i r á o u manterá seu di-
nheiro em formas mais líquidas. Tal e x p e c t a t i v a quanto ao
futuro rendimento do c a p i t a l , Keynes cunhou d e eficiência
marginal do c a p i t a l . Mas, mesmo d i s c o r d a n d o quanto à deter-
minação da d e c i s ã o d e i n v e s t i r , tanto Keynes quanto Ka-
lecki admitiram o tempo econômico oomo um f a t o r fundamen-
tal no calculo do capitalista.
Por d e s c o n s i d e r a r estas questões, Topalov
não consegue aprofundar a discussão limitando-se, uma vez
mais, à mera d e s c r i ç ã o , sem maior desdobramento analítico.
Para concluir, gostaríamos, entretanto, de
r e s s a l t a r que as a n á l i s e s de Topalov têm o mérito pioneiro
de abordar o processo de v a l o r i z a ç ã o do c a p i t a l imobiliá-
rio. Sua t i p o l o g i a dos capitais envolvidos neste processo
de produção r e p r e s e n t a uma contribuição importante aos de-
senvolvimentos teóricos futuros, porém, ao o p t a r p e l a aná-
l i s e do ciclo d e reprodução do c a p i t a l imobiliário a par-
t i r da concepção e s t á t i c a e g r a v i t a c i o n a l d a t e o r i a do va-
lor, impediu-se d e d a r passos mais conseqüentes em d i r e ç ã o
a uma oompreenção mais completa da a t i v i d a d e imobiliária.
Acreditamos que para t a l é necessário incorporar Ura amplo
legado d a t e o r i a ecorômica, objetivando a construção do
que s e r i a a c a r a c t e r i z a ç ã o d a dinâmica económica do setor
imobiliário. Assim, torna-se i m p r e s c i n d í v e l abrir a agenda
de d i s c u s s õ e s a temas que Topalov não e x p l o r o u , tais oomo:

- Como se p r o c e s s a a d e c i s ã o de i n v e s t i r d e s t e capitalista
que tem o espaço como uma v a r i á v e l importante ao s e u le-
que d e i n c ó g n i t a s ? Ou s e j a , como o tempo econômico atua
tendo o espaço oomo uma v a r i á v e l ?
- tii que termos se e s t a b e l e c e a concorrência intercapitalis
ta no s e t o r ?
- Como se manifestam as i n c e r t e z a s , crises e instabilidade
do s e t o r ? E q u a i s suas implicações?

105
- Como as p o l í t i c a s fiscais, creditícias e de distribuição
de rendas afetam o setor?
- 0 setor adquire características cíclicas tal qual outros
s e t o r e s ? Estas características cíclicas se diferenciam
dos outros setores?
- Como se dá a formação do preço imobiliário, já que o seu
mercado é tão atípico?
- Qual a relação que o s e t o r e s t a b e l e c e oom o r e s t a n t e da
eco no mi a?

Enfim, haveria uma i n f i n i d a d e de questões


que um estudo d a d i n â m i c a econômica do s e t o r d e v e r i a res-
ponder.

106
POR Q UE É NECESS/iRIO O ESTUDO DO NORTE FLUMI NENS E

Carlos Eduardo Rebello de Mendonça


Professor da Faculdade Cândido Menles - Campos e Mestrarvlo do IEi/UFRJ

Notas sobre um seminário

A r e a l i z a ç ã o do seminário Acumulação e Po-


breza em Campos: Uma Região em Debate promovida pelo PUR/
UFRJ , e n t r e 2 6 e 2 8 de agosto de 1986, r e c o l o c a em ques-
tão, mais uma v e z , o ponto de p a r t i d a a p a r t i r do qual de-
vem s e r r e a l i z a d o s estudos sócio-eoonômicos a respeito de
áreas concebidas como economicamente deprimidas.

Os t r a b a l h o s apresentados durante o seminá-


rio abordaram, unanimemente, uma l i n h a de i n v e s t i g a ç ã o que
rompe oom os pontos de p a r t i d a adotados, tanto pelos pri-
meiros cepalinos, quanto com as primeiras oonceituações
marxistas do fenômeno do s u b d e s e n v o l v i m e n t o : baixo níva 1
t e c n o l ó g i c o das forças produtivas (especialmente na agri-
culcura); apropriação dos meios de produção (especialmente
a t e r r a ) enquanto valores de uso, d e s t i n a d o s ao autoconsu-
mo da mão-de-obra agrícola, 1 baixo nível de desenvolvimento
de um mercado de trabalho capitalista.
Contrariamente a estes supostos, os traba-
lhos apresentados no seminário mostraram que a Região de
Campos, mesmo apresentando-se como região de baixo nível
de crescimento da atividade industrial, e de presença
s i g n i f i c a t i v a da o f e r t a de t r a b a l h o na a g r i c u l t u r a 7 ^ , ca-
racterizou-se, basicamente, por um processo de expansão a-
c e l e r a d a das formas de produção i n d u s t r i a l i z a d a s , na agri-
cultura, aparentemente independente de uma acumulação pré-
v i a de capital na i n d ú s t r i a que pixlesse i m p u l s i o n a r este
processo de geração de uma a g r i c u l t u r a e s p e c i f i c a m e n t e ca-
pitalista. Está fora de d ú v i d a , no e n t a n t o , que t a i s for-
mas de produção, no espaço regional, não só e x i s t e m , oomo
ocupam o c i r c u i t o agrário campista na sua totalidade.
Este processo caracterizou-se, principalmen
te, pela d i f u s ã o e x t e n s i v a de instrumentos mecânicos nos
circuitos de produção a g r í a o l a da região e pela difusão
tecnológica financiada basicamente a p a r t i r de capitais ex
ternos concedidos ao c i r c u i t o agroindustrial da lavoura ca
navieira. A microregião açucareira de Campos (Municípios
de Campos, Conceição do Macabu, M a c a é , São F i d é l i s e São
João d a iarra) apresentou, considerada em c o n j u n t o , índi-
ces de mecanização das atividades agrícolas superiores a
qualquer unidade f e d e r a t i v a da Região S u d e s t e , com exceção
de São P a u l o . Os p e r c e n t u a i s de e s t a b e l e c i m e n t o s agrícolas
que, em 1980 , de acordo com o Ctenso A g r o p e c u á r i o , utiliza-
vam t r a t o r e s , arados de tração mecânica e colhedeiras, e-
ram, respectivamente de 8 , 2 8%, 6 , 5 84 e 1 , 2 6%, superiores,
portanto, aos í n d i c e s de d i f u s ã o de t a i s equipamentos para
os e s t a d o s de Minas Gerais (7,13%, 6,00% e 0,78%), Espíri-
to S a n t o (7,09%, 4,90% e 0,45») e o Rio de J a n e i r o em sua
totalidade (8,02%, 5,75% e 0,77%). Apenas os altos índices
de d i f u s ã o d e s t a s tecnologias para o Estado de São Paulo,
onde eram u t i l i z a d o s tratores por 30,75% dos est abe le cimen
tos agrícolas, arados de tração mecânica por 2 8, 36% e co-
l h e d e i r a s por 4,54%, parecem ter impedido a Região de Cam-
pos de alcançar um grau de i n d u s t r i a l i z a ç ã o do processo de
produção agrícola superior ã média g l o b a l d a Região Sudes-
te, muito e s p e c i a l m e n t e quanto ã u t i l i z a ç ã o de equipameri-
72
tos poupadores de mao-de-obra
Entre 1972 e 1 9 8 1 , os créditos agríoolas do
Banco do B r a s i l para fundação de lavouras e c u s t e i o para o
circuito c a n a v i e i r o do Estado do Rio de J a n e i r o passaram,
a preços de j u n h o / 1 9 8 2 , de Cr $22 . 3 3 3 . 000 a Cr $115 . 9 3 9 . 0 0 0 ,
tendo um crescimento real de 419,1%, contra um crescimento
r e a l d e 2 81,6% do t o t a l d e créditos agríoolas concedidos
3
para todo o e s t a d o .
Esta mecanização e x t e n s i v a do agrocampista
r e s u l t o u numa economia de mão-de-obra que d e t e r m i n o u , en-
tre 1970 e 1980, uma redução a b s o l u t a do nível de ocupação

108
a g r í c o l a de 5 8 0 0 1 para 46 903 p e s s o a s . Apesar do nível de
ocupação do s e t o r s e c u n d á r i o ter aumentado, no mesmo perío
do, de 21 679 para 41 696 pessoas e, no s e t o r terciário
(oomércio, serviços, transportes e oomunicações ) , ter pas-
sado de 35 636 para 57 2 0 1 p e s s o a s , a d i s t r i b u i ç ã o de ren
da na r e g i ã o , oom 7 0% da população maior de 10 anos de ida
de p o s s u i n d o , em 1 9 8 0 , rendas médias mensais de até um sa-
l á r i o mínimo, já permitiram c o n c l u i r que o crescimento do
emprego urbano na região e s t a r i a fundamentado, basicamen-
te, na autocriação d e ocupação por v i a d e biscates (espe-
cialmente no s e t o r s e r v i ç o s ) . Nestes biscates, o trabalha-
dor emprega-se a si próprio, em a t i v i d a d e s mais ou menos
7 4 -
lmprodutivas - comercio ambulante, prestaçao d e serviços
pessoais assemelhados à construção civil (carpinteiro, pe-
dreiro, por conta p r ó p r i a ) - o u incorpora-se ao s e r v i ç o do
méstioo (empregadas, caseiros) e ã i n d ú s t r i a de construção
como a l t e r n a t i v a s padrão para o t r a b a l h o na lavoura cana-
vieira. Ocorre, no e n t a n t o , que na medida que e s t a s alter-
nativas correspondem a uma d e s q u a l i f i c a ç ã o generalizada
das habilidades e s p e c í f i c a s d a mão-de-obra antes empregada
na l a v o u r a , o que temos é a formação de imensos contingen-
tes de mão-de-obra i n d i s t i n t a m e n t e empregados em ativida-
des agrícolas, i n d u s t r i a i s ou no s e t o r terciário. Os ní-
v e i s de remuneração do emprego urbano são r e b a i x a d o s cons-
tantemente, na medida que e x i s t e m como uma a l t e r n a t i v a de
s o b r e v i v ê n c i a quando não e x i s t e m empregos d i s p o n í v e i s no
setor agrícola.
Em j u l h o de 1 9 8 6 , quando a construção civil
no Norte Fluminense e s t a v a em p l e n a expansão apôs o Plano
de E s t a b i l i z a ç ã o Económica, pcevendo-se a criação de
25 000 empregos no s e t o r , o s a l á r i o d e um t r a b a l h a d o r espe
cializado (carpinteiro, p e d r e i r o e armador) regularmente
empregado e r a , de acordo com o P r e s i d e n t e do S i n d i c a t o da
Construção Civil, de C r $ 1 . 1 0 0 , 0 0 mensais, isto é, menos de
1 , 4 s a l á r i o s mínimos. Este s a l á r i o representava, por sua
vez, 125% do s a l á r i o mínimo de um s e r v e n t e não-quali fi cado

109
( C z $ 8 8 0 , 0 0 ) como p i s o e s t a b e l e c i d o p e l o s i n d i c a t o d a cate-
goria, cujo p r e s i d e n t e d e c l a r a v a s e r "um dos poucos sindi-
catos que f u n c i o n a em harmonia com a c l a s s e patronal ®. No
ta-se que e s t e p i s o é quase i d ê n t i c o ao ooncedido aos tra-
balhadores recém ^admitidos na agroidústria canavieira
(conforme o e s t a b e l e c i m e n t o após a greve d a c a t e g o r i a de
19 a 2 3 de junho de 1986) que e r a d e C z í 8 9 0 , 0 0 . 7 7 Temos en
tão que o s a l á r i o de um t r a b a l h a d o r regularmente emprega-
do, na Região d e Campos, gira, q u a l q u e r que s e j a o setor
de ocupação, em torno d e 1 , 1 0 salários mínimos.
A abundância de mão-de-obra na r e g i ã o , in-
d i s t i n t a m e n t e ocupada na a g r i c u l t u r a o u no s e t o r urbano, a
p a r t i r d a d e s q u a l i f i c a ç ã o do seu " s a b e r e s p e c í f i c o " , resul
t a na e x i s t ê n c i a d e uma reserva d e mão-de-obra concentrada
espacialmente em áreas urbanas, que funcionam como ponto
de concentração onde o t r a b a l h a d o r não-qualificado aguarda
pelas suas o p o r t u n i d a d e s d e ocupação. 0 reflexo disso é o
abandono d a v i l a o p e r á r i a como instrumento d e concentração
d a mão-de-obra empregada na a g r o i n d ú s t r i a do a ç ú c a r , e o
seu acúnulo em núcleos urbanos improvisados onde incumbe
ao t r a b a l h a d o r a s s e g u r a r por s i p r ó p r i o a reprodução das
- 78
suas condições d e m o r a d i a . Note-se, no e n t a n t o , que, du-
rante a última greve dos t r a b a l h a d o r e s na i n d ú s t r i a do açu
car, a i d é i a d e ^ e s t a b e l e c i m e n t o das v i l a s chegou a ser
considerada, como forma d e controle do movimento sindical,
na medida que "um t r a b a l h a d o r jamais adere a um movimento
de greve quando tem un rendimento indireto, como a casa,
sem pagar a l u g u e l . . . || A u s i n a | | s a b e onde mora cada um de
des e , se houver r e s i s t ê n c i a , manda apanhá-los em c a s a . . . | |
pois || se não comparecer ao t r a b a l h o , p e r d e r á a habitação
79
g r a t u i t a que lhe é o f e r e c i d a " .
Cbnsiderando, no e n t a n t o , a eficiência com
que se r e a l i z o u e s t e processo de e x p r o p r i a ç ã o d a mão-de-
o b r a dos seus meios d e produção e d e s u b s i s t ê n c i a , o cir-
cuito agrocanavieiro campista foi unanimemente caracteriza
do como d e s c a p i t a l i z a d o , mal a b a s t e c i d o d e matéria-prima,

110
carente J e t e r r a , e dependente de i n j e ç õ e s externas de ca-
pital para a sua reprodução. A d í v i d a do c i r c u i t o usineiro
n a c i o n a l para cora o IAA chegava, em s e t e m b r o / 1 9 8 6 , a US $7 90
milhões, i n c l u í d o s os US$220 milhões pagos através do Ban-
co d o B r a s i l em d í v i d a s não honradas junto a bancos inter-
nacionais (além d e pagamentos do mesmo t i p o , realizados em
1985 „ de US$380 m i l h õ e s ) , o que foi autorizado reservada-
mente pelo Conselho Monetário Nacional, p e l o voto n9 632 ,
80
de 2 7 ' / 1 2 / 1 9 8 5 . A CDPERFLU é a c o o p e r a t i v a d e usinelros
r 81
com a> menor d í v i d a e x t e r n a i s o l a d a : US$2 47 m i l h õ e s . A 30
de agfosto, no e n t a n t o , o p r e s i d e n t e do I A A , em v i s i t a a
Campois, ao mesmo tempo que anunciava que a d í v i d a usineira
não e ra mais d a competência do i n s t i t u t o , e sim do Banco
do Er.asil, prometia a liberação d e recursos para a implan-
tação do Plano R e g i o n a l d e I r r i g a ç ã o (PROJIR), fora os
C z $ 1 0 ( 0 milhões j á l i b e r a d o s para a região no Programa Na-
c i o n a l de I r r i g a ç ã o ; mais uma l i n h a de c r é d i t o para eletri
ficaçíão no mesmo v a l o r ; e recursos para a implantação de
uma pconte sobre o Rio P a r a í b a , que i r i a ligar o interior
r - - - 82
do murnicípio de são João d a Barra às usinas d e Campos.
Esta d e p e n d ê n c i a do c a p i t a l externo, ca-
racterrizada p e l a pressão e x e r c i d a pelo circuito campista
no s e n n t i d o d e canalizar recursos estatais para o estabele-
cimentto do chamado Plano d e I r r i g a ç ã o e Drenagem da Baixa-
da Camnpista (PROJIR), em que 180 000 ha seriam irrigados
arti fii.cialmente, visando ã elevação da p r o d u t i v i d a d e da
terra <e à g a r a n t i a d e suprimento adequado d e canas ao cir-
cuito \ usineiro, d e m o n s t r a r i a o baixo nível tecnolõgioo em
que o p o e r a o d i t o circuitoj sua má administração dos recur-
sos natiturais; sua subordinação aos i n t e r e s s e s da indústria
p r o d u t o o r a de máquinas e equipamentos - que t e r i a induzido
o agroocampista a mecanizar suas lavouras, quando o que se
faria nnecessãrio e r a o correto manejo d a t e r r a , especial-
mente a a p a r t i r d a s u a exploração p r e d a t ó r i a e do esgotamen
to d a s "capacidades originais e indestrutíveis" das terras
de Campípos.

111
Esta leitura r i c a r d i a n a da q u e s t ã o , adotada
por mim na minha contribuição escrita ao s e m i n á r i o , pode
estar correta, se pensarmos em termos d e uma racionalidade
puramente t é c n i c a na elaboração dos c i r c u i t o s de produção.
No e n t a n t o , ela r e l e g a o elemento especificamente social
d a que3tão: o d a o r g a n i z a ç ã o do espaço econômico, na sua
totalidade, pelo Capital; e, finalmente, o papel específi-
oo das relações entre Capital e Estado.

A reordenação do espaço econômico campista


pelo circuito usineiro

D u r a n t e o seminário "Acumulação e Pobreza


em Campos" foram r e c o r r e n t e s as e x t e r i o r i z a ç õ e s d e membros
d a mesa e de pessoas na p l a t é i a , de que o a g r o u s i n e i r o ti-
nha a n i q u i l a d o q u a l q u e r atividade a l t e r n a t i v a de ocupação
na r e g i ã o ; que em Campos i n e x i s t i a mercado d e trabalho;
que a lavoura d e mandioca em São João d a Barra t i n h a cedi-
do lugar a canaviais; que a pesca de águas interiores (la-
goas) tinha desaparecido em função dos aterros para plan-
tio de cana; que a p r o d u t i v i d a d e d a t e r r a e r a b a i x a não
por f a l t a de i r r i g a ç ã o , mas pelo uso do fogo, antes do cor
te da cana, para e v i t a r gasto com mão-de-obra na limpeza
de canas; que a única i n i c i a t i v a empresarial existente fo-
ra do c i r c u i t o usineiro, d o t a d a de apoio governamental (o
Terminal P e s q u e i r o de F a r o l de São T o m é ) , apenas contribui
r i a para e l i m i n a r a pesca a r t e s a n a l , pela impossibilidade
de acesso de pequenos barcos aos grandes bancos de pesca-
do; e assim por d i a n t e . Estas exteriorizações estão mais

ou menos s u m a r i z a d a s no t r a b a l h o apresentado no seminário


83
por V i a n n a .
Parece-me e v i d e n t e a veracidade destas afir
mações; o que não f i c o u e v i d e n t e no s e m i n á r i o foi, no en-
tanto, a racionalidade social implícita nos fatos a que e-
las se referem.
A ampliação da c a p a c i d a d e i n d u s t r i a l do cir
cuito usineiro, através d e c r é d i t o s do E s t a d o , d u r a n t e i

112
década de 7 0 , sem. que e x i s t i s s e uma p o s s i b i l i d a d e de aumen
to imediato d e matéria-prima d i s p o n í v e l , pode parecer irra
c i o n a l do ponto de v i s t a do senso comum; no e n t a n t o , o que
pode p a r e c e r f a l t a de s e r i e d a d e empresarial, torna-se uma
e s t r a t é g i a de recomposição agríoola de todo o Norte Flumi-
nense, se tivermos em mente a s i m b i o s e d e hã muito existen
te e n t r e Estado e a g r o i n d ú s t r i a canavieira.

O IAA não é uti órgão de p e s q u i s a e assistên


cia t é c n i c a (a não ser s u b s i d i a r i a m e n t e ; s e u órgão técni-
co, o IAA/PLANALSUCAR, só f o i criado na década d e 7 0 ) ; ele
é um órgão d e proteção do Estado a um circuito agrário
tecnologicamente atrasado, mas p o l i t i c a m e n t e influente -
a lavoura canavieira. As expressões locais deste circuito
n a c i o n a l d e s f r u t a m de uma proteção económica, enquanto ex-
pressão do s e u poder político,

A função do I A A , portanto, é atuar enquanto


parte do poder e s t a t a l , para a preservação do pacto políti
co e n t r e o poder c e n t r a l e determinadas "elites" políticas
locais, reproduzindo as oondlções económicas em que estas
"elites" permanecem " e l i t e s " . Ao conceder fundos que capa-
citavam o c i r c u i t o usineiro campista a r e a l i z a r a sua re-
produção ampliada ro s e t o r i n d u s t r i a l , o I A A cumpria rigo-
, 84
rosamente a sua função como orgao p o l i t i c o . i4uito especial
mente porque, ao p e r m i t i r ao c i r c u i t o usineiro campista re
alizar sua reprodução i n d u s t r i a l ampliada, dava a este mes
mo c i r c u i t o condições d e p l e i t e a r (e o b t e r ) recursos para
mecanizar a agricultura e, mais t a r d e , irriga'-la. A ques-
tão d a ampliação do parque i n d u s t r i a l das usinas no início
da d é c a d a de 70; a questão d a mecanização d a lavoura cana-
v i e i r a durante a mesma d é c a d a ; a questão do PROJIR na d é c a
da de 80 são etapas num mesmo processo d e financiamento,
via recursos p ú b l i c o s , de um processo d e acumulação de ca-
pital privado por parte d e um grupo p o l i t i c a m e n t e bem s i t u
ado em relação ao Estado.
Quanto à mecanização e x t e n s i v a do agrocana-
vieiro, sem uma correspondente elevação da produtividade

113
agrícola regional, longe d e tratar-se de uma irracionalida
de econômica - apesar do papel a t i v o nela desempenhado pe-
la i n d ú s t r i a d e máquinas e e juipamentos , que fica expresso
de forma contundente no chamado " e s c â n d a l o do PROÂLCOOI." -
atendeu a uma e x i g ê n c i a b á s i c a de jualquer processo de acu
mulação capitalista: a formação de uma forca de trabalho
rigorosamente li\/re - no c a s o , livre para vender s u a força
de t r a b a l h o , d e s v i n c u l a d a de qualquer habilidade específi-
ca, indistintamente, a q u a l q u e r empregador p o t e n c i a l . Numa
economia capitalista plenamente d e s e n v o l v i d a , não é o em-
pregador que busca r e t e r mão-de-obra para apropriar-se de
sua força de t r a b a l h o , o que e x i s t e é uma mão-de-obra mais
ou menos atomizada, que procura a quem vender a sua força
de trabalho.
A questão do meio ambiente na Região d e Cam
pos pode ser t r a t a d a d a mesma forma, Basicamente, as alte-
rações ambientais determinadas p e l a expansão da l a v o u r a ca
navieira - o aterro g e n e r a l i z a d o das lagoas da r e g i ã o ; a
d e r r u b a d a das matas de r e s t i n g a ; os desmatamentos realiza-
dos nas v e r t e n t e s d a S e r r a do M a r ; o aterro das áreas de
raanguezais para a expansão pecuária como a t i v i d a d e agríco-
85
la complementar ã lavoura canavieira (através do plantio
de pastos resistentes a solos s a l i n o s ) - todos e s t e s fenô-
menos acabam por contribuir decisivamente para a acumula-
ção de c a p i t a l d e n t r o do circuito agrocanaviei ro, pela eli
minação de q u a l q u e r atividade alternativa à mão-de-obra
que e s t e circuito tem â sua disposição.
O aterro das lagoas implica a eliminação da
pe: a artesanal e o desmatamento na s e r r a , a extração arte
sanai de m a d e i r a s . A d e r r u b a d a dos mangues e n c e r r a a pesca
a r t e s a n a l de crustáceos e a extração d e madeiras para fa-
bricação de carvão (usado em fornos de o l a r i a s ) e para cur
tumes. A d e r r u b a d a das matas de r e s t i n g a implica a desapa-
rição da produção frutífera em regime de pequena explora-
ção (as matas de r e s t i n g a sendo a principal fonte d e pro-
dução de frutas como a g o i a b a , caju e m a r a c u j á ) . Assim, o

114
que aparece como i r r a c i o n a l i d a d e no manejo econômico da
t e r r a surge como processo de ocupação d e todos os espaços
d i s p o n í v e i s do horizonte económico pelo Capital.
A própria irrigação, ao l i m i t a r o acesso ã
água àqueles que se dispuserem a r e a l i z a r determinadas o-
bras, significaria a transformação de um recurso natural a
tundarite em matéria-prima d e acesso limitado.
Assim, o processo de o r g a n i z a ç ã o do circui-
to canavieiro encontra-se, no momento, dependente apenas
de mais uma t r a n s f e r ê n c i a de recursos p ú b l i c o s - o financl^
amento d a i r r i g a ç ã o - que lhe permita r e a l i z a r o seu obje-
tivo último: a g e n e r a l i z a ç ã o de formas estritamente capita
l i s t a s de produção no agroregional.

Conclusão

No texto por mim apresentado no seminário,


descrevi a situação atual do agrocampista como j á capitali
zado, porém ainda dependente do Estado para completar o
seu domínio sobre o a g r o r e g i o n a l , de forma a que a capita-
l i z a ç ã o da a g r i c u l t u r a resultasse numa e f e t i v a expansão do
lucro capitalista no r e f e r i d o circuito agrário. No c a s o , a
maneira p e l a q u a l t a l o b j e t i v o seria alcançado s e r i a atra-
vés da implementação do PROJIR.
A compreensão do processo d e desenvolvimen-
to do a g r o r e g i o n a l só s e r á , portanto, efetivada, se este
for estudado como processo eminentemente p o l í t i c o de arti-
culação e n t r e o Estado e as e l i t e s agrárias. Ê através do
estudo do papel do Estado na ordenação das formas de produ
ção no c i r c u i t o canavieiro campista, das ligações políti-
cas entre Estado e C a p i t a l usineiro, do papel do Estado na
elaboração dos planos de desenvolvimento r e g i o n a l - a ela-
boração do PROJIR, por exemplo, carece de uma interpreta-
ção d e s t e tipo - que se pode compreender o papel do Estado
no desenvolvimento do c i r c u i t o agrário r e g i o n a l e a nature
za de suas relações oom a e l i t e que controla e s t e circui-

115
A necessidade do estudo d a Região Norte í tu
minense, portanto, esta expressa basicamente no fato d e a
sua configuração social ser um c a p í t u l o a mais no entendi-
mento d a relação entre Estado industrial e elites agrá-
rias, ro s e n t i d o em que é o E s t a d o , supostamente "moder-
no", que age no s e n t i d o d e p r e s e r v a r o "arcaico".

A questão a ser respondida é : por que o es-


tado brasileiro mantém sua proteção sobre o circuito agrá-
rio campista? Qual a raiz deste pacto político com uma
classe possuidora eooromicarnente m a r g i n a l ? Q u a i s os objeti
vos d e s t a aliança? Esta s e r i a a l i n h a de investigação a
ser seguida.

116
REFERENCIAS BI ÉLIO GRÁFICAS

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bates , n? 6, 1982 , p . 43

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3 FOOT, F. e LEONARDI, V . O p . cit p . 185.

4 CAtD, W. O p . cit. p. 206

5 FOOT, F. e LEONARDI, V. Op. cit. p. 68.

6 CANO, /J. O p . cit. p. 12 3.

7 SMOLKA, Martim. E s t r u t u r a s lntra-urbanas e segregação


s o c i a l no e s p a ç o . PNPE, 1983, cap. II.

8 CANO, W. O p . cit. p. 225.

9 SMOLKA, Martim. O p . cit. p. 125.

10 FOOT, F. e LEONARDI, V . Op. cit. p. 192.

11 FOOT, F. e LEONARDI, V. Op. cit. p. 193.

12 SMOLKA, M. O p . cit. p. 70.

13 FOOT, F. e LEONARDI, V . Op. cit. p. 195.

14 ENGELS , F r i e d r i c h . La q u e s t i o n d u lo geme n t , Editions


Sonides, 1976.

15 FOOT, F. e LEONARDI, V. Op. cit. p. 199.

16 FOOT, F. e LEONARDI, V . O p . cit. p. 199.

17 SMOLKA, Martim. Op. cit. p. 89


1 8 Empresa .letropo l i t a n a d e Planejamento da Grande São Pau
lo. Percentagem de Autoconstrução na G r a n d e São Paulo,
1975. In: MARI C A T O , Ermínia. A produção capitalista da
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19 LI PI E T Z , Alain. Le Capital et son e s p a c e . Paris Maspe-


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Siap - Planteos, Buenos Aires, 197 4; OLIVEIRA, Francis-
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Doutorado, 1986 (Mimeo ) .

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2 1 MYRDAL, Gunnar . T e o r i a econômi ca e regiões subdesenvo 1 -


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22 CORAGGIO, J.L. Hacia una R e v i s i o n d e la t e o r i a de los


polos de d e s a r r o l l o . In: Planiflcación regional Y urba-
na en America Latina. Mexico, Siglo Veintiuno. 1974, p. 39-59.

23 PERROUX, F, L ' é c o n o m i e d u XX ème S i è c l e • P a r i s , PUF,


1964, p. 154.

24 00 RAGGIO , J . L . Op. cit. p. 51.

118
25 HERM ANS EN, T . Po los Y centras d e d e s o r r o l l o en el desar
rollo nacional Y regionais elementos de un marco teóri-
co para un enfoque s i n t é t i c o . In: Revista Lati no ame ri ca
na d e Estulos Urbanos Regionales, EURE, n9 10, v. 4.
Set. de 1974, Unoversidade C a t ó l i c a do Chile.

2 6 MARX, Karl. O Capital. 1. I, p. 7 3 0 , Marx Engels Werke.


Cf. MANDEL, Ernest. Le troisième âge du c a p i t a l i s m e , Pa-
ris, UGE, ool. 10-18, 1976..

2 7 LENIN, L. Le développement du c a p i t a l i s m e en Russie • Pa


ris. Editions S o c i a l e s , p. 55 4.

2 8 LEFEDVRE, H. Lénine, Paris, Eordas, 1977 .

2 9 1 bidem, p. 2 30.

30 I b i d e m , p. 231.

31 I b i d e m , p. 2 32 .

32 I b i d e m , p. 2 40.

33 I b i d e m , p. 2 47 .

34 C f . VALIER, J . Sur 1 'impériallsma. Paris, François Mas-


pero, 1975. p. 7.

35 I b i d e m , p. 7-8.

3 6 Ibidem, p. 21.

37 L I P I E T Z , A. Le c a p i t a l et son e s p a c e . Paris, Maspero,


1977 .

38 GRAMSCI, A . IJ. R l s o r g i m e n t o . Cf. MACCIOCCHI , M. A. A


favor de G r a m s c i . Rio de J a n e i r o , Paz e T e r r a , 197 6, p.
115 .

39 GRAMSCI, A . Alguns temas da g ues t ão m e r i d i o n a l . Temas


de C i ê n c i a s Humanas, n9 1, Grijalbo, 1977 , p . 39.

119
40 MACCIOCCHI, M. A. A favor de Gr ame c l . Rio de Janeiro,
Paz e T e r r a , 197 6, p. 118.

41 O L I V E I R A , Francisco d e . E l e g i a para uma Re (li) £iâo.


Rio de J a n e i r o , Paz e T e r r a , 1977, p. 122

42 O L I V E I R A , Francisco d e . Op. cit. p. 29.

43 O L I V E I R A , Francisco d e . Op. cit. p. 27.

44 DUARTE, A l u i z i o Capdevílle, Regionalização - considera-


ções metodolõgi cas . Boletim d e G e o g r a f i a T e o r é t l c a , Rio
Claro, 10 (20): 5-32, 1980.

45 Ibidem

46 O L I V E I R A , Francisco d e . Op. cit.

47 I b i d e m . S e m i n á r i o I n t e r n a c i o n a l Sobre D i s p a r i d a d e Regio
nal. Estudo Comparativo entre o Nordeste e o Mezzoglor-
no da I t á l i a . Ago. S e t . 1981. Recife, Sudene, 19 82.

4 8 Ibidem. Ibidem.

49 LI PI ETZ / s. n. b. / 1971.

50 SAYAD / s. n. b. / 1977 .

51 V I E I R A DA CUNHA e SMOLKA / s. n. b. / 1980.

52 LAMARCHE / s. n. b. / 1976, p. 93.

5 3 V I E I R A DA CUNHA e SMOLKA. O p . cit.

5 4 V I E I R A DA CUNHA e SMOLKA. O p . cit.

55 T O P A I O V , C. La urbanizaclón capitalista.

5 6 MORLS HI MA. , M . e CATEPHORTC , G. V a l o r , exploração e


eres cimento . Z a h a r , cap. 7.

120
57 TOPALOV, C. A n á l i s e do ciclo d e reprodução do capital
investido na produção d a i n d ú s t r i a d a construção civil.
In: PORTI , R.

5 8 iiORISHIMA, M. O p . cit. e TAVARES, M. C. O movimento do


capital. CEBRAP n 9 25.

5 9 BELUZZO. V a l o r e c a p i t a l i s m o . Brasiliense.

60 TOPALOV, C. O p . cit. p. 62-65.

61 Rosdolky citado em Possas (1984).

62 POSSAS, M, Marx e os fundamentos d a dinâmica econômica


capitalista. R e v i s t a d e Economia P o l i t i c a , v . 4, n9 3,
1984. Ver também TAVARES, A . C. Op. cit.

63 MO RI S Hl HA , A . Op. cit. p. 167.

64 CAREGNANI. D e b a t e sobre l a t e o r i a m a r x i s t a d e i valor.


Cadernos Passado Y P r e s e n t e , n 9 82 .

65 POSSAS, M. v a l o r , preço e c o n c o r r ê n c i a : não é preciso


começar tudo desde o i n í c i o . R e v i s t a d e Economia Politi
ça, v. 2, n? 4, 1982.

66 POSSAS, M. O p . cit. citando Garegnani, p. 73.

67 POSSAS, M. O p . cit. p. 75.

68 TOPALOV, C. La u r b a n l z a c i ó n capitalista. Op. cit. p.


111.

69 POSSAS, M. O p . cit. 1964

70 Idem p. 78

7 1 RANDOLPH , Rainer. Estrutura e dlnâmica do emprego em


Campos . Rio de J a n e i r o , PULLIPUR/UFRJ, 1986.

121
72 REtELLO DE MENDONÇA, Carlos Eduardo. Emprego urbano e
agricultura na regi ão de Campos • Rio de J a n e i r o , PUBLT -
PUR/UFRJ, 1986, p. 117.

7 3 S ANT' ANA, André S a n t o s . O sucesso da crise na regi ão de


Campos. Tese d e M e s t r a d o , UFRRJ, Itaguaí, 1984, p. 2 05.

7 4 REBELLO DE MENDONÇA. O p . cit. p. 105-108.

75 BENETTI, Pablo. Unlflcação do mercado d e t r a b a l h o rural


urbano. Rio de J a n e i r o , PUBLIPUR/UFPJ , 1986.

7 6 CONSTRUÇÃO c i v i l gera 25 mil empregos no NF. FOLHA DA


MANHÃ, Campos, 8 j ul. 1986.

77 ACORDO põe fim ã greve na a g r o i n d ú s t r i a . FOLHA DA MA-


NHÃ, Campos, 24 j un 1986.

7 8 PIQUET, Rosélia. Salário, moradia, cidade: a dlnãmi ca


de uma e x c l u s ã o . Rio d e J a n e i r o , PUBLIPUR/ UFRJ, 1986.

79 HABITAÇÃO gratuita, um instrumento n e u t r a l i z a d o r de gre


ve das usinas. FOLHA DA MANHÃ, Campos, 22 jun. 1986.

80 DOCUMENTO t é c n i c o propõe r e v i s ã o do PROÃLCOOL. FOLHA DE


SÃO PAULO, São Paulo, 19 mar. 1986.

81 AÇOCAR dá p r e j u í z o de Cr$l,7 tri ao Tesouro Nacional.


FOLHA DE SÃO PAULO, São P a u l o , 7 dez. 1 985 .

82 IAA vai i n c e n t i v a r maior p r o d u t i v i d a d e . FOLHA DA MANHÃ,


Campos, 31 ago. 1986.

83 VIANNA DA CRUZ, J o s é Luiz. A n á l i s e do p e r f i l ocupacio-


nal d a população de b a i x a renda de Campos • Rio de Janei
ro, PUBLIPUR/UFRJ, 1986.

84 SZMRÊCSANYI, Tamãs. O planejamento d a a g r o i n d ú s t r i a ca-


navieira ro Brasil (1 930-1 975 ) .HUCITEC/UNI CAMP, São Pau
lo, 197 9, p. 213

1 22
85 NO NORTE Fluminense usinas drenam lagoas e usam o leito
seco para p l a n t i o e p a s t a g e n s . O GLOBO, Rio d e Janeiro,
17 ago. 1986; DEMARCAÇÃO da lagoa do Campelo v a i sair.
FOLHA DA MANHÃ, Campos, 19 ago. 1986; DESMATAMEOTO muda
até clima de Macabu. 0 GLOBO, Rio d e J a n e i r o , 27 abril
1986; DESMAT AMENTO em Gragaú ameaça f a u n a . FOLHA DA MA-
nhã, Campos, 8 jun. 1986.

123
ANEXO 1

QUESTIONÁRIO REFERENTE AOS SERVIÇOS PÚBLICOS NAS FAVELAS


APLICADO PELO COLÉGIO D E AMÉRICA LATINA DURANTE OS MESES
D E OUTUBRO E NOVEMBRO DE 1984

DADOS S O B R E OS SERVIÇOS DE ATENDIMENTO

1- O S r . (a) SENTE-SE PROTEGIDO PELA POLÍCIA?


1- S I M 2- NAO 3- NEM SEMPRE 4- NAO SEI

2- TEM FALTADO ÁGUA NA FAVELA NOS ÜLTIMOS 15 DIAS?


1- S I M 2- NAO 3- NEM SEMPRE 4- NAO SEI

3- QUANTO DEMORA UMA CARTA, ENTREGUE AO CORREIO D E S T A CIDA


DE, EM CHEGAR EM SUAS MÃOS ?
1- A T É 3 DIAS
2- D E 3 DIAS A 1 SEMANA
3- D E 1 A 2 SEMANAS
4- MAIS D E 2 SEMANAS
5- NAO SEI

4- QUAL A D I S T A N C I A ATÉ O T E L E F O N E COMUNITÁRIO MAIS PRÓXI-


MO DA SUA CASA?
1- 5 0 M
2- DE 5 0 A 100 M
3- D E 100 A 200 M
4- MAIS D E 2 00 M
5 - NAO ' S EI

5- QUANTO TEMPO P R E C I S A O S r . ( a ) ANDAR, D E S D E A S UA CASA,


PARA PEGAR o Ô N I B U S ? E O MÊTRO? E O TREM?
1- ATÉ 5 MINUTOS
2- A T É 1 0 MINUTOS
3- A T É 15 MINUTOS
4- MAIS D E 15 MINUTOS
5- NAO S E APLICA

6- A A S S O C I A Ç Ã O D E MORADORES DA SUA COMUNIDADE, NO SEU


VER, LUTA ADEQUADAMENTE PELA RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DA
FAVELA?

1- S I M 2- NAO 3- NFM SEMPRE 4- NAO SEI

124
... EA PASTORAL DE FAVELAS?
1- SIM 2-NAO 3- NEM SEMPRE 4- NÍO S E I

COMPARANDO A COLETA DE L I X O NA FAVELA COM AS DAS REDON-


DEZAS DA FAVELA, O S R . ACHA QUE NA FAVELA A COLETA Ê:
1- MELHOR 2- PIOR 3- IGUAL 4- NÃO S E I

125
INDICE

Trabalho, Capital e Espaço Urbano:


Notas Sobre o Caso Brasileiro
Rosêlia Piquet

Observações Sobre a Questão Regional


Hermes M. T a v a r e s

O Capital I n c o r p o r a d o r e seus Movimentos


de Valorização
Martim Oscar Smolka

Q u a l i d a d e dos S e r v i ç o s Públicos Prestados


aos F a v e l a d o s : O p i n i ã o dos Moradores do
Pereirão, Morro do Urubu e V i l a Catiri
Ana Elena Behrens

Algumas Notas Sobre Topalov


Pedro Abramo Campos

Por Que é N e c e s s á r i o o Estudo do Norte Fluminense


Carlos Eduardo R e b e l l o de Mendonça ....

Referências Bibliográficas

Anexo 1 .

126

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