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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Faculdade de Ciências Econômicas - FCE


Departamento de Ciências Econômicas
Disciplina de Economia Monetária I – ECO 02002
2017 – Textos Selecionados, Resumidos ou Adaptados
2 A Intermediaçäo Financeira
2.1 Os Benefícios da Intermediaçäo e as Funções de um Sistema Financeiro
2.2 O Surgimento da Intermediaçäo Financeira
2.3 Relações, Mercados e Sistemas Financeiros
2.4 Os Mercados Eficientes (ou Não), os Custos de Transação e as Assimetrias de Informações
2.5 O Banco Central
2.6 As Estratégias de Regulação Financeira
2.7 As Inovações Financeiras e as Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros
2.8 A Seleção Adversa
2.9 O Risco Moral
2.10 Crise Financeira e Atividade Econômica Agregada
2.11 As Taxas de Juros e a Taxa de Retorno
Anexo: As Expectativas Racionais nos Mercados Financeiros e a Teoria dos Mercados Eficientes
2 A Intermediaçäo Financeira
A existência da intermediaçäo financeira pressupõe que o sistema econômico tenha superado o
estágio das trocas diretas. Em uma economia em que as trocas se estabelecem por meio do escambo
não há possibilidade de formação de mercados monetários e financeiros e de intermediação de ativos
monetários e financeiros. As atividades dos agentes econômicos restringem-se à produção, ao
intercâmbio direto, ao consumo presente e à estocagem de ativos reais destinados ao consumo futuro
(poupança) eu ao investimento.
O funcionamento de uma economia sob tais condições é precário. Trata-se, como se viu no
capítulo anterior, de uma forma primitiva de organização da atividade econômica, na qual impera a
perda de eficiência na alocação dos recursos e o bloqueio às possibilidades de especialização e de divisão
do trabalho. Este tipo de organização econômica acabou por ceder lugar a formas mais avançadas de
organização, em que a moeda (em um primeiro estágio) e a intermediação financeira (em estágio
subsequente) são introduzidas.
Portanto, mesmo que uma economia já tenha superado o escambo e as atividades econômicas
sejam traduzidas pelo uso da moeda, esta economia estará em estágio precário de desenvolvimento,
dado que a moeda será o único ou o dominante ativo monetário-financeiro. Todas as economias
desenvolvidas, e mesmo muitos países menos desenvolvidos, têm complexos sistemas monetários e
financeiros, nos quais a moeda é apenas um dentre muitos ativos representativos da riqueza.
A dimensão e as características da intermediaçäo financeira na economia, em determinado
período de tempo, dependeräo da magnitude dos déficits e dos superavits de seus agentes econômicos,
mas também da predisposiçäo destes agentes em financiar seus déficits e em aplicar seus superavits. As
bases institucionais em que a intermediaçäo se apóia também são fatores de determinação da
importância da intermediação financeira.
Nesta linha, J.G.Gurley e E.S.Shaw, em "Money in a Theory of Finance" (1960), destacaram as
seguintes pré-condiçöes para que se estabeleça a intermediação financeira:

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a) superaçäo do estágio do escambo;
b) criação de bases institucionais para o funcionamento do sistema financeiro;
c) existência de agentes econômicos deficitários e superavitários, respectivamente dispostos a financiar
seus déficits monetários aos custos correntes e a transformar seus ativos monetários em ativos
financeiros, aos riscos e possibilidades correntes de remuneração real.
Ainda no que se refere à terceira pré-condição, observa-se que podem ocorrer três diferentes
situações quanto aos orçamentos correntes dos agentes econômicos (indivíduos, famílias, empresas e
governos), que transacionam em dada economia:
a) agentes econômicos com orçamentos monetários equilibrados, cujos gastos em consumo e em
investimento, com bens e serviços correntemente produzidos, são iguais ao total da renda corrente
recebida, sendo que a igualdade entre investimento e poupança configura um financiamento interno;
b) agentes econômicos com orçamento deficitário, cujos gastos em consumo e investimento, com bens e
serviços correntemente produzidos, são superiores ao montante da renda corrente recebida1;
c) agentes econômicos com orçamento superavitário, cujas despesas de consumo e investimento, em
bens e serviços correntemente produzidos, são inferiores ao montante da renda corrente recebida2.
Os agentes econômicos deficitários exercerão a demanda de recursos financeiros para a
cobertura de seus déficits, enquanto os agentes superávitários exercerão a oferta de seus superavits.
Entre as duas situações posicionam-se os intermediários financeiros, cuja atividade consiste em viabilizar
o atendimento das necessidades financeiras de curto, de médio e de longo prazos dos agentes carentes
e a aplicação, sob riscos minimizados, das disponibilidades dos agentes com excedentes monetários.
Trata-se, portanto, de atividade que estabelece a ponte entre os agentes que poupam e os que estão
dispostos a gastar além dos limites de suas rendas correntes, antecipando rendas futuras e apoiando-se
em expectativas de realização destas3.
2.1 Os Benefícios e as Funções de um Sistema Financeiro
O financiamento direto resulta do contato, sem intermediaçäo, de agentes deficitários com
superavitários, dispostos a negociar os termos da transferência de recursos de uns para os outros. Em
relação ao financiamento indireto (com intermediação) provê maiores custos privados e sociais.
Isto porque o financiamento direto esbarra em inúmeras dificuldades operacionais. É improvável
que os agentes deficitários desejem, individualmente, tomar empréstimos nas mesmas condições em
que os superavitários se dispõem a concedê-los, além do que se deve esperar que os agentes deficitários
e, em especial os superavitários, assumam encargos referentes à análise das possibilidades de seus
ganhos reais, vinculados à exposição aos riscos e incertezas envolvidas na operação. Essas
inconveniências e custos, somados à alta exposiçäo a riscos e incertezas, tornam os financiamentos
diretos pouco atraentes4.

1
Existem, portanto, dois diferentes tipos básicos de dispêndios deficitários financiáveis: o consumo e o investimento. A
diferença fundamental entre ambos é que o financiamento do consumo expande, no período atual, a capacidade global de
dispêndio da economia, enquanto o financiamento do investimento, além de expandir a demanda no presente, possibilita
também a expansão da capacidade futura de produção da economia.
2
Assim, além da acumulaçäo de ativos reais, resultantes do dispêndio em bens de investimento, os agentes econômicos
superavitários podem acumular ativos financeiros, mediante a aplicaçäo de seus excedentes monetários nestes ativos, que
se caracterizam como investimentos financeiros.
3
Esta transferência de ativos monetários dos agentes superavitários para os deficitários, feita pelos bancos, implica em
aumento do endividamento dos agentes deficitários e este endividamento, por sua vez, deve ser limitado pela capacidade
de pagamento dos devedores.
4
Aqui não se faz distinção entre os conceitos de financiamento (crédito para um fim determinado e conhecido do credor) e
de empréstimo (crédito para fim indeterminado e desconhecido do credor).

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Há, assim, para os agentes econômicos individuais, assim como para a economia agregada,
justificativas para a realização de atividades especializadas de intermediaçäo financeira. Para os agentes
econômicos individuais, os benefícios resultantes da intermediaçäo financeira são:
a) no quadro de riscos e de incertezas que caracteriza a dinâmica econômica, os agentes exigem
julgamento e capacidade de previsäo em suas decisões, o que torna aconselhável que os agentes
superavitários, em vez de administrarem suas próprias posições em ativos financeiros, confiem essa
atividade a instituições especializadas, tecnologicamente equipadas para assumir este papel;
b) ao abranger grande número de agentes, de regiões diferentes e de atividades diversificadas, as
instituições financeiras reduzem os riscos das suas operações;
c) os intermediários financeiros ampliam as possibilidades dos agentes econômicos deficitários obterem
excedentes monetários livres no ato de suas necessidades, assim como expandem as oportunidades dos
agentes superavitários, quanto à absorção de seus excedentes no mercado monetário;
d) os intermediários financeiros, mediante o uso de tecnologia, de diversificação de riscos e de
economias de escala, ajudam a reduzir os custos de transação, que se referem ao tempo, à segurança e
ao dinheiro gastos para efetuar trocas de ativos, bens ou serviços.5
Para a economia agregada, os benefícios da intermediaçäo financeira podem ser desdobrados em
dois grupos:
a) a intermediação pode tornar mais eficaz a formação de capital e o crescimento econômico de longo
prazo, mediante maior incentivo à poupança, bem como pode aumentar a eficiência do investimento,
uma vez que os recursos captados pelos intermediários financeiros tendem a ser aplicados na formação
de capital em atividades que resultam em retornos privados e sociais maiores do que resultariam da
aplicação direta de superavits, sem intermediação;6
b) a intermediação financeira e a prestação de serviços financeiros pode também elevar os níveis
correntes de consumo, produção, emprego e renda ao ampliar as possibilidades de acesso de
consumidores e de produtores aos mercados monetário, cambial, de capitais e de crédito, favorecendo a
expansão da demanda agregada no curto prazo e, em especial, no médio prazo.
Além da sua função essencial de processar os fluxos de financiamento indireto da economia, as
instituições financeiras desempenham as seguintes funções subsidiárias:
a) transformação de escala, pois quem poupa geralmente adquire ativos financeiros de menores
denominações, ao passo que as empresas tomadoras de crédito e de capital preferem lidar com
contratos e títulos de maior denominação;
b) transformação de liquidez, pois os poupadores geralmente preferem ativos financeiros de alta
liquidez, ao passo que as empresas exigem tempo para concluir seus ciclos de produção e vendas, assim
como seus projetos de investimento;
c) transformação de risco, pois as instituições financeiras mantém uma carteira de papéis de muitas
empresas, em diferentes segmentos econômicos e regiões geográficas e, desta forma, transferem
implicitamente essa diversificação do risco para os poupadores;
d) monitoramento, pois as instituições financeiras não apenas coletam e analisam dados para avaliar
empréstimos, como também monitoram a gestão da firma tomadora destes créditos, para se manterem
informadas sobre a situação financeira da firma e assim zelarem pela adimplência dos contratos de
empréstimo e pelo valor de seus ativos mobiliários.
5
Concomitantemente, os intermediários financeiros também contribuem para a construção da confiança do público em
geral e dos seus clientes em particular na solidez e na ética comportamental das instituições financeiras. Sempre que esta
confiança é quebrada, perde-se este que é o principal pilar de sustentação das instituições financeiras.
6
No longo prazo, assim considerado o período em torno de 10 anos e além, a influência da moeda e do crédito na economia,
que já tende à neutralidade no médio prazo, dá lugar à preeminência de fatores reais, como a produtividade e a inovação
como determinantes dos ciclos econômicos mais longos.

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À medida que aumentam a renda e a riqueza de uma economia, tende também a crescer a sua
estrutura da intermediação financeira. Quanto mais desenvolvido o estágio de intermediação financeira,
mais eficaz tende a ser a formação de capital, através do estímulo à poupança, e mais eficiente a
alocação de recursos. Existe, assim, paralelismo entre o nível de desenvolvimento econômico e o nível de
desenvolvimento da intermediação financeira.
A existência de instituições de intermediação financeira além das necessidades correntes da
economia (o que pode resultar de um longo período de alta inflação)7 conduz a uma tendência de
redução do tamanho e de simplificação do sistema de intermediação (após o alcance de um cenário
consolidado de estabilidade de preços). Isto até que os serviços e produtos ofertados pelo sistema
financeiro sejam compatíveis tanto com os fluxos de demanda e de oferta de serviços financeiros
provenientes do sistema de produção de bens e serviços não-financeiros, quanto com o estoque de
poupança existente na economia como um todo.
Um outro fator que se associa à evolução da intermediação financeira é o estágio da estrutura
econômica do país, visto que os processos produtivos em cada setor são caracterizados por diferentes
intensidades de absorçäo de ativos financeiros. O setor agrícola de uma economia pouco desenvolvida
requer uma baixa intensidade de ativos financeiros e seu funcionamento eficiente é satisfeito com um
número reduzido de ativos. 8 À medida que os setores industrial e de serviços assumem maior
importância relativa, novos e mais sofisticados instrumentos financeiros tornam-se necessários para o
funcionamento eficaz desses setores (Lopes; Rossetti, p.302).
2.2 O Surgimento da Intermediação Financeira
A atividade bancária é antiga, pois instituições que concediam empréstimos e trocavam moeda
estrangeira existiam em civilizações da antiguidade, como as da Fenícia, da Babilônia, da Grécia e de
Roma. A atividade bancária, após existência relativamente relevante no Império Romano, declinou na
Idade Média (ainda que, como já se viu antes, certas ordens religiosas militares, como a dos templários,
tenham exercido esta função), à medida que o comércio tornava-se mais difícil (devido às barreiras
tributárias entre os feudos, por exemplo) e a concessão de empréstimos entrava em choque com a
objeção religiosa à usura (membros da comunidade judaica, parcialmente livres desse tabu, também
passaram a prestar alguns serviços financeiros a não-judeus, mediante a percepção de juros).
Mas a moderna atividade bancária começou na Itália renascentista, onde os banqueiros, além de
comprar e vender moedas estrangeiras, também aceitavam depósitos à vista e a prazo. A moeda ou
riqueza a ser depositada era transferida pelo seu dono ao banqueiro, que se apresentava em sua banca
(balcão). A expressão quebra de um banco (banca rotta) vem do costume italiano de quebrar a banca9
7
O nível e o grau da estabilidade da taxa de inflação é fator determinante da evolução da intermediaçäo financeira. A
estabilidade de preços tende a favorecer a aplicaçäo de excedentes monetários em ativos financeiros de renda pré ou pós
fixada, sem indexação a índices de preços. Na hipótese de taxas crescentes de inflaçäo, somente o mecanismo da pós-
indexaçäo pode impedir a atrofia da intermediaçäo financeira.
8
Isto já não é verdade para os serviços e produtos financeiros exigidos pelo setor primário de economias desenvolvidas, e
mesmo pelo setor primário moderno de economias ditas emergentes, cujos produtores e empresas rurais interagem com
complexos mercados futuros, cambiais, de capitais e de crédito.
9
Banco. Empresa cuja atividade básica consiste em guardar dinheiro ou valores e conceder empréstimos. O banco executa
várias outras operações conexas, como pagamento e cobrança em nome de terceiros, venda e desconto de títulos e
operações com moedas estrangeiras. Na prática, a atividade bancária diminui a necessidade de dinheiro para a realização de
negócios e transações, sobretudo na medida em que “cria” dinheiro na forma da chamada moeda escritural (os depósitos
bancários, movimentados por meio de cheques e, hoje, também por meio de cartões). A origem dos bancos confunde-se
com a própria moeda, sobretudo quando esta começou a ser negociada em bancos (balcões) de madeira (daí a expressão)
nos mercados da Antiguidade. Estudos arqueológicos comprovam a existência de atividades bancárias na Babilônia e na
Fenícia. Na Grécia, os primeiros centros bancários conhecidos (Delfos, Éfeso) estavam ligados aos templos religiosos, que
funcionavam como lugares seguros para aqueles que quisessem guardar seus tesouros. Em Roma, no século II a.C., as

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do banqueiro que não conseguia pagar os seus credores. Dentre os mais famosos desses banqueiros
italianos estavam integrantes da família Médici, que governaram Florença e concediam empréstimos a
príncipes e a mercadores da Itália e do resto da Europa.
Portanto, caso queira-se associar a atividade financeira a uma etnia, pode-se dizer que a
atividade bancária pertence aos italianos, visto que, tanto o seu declínio, quando da decadência do
Império Romano, quanto a sua recomposição, a partir do Renascimento, ocorreram na Itália. As casas
bancárias de Florença, Veneza, Siena e Gênova são as precursoras dos bancos comerciais modernos,
assim como também são conhecidas as casas bancárias do Vale do Rio Pó e, à medida que o empréstimo
de dinheiro desenvolveu-se em Londres, foi natural que a rua em que tivessem sido estabelecidas as
primeiras atividades bancárias recebesse o nome de Lombard Street, em alusão à região da Itália
(Lombardia)10 em que houve a gênese da atividade bancária moderna.
Na Inglaterra, a atividade bancária surgiu do costume dos ourives aceitarem ouro e prata dos
clientes para guardá-los com segurança. Mas eles descobriram que podiam emprestar aquelas moedas,
mantendo apenas uma dada porção a título de reserva, já que nem todos os clientes apareciam, ao
mesmo tempo, para retirar o dinheiro. Além do mais, eles davam recibos aos depositantes e estes
podiam ser usados para efetuar pagamentos a outras pessoas. Com o tempo, para tornar mais simples
essas transferências, aqueles depositários passaram a emitir recibos em números redondos. Esses
recibos tornaram-se, assim, notas ou bilhetes de banco particulares, isto é, notas de papel-moeda
emitidas pelo banqueiro e pagáveis por ele, em metal precioso, se for o caso, mediante apresentação 11.
2.3 Relações, Mercados e Sistemas Financeiros
Relações Financeiras
Relações financeiras são estabelecidas sempre que um agente econômico é capaz de transferir o
comando sobre recursos monetários ou financeiros para terceiros, contra o reconhecimento de uma
obrigação (e de seu serviço, se for o caso) por parte do beneficiário. Uma relação financeira típica
corresponde a uma operação de crédito. Esta relação se estabelece quando um agente empresta
recursos monetários a outro, por um prazo determinado e é remunerado por isto através do pagamento
de juros, além do reembolso do valor principal emprestado. O reconhecimento desta obrigação de
pagamento de juros e do principal da dívida é feito mediante um contrato ou mediante a emissão de
títulos (cédulas) de dívida.
Outro conceito relevante sobre relações financeiras corresponde ao que se chama de
intermediação e desintermediação financeiras.
Relações financeiras intermediadas são aquelas em que uma instituição financeira interpõe suas
próprias obrigações no processo de canalização de recursos do emprestador último ao tomador último.
Bancos operam captando depósitos, isto é, assumindo obrigações junto aos depositantes, usando os

operações bancárias eram privilégio de uma categoria de cidadãos, os publicanos, mas na época imperial surgem os
argentarii ou mensarii, cuja principal ocupação era o câmbio de moedas estrangeiras, mas que também aceitavam depósitos
e faziam empréstimos. Na Idade Média, a atividade bancária deixou de existir até o século XI, quando ressurgiu em íntima
ligação com o desenvolvimento do comércio. Judeus, lombardos e os membros da Ordem dos Templários destacaram-se na
nova atividade (Sandroni, 2005).
10
A denominação banco da atividade financeira advém do italiano banca, palavra de origem germânica, mediante o
lombardo, língua germânica usada no norte da Itália a partir do século V d.C., para designar, na origem, o lugar ou bancada
onde se fazia o pagamento dos soldados (denarius  denaro  dinheiro). Depois, lugar onde se cambiava o dinheiro
(bancada ou mesa sobre a qual se dispunha o dinheiro). Fonte: www.ciberduvidas.com.
11
A instituição Banca Monte dei Paschi di Siena S.p.A. é o mais antigo banco em operação no mundo atualmente e o terceiro
maior banco italiano. Foi fundado em 1472, por ordem da Magistratura da República de Siena, como Monte di Pietá. A sua
denominação atual data de 1624.

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recursos monetários assim obtidos para comprar ativos financeiros sob a forma da dívida dos tomadores.
A remuneração do banco nessas operações é conhecida por spread1.
Já as relações financeiras desintermediadas são aquelas em que o emprestador último retém
consigo diretamente obrigações do tomador final, como, por exemplo, aquelas decorrentes da colocação
de commercial papers junto a fundos de mercado monetário, ou de bônus emitidos por empresas ou
governos junto a fundos de investimento. Nesse tipo de relação financeira, o papel da instituição
financeira limita-se à promoção da colocação de papéis, isto é, à corretagem de valores (pela qual
corresponde à instituição uma remuneração pelos serviços prestados), na forma de comissões, taxas ou
tarifas. Logo, operações nos mercados de capitais referem-se, em geral, a operações desintermediadas
(Cardim de Carvalho et allii, p.242).
Já disse Schumpeter que a característica mais distintiva do capitalismo moderno reside
exatamente no desenvolvimento de sistemas de crédito. Keynes escreveu que a construção de um
sistema de contratos em moeda, pelos quais se transfere recursos de um agente para outro e se definem
as obrigações de cada parte, é o que separa a civilização moderna de formas mais primitivas e menos
eficientes de organização social, do ponto de vista produtivo.
O que essas inovações institucionais, como sistemas de crédito e de contratos, trazem consigo é a
possibilidade de criação de mercados para a negociação de títulos e de contratos de crédito, assim como
para a emissão de títulos de propriedade (ações de empresa), em que se transacionam expectativas de
pagamento, solidarizando-se as partes como coproprietárias de dado empreendimento.
O desenvolvimento das relações financeiras resulta na constituição de mercados financeiros
especializados, cujo conjunto, por sua vez, dá origem a sistemas financeiros.
Mercados Financeiros
Mercados financeiros englobam todas as transações que são feitas com obrigações (títulos,
depósitos, contratos) emitidas por agentes deficitários ou por intermediários financeiros que busquem
canalizar recursos para eles. Esses mercados são regulados por instituições e práticas de funcionamento
que são, em parte, fixados pelos próprios participantes nessas transações e, em parte, por organizações
do estado. Essas práticas, instituições e organizações, por sua vez, não são as mesmas em todos os
mercados do sistema financeiro, pois mercados específicos tomam a forma que for necessária para a
viabilização das transações, dependendo dos tipos de ativos negociados em cada um. Estes ativos, por
sua vez, diferenciam-se pelos riscos que envolvem, pelo perfil de retornos que oferecem, pela
complexidade das disposições que regulam o cumprimento das obrigações e pelas garantias que cercam
este cumprimento. Podemos reconhecer essas diferenças de vários modos, conforme segue.
a) Mercados de Crédito e de Títulos
No mercado de crédito, as transações são feitas de forma individualizada, identificando-se as
duas partes que realizam o empréstimo, porque os contratos tendem a ser desenhados de modo a
satisfazer as demandas específicas dos tomadores e dos emprestadores, em termos de taxas de juros,
prazos, garantias e outras disposições relevantes para as partes. O mercado de crédito, entre outras
formas de segmentação, pode-se desdobrar no mercado de crédito de longo prazo e no mercado de
crédito de curto e de médio prazos.
Nos mercados de títulos as transações obedecem a regras mais genéricas, desprezando-se as
especificidades de cada parte interessada. Pode-se identificar o mercado de papéis de curta duração,

1
Spread, portanto corresponde à diferença entre a remuneração dos recursos financeiros captados pelos bancos (e outras
instituições financeiras) e a remuneração obtida por essas instituições ao emprestar esses recursos aos agentes deficitários.
Em outras palavras, corresponde à diferença entre o custo dos recursos financeiros captados e o preço a que esses recursos
são aplicados pelas instituições financeiras.

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com, por exemplo, até três meses de maturidade (denominado de mercado monetário). A característica
mais relevante para essa caracterização é que papéis de curta duração não estão sujeitos ao risco de
capital. Os papéis de maturidade mais longa, sujeitos, portanto, aos riscos de capital, são transacionados
no mercado de capitais, que, por sua vez, se desdobra nos mercados de dívidas (que negocia títulos de
dívidas, como bônus, notas, debêntures etc.) e de ações (títulos de propriedade, emitidos por empresas
sociedades anônimas).
b) Mercados Primário e Secundário
O mercado primário é aquele em que se realiza a primeira aquisição de um ativo financeiro, assim
que emitido. É nesse mercado que, de fato, se transferem fundos de agentes superavitários para agentes
deficitários, no financiamento da produção, do consumo e do investimento.
O mercado secundário é aquele em que säo renegociados ativos financeiros já existentes e
primariamente adquiridos quando de sua emissäo, transferindo-se de um proprietário para o outro. Sua
finalidade principal é a de aumentar a liquidez do estoque de ativos financeiros da economia, tornando
mais atraente sua aquisiçäo primária.
c) Mercados Públicos e Privados
Mercados públicos são aqueles cujas condições de operação permitem a qualquer participante
usufruir, em princípio, das mesmas vantagens que qualquer outro participante. Exemplos destes
mercados são os pregões em bolsa de valores. Já os mercados privados não são acessíveis a todos os
participantes. Nestes, as transações são feitas em condições que são acordadas de forma bilateral.
Exemplos destes mercados são as operações de balcão.
d) Mercados Monetário, de Crédito, de Capitais e Cambial
Pode-se ver que os segmentos de mercado em que atuam os intermediários financeiros
apresentam muitos critérios de diferenciação. Uma segmentação mais usual e mais completa ou
abrangente classifica os intermediários financeiros, a partir de suas finalidades essenciais, como
integrantes dos mercados monetário, de crédito, de capitais e cambial.
No mercado monetário, conforme visto antes, realizam-se operações de curto prazo. É por meio
deste mercado que os agentes econômicos e os próprios intermediários financeiros suprem suas
necessidades de caixa (ou aplicam suas sobras de caixa). Um exemplo deste segmento de mercado é a
liquidez regulada por operações abertas, realizadas pelas autoridades monetárias, via colocaçäo,
recompra e resgate de títulos da dívida pública de curto prazo.
O mercado de crédito atende aos agentes econômicos quanto as suas necessidades de crédito de
curto, médio e longo prazos. São, principalmente, atendidas solicitações de crédito para financiamento
da aquisiçäo de bens duráveis e moradias pelos consumidores, ao lado de capital de giro e investimentos
das empresas. A maior parte do suprimento desse tipo de crédito é feita por intermediários financeiros
bancários. Em complemento, podem ocorrer suprimentos via intermediários não-bancários (como as
instituições de crédito, financiamento e investimento, por exemplo, muitas vezes apenas chamadas de
financeiras, e as agências de fomento).
O mercado de capitais atende aos agentes econômicos produtivos quanto as suas necessidades
de financiamentos de médio prazo e, sobretudo, de longo prazo, supridas por intermediários financeiros
bancários e não bancários. As operaçöes realizadas nas bolsas de valores (particularmente ações) são
integrantes desse mercado, mais o lançamento de debêntures e de outros títulos de dívida, por
empresas organizadas na forma de sociedades anônimas.

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No mercado cambial realizam-se as operaçöes de compra e venda de moedas estrangeiras
conversíveis2, além de operações de financiamento envolvendo a troca de moedas e de ativos
financeiros estrangeiros por moeda e ativos financeiros nacionais e vice-versa.
O quadro abaixo sintetiza esses e outros critérios de classificação dos mercados financeiros.
Critério Classificação dos Mercados
Grau de Transformação dos Ativos direto (sem transformação, não intermediado); intermediado (com transformação).
Forma de Funcionamento busca direta; prestadores de serviços (brokers); mediadores (dealers); leilão.
Tipos de Ativos monetários; capitais.
Prazo ou Condições a vista ou spot; futuros; opções.
Tipo de Moeda moeda nacional (local); internacional (externo).
Grau de Intervenção livres; regulados.
Grau de Formalização organizados; não organizados.
Grau de Concentração centralizados; não centralizados.
Fonte: Pinheiro (2007, p.76)

Sistemas Financeiros
O conjunto de mercados financeiros, estes antes já definidos em função das características dos
ativos transacionados, das instituições financeiras participantes, das interrelações entre elas e os
regulamentos e regras de intervenção do poder público na organização e supervisão das operações,
define um sistema financeiro. Esses sistemas são, assim, determinados fundamentalmente pela sua
estrutura de regulação, isto é, pelo conjunto e pelo modo como se dá a interação entre os mercados e as
instituições financeiras. Essas estruturas são, por sua vez, o resultado de dois conjuntos de influências.
De um lado, encontram-se os determinantes técnicos da atividade financeira, como o desenvolvimento
de sistemas modernos de contabilidade financeira ou a aplicação, na atividade bancária e financeira, de
inovações tecnológicas desenvolvidas nos setores de informática e de comunicações. De outro lado, atua
a história econômica específica de cada país, além de seus condicionantes políticos e culturais, que
tornam certas práticas mais aceitas do que outras, definem padrões de ética, de segurança, de
concentração de poder etc (Cardim de Carvalho et allii, p.249).
Os sistemas financeiros podem ainda ser diferenciados na forma de sistemas financeiros
baseados em mercado e sistemas financeiros baseados em crédito.
Sistemas financeiros baseados em mercado são aqueles em que proporção majoritária das
necessidades de financiamento dos agentes econômicos são satisfeitas através da colocação de papéis
(títulos financeiros e outros valores mobiliários) nos mercados monetário e, em especial, de capitais,
normalmente mediante a intermediação de bancos de investimento, corretoras e distribuidoras de
títulos e valores mobiliários. Em sistemas financeiros baseados em crédito, predominam as relações de
crédito (títulos e contratos), em geral dominadas por bancos comerciais.
Intermediários Bancários e Não-Bancários
No que tange às instituições que atuam nos diversos segmentos do mercado financeiro, cabe
esclarecer a diferença entre intermediários bancários e não-bancários. Os intermediários financeiros
bancários são os que operam com ativos monetários. Os não-bancários säo os que operam com ativos
financeiros não-monetários. Os ativos monetários são o papel-moeda e os depósitos (essencialmente os
depósitos à vista em bancos comerciais, mas pode-se estender este conceito para os depósitos a prazo e
os depósitos de poupança, ampliando-se, assim, o espectro de instituições financeiras ditas bancárias).
Os ativos financeiros não-monetários são constituídos por diferentes tipos de títulos que dão
sustentação às operações que se realizam nos mercados de crédito e de capitais.
2
Moedas conversíveis são aquelas que podem ser trocadas em qualquer parte do mundo, isto é, são aceitas como meios de
pagamento internacionais, citando-se como exemplos o dólar dos EUA, o euro, a libra esterlina, o franco suíço e o Iene
japonês.

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Assim, os bancos comerciais, ou outros intermediários que desempenham funções típicas de
bancos comerciais, são os chamados intermediários financeiros bancários ou monetários. As demais
instituiçöes que operam no sistema financeiro são geralmente consideradas não bancárias,
essencialmente em virtude do fato de não emitirem ou criarem ativos incorporados ao conceito
tradicional de meios de pagamento (ainda que, conforme visto, bancos de investimento e de
desenvolvimento são denominados bancos por estarem autorizados a aceitar depósitos a prazo).
2.4 Os Mercados Eficientes (ou Não), os Custos de Transação e as Assimetrias de Informações
A Teoria dos Mercados Eficientes
A teoria dos mercados eficientes prega que todas as oportunidades de lucros em excesso no
mercado financeiro, em especial no mercado de capitais, são anuladas pela concorrência. Isto significa
que os preços dos ativos financeiros já levam em consideração todas as informações disponíveis 3. Não
teria sentido, assim, projetar o preço de um título, uma ação por exemplo, pelo seu desempenho
passado. Como todas as informações que existem já estão embutidas no preço atual da ação, a única
causa que alteraria o seu preço é a chegada de uma nova informação. Esta informação, de acordo com a
teoria dos mercados eficientes, é distribuída de forma aleatória, havendo uma igualdade de
probabilidades de que seja positiva ou negativa. Por conseguinte, segundo a mesma teoria, os preços
dos ativos financeiros também seguem um caminho aleatório4.
Esta teoria significa, primeiro, que se pode usar a análise econômica mais para explicar porque os
preços de um ativo são o que são, do que para prever qual será a sua alteração. Predizer a alteração no
preço de um ativo requer que se saiba qual a notícia sobre ele que será divulgada no futuro. Segundo, ao
especular nos mercados de ativos, não se deve esperar um lucro acima da taxa normal de rendimento
adequada ao grau de risco, a menos que se tenham informações que os outros não têm, ou que se possa
interpretar melhor as informações existentes. Isso não quer dizer, necessariamente, que se deva
escolher ações ou outros ativos de forma aleatória. Pode ser razoável montar uma carteira que atenda
as suas circunstâncias pessoais, como o grau de risco que você quer correr. A teoria dos mercados
eficientes dá a entender, portanto, que aqueles que, devido a uma maior capacidade, ou por
trabalharem mais, puderem prever melhor ou interpretar melhor do que outros as notícias que irão
influir no mercado, obterão lucro acima da taxa normal.
Em outras palavras, uma implicação da hipótese dos mercados eficientes é que os preços das
ações devem seguir um passeio aleatório. Isso significa que as variações dos preços das ações são
impossíveis de ser previstas com base nas informações disponíveis.5
Até que ponto a teoria dos mercados eficientes é confiável, isto é, até que ponto as informações
distribuem-se de forma ampla e aberta no mercado financeiro? Os economistas têm examinado os
3
A título de exemplo, veja-se como as novas informações podem alterar o preço das ações durante um pregão diário.
4
Os proponentes da hipótese dos mercados eficientes consideram, portanto, que as abordagens da Análise Fundamental e
da Análise Técnica (Gráfica) são de pouca valia para a previsão dos futuros movimentos dos preços das ações, pois se
baseiam em dados do passado, cujas flutuações foram aleatórias. Esta concepção do comportamento do mercado baseia-se
nas seguintes premissas: a) existem inúmeros participantes num mercado eficiente; b) todos têm acesso às informações
relevantes que afetam os preços das ações; c) estes participantes competem livremente e em igualdade de condições pelas
ações no mercado, de tal forma que as cotações das mesmas refletem seus valores (patrimoniais). Neste contexto e à
medida que novas informações surgem aleatoriamente, seus reflexos nos preços fazem com que estes também se
comportem aleatoriamente (Sandroni, 2005). Pode-se notar que a Teoria dos Mercados Eficientes assim considera todos os
mercados com as premissas citadas e não apenas o mercado de capitais.
5
Alguns dos melhores indícios favoráveis à hipótese dos mercados eficientes vêm do desempenho dos fundos de índice. Um
fundo de índice é um fundo mútuo que compra todas as ações de determinado índice de ações. O desempenho desses fundos
pode ser comparado ao dos fundos mútuos gerenciados ativamente, em que um gestor profissional de carteiras escolhe ações
com base em pesquisas e alegada perícia. Na prática, os gestores atuantes em geral falham ao tentarem superar os fundos de
índice.

39
preços de uma grande variedade de ativos, como ações e moedas estrangeiras, para ver se essa teoria é
realmente válida. Os resultados são polêmicos. Enquanto alguns pesquisadores defendem que, de modo
geral, os mercados são eficientes, outros afirmam o contrário. A Academia de Ciências da Suécia, ao
indicar os escolhidos para receberem o Prêmio Nobel de Economia de 2001, agraciou economistas 6 que
defendem o caráter assimétrico da distribuição da informação nos mercados e, portanto, que
consideram essencial a regulação da economia e, em particular, dos mercados de capitais e de finanças
em geral, pelo estado.
Em grande medida, esta posição cética quanto à eficiência dos mercados, está apoiada pelos
conceitos de assimetria de informações (seleção adversa e risco moral) e de custos de transação. 7
Assimetrias de Informações
As assimetrias de informações surgem sempre que uma das partes envolvidas em uma transação
não tem toda informação relevante para tomar uma decisão correta. As assimetrias de informações
geram dois tipos de problema: um antes que a transação ocorra e outro depois.
Seleção adversa é o problema gerado pela assimetria de informação antes que a transação seja
efetuada. Em mercados financeiros, o problema da seleção adversa ocorre porque os tomadores de
empréstimos que têm a maior probabilidade de produzir um resultado indesejável do ponto de vista do
emprestador são exatamente aqueles que mais ativamente procuram tomar empréstimos e, portanto,
são os que mais provavelmente sejam selecionados para recebê-los. Como os indivíduos e firmas com
alto risco de crédito têm maior probabilidade de serem selecionados para receber empréstimos, os
emprestadores podem decidir não efetuar a transferência de fundos.
O risco moral é o problema gerado em mercados financeiros pela assimetria de informação
depois que a transação foi efetuada e ocorre quando existe o risco de que o tomador de recursos se
engage em atividades indesejáveis (que reduzam o retorno ou aumentem o risco do investimento) do
ponto de vista do emprestador. Na presença de risco moral, se o emprestador não conseguir monitorar
as atividades do tomador dos recursos, ele pode decidir não efetuar a transação (Hillbrecht, 1999, p. 23).
Voltar-se-á ao tema da seleção adversa e do risco moral mais adiante.
Os Custos de Transação
Conceito relacionado com os custos necessários para a realização de contratos de compra e
venda de fatores num mercado composto por agentes independentes. Segue-se uma classificação para
os custos de transação, que ocorrem em diferentes estágios das transações como resultado dos atritos
no sistema econômico, conforme proposta por Larsen (2000, apud Correia, G.M. 2002).
a) Custos de informações (obtenção das informações necessárias para realizar a transação).
b) Custos de negociação (processo de planejamento e execução da negociação).
c) Custos de monitoramento (administração do contrato para atendimento dos termos estabelecidos no
acordo).
Os intermediários financeiros reduzem os custos de transação via os fatores que se seguem.
a) Economias de Escala. Uma solução para o problema dos altos custos de transação é juntar os recursos
de muitos investidores para que eles possam ter as vantagens da economia de escala. A existência de
economias de escala no mercado financeiro ajuda a explicar porque os intermediários financeiros se
desenvolveram e são tão importantes na nossa estrutura financeira.

6
George Akerlof, Michael Spence, Joseph Stiglitz, todos premiados por suas pesquisas em modelos econômicos com
informação assimétrica.
7
A emergência, em 2007/2008, da crise dos títulos “subprime” ancorados no superfinanciamento imobiliário nos Estados
Unidos, com efeitos financeiros e impactos econômicos de dimensões mundiais resolveu a polêmica. Os mercados de
crédito e de capitais, em especial, precisam de regulação.

40
b) Especialização (Expertise). Os intermediários financeiros também surgem porque são melhor
habilitados para desenvolver técnicas voltadas para a redução de custos de transação.
2.5 O Banco Central
Os bancos centrais são instituições governamentais preocupadas com o alcance de certas metas
para toda a economia, como a prevenção da falência de bancos e o controle da inflação.
Os bancos centrais se desenvolveram de duas maneiras. A primeira foi um lento processo de
evolução, tendo-se como exemplo o Bank of England, que começou como um banco comercial, mas
adquiriu, ao longo dos anos, maiores poderes e responsabilidades, que lentamente o transformaram
num banco central. Uma data importante neste processo foi a reforma bancária de 1844, mediante a
qual o Banco da Inglaterra passou a operar com dois departamentos, um bancário e outro monetário1.
A segunda maneira, em contraste com o Bank of England, mas sim, como o Federal Reserve (e o
Banco Central do Brasil), correspondem a instituições que foram e são bancos centrais desde o início de
suas atividades. Este segundo tipo de banco central pertence, desde o seu início, ao governo, embora
possa ter acionistas privados. Quando um banco atua como um banco central, isto é, determina suas
ações com base no interesse público e não no dos acionistas, ele funciona como uma instituição pública,
ainda que seus acionistas elejam formalmente todos os seus principais dirigentes (Mayer, Duesenberry,
Aliber, p.187).
O Banco central tem o poder de criar reservas. Salvo se há uma lei dizendo que o banco central
tem que manter, por exemplo, 25 centavos em ouro para cada unidade de seu papel-moeda em
circulação ou depósitos existentes, ele poderá criar tantas reservas para os bancos comerciais quantas
quiser, pois estas reservas consistem, sem contar o dinheiro, meramente em lançamentos nos registros
contábeis do banco central. Logo, se um banco central quiser que os bancos tenham mais reservas, tudo
o que tem a fazer é comprar títulos deles e pagar pelos títulos anotando um aumento das reservas deles
nos seus registros (balanços e balancetes contábeis).
2.5.1 As Funções de um Banco Central
As funções mais importantes dos bancos centrais são:
a) emitir moeda e controlar o meio circulante;
b) emprestador de última instância;
c) banco dos bancos; e
d) banco do governo (Mayer, Duesenberry, Aliber, p.188/189).
Emitir moeda e controlar o meio circulante
Cabe ao Banco Central o monopólio da emissão de moeda legal em uma determinada área
monetária. Cabe também, privativamente ao Banco Central, o controle do meio circulante.
Todo banco comercial, ao obter reservas, expande seus depósitos e, em consequência, pode
expandir empréstimos. Na ausência de mecanismos para controlar o volume das reservas, os depósitos
e, com isso, os estoques de moeda, os empréstimos e os meios de pagamento poderiam crescer a taxas
descontroladas ou mesmo explosivas. Uma das maneiras de controlar a taxa de aumento dos depósitos
e controlar o crescimento dos meios de pagamento é exigir que os bancos estejam prontos para resgatar
seus depósitos com alguma mercadoria valiosa, como o ouro. Uma outra é instituir um banco central

1
O Banco Central da Suécia (Swedish Riksbank) é considerado como a primeira instituição do gênero a ser criada, no mundo,
em 1668, credenciado para emprestar fundos ao governo e prover liquidez ao comércio. O Banco da Inglaterra foi fundado
em 1694, como sociedade por ações, para comprar títulos de dívida governamentais. Cita-se ainda o Banco de Amsterdã
como instituição pública precursora dos modernos bancos centrais.

41
encarregado de manter as reservas, e com isso os empréstimos, os depósitos e o meio circulante
crescendo a uma taxa adequada com a demanda por moeda pelos agentes econômicos1.
Tabela – Meios de pagamento e componentes. Saldos em final de período (R$ milhões)
Data Meios de Δ% Papel-moeda em Δ% Depósitos Δ% Base (B) Δ%
Pagamento (M1) Poder do públ ico1 à vista 2 Monetária
2007 Dez 231.430 32,7 82.251 19,3 149.179 41,5 146.617 21,1
2008 Dez 223.440 -3,5 92.378 12,3 131.062 -12,1 147.550 0,6
2009 Dez 248.097 11,0 105.634 14,3 142.463 8,7 166.073 12,6
2010 Dez 281.876 12,6 121.981 15,4 159.895 10,7 206.853 24,6
2011 Dez 285.377 1,2 131.741 8,0 153.636 -3,9 214.235 3,6
2012 Dez 325.045 13,9 150.156 14,0 174.889 13,8 233.371 8,9
2013 Dez 344.508 6,0 164.675 9,7 179.833 2,8 249.510 6,9
2014 Dez 351.603 2,1 179.148 9,0 172.455 -4,1 263.529 5,6
2015 Dez 334.417 -4,9 186.294 4,0 148.123 -14,1 255.289 -3,1
2016 Dez 346.330 3,6 193.348 3,8 152.982 8,4 270.287 5,9
Média - 7,5 - 11,0 - 5,2 - 8,7
Fonte: Banco Central do Brasil. www.bcb.gov.br. (1) Papel-moeda emitido menos caixa do sistema bancário.
(2) Não inclui depósitos especiais do Tesouro Nacional, depósitos obrigatórios, depósitos para investimentos
decorrentes de incentivos fiscais.

O controle das taxas de juros básicas da economia, seja a referente aos títulos públicos, seja a
referente aos empréstimos de redescontos para os bancos comerciais, também é função do banco
central. Mas, desta vez, em lugar de apenas visar a oferta de moeda, o banco central também busca
influir na própria demanda por moeda.
Evitar as falências bancárias (emprestador de última instância)
Um dos aspectos do controle da oferta de moeda é a necessidade de uma proteção contra a
falência de bancos. Um banco central deve agir como emprestador de última instância, ou seja, como
uma instituição capaz e disposta, numa crise, a conceder empréstimos a bancos quando outros bancos
não podem ou não querem emprestar. O banco central tem condições de conceder empréstimos numa
época dessas porque ele tem o poder de criar reservas. 2
Banco dos Bancos
Uma das suas funções rotineiras consiste nos serviços que o banco central presta aos bancos
comerciais. Assim, ele age como banco dos banqueiros, guardando as reservas compulsórias e parte das
reservas voluntárias dos bancos comerciais. Como o banco central guarda reservas para os bancos
comerciais, frequentemente ele também compensa cheques para os bancos. Observa-se que, no Brasil, a
compensação de cheques é um serviço prestado pelo Banco do Brasil, desde o início do século XX.
Banco do Governo
Além dos seus serviços para os bancos comerciais, um banco central presta muitos serviços ao
governo, quando age como o banco do governo, que mantém uma conta no banco central, emite seus
cheques contra essa conta e, em alguns países, vende suas obrigações através do banco central.
Em alguns países, o banco central também concede empréstimos ao Tesouro. De fato, vários
bancos centrais, e o Bank of England é, outra vez, o exemplo primordial, começaram como bancos
comerciais que concediam empréstimos ao Tesouro e, em troca, obtinham certos privilégios. Mas o fato
de o banco central conceder empréstimos ao Tesouro pode ser altamente inflacionário, já que ele faz
1
O Banco Central pode controlar o meio de pagamento mediante o controle direto da oferta de moeda ou mediante o
exercício do controle da taxa de juros básica da economia, que é a taxa de remuneração dos títulos públicos.
2
Para evitar o risco moral associado ao comportamento do banqueiro (agir de forma temerária, sabendo que será salvo, se
necessário), os bancos centrais criam salvaguardas, como fundos garantidores de crédito e bloqueio de bens dos gestores de
bancos falidos ou sob intervenção.

42
isso criando moeda nova, e esse aumento do meio circulante pode resultar em inflação. No entanto, o
que não pode ser feito abertamente pode ser feito indiretamente, usando o público como intermediário.
O Tesouro vende obrigações ao público, enquanto o banco central adquire do público a mesma
quantidade de obrigações do governo, dando-lhes liquidez1.
2.5.2 A Independência (ou não) do Banco Central
Com o fim do padrão-ouro e tendo os bancos centrais a responsabilidade pela regulação da
quantidade de moeda em circulação e pelo controle da inflação em um contexto de moeda de curso
forçado, surgiu a polêmica sobre a plena independência ou a completa subordinação destas instituições
quanto aos seus governos. Os argumentos associados a essa polêmica são apresentados a seguir.
A Defesa da Independência
A defesa da indedependência do Banco Central pode ser descrita conforme os seguintes pontos:
a) o ciclo econômico político;
b) os pilares teóricos;
c) o trinômio credibilidade-reputação-delegação;
d) as metas de inflação.
a) O Ciclo Econômico Político
Os que apóiam a independência alegam que a política monetária e, com isso, o valor da moeda, é
um tema demasiado importante e complexo para ser deixado ao jogo das forças políticas. De acordo
com esse ponto de vista, o processo político é míope. Por estar excessivamente preocupado com a
próxima eleição, ele exagera a importância de benefícios de curto prazo e não está disposto a tomar as
duras e impopulares decisões - como a de tolerar mais desemprego a curto prazo - necessárias a que se
obtenham os benefícios de longo prazo de um nível de preços estável.
Portanto, a questão do perigo do ciclo econômico político, em essência, trata de uma situação na
qual, antes de uma eleição, o presidente induz o banco central a adotar uma política expansionista que
baixe as taxas de juros e reduza o desemprego. Então, após as eleições, o banco central reduz as
pressões inflacionárias resultantes daquela política, tornando-se mais restritivo. As taxas de juros e o
desemprego, então, aumentam. Mas a eleição já foi ganha.
Além do mais, é quase certo que os políticos, se puderem, utilizarão o banco central para
financiar maiores despesas do governo, sem aumentar os impostos. Por conseguinte, seria necessário
um banco central independente, afastado das pressões políticas, para garantir a justiça para aqueles que
perdem com a inflação.
Além disso, mesmo que o desejo dos políticos por uma certa política monetária reflita a vontade
do público, não é óbvio que o Banco Central tenha que realizá-lo. Específicamente, o público sofre do que
se chama síndrome do problema número um. Durante uma recessão, tudo o que parece ter importância
é reduzir a taxa de desemprego, enquanto durante uma expansão inflacionária, a redução da taxa de
inflação é tudo o que importa. Mas uma política demasiado expansionista para combater o desemprego
acaba resultando numa inflação exagerada, assim como uma política restritiva que reduza a taxa de
inflação também aumenta temporariamente o desemprego. O resultado pode ser uma economia
dinamicamente instável.
b) Os Pilares Teóricos

1
No Brasil, desde a denominada lei do colarinho branco (Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986), o Banco Central está proibido
de financiar o Governo Federal (assim como todo banco está impedido de financiar seus acionistas controladores e
diretores).

43
Os defensores da tese da independência do Banco Central reconhecem que são os pilares
teóricos da economia novo-clássica que sustentam a sua proposição. Goodhart 1 reconhece que a curva
de Phillips de longo prazo vertical compõe os fundamentos teóricos da proposta de independência.
Cukierman considera que políticas monetárias discricionárias ativas podem somente temporariamente
reduzir a taxa de desemprego (colocando-a abaixo da taxa natural de desemprego). O custo da melhoria
temporária de variáveis reais é, contudo, a inflação. Segundo os novos clássicos, o resultado final de
qualquer política monetária ativa é sempre nulo: a economia retorna à posição original de equilíbrio
onde vigora a taxa natural de desemprego. Logo, o melhor resultado sustentável que as autoridades
podem alcançar com a política monetária é a estabilidade de preços.
Em suma, a independência do Banco Central tem um claro significado para os seus proponentes:
plena liberdade de ação para as autoridades monetárias com o objetivo único de combater a inflação.2
c) O Trinômio Credibilidade-Reputação-Delegação
A proposição da Independência do Banco Central apóia-se também nas discussões estabelecidas
em torno do trinômio credibilidade-reputação-delegação. Os gestores de política econômica podem,
eventualmente, avaliar que resultados imediatos e passageiros sobre o nível de produto são mais
valiosos do que a credibilidade nas regras de política monetária. Motivados, por exemplo, por interesses
eleitorais, podem flexibilizar a política monetária com ações discricionárias expansionistas, executando
uma política monetária dinamicamente inconsistente e, assim, perdem reputação perante os agentes
privados. O termo reputação deve ser entendido como a quantidade de graus de confiança dos agentes
nos dirigentes do Banco Central, a qual é medida em relação ao seu comportamento pregresso. A tese
da IBC objetiva delegar a política monetária a um agente que mantenha a sua reputação, a credibilidade
nas regras monetárias e, portanto, mantenha a inflação em patamar aceitável e reduza a variabilidade do
produto. Os mais interessantes trabalhos que sugerem formas de delegação da política monetária para
conter o viés inflacionário são de K. Rogoff e de C. Walsh.
Segundo Rogoff, se a política monetária for delegada a um agente cujas preferências sejam mais
avessas à inflação do que as preferências da sociedade, seria possível sustentar uma taxa de variação do
nível de preços mais baixa do aquela que ocorreria se o presidente do Banco Central tivesse as mesmas
preferências sociais. Em suma, Rogoff sugere um presidente do Banco Central conservador em relação às
preferências sociais.
Walsh sugere que seja estabelecido um contrato entre o Banco Central e o governo. Esse
contrato deve impor custos (perda dos seus cargos, por exemplo) ao presidente do Banco Central e a sua
diretoria quando a inflação ultrapassar o nível considerado ótimo pelo governo ou pelo parlamento.
Nesta abordagem, o Banco Central tem que ser, pelo menos, operacionalmente autônomo 1, para que
seus dirigentes possam, sem restrições, tentar atingir seu objetivo: a taxa de inflação visada (meta de
inflação) e, consequentemente, a manutenção dos seus cargos, salários e imagem profissional.
O modelo de Walsh tem sido considerado mais adequado pelos adeptos da tese da IBC, em
relação ao de Rogoff, pois, sob as condições deste último modelo, todo candidato ao cargo de presidente
do Banco Central tende a se mostrar mais antiinflacionista do que realmente pode ser, pois isto é um
pré-requisito para a manutenção das suas chances eleitorais (para presidente do bacen). E, após eleito,
pode decepcionar o colégio eleitoral que o conduziu ao cargo revelando suas verdadeiras preferências,

1
Charles Goodhart e Alex Cukierman são responsáveis pelos trabalhos mais importantes entre os defensores da IBC.
2
O significado deste objetivo único de combater a inflação e de, assim, contribuir para um cenário de estabilidade
macroeconômica, pressupõe que os governos somente poderão contar, autonomamente, com a política fiscal para atuar em
situações de desemprego, desde que a política cambial esteja subordinada a regime de câmbio flutuante puro.
1
A autonomia operacional significa liberdade de ação do banco central, em relação ao poder executivo, para cumprir a meta
de inflação.

44
ou seja, conduzindo a política monetária de forma flexível, isto é, quebrando a credibilidade nas regras
monetárias. Já o modelo de Walsh estabelece uma meta de inflação que deve ser perseguida pelos
gestores da política monetária e, ao mesmo tempo, estabelece uma punição a estes, caso a meta não
seja alcançada.
Em percentual
Ano IPCA Meta Seli c Seli c Desempr. (dez)
Infl ação Dez Média PNAD Contínua
2007 4,46 4,50 11,25 12,00
2008 5,90 4,50 13,75 12,50
2009 4,31 4,50 8,75 9,90
2010 5,91 4,50 10,75 10,00
2011 6,50 4,50 11,00 11,71
2012 5,84 4,50 7,25 9,13 6,90
2013 5,91 4,50 10,00 8,63 6,20
2014 6,41 4,50 11,75 10,78 6,50
2015 10,67 4,50 14,25 13,53 9,00
2016 6,29 4,50 13,75 14,06 12,00
Média 6,22 4,50 11,25 11,22 8,12
Fonte: Banco Central do Brasil.

d) As Metas de Inflação
As metas de inflação surgiram no referido modelo de contratualização de Walsh com a diretoria
de um Banco Central independente. O regime de metas de inflação propõe uma meta de crescimento
para um índice de inflação, que é anunciada no início de um período. A meta é fixada pelo governo e/ou
parlamento e deve ser perseguida pelo Banco Central. A política monetária passa a ter um único
objetivo, alcançar a meta inflacionária determinada. Assim, os dirigentes do Banco Central não devem se
preocupar com o desempenho de outras variáveis macroeconômicas. Por exemplo, o desemprego e o
produto da economia apenas seriam objeto de análise se estiverem dificultando a realização da meta de
inflação, que é o alvo primário do Banco Central.
Tabela – Decisões selecionadas (final de ano) do Copom sobre a taxa de juros
Reunião Período de Vigência Meta Taxa Taxa Tx.Selic IPCA (T. de
Nº Viés 1 Data De A Selic (%) Selic (%) Média (%) Inflação) %
131ª s.v. 05.12.2007 06.12.2007 23.01.2008 11,25 11,18 12,00 4,46
139ª s.v. 10.12.2008 11.12.2008 21.01.2009 13,75 13,66 12,50 5,90
147ª s.v. 09.12.2009 10.12.2009 27.01.2010 8,75 8,65 9,90 4,31
155ª s.v. 08.12.2010 09.12.2010 19.01.2011 10,75 10,66 10,00 5,91
163ª s.v. 30.11.2011 01.12.2011 18.01.2012 11 10,9 11,71 6,50
171ª s.v. 28.11.2012 29.11.2012 16.01.2013 7,25 7,14 9,13 5,84
179ª s.v. 27.11.2013 28.11.2013 15.01.2014 10 9,9 8,27 5,91
187ª s.v. 03.12.2014 04.12.2014 21.01.2015 11,75 11,65 10,93 6,41
195ª s.v. 25.11.2015 26.11.2015 20.01.2016 14,25 14,15 13,53 10,67
203ª s.v. 30.11.2016 01.12.2016 11.01.2017 13,75 13,65 14,06 6,29
Fonte: Banco Central do Brasil, www.bcb.gov.br. (1) Define o status do viés dicidido pelo Copom ou a utilização do viés em caso de
alteração na taxa entre reuniões do Copom. Convenção: viés – utilização da faculdade para alterar a meta para a taxa Selic entre
reuniões do Copom. v.r. – definição de viés de redução para o período. v.e. – definição de viés de elevação para o período.
s.v. – ausência de viés para o período. e.x. – reunião extraordinária.

O Ataque à Independência
Aqueles que criticam negativamente a independência do banco central rejeitam esses
argumentos. Eles acreditam que é fundamentalmente antidemocrático dizer que não se deve confiar em
autoridades eleitas no julgamento da política monetária.
Não há dúvida de que uma política monetária envolve decisões difíceis, que precisam de uma
visão de longo prazo, mas o mesmo acontece com a política externa ou com a política de defesa

45
nacional. Além do mais, o público responsabiliza o presidente pelas condições econômicas que resultem
de todas as políticas seguidas durante o seu governo. Por isso, ele deveria exercer o controle da política
monetária, uma das mais importantes dessas políticas.
Finalmente, as políticas monetária e fiscal deveriam ser integradas, e uma integração adequada
não pode ser obtida, segundo os opositores da independência do banco central, meramente por um
processo de consultas informais entre a diretoria do banco central independente e os gestores da
política fiscal.
O pilar teórico associado à posição de subordinação do Banco Central ao Poder Executivo é o do
pensamento econômico pós-keynesiano
Concessões Possíveis
Esses argumentos pró e contra podem dar a enganadora impressão de que a escolha é entre dois
extremos incompatíveis. Mas, mesmo que o banco central venha a perder ou não obtenha a sua
independência e permaneça ou torne-se parte da administração executiva, ainda haveria pelo menos
uma tentativa de mantê-lo fora da política partidária. Por outro lado, mesmo que o banco central seja
plenamente independente, este dificilmente deixaria de coordenar suas políticas monetárias com as
demais políticas econômicas do governo. Logo, pode-se pensar como solução intermediária para a
polêmica a adoção de um banco central operacionalmente autônomo, mas com os objetivos da política
monetária mantidos sob a responsabilidade estratégica do governo como um todo1.
2.6 As Estratégias de Regulação Financeira
Seguem-se pontos estratégicos que uma Autoridade Monetária deve considerar no que se refere
à regulação do sistema financeiro, em especial dos bancos, sob sua égide.
a) Necessidade da regulação bancária assumir uma perspectiva de longo prazo.
b) Importância de uma estrutura existente que permita aos reguladores rápida ação corretiva.
c) Criação de estrutura legislativa e de planejamento avançado para manejar as decisões do banco
central.
d) Desenvolver estratégias efetivas de decisões.
e) Educação do público.
f) Emprestador de última instância empoderado.
g) Assegurar que o sistema de regulação bancária tenha equilíbrio e controles efetivos.
É possível conceber-se a evolução recente da regulação financeira como a sucessão de,
fundamentalmente, quatro estágios.
a) Regulação de Balanços e de Atividades
A primeira das estratégias de regulação, dominante por muito tempo, poderia ser descrita pela
busca de controle direto sobre as operações das instituições financeiras. Esse sistema, que coloca
demandas pesadas às instituições de supervisão, consistia no banimento de certas classes de atividades
a cada tipo de instituição financeira (segmentação do mercado financeiro) e a imposição de indicadores
quantitativos objetivos para o julgamento da adequação das operações permitidas (índices de liquidez
baseados na disponibilidade de reservas em relação a depósitos que, no caso de bancos comerciais,
permitissem honrar retiradas de depositantes).
b) Coeficientes de Capital (Acordo de Basileia I)
O sistema anterior, apesar de adotado por décadas, tornou-se obsoleto frente às inovações
institucionais que foram se acumulando. Por um lado, estratégias de diversificação de fontes de
1
Esta posição implica, portanto, em alinhamento com o método da meta de inflação e da correspondente autonomia
operacional do Banco Central.

46
recursos, conhecidas como administração de passivos (liability management), contribuíram para diminuir
a importância de depósitos à vista no passivo bancário, reduzindo a eficácia de regulações que se
apoiavam principalmente em indicadores relacionados a depósitos. Por outro lado, tornou-se
crescentemente aceita a idéia de que os riscos mais importantes a que se sujeitavam as instituições
financeiras eram derivados de lacunas no modo pelo qual os mercados financeiros condicionam a ação
das instituições financeiras.
A idéia central, conhecida na literatura como o problema do agente e do principal, é a de que
intermediários financeiros têm incentivos a correr riscos excessivos, porque sua remuneração depende
da realização do maior volume de negócios possível, particularmente aqueles de maior risco que, por isso
mesmo, oferecem maiores taxas de rentabilidade. Era preciso introduzir incentivos que compensassem
(ou refreassem) aqueles que estimulavam o risco excessivo.
O método utilizado foi consagrado no Acordo de Basileia de 1988 (denominado de Acordo de
Basileia I). Por este acordo, os países que aceitassem seus princípios introduziriam normas regulatórias
estabelecendo coeficientes de capital exigidos dos bancos em proporção aos seus ativos (assets
management), ponderados estes últimos de acordo com seus riscos.
c) Coeficientes de Capital e Inovação Financeira (Acordo de Basileia I Revisado)
Ao impor coeficientes de capital sobre tipos de crédito, o Acordo de Basileia I tornou o crédito
relativamente mais caro, quando comparado com outras formas de intermediação financeira, cujos
riscos não tivessem que ser compensados pela constituição de capital próprio. Por essa razão, pouco
tempo depois de concluído, e enquanto suas disposições ainda nem sequer se aplicavam na sua
plenitude na maior parte dos países aderentes, o acordo passou a ser objeto de reexame para torná-lo
mais eficaz e menos distorsivo.
A idéia-chave foi manter a definição de coeficientes de capital como base da estratégia
regulatória, mas recalculá-los de modo a abranger uma gama mais ampla de riscos, como os riscos de
mercado, operacionais e de iliquidez.
d) Autorregulação Como Estratégia (Acordo de Basileia II)
Em meados dos anos 1990 firmou-se a posição de que a regulação prudencial teria de se voltar
para estratégias de investimento das instituições financeiras, ao invés de se voltar para itens ou
características específicas de sua operação.
Partindo-se do suposto de que seria impossível retornar a um sistema de regulação e supervisão
mais detalhista e frente à impossibilidade de desenhar um sistema de avaliação e compensação de riscos
mais simples, que pudesse ser resumido em um conjunto dado de indicadores, como os coeficientes de
capital fixados anteriormente pelos reguladores no Acordo de Basileia I, chegou-se à estratégia de
autorregulação. Nesta alternativa, caberia aos próprios bancos definir uma estratégia de avaliação e
tratamento de riscos. Esta deveria se materializar em estratégias formais de controle, descritas em
modelos quantitativos, portanto, que seriam submetidos à autoridade reguladora e/ou supervisora para
aprovação. Esta evolução na legislação regulatória (prudencial) dos sistemas financeiros resultou no
denominado Acordo de Basileia II.
Vários tipos de modelos voltados para o cálculo dos riscos envolvidos em cada estratégia utilizada
por uma instituição foram produzidos, sendo conhecida a principal família de modelos como VAR (value
at risk), pelos quais seriam calculadas as perdas a serem incorridas em caso de eventos adversos
previsíveis. Coeficientes de capital seriam então estabelecidos em função deste valor colocado em risco
por uma dada estratégia.
O entusiasmo inicial por essa estratégia, porém, cedeu a um certo desencanto quando as crises
asiática e russa, em 1997 e 1998, impuseram pesadas perdas às instituições financeiras que deveriam

47
estar adotando estratégias mais eficazes de proteção. A reação dos reguladores foi insistir que as
instituições financeiras não se limitem a construir modelos tipo VAR, mas também sujeitem estes
modelos aos chamados testes de resistência (stress tests)2.
Assim, percebe-se que a monitoração das atividades das instituições financeiras de modo mais
aprofundado do que a simples aprovação de estratégias ainda será exigida do supervisor por algum
tempo, se é que algum dia esta função poderá ser integralmente transferida ao mercado. Certamente
não enquanto externalidades importantes continuarem resultando da ação das instituições financeiras e
os sistemas de administração privada de risco não forem mais confiáveis do que no presente (Cardim de
Carvalho et allii, p.331).3
e) Capital Principal, Nível I, Patrimônio de Referência, Adic. de Capital (Acordo de Basileia III)
O Acordo de Basileia III é a resposta regulatória internacional à crise financeira e bancária
deslanchada em 2008. Basileia III é um conjunto de recomendações de melhores práticas relativas à
estrutura de capital de instituições financeiras. O acordo inspira-se no princípio que os bancos precisam
ser seguros para seus clientes, tanto pessoas quanto empresas, e ter recursos próprios suficientes (sob a
forma de capital, provisões, recursos livres) para enfrentar situações de crise (Banco Central do Brasil,
www.bcb.gov.br, acessado em 06/08/2013).
Na nova sistemática deve-se atentar para dois pontos:
a) em vez de apenas um requerimento de capital (Patrimônio de Referência – PR de 11%), passam a
existir três requerimentos independentes para cada conceito de capital (Capital Principal, Nível I e PR);
b) além dos valores mínimos, espera-se que em situações normais do mercado, as instituições
mantenham montantes adicionais (Adicional de Capital Principal), variáveis no tempo.
Quadro I – Requerimentos para o capital regulamentar, em comparação aos atualmente adotados no Brasil.
Denominação Basileia II Brasil (Basileia II) Brasil (Basileia III*)
Capital Principal 2%** 4,7%** 7% - 9,5%
Nível I 4%** 5,5%** 8,5% - 11%
Patrimônio de Referência 8% 11% 10,5% - 13%
Fonte: Banco Central do Brasil. * Considera o Adicional de Capital Principal. ** Limites implícitos.

Observação:
a) Capital Principal – é composto por ações, quotas, reservas e lucros retidos.
b) Nível I – que é composto pelo Capital Principal e outros instrumentos subordinados capazes de
absorver perdas durante o funcionamento da instituição.
c) Patrimônio de Referência – é composto pelo Nível I e por outros instrumentos subordinados, capazes
de absorver perdas no caso de encerramento da instituição.
A tabela que se segue mostra o cronograma planejado de implantação gradual do Acordo de
Basileia III (BIII) no Brasil, no que tange aos requerimentos de capital mínimos aos quais deverão
obedecer, a partir de cada data definida, as instituições financeiras que operam no país e reguladas pelo
Banco Central do Brasil.
Quadro II – Cronograma de transição dos requerimentos de capital no Brasil.
1/1/201 1/1/2014 1/1/2015 1/1/2016 1/1/2017 1/1/2018 1/1/2019
3
Capital Principal – BIII 3,500% 4,000% 4,500% 4,500% 4,500% 4,500% 4,500%
Capital Principal – Brasil 4,500% 4,500% 4,500% 4,500% 4,500% 4,500% 4,500%
Nível I – BIII 4,500% 5,500% 6,000% 6,000% 6,000% 6,000% 6,000%
Nível I – Brasil 5,500% 5,500% 6,000% 6,000% 6,000% 6,000% 6,000%
PR – BIII 8,000% 8,000% 8,000% 8,000% 8,000% 8,000% 8,000%

2
Estes testes de resistência já estão incorporados aos requisitos do Acordo de Basileia III, cujo foco de regulação retorna à
solidez do capital próprio (patrimônio líquido) como âncora de estabilidadas instituições financeiras.
3
A crise financeira e econômica internacional que se desencadeou em 2007/2008 deverá reduzir as intenções dos
reguladores institucionais em direção a maior liberdade dos mercados e das instituições financeiras, limitando a tendência à
autorregulação que existia antes da crise. Aliás já está em implantação o Acordo de Basiléia III.

48
PR – Brasil 11,000 11,000% 11,000% 9,875% 9,250% 8,625% 8,000%
%
Capital Adicional (Parte Fixa) – BIII - - - 0,625% 1,250% 1,875% 2,500%
Capital Adicional (Parte Fixa) – Brasil (Capital de Sustentação) - - - 0,625% 1,250% 1,875% 2,500%
Adicional Capital Principal (Parte Contracíclica) – BIII - - - Até 0,625% Até 1,25% Até 1,875% Até 2,5%
Adicional Cap. Principal (Parte Contracíclica) – Brasil - Até 0,625% Até 1,25% Até 1,875% Até 2,5% Até 2,5% Até 2,5%
PR + Adicional Capital Principal (Parte Fixa) – BIII 8,000% 8,000% 8,000% 8,625% 9,250% 9,875% 10,500%
PR + Adicional Capital Principal (Parte Fixa) – Brasil 11,000 11,000% 11,000% 10,500% 10,500% 10,500% 10,500%
%
PR + Adic. Capital Principal (Parte Fixa+Parte Contracíclica Máxima) – BIII 8,000% 8,000% 8,000% 9,250% 10,500% 11,750% 13,000%
PR + Adic. Capital Principal (Parte Fixa+Parte Contracíclica Máxima) – Brasil 11,000 11,625% 12,250% 12,375% 13,000% 13,000% 13,000%
%
Fonte: Banco Central do Brasil.

Ao fim do cronograma de transição dos requerimentos de capital no Brasil, relativos ao Acordo de


Basileia III, a estrutura mínima requerida de capital das instituições financeiras será a que segue.
Estrutura % Composição
Capital principal 4,5 Ações
Capital complementar 1,5 Instrumentos hibridos
Nível I 6,0 -
Buffer (parte fixa) (Capital de Sustentação ou Capital Adicional) 2,5 Ações
Buffer (parte contracíclica) Até 2,5 Ações
Total buffer (% máximo) 5,0 -
Nível II 2,0 Dívida subordinada
Nível I + Buffer (máximo) + Nível II 13,0 -

Nota-se a maior complexidade e o rigorismo adicional que o Banco Central do Brasil exigirá (ou
poderá exigir, já que a parte contracíclica é variável) em relação à estrutura mínima de capital das
instituições financeiras, cuja estrutura atual, derivada do Acordo de Basilia II, é a que se segue.
Estrutura % Composição
Capital principal 4,7 Ações
Capital complementar 0,8 Instrumentos hibridos
Nível I 5,5 -
Nível II 5,5 Dívida subordinada
Nível I + Nível II 11,0 -

2.7 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros


Os bancos diversificaram-se, abandonaram a especialização do passado, transformaram-se,
criando novas oportunidades de negócios, mudando a escala de custos financeiros e os riscos a que a
atividade está submetida. Novos agentes emergiram, enquanto os tradicionais reorganizaram-se para
participar de novos mercados, em especial o de capitais. Este item visa mapear as principais dessas
transformações, que ocorreram nas últimas décadas (Cardim de Carvalho et allii, p.337).
Inovação Financeira e Mudança Estrutural
Denominamos inovação mudanças feitas por empresas ou pessoas na forma de produzir, de
organizar a produção ou de distribuir bens e serviços com o fito de aumentar a eficiência da forma e/ou
os lucros do empreendimento. Como em economias de mercado inovações são introduzidas o tempo
todo, os processos produtivos, à medida que o tempo passa, vão se tornando mais eficazes e baratos e a
gama de produtos disponíveis para uso mais variada.
O tipo de inovação aqui focado são as inovações financeiras, que se referem à produção de novos
serviços financeiros ou a novas formas de produção dos serviços financeiros já conhecidos. Inovações
financeiras são introduzidas pela mesma razão que qualquer outro tipo de inovação: porque
representam armas competitivas e oportunidades de lucros nas mãos das empresas que tomam a
iniciativa de implantar novos métodos de produção ou novos produtos contra seus concorrentes.
Tradicionalmente, a atividade financeira tendia a ser exercida de forma muito conservadora, com
as instituições financeiras, como bancos, por exemplo, preferindo enfatizar sua solidez, mais do que sua
disposição a correr riscos para buscar maiores retornos.

49
Esta situação se alterou profundamente a partir da década de 1970. Inaugurou-se naquela
década um período de volatilidade dos mercados financeiros, que criou um prêmio para aquelas
instituições financeiras mais capazes de desenvolver novas respostas para desafios que se diferenciavam
a cada momento. Inflação elevada, taxas de câmbio flutuantes, movimentos livres de capital através do
mundo, taxas de juros voláteis, tudo isso criou um ambiente onde as instituições mais bem-sucedidas
passaram a ser aquelas capazes de se diferenciar com a evolução dos mercados financeiros ou, ainda
melhor, em antecipação às mudanças destes últimos.
Em função dessa mudança de atitude, os mercados financeiros passaram a se comportar de
forma mais semelhante aos outros mercados. A introdução frequente, quase contínua, de inovações
tornou a mudança estrutural, isto é, a transformação das estruturas produtivas do setor financeiro
passou a ser uma característica permanente de sua operação.
Raízes do Movimento de Inovação Financeira Recente
Esta tendência à inovação permanente contrasta, já vimos, de forma aguda com a situação
anterior. Suas raízes mais profundas remontam, principalmente, ao colapso do sistema monetário
internacional criado na conferência de Bretton Woods, em 1944.
O sistema monetário internacional criado em Bretton Woods, que será abordado em outro texto,
funcionou de forma satisfatória durante mais de vinte anos, mas começou a dar sinais de esgotamento
ao final dos anos 1960. Nessa época, acumulavam-se pressões inflacionárias em vários países 4, inclusive
nos Estados Unidos, onde um período de recuperação cíclica da economia era reforçado pelo aumento
de demanda agregada, apoiado na expansão da participação do país na guerra do Vietnã. Essas pressões
inflacionárias eram incompatíveis com a fixação do valor do dólar em ouro e, portanto, com a
manutenção do sistema de taxas fixas de câmbio (mesmo um sistema de taxas fixas reajustáveis, como
era o Sistema de Bretton Woods).
Em conseqüência do fim do sistema de taxas fixas, a volatilidade cambial intensificou-se. A
instabilidade foi aumentada, ainda neste período, pelo primeiro choque do petróleo, em 1973, ao qual
vários países, notadamente o Japão, responderam adotando políticas monetárias expansivas, que
validaram a aceleração da inflação5. Mais choques se seguiram, até que, ao final da década de 1970,
generalizou-se o sentimento de que o processo inflacionário estava saindo de controle. A reação a esse
sentimento foi a adoção quase universal, entre os países desenvolvidos, de políticas monetárias
restritivas, baseadas em aumentos dramáticos das taxas de juros.
Criou-se, assim, um ambiente de alta incerteza para a operação dos mercados financeiros dos
principais países desenvolvidos. Instabilidades de preços, de taxas de juros e de taxas de câmbio
combinavam-se para criar riscos para aplicadores e tomadores de recursos em escala desconhecida até
então. O desenvolvimento de procedimentos eficazes para administrar esses riscos, socializar incertezas,
diferenciar produtos para colocação junto a clientes com diferentes propensões a risco etc., tornou-se
uma importante fonte de inovações financeiras, notadamente o desenvolvimento e diferenciação de um
grande mercado de derivativos6.

4
No Brasil, a aceleração da inflação já vinha desde o início dos anos 1960, mas no final da década experimentou-se uma fase
de desaceleração de preços, ainda que com desvalorizações cambiais freqüentes.
5
Outro choque de preços no petróleo ocorreu em 1979. Enquanto em 1973 o barril de petróleo quadruplicou de preço,
passando de US$ 3.00 para US$ 12.00, em 1979 este preço alcançou até US$ 30.00.
6
Derivativos. Operações financeiras cujo valor de negociação deriva (daí o nome derivativos) de outros ativos, denominados
de ativos-objeto, com a finalidade de assumir, limitar ou transferir riscos. Abrangem um amplo leque de operações: a termo,
futuros, opções e swaps, tando de commodities quanto de ativos financeiros, como taxas de juros, cotações futuras de
índices etc. (Sandroni, 2005).

50
Dos anos 1970 em diante os bancos começaram a vender seu risco de crédito a terceiros, nos
florescentes mercados de capitais e, para mensurar o risco de crédito, adotaram sistemas de cálculo
complexos envolvendo variáveis econômicas, identificadas por economistas, transformadas em
equações por matemáticos ou físicos, por sua vez processadas em computadores sob a supervisão de
profissionais da informática, com base em dados coletados por estatísticos.
Em paralelo, iniciou-se um período de revisão profunda dos princípios que regiam, até então, a
ação reguladora do Estado nos mercados financeiros. Desregulação e liberalização da atividade
financeira passaram a ser objetivos perseguidos com afinco em todos os países.
Finalmente, uma última grande força inovadora foi aquela que já era central em outros setores
da economia: o progresso tecnológico. A evolução tecnológica nos setores de comunicações e de
informática mudou de forma dramática os custos de transação envolvidos na produção dos serviços
financeiros convencionais, ao mesmo tempo em que viabilizou a criação de produtos até então
inacessíveis, como aqueles que combinam eventos que tenham lugar em praças financeiras
geograficamente distantes, unificando os mercados financeiros e viabilizando a operação de instituições
financeiras gigantescas, 24 horas por dia, em todos os mercados. O progresso técnico, mediante a
automação, também atingiu as operações de rotina do setor, em especial as de saques, depósitos,
transferências, realização de pagamentos etc.
Em síntese, os determinantes do movimento de inovação financeira antes descrito são:
a) o fim da paridade fixa entre o dólar dos EUA e o ouro, nos termos do Acordo de Bretton-Woods;
b) o fim do sistema internacional de câmbio fixo;
c) os choques de preços do petróleo ocorridos nos anos 1970;
d) a volatilidade cambial e o aumento do risco e da incerteza decorrentes dos fatores anteriores;
e) a desregulação financeira;
f) a globalização dos mercados financeiros;
g) o processo tecnológico que atingiu o mercado financeiro, via o desenvolvimento das comunicações e
da informática.
As inovações financeiras, inclusive, tornaram-se tão intensas e complexas que superaram a
capacidade de compreensão da maioria dos executivos comuns de bancos, assim como das autoridades
reguladoras (Jornal Valor Econômico, 13, 14 e 15 de março de 2009, p. A16).
Um exemplo paradigmático dessas inovações foram as CDOs (Collateralized Debt Obligations, ou
obrigações garantidas por dívidas) de ABS (Assets Backed Securities, ou títulos lastreados por ativos). Em
2006 e início de 2007, pelo menos US$ 450 bilhões desses “CDOs de ABS” foram produzidos (Idem). A
maioria desses papéis, em vez de ser negociada no mercado, foi vendida a entidades dos bancos, ficando
fora de seus registros contábeis, como os SIVs (Structured Investment Vehicle ou Veículo Estruturado de
Investimento), ou simplesmente contabilizados com avaliação de risco AAA (triple A).7
No segundo trimestre de 2008, Citigroup, Merril Lynch e UBS, juntos, já haviam registrado baixas
contábeis de US$ 53 bilhões, 70% dos quais decorrentes de CDOs (tidos como risco AAA).
Em setembro de 2008, um novo pilar de fé veio abaixo. A maioria dos investidores presumia que
o Governo dos EUA nunca deixaria um grande grupo financeiro quebrar. Quando o Lehman Brothers
pediu recuperação judicial e, depois, fechou as suas portas, a desconfiança e a desorientação
dispararam. Os mercados de financiamento secaram. As cotações ficaram descontroladas. Os modelos
de negociação e as operações de proteção (hedge) contra perdas derreteram. Nada funcionava nos

7
A resultante desse processo de desregulação foi o aumento da alavancagem financeira (valor dos ativos x valor do
patrimônio líquido) das instituições bancárias, em especial dos bancos de investimento nos EUA, o que potencializou o risco
desses bancos quando a crise de 2007/2008 instalou-se.

51
mercados de capitais. Desde então, até surgirem novos pilares de confiança para as finanças, os
governos intervém para sustentar muitas das funções do mercado.8
2.8 A Seleção Adversa
O Problema dos Limões
Uma caracterização especial do problema de seleção adversa, e a forma como ele interfere no
funcionamento eficiente de um mercado, foi apresentada pela primeira vez em artigo de George Akerlof
(Apud Mishkin, 2000, p.125), que usou para ilustrar a seleção adversa o que chamou de problema dos
“limões”, referindo-se ao problema criado por “limões” 9 no mercado de carros usados. Os compradores
potenciais de carros usados em geral não podem avaliar a qualidade do carro; isto é, eles não podem
dizer se um determinado carro usado é bom e vai funcionar bem, ou se é um “limão” que só irá causar
desgosto. O preço que um comprador paga deve, portanto, refletir a qualidade média dos carros no
mercado, algo entre o baixo valor de um “limão” e o alto valor de um bom carro.
O proprietário de um carro usado, por outro lado, provavelmente sabe se o seu carro é um
“pêssego”10 ou um “limão”. Se o carro for um “limão”, o proprietário fica mais do que feliz de vendê-lo
pelo preço que o comprador está disposto a pagar, que, sendo algo entre o valor de um “limão” e um
bom carro, é maior do que o valor de um “limão”. No entanto, se o carro for um “pêssego”, o dono sabe
que o preço que o comprador está disposto a pagar representa uma avaliação baixa do valor de seu
carro, e pode não querer vende-lo. Como resultado dessa seleção adversa, muito poucos carros usados
bons estarão no mercado. Como a qualidade média de um carro usado disponível no mercado será baixa,
e como muito poucas pessoas querem comprar um “limão”, haverá poucas vendas. O mercado de carros
usados, então, funcionará mal.
Seleção Adversa no Mercado de Títulos de Dívida e Ações
Um problema semelhante de seleção adversa surge nos mercados de títulos, tanto de dívidas
(bônus) quanto de propriedade (ações). Suponha-se que um investidor, comprador potencial de títulos
como ação ordinária, não consegue distinguir entre boas firmas com altos lucros esperados e baixo risco
e firmas ruins com baixos lucros esperados e alto risco. Nessa situação, o investidor estará disposto a
pagar somente um preço que reflita a qualidade média das firmas emissoras de títulos, preço que fica
entre o valor dos títulos das firmas ruins e o valor daqueles de firmas boas.
Se os donos ou gerentes de uma firma boa têm uma informação melhor do que o investidor e
sabem que são uma firma boa, eles também sabem que seus títulos estão subvalorizados e não vão
querer vendê-los ao investidor pelo preço que este está disposto a pagar. As únicas firmas dispostas a
vender títulos para o investidor são as firmas ruins (porque o preço é mais alto do que os títulos valem).
Mas o investidor não quer títulos de firmas ruins e, portanto, poderá decidir não comprar títulos no
mercado. Num resultado semelhante ao do mercado de carros usados, este mercado de títulos não
funcionará bem, porque poucas firmas irão vender títulos nele para levantar capital.
A presença do “problema dos limões” não deixa que os mercados de títulos de dívida e de ações
sejam eficientes na canalização de recursos dos poupadores para tomadores de empréstimos e explica
porque os títulos negociáveis não são a fonte principal de financiamento de empresas em qualquer país
do mundo (Mishkin, 2000). Também explica, em parte, porque as ações não são a fonte mais importante
de financiamento para os negócios (Idem, ibidem).
8
A partir de 2010, como impacto da crise (denominada de “grande retração” por alguns autores), as medidas de expansão
fiscal tomadas por vários países (para evitar uma segunda “grande depressão”) exigiram o resgate financeiro da Grécia e da
Irlanda e a implementação de ajustes fiscais severos em muitos outros países (como Inglaterra, por exemplo).
9
“Limão” é o termo popular utilizado nos EUA para denotar um automóvel de segunda mão que apresenta sérios problemas
que só são descobertos após a compra do carro.
10
“Pêssego” é o termo popular utilizado nos EUA para denotar um carro de segunda mão em ótimas condições.

52
Ferramentas para Ajudar a Resolver os Problemas de Seleção Adversa
a) Produção privada e venda de informação
A solução para o problema da seleção adversa nos mercados financeiros é eliminar (restringir) a
informação assimétrica, fornecendo aos poupadores-emprestadores detalhes sobre indivíduos ou firmas
que queiram tomar financiamentos para suas atividades de investimento. Um modo de fazer chegar
essas informações aos poupadores-emprestadores é ter companhias privadas que as produzam e que
permitam distinguir as firmas boas das ruins e depois vendam essas informações para os compradores
de títulos (e para os provedores de crédito). Nos mercados internacionais, companhias como Standard
and Poor’s, Moody’s e Fitch coletam informações sobre as posições e atividades de investimento do
balanço das firmas, publicam estas informações e as vendem aos assinantes 11.
Entretanto, o sistema de produção privada e venda de informação não resolve completamente o
problema de seleção adversa nos mercados de títulos, devido ao problema do free-rider. Este problema
ocorre quando pessoas que não pagam pela informação obtêm vantagem da informação pela qual
outras pessoas pagaram. Suponha-se que alguém compre informação que indica quais as firmas boas e
quais as ruins. Esse alguém acredita que a compra valeu a pena, porque poderá compensar o custo de
adquirir essa informação comprando os títulos das firmas boas que estão desvalorizados. No entanto,
quando outro investidor vir esse alguém comprando os títulos, ele também os comprará, apesar de não
ter pago pela informação. Se muitos outros investidores agirem como este investidor, haverá uma
demanda crescente pelos títulos bons que estão desvalorizados, o que fará com que seu preço aumente
imediatamente, refletindo o seu verdadeiro valor. Como resultado de todos esses free-riders, o
comprador da informação não comprar títulos por menos que seu valor real e, neste caso, não terá lucro
extraordinário pela compra de informação.
b) Regulamentação do Governo
Uma possibilidade de reduzir a seleção adversa é o governo regulamentar os mercados de títulos,
de um modo que incentive as firmas a divulgar informações honestas sobre si, para que os investidores
possam determinar se elas são boas ou ruins.
O problema da seleção adversa nos mercados financeiros, gerada por assimetria de informação,
ajuda a explicar porque os mercados financeiros são objeto de rígidos regulamentos12 (Mishkin, 2000).
c) Intermediação Financeira
Um intermediário financeiro, como um banco, torna-se um especialista na produção de
informações sobre firmas, de modo que pode, em tese, distinguir os riscos de crédito bons dos ruins.
Então, pode conseguir recursos dos depositantes e emprestá-los às firmas boas. Como o banco é capaz
de emprestar mais para as firmas boas, ele pode obter um rendimento mais alto sobre seus
empréstimos do que os juros que tem que pagar aos seus depositantes 13. Em resultado, o banco tem
lucro, o que lhe permite se engajar nessa atividade de produção de informação.
Uma importante razão para que os bancos possam lucrar com a informação que produzem é o
fato de que evitam o problema do free-rider. E o fazem realizando empréstimos privados, em vez de
comprarem títulos que são negociados no mercado aberto.

11
No Brasil, uma conhecida agência de produção privada de informações é a Serasa Experian. Outro tipo de instituição que
se destaca nessa linha informacional são os “market maker”, que preparam e promovem o lançamento de novas ações ou
títulos de dívida de seus clientes nos mercados monetário e de capitais.
12
A flexibilização desses regulamentos sobre os mercados financeiros impostos ou aceitos pelas autoridades monetárias é
uma das raízes da grande crise financeira de 2008, com seus impactos sobre a economia global.
13
Depósitos a prazo, essenciamente, na medida em que a remuneração de depósitos à vista pelos bancos não é praticada em
muitos países.

53
A análise da seleção adversa indica que os intermediários financeiros em geral, e os bancos em
particular, como operadores de crédito, por possuírem uma fração grande de títulos de dívidas não-
negociáveis (empréstimos e financiamentos), deveriam desempenhar (como de fato desempenham) um
papel maior do que os operadores em mercados de títulos (debêntures, ações, certificados de recebíveis)
na canalização de fundos para empresas. Isto explica porque o financiamento indireto é tão mais
importante do que o financiamento direto e porque os bancos são a fonte mais importante de recursos
externos para o financiamento de negócios (Mishkin, 2000).
d) Garantias Reais e Patrimônio Líquido
A seleção adversa interfere no funcionamento dos mercados financeiros quando um emprestador
tiver um prejuízo, caso o tomador não efetue os pagamentos de um empréstimo e, portanto, fique
inadimplente. A garantia real, propriedade prometida ao emprestador caso o tomador do empréstimo se
torne inadimplente, reduz as consequências da seleção adversa, porque reduz os prejuízos do
emprestador na eventualidade de inadimplência. E os tomadores estão dispostos a oferecer garantias
(em especial garantias reais) porque o risco mais reduzido para o emprestador facilitará a concessão de
empréstimo e até mesmo implicará em uma taxa de juros menor. A presença de seleção adversa em
mercados de crédito, portanto fornece uma explicação para o fato da garantia real ser uma característica
importante nos contratos de dívida14.
No que tange ao patrimônio líquido (PL, a diferença entre os ativos (assets) de uma firma, isto é, o
que ela possui e o que lhe é devido, e seu passivo (liabilities), isto é, o que ela deve), se uma firma tiver o
valor deste alto, então, mesmo que ela se engaje em investimentos que lhe dêem lucros negativos,
gerando, portanto, inadimplência no pagamento de suas dívidas, o emprestador pode tomar posse do PL
da firma, representado por terrenos, prédios e/ou máquinas, vendê-lo e usar a receita para ressarcir
parte (ou o total) dos prejuízos decorrentes do empréstimo. Além disso, quanto mais patrimônio líquido
uma firma tiver, menor é a probabilidade de inadimplência, porque a firma estará escorada por ativos
que poderão ser utilizados para pagar seus empréstimos. Portanto, quando firmas que requerem crédito
têm um patrimônio líquido alto, as consequências de seleção adversa têm menos importância e os
emprestadores estarão mais dispostos a conceder empréstimos.
Por trás dessa análise está a reclamação de que “somente as pessoas e empresas que não
precisam de dinheiro conseguem empréstimo!”.
2.9 O Risco Moral
O Risco Moral em Ações: o Problema entre Agente e Principal
Os contratos de participação acionária, como ações ordinárias, estão associados com a
propriedade dos ativos de uma empresa. Estes contratos estão sujeitos a um tipo especial de risco
moral, chamado problema entre agente e principal. Os acionistas majoritários da empresa (chamados
principais) são pessoas diferentes dos gerentes da firma, que são os agemtes dos proprietários e que
têm uma pequena participação no capital das empresas para a qual trabalham. Esta separação entre
propriedade e controle envolve risco moral porque os gerentes em controle (os agentes) podem agir em
interesse próprio e não de acordo com os interesses dos acionistas-proprietários (os principais), já que
têm menos incentivo do que os acionistas-proprietários para maximizar lucros.
O problema entre agente e principal não surgiria se os proprietários da firma tivessem todas as
informações sobre as atividades de seus gerentes e pudessem evitar gastos excessivos ou fraudes. Logo,
o problema entre agente e principal, exemplo de risco moral, surge porque um gerente tem mais
informações sobre suas atividades do que o acionista, isto é, há informação assimétrica.
14
As garantias podem ser reais (hipoteca, alienação fiduciária, penhor) e/ou fidejussórias (aval ou fiança), sendo que, em
geral, ambos os tipos citados de garantias são exigidos para a concessão de créditos de médio e longo prazos.

54
Instrumentos para Ajudar a Resolver o Problema entre Agente e Principal
a) Produção de informação, monitoramento
Uma maneira de os acionistas reduzirem esse problema de risco moral é se engajarem em um
tipo determinado de produção de informação, qual seja, o monitoramento das atividades da firma:
auditorias frequentes da firma e controlar o que o gerente está fazendo. O problema é que o processo de
monitoramento pode ser caro em termos de tempo e dinheiro, pois estes chamados custos de
verificação podem ser elevados. Elevados custos de verificação tornam menos atraentes os contratos de
participação acionária e explicam, em parte, porque a emissão de ações não é um elemento tão mais
importante na estrutura financeira das nações15.
Estes custos de verificação também estão sujeitos ao problema do free-rider, o que pode
prejudicar o monitoramento. Se você sabe que outros acionistas estão pagando para monitorar as
atividades da companhia da qual você possui ações, você pode pegar uma “carona” (free-ride) nas
atividades deles. No entanto, se você pode conseguir isso, os outros acionistas também podem e, assim,
ninguém irá gastar recursos para monitorar a firma. O problema do risco moral para ações ordinárias
será sério, dificultando a emissão de ações por firmas, como forma de obter mais capital.
b) Regulamento do governo para aumentar informação
Como acontece com a seleção adversa, o governo tem um incentivo para reduzir o problema de
risco moral criado pela informação assimétrica. Todos os governos têm leis para forçar as firmas a
aderirem a princípios de contabilidade padrões, que facilitam a verificação de lucros. Eles também
aprovam leis que impõem penas, muitas vezes duras, a pessoas que cometem fraudes por esconder ou
roubar lucros, ou valem-se de informação privilegiada para auferir ganhos extraordinários.
c) Intermediação financeira
Os intermediários financeiros têm a capacidade de evitar o problema de free-rider associado ao
risco moral. Um intermediário financeiro que ajuda a reduzir o risco moral que surge do problema entre
agente e principal é a firma de capital de risco (venture-capital firm). Firmas de capital de risco agrupam
os recursos de seus sócios e utilizam os fundos para ajudar empresários principiantes a montarem seus
negócios. Como a verificação dos ganhos e lucros é muito importante na eliminação do risco moral, as
firmas de capital de risco geralmente insistem em ter pessoal próprio participando como membros do
corpo gerencial da firma, a diretoria, para que possam controlar de perto as atividades da empresa. Já
outros intermediários financeiros, como os bancos, ficam mais expostos às mudanças de
comportamento de seus clientes, associado com o aumento do risco de não pagamento dos
empréstimos e financiamentos concedidos.
d) Contratos de dívida
O risco moral surge com um contrato de participação acionária, que é um direito sobre os lucros
em qualquer situação, esteja a firma ganhando ou perdendo dinheiro. Se um contrato pudesse ser
estruturado de maneira que o risco moral só existisse em certas situações, haveria menor necessidade
de monitorar gerentes e o contrato seria mais atraente do que o contrato de participação acionária. O
contrato de dívida tem exatamente esses atributos, porque é um acordo contratual do tomador do
empréstimo de pagar ao emprestador quantias fixas em unidades monetárias (reais, dólares etc.), em
intervalos regulares. Somente quando a firma não consegue efetuar seus pagamentos, encontrando-se,
portanto, em estado de inadimplência, o emprestador sente necessidade de verificar a situação dos
lucros da firma.

15
No caso da emissão de debêntures, por exemplo, os debenturistas devem arcar com o custo de um “agente fiduciário”,
que representará os seus interesses junto à empresa emissora desses tributos.

55
A vantagem de não haver necessidade frequente de monitorar a firma e, portanto, a vantagem
de um custo mais baixo de verificação, ajuda a explicar porque os contratos de dívida são usados mais
frequentemente do que os contratos de participação acionária para obter capital adicional. O conceito
de risco moral, portanto, também ajuda a explicar porque as ações não são a fonte mais importante de
financiamento das empresas.
Um alto patrimônio líquido, monitoramento e imposição de cláusulas contratuais restritivas,
garantias (e seguros sobre garantias reais) e intermediação financeira também são ferramentas que
ajudam a resolver o risco moral em contratos de dívida.
2.10 Crise Financeira e Atividade Econômica Agregada
As crises financeiras ocorrem quando há uma ruptura no sistema financeiro, que causa um
aumento tão brusco dos problemas de seleção adversa e risco moral que os mercados são incapazes de
canalizar de forma eficiente os recursos dos poupadores para as pessoas com oportunidades de
investimento produtivo. Em decorrência dessa incapacidade dos mercados financeiros funcionarem
eficientemente, a atividade econômica se contrai abruptamente.
Fatores que Podem Causar as Crises Financeiras.
a) Aumento nas taxas de juros
A seleção adversa mostra que os indivíduos e firmas com os projetos de investimento mais
arriscados são exatamente aqueles que estão dispostos a pagar as taxas de juros mais altas. Se as taxas
de juros de mercado são elevadas suficientemente, devido à crescente demanda por crédito ou devido a
uma queda na oferta de moeda, é menos provável que os tomadores com bons riscos de crédito queiram
pedir empréstimo, enquanto o contrário ocorre com aqueles com riscos de crédito ruins. Devido aos
aumento resultante na seleção adversa, os emprestadores não vão mais querer conceder empréstimos.
O declínio repentino do volume de empréstimos levará a uma queda significativa no investimento e na
atividade econômica agregada.
b) Aumento na incerteza
Um aumento dramático da incerteza nos mercados financeiros, em decorrência talvez da falência
de uma instituição financeira ou não-financeira proeminente, uma recessão ou uma quebra da bolsa, ou
mesmo uma situação de desconfiança dos agentes econômicos quanto aos rumos da política
macroeconômica ou quanto à solidez das instituições, dificulta a separação dos riscos de crédito bons
dos ruins pelos emprestadores. A incapacidade resultante dos emprestadores em resolver o problema da
seleção adversa os torna menos dispostos a emprestar, o que leva a um declínio no empréstimo, no
investimento e na atividade agregada.
c) Efeitos do mercado de ativos sobre o balanço patrimonial
Uma queda brusca no mercado de ações é um fator que pode causar uma deterioração séria nos
balanços patrimoniais de uma firma, bem como provocar uma crise financeira. Este fator faz com que os
emprestadores fiquem menos dispostos a emprestar, porque o patrimônio líquido de uma firma
desempenha papel semelhante ao da garantia. Quando cai o valor da garantia, os emprestadores estão
menos protegidos, o que quer dizer que, provavelmente, os prejuízos decorrentes de empréstimos serão
mais sérios. Eles diminuem seus empréstimos, o que, por sua vez, causa o declínio do investimento e da
produção agregada.
Nas economias em que a inflação é baixa, muitos contratos de dívida têm, em geral, vencimento
bastante longo com taxa de juros fixa. Nesse ambiente institucional, as quedas não-antecipadas do nível
de preço agregado também diminuem o patrimônio líquido das firmas. Como os pagamentos de dívida
são fixados contratualmente em termos nominais, uma queda imprevista do nível de preços aumenta o

56
valor dos passivos das firmas em termos reais (aumenta o ônus da dívida), mas não aumenta o valor real
dos ativos das firmas. Portanto, uma queda imprevista no nível de preço agregado leva a uma queda nos
empréstimos e na atividade agregada.
Os contratos de dívida denominados em moeda estrangeira, quando ocorre uma desvalorização
repentina da moeda doméstica, podem levar a uma crise financeira semelhante a um declínio imprevisto
da inflação, pois o ônus da dívida das firmas domésticas aumenta. Quando as firmas têm ativos
denominados em moeda doméstica, há, consequentemente, uma deterioração nos balanços
patrimoniais dessas firmas e uma queda nos seus patrimônios líquidos, que, então, aumenta os
problemas de seleção adversa e de risco moral nas formas já definidas.
d) Pânico bancário (risco sistêmico)
Uma crise financeira, associada com a quebra de bancos (chamada de pânico bancário) reduz a
quantidade de intermediação financeira feita pelos bancos, levando ao declínio no investimento e na
atividade econômica agregada. Na verdade, mesmo que não vão à falência, mas sofram, ainda assim,
uma contração significativa em seu patrimônio líquido, devido a maus empréstimos, os bancos terão
menos recursos para conceder créditos, que cairão, causando uma contração na atividade econômica.
2.11 A Taxa de Juros e a Taxa de Retorno
As taxas de juros afetam decisões pessoais, tais como consumir ou poupar, comprar uma casa ou
comprar títulos de dívida ou depositar em uma conta de poupança. As taxas de juros também afetam as
decisões econômicas de empresas e famílias, tais como utilizar seus fundos para investir em um novo
equipamento para fábricas ou poupar seu dinheiro num banco.
O conceito conhecido como rendimento até o vencimento, YTM 16, é a medida mais exata das
taxas de juros. O YTM é o que os economistas querem dizer quando usam o termo taxa de juros.
Para qualquer título, a taxa de retorno é definida como os pagamentos ao proprietário,
acrescidos da mudança em seu valor, expressa como uma fração do seu preço de compra.
Para tornar esta definição mais clara, veja-se como seria o retorno para um bônus de cupom com
valor de face de $1.000 e taxa de cupom de 10%, que é comprado por $1.000, mantido por um ano e,
então, vendido por $1.200. Os pagamentos ao proprietário são os pagamentos de cupom anuais de $100
e a mudança em seu valor é $1.200 - $1.000 = $200. Somando-se estes resultados e expressando-os
como uma fração do preço de compra ($1.000), tem-se o rendimento do período de retenção de um ano
para este título:
($100 + $200)/($1.000) = $300/$1.000 = 0,30 = 30%.
Pode-se notar que, enquanto a taxa de retorno desse título equivale a 30%, a sua taxa de juros
(taxa de cupom ou YTM) é de somente 10%. Isto demonstra que o retorno sobre um título não irá
equivaler necessariamente à taxa de juros sobre esse título. Mais genericamente, o retorno de um título
retido do tempo t até o tempo t + 1 pode ser escrito:
RET = (C + Pt+1 – Pt)/(Pt)
Onde: RET = rendimento decorrente da retenção de um título do tempo t até o tempo t+1;
Pt = preço do título no tempo t;
Pt+1 = preço do título no tempo t+1
16
A expressão yield to maturity significa a taxa que resulta da divisão entre o valor presente do pagamento de juros
(acumulado) e o preço presente do título. Em outras palavras, yield to maturity é a taxa de rendimento que promete pagar
um título, desde que este seja mantido pelo seu detentor até o seu vencimento e que todos os pagamentos de cupons sejam
reinvestidos. O termo não tem tradução precisa em língua portuguesa e, por esta razão, opta-se por utilizar, neste item, a
sigla YTM ou a expressão retorno até o vencimento.

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C = pagamento de cupom
Um modo conveniente de reescrever a fórmula de retorno na equação anterior é reconhecer que
ela pode ser dividida em duas expressões separadas. A primeira é o rendimento anual ia (o pagamento de
cupom sobre o preço de compra):
C/Pt = ia  YTM ou taxa anual de juros
A segunda expressão é a taxa de ganho de capital, ou a mudança no preço do título, em relação
ao preço de compra inicial:
(Pt+1 – Pt)/(Pt) = g
Onde g = taxa de ganho de capital. A equação RET pode, então, ser reescrita como:
RET = C/Pt + (Pt+1 – Pt)/(Pt) ou, simplesmente,
RET = ia + g que mostra que o rendimento sobre um título de dívida é o rendimento anual ia mais a taxa
de ganho de capital .
ANEXO – As Expectativas Racionais nos Mercados Financeiros e a Teoria dos Mercados Eficientes
A teoria das expectativas racionais procura explicar de que forma os agentes econômicos formam
suas expectativas; constitui o principal foco de muitos dos mais recentes debates sobre a forma como
deveriam ser realizadas a política fiscal e a política monetária. Além disso, quando a teoria é aplicada a
mercados financeiros, onde é chamada de teoria dos mercados eficientes, apresenta implicações
importantes sobre os fatores que determinam os preços dos valores mobiliários e a forma como esses
preços se modificam com o tempo.
Podemos enunciar a teoria das expectativas racionais, de maneira formal, na forma seguinte. Se X
representa a variável que está sendo prevista, Xe é a expectativa dessa variável e Xof a previsão ótima de
X utilizando toda informação possível (a melhor previsão possível de X), a teoria das expectativas
racionais então é, simplesmente: X e = Xof. Isto é, a expectativa de X equivale à previsão ótima usando
toda a informação disponível.
A teoria dos mercados eficientes é baseada, conforme antes visto, na hipótese de que os preços
dos valores nos mercados financeiros refletem totalmente toda a informação disponível. Lembrando que
a taxa de retorno de investimento em títulos equivale à soma do ganho de capital sobre o título (a
mudança no preço) mais qualquer pagamento em dinheiro, dividido pelo preço inicial de compra do valor
mobiliário:
RET = (Pt+1 – Pt + C)/Pt
Onde: RET = taxa de retorno sobre o valor mobiliário retido do tempo t até t+1. P t+1 = preço do título no
tempo t+1, o final do período de investimento. P t = preço do título no tempo t, o início do período de
investimento. C = pagamento em dinheiro (em cupom ou dividendos) efetuado no período de t até t+1.
Vamos examinar a expectativa desse retorno no tempo t, início do período de investimento.
Como o preço atual Pt e o pagamento em dinheiro C são conhecidos no início, a única variável na
definição de retorno que é incerta é o preço no período seguinte P t+1. Simbolizando como Pet+1 a
expectativa do preço do título ao final do período de investimento, o retorno esperado RETe é:
RETe = (Pet+1 – Pt + C)/Pt
A teoria dos mercados eficientes também considera as expectativas dos preços futuros
equivalentes às previsões ótimas utilizando todos os dados atuais disponíveis. Em outras palavras, as
expectativas de mercado dos preços futuros de títulos são racionais, de forma que: Pet+1 = Poft+1

58
Que, por sua vez, implica que o retorno esperado sobre um valor mobiliário seja igual à previsão ótima
do retorno: RETe = RETof
A análise de oferta e demanda do mercado de títulos de dívida indica que o retorno esperado de
um valor mobiliário (convergirá) tenderá a se direcionar ao encontro do retorno de equilíbrio que
equaciona a quantidade demandada à quantidade ofertada. A análise de oferta e demanda nos permite
determinar o retorno esperado sobre um valor mobiliário com a seguinte condição de equilíbrio: o
retorno esperado de um título RETe equivale ao retorno de equilíbrio RET*, que equaliza a quantidade
demanda do título à quantidade ofertada, isto é: RETe = RET*
Podemos derivar uma equação para definir o comportamento dos preços em um mercado
eficiente utilizando a condição de equilíbrio para substituir RETe por RET* na equação das expectativas
racionais (RETe = RETof ). Dessa forma, obtemos: RETof = RET*
Esta equação nos indica que os preços vigentes em um mercado financeiro serão determinados
de forma que a previsão ótima do retorno de um título, usando-se todos os dados disponíveis, equivale
ao retorno de equilíbrio do título. Os economistas financeiros enunciam de modo mais simplificado: o
preço de um título reflete totalmente todas as informações disponíveis em um mercado eficiente.
Uma outra forma de enunciar a condição dos mercados eficientes é esta: em um mercado
eficiente, todas as oportunidades inexploradas de lucro serão eliminadas. Um fator de extrema
importância para este argumento é o de que nem todas as pessoas em um mercado financeiro devem
estar bem-informadas sobre um valor mobiliário ou ter expectativas racionais quanto ao seu preço
chegar ao ponto em que se instaura a condição dos mercados eficientes. Os mercados financeiros são
estruturados de forma a que muitos participantes possam tomar parte. Contanto que alguns
mantenham os olhos abertos para as oportunidades inexploradas de lucro, eles eliminarão as
oportunidades de lucro que aparecerem porque, ao fazerem isso, lucram.
Muitos economistas financeiros levam a teoria dos mercados eficientes um passo adiante nas
suas análises de mercados financeiros. Não só eles definem os mercados eficientes como aqueles em
que as expectativas são racionais, isto é, equivalentes às previsões ótimas utilizando todos os dados
disponíveis, como também somam a condição de que um mercado eficiente é aquele em que os preços
refletem o valor fundamental (intrínseco) dos títulos. Portanto, em um mercado eficiente, todos os
preços estão sempre corretos e refletem os fundamentos do mercado (itens que apresentam um
impacto direto sobre as tendências de receita futura decorrente dos títulos).

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