Você está na página 1de 4

FICHAMENTO DO ARTIGO “A LIÇÃO DE HERÁCLITO” – Maria Carolina Alves dos Santos

 Heráclito é o filósofo que introduziu ao pensamento ocidental a ideia de devir. “Tudo flui, nada permanece”
é considerada a síntese de sua única obra, “Acerca da Natureza”. Ao fim desse fichamento temos umas
informações sobre ele tiradas da Stanford encyclopedia.

 Sua obra, Acerca da Natureza, é um dos primeiros esforços conhecidos de articular uma teoria geral que
explique a integralidade da ordem universal, Kosmos – para isso ele se afasta dos casos singulares, das
evidências anedoticas. Heráclito chama de logos esse saber reunido, agregado (légein) sobre a physis, crendo
que não é uma teoria sua, mas uma manifestação da verdade do universo por meio dele, um emissário do
divino (éntheos). Tudo muda, até bermuda, e se na physis algo persiste, é justamente o devir.

 O verbo légein tem não somente o sentido de “falar, discursar”, como também “reunir, sintetizar” e ainda
“dispor, exibir, deitar sobre a mesa”. O Logos pode ser sintetizado como uma exposição da ordem universal.
Essa ordem, Kosmos, é em si outro tipo de saber apreensível por “penetração”, um saber constituinte.

 Deixar-se penetrar por este saber constituinte é uma experiência de abandono das fronteiras, dissolução
egoica. Por outro lado, o logos é estruturado com conceitos discriminados, identificáveis entre si e em
relações de oposição (noite dia, quente frio). Por meio desta estrutura dialógica de apresentação do Kosmos
em vínculos de tensão contínua entre díspares é que Heráclito mostra como o Ser é, em verdade, devir. Ou,
melhor dizendo, a verdade do ser é o devir. A obra derradeira da vida é a morte!

 É precisamente no conflito perdurado entre opostos que reside a harmonia do Kosmos. Se isolados, os
termos não se sustentariam nem seriam compreensíveis; mas existem em relação uns aos outros, e
compõem uma única totalidade: afinal, o Um é Múltiplo e se manifesta na univocidade. Assim, ainda na
lógica de contrários, Heráclito intenciona negar e afirmar a permanência dos objetos da realidade.

 Hilozoísmo: a vida brota da matéria, tudo o que é vem da physis, e este processo se dá dinamicamente, em
perpétuo desdobramento. É contraposto ao pensamento de Parmênides, que funda a physis no pontual,
imóvel e estático.

 Enigmas fazem parte da escrita de Heráclito. Seu leitor é constantemente desafiado a decifrar o que lê, com
fins de transcender a esfera humana rumo ao âmbito do divino. Do grego αἶνος (aînos, “fábula, narrativa”).
Ao incitar o leitor a exercitar sua capacidade analítica e crítica, intuindo asserções sobre o devir e a
totalidade do Kosmos a partir do confronto de conceitos díspares, Heráclito é um dos precursores do
pensamento racional e não apenas mitológico. Pelo instrumento dos enigmas o filósofo consegue exercer o
episóphos (Epi = de cima, do alto; episóphos = ver de cima, conhecer de ponto de vista externo).

 Fogo (elemento primordial): pela observação das mudanças no âmbito do sensível o filósofo é capaz de
intuir ou apreender o ritmo harmônico do universo, pois a essência do Kosmos é a dinâmica do fogo. Este
elemento goza de estatuto metafísico, não se trata do fenômeno fogo captado pelos sentidos. Além de
garantir o ritmo da natureza, o fogo também anima o Logos, o exercício filosófico de esclarecimento racional
da verdade. Fogo é clareza, e o Logos é uma ferramenta de exposição do enigma do universo.

 Embora toda a matéria se transforme e passe de um estado a outro, o que persiste como “princípio sutil
inteligível” ou arkhé é o fogo. (depois veremos no verbete sobre Heráclito que isto é uma interpretação
monista, e que não é bem assim). O devir do fogo, e, portanto, o devir principal sobre o qual se desdobra a
realidade, é o do eixo carência – saciedade. Este princípio de consumo é o que anima a própria existência do
sensível, seus movimentos e transformações.

Segue abaixo um compilado de informações sobre Heráclito tiradas da enciclopédia de filosofia de Stanford

Graham, Daniel W., "Heraclitus", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2015 Edition), Edward N. Zalta (ed.),
URL = <https://plato.stanford.edu/archives/fall2015/entries/heraclitus/>.

 Vida:
o Morava na cidade de Éfeso, em 500 a.D. Foi considerado “rei” de Éfeso mas passou o cargo para seu
irmão. Escreveu uma obra em papiro, Sobre a Natureza, da qual atualmente só restam alguns
aforismos soltos que não chegam a compor um livro.
o Ele é mais comumente descrito nos relatos de Diógenes Laércio, o cínico do barril, que dizia que o
livro fora entregue ao templo de Artemis – não necessariamente como oferenda, mas talvez para
armazenamento mesmo – e que foi dividido em uma seção sobre cosmologia, outra sobre política e
ética, e uma terceira sobre teologia. Hoje restaram aforismos sobre os três temas, e outros.
o Sua influência foi tamanha que compeliu Parmênides a produzir uma contraposição à sua filosofia, e
o pai da medicina Hipócrates imitou seu estilo de escrita ambígua.
o Crátilo foi quem trouxe sua filosofia para Atenas, e lá Platão tomou conhecimento dela. Platão e
Aristóteles, ambos, acusavam Heráclito de violar a lei da não-contradição e impossibilitar o
conhecimento por afirmar o devir.

 Ideias gerais: Era um filósofo disruptivo e que rompeu com a tradição filosófica da época, chamando
Pitágoras de fraude e tudo. Enquanto os demais pensadores ocupavam-se das questões teológicas e
cosmológicas, Heráclito inovou em dedicar-se à atividade humana – e não em apreciação a ela, mas para
confrontá-la com o reino do divino. A despeito do fato de que sua teoria deveria ser experimentada e não só
lida, poucos homens seriam sábios o bastante para compreender a mensagem que trazia – que, aliás, não
era produto de sua própria opinião ou raciocínio, e sim a verdade independente, atemporal e universal
(Logos) da qual ele era o porta-voz. A melhor forma de expressar este Logos divino era pela ambiguidade do
sentido de seu discurso, o que era feito intencionalmente para enriquecer cada termo e poetizá-lo.

 Ideias principais:
o Defesa da ideia de coincidência dos opostos, o que exige aceitação das contradições;
o Doutrina do fluxo;
o Fogo como elemento originário de todas as coisas (monismo, com fogo na origem de tudo);

 Fluxo:
o É do Crátilo, de Platão, a citação do rio no qual ninguém se banha duas vezes. A mais aceita tradução
literal diz: “naqueles que adentram rios permanecendo os mesmos, outras e outras águas fluem”.
o Não se trata simplesmente de atestar a impermanência: ocorre que o rio só permanece o mesmo se
mudar: o fluxo, o correr das águas faz parte de sua constituição. O próprio devir é o que dá
identidade à matéria. Um corpo humano persiste como tal por seu metabolismo dinâmico.

 Unidade dos opostos:


o A doutrina dos fluxos não é senão um caso particular de toda uma filosofia de unidade dos opostos.
o É a versão mediterrânea da filosofia oriental do Yin-yang.
o Os contrários se encontram no mesmo conjunto devido ao fato de intercambiarem-se uns nos
outros: em um momento dormimos, em outro estamos despertos: dormente-desperto.
o Em momento algum ele diz, contudo, que um polo da conexão é igual ao outro, o que seria incorrer
em falácia lógica: ele não é tanso assim.

 Ontologia:
o Geralmente se entende Heráclito como um monista materialista atribuindo ao fogo a origem da
matéria, o “arkhé”. Para Tales de Mileto, esse elemento era a água. Seu discípulo Anaximandro
propôs a origem como o “Ápeiron”, o indeterminado, sem fronteira, a massa geradora do cosmo.
Para Anaxímenes, era o ar. Nesse contexto, nosso protagonista seria “só mais um”.
o A própria definição de Heráclito contradiz a teoria monista, segundo a qual toda a matéria é um
desvio quantitativo e/ou qualitativo da “arkhé”, o “marco zero” da realidade. Esta seria toda
composta de manifestações variantes do fogo... se Heráclito fosse um monista. Na verdade ele é um
advogado radical da mudança dos elementos uns nos outros.
o O escritor do verbete da enciclopédia defende que se interprete Heráclito como um pluralista, uma
leitura mais legítima, pois sequer o fogo serve como exemplo de permanência, já que ele simboliza
muito mais a evanescência e a transformação.
o O fogo simboliza a conexão “necessidade – saciação”, uma dinâmica que só perdura pelo consumo
de recursos! Tem produção desejante aqui! Favor procurar coelho nesse mato.

 Cosmologia:
o É o primeiro a usar Kosmos para falar do mundo como ordem.
o Conquanto tudo seja fogo, há fogos calmos e outros ardentes. Fogos nascem e são apagados.
o O processo: fogo vira mar, metade do mar vira terra, a outra metade vira tempestades ferozes. A
parte que virou terra volta a virar água – ou seja, as transformações são reversíveis; embora os
estados mudem, a quantidade total de matéria foi conservada.
o O conflito faz parte da constituição da natureza, e dos homens também: portanto ele defende a
guerra, a luta pela vida, e o fatalismo de alguns terem nascidos livres, outros, escravos. Sem o
conflito tudo o que há é uniformidade infértil.
o Da perspectiva do universo e da eternidade – de onde ele se esforça para enxergar – é o conflito que
movimenta o mundo. Ele, portanto, tem uma visão singular sobre a justiça;
o O que guia todas as coisas, então? É o relâmpago, simbolizando Zeus, cujo nome também significa
“a vida”. O relâmpago põe fogo nas coisas.
o Ele também fez proposições sobre astronomia: ciclo lunar, explicações sobre o céu e a lua e essas
coisas caóticas.
o Em consonância com seu estilo de escrita, ele define o Kosmos como noite dia, inverno verão, guerra
paz, fome saciedade, alterando-se conforme as especiarias que são adicionadas no fogo.

 Conhecimento:
o Alguns comentadores de Heráclito, incluindo o próprio Platão, acusaram-no de tornar impossível o
conhecimento devido à afirmação do devir. Todavia, Heráclito nunca rejeitou o conhecimento nem a
compreensão ampla da dinâmica do mundo. Como um elitista, afirmava que poucos seriam os
sábios que o entenderiam – mas o saber é possível e, inclusive, está contido em seu Logos.
o As pessoas ocupam demais seu tempo coletando dados, e pouco tempo compreendendo seu
significado. Acúmulo de informações não equivale a sabedoria, e é a tarefa dos bardos, que servem
ao deleite dos plebeus.
o O saber mais precioso e rico viria da visão.
o É leitor crítico do poeta Hesíodo, a quem acusa de não ter compreendido o mundo por narrar o dia e
a noite como entidades separadas que viajavam sozinhos enquanto o outro ficava em casa; Hesíodo
falhou em dar-se conta de que estão interconectados.
o Acima de tudo, Heráclito defendia o potencial racional da humanidade; tudo o que ela precisava era
de um método mais eficiente de compreensão que amparasse sua cognição limitada sobre o Logos.
Por isso suas opções por uma escrita lírica e ambígua, sustentada pelo raciocínio indutivo que extrai
princípios gerais de casos particulares fornecidos em enigmas, parábolas e metáforas: um rio, um
arco (o arco é a vida, mas seu produto é a morte), uma estrada.

 Valores defendidos por ele:


o Entender a linguagem da natureza é o pré-requisito para agir de forma harmoniosa;
o Moderação, autocontrole: quem bebe muito molha a alma, e uma alma saudável é seca;
o Buscar a fama e a imortalidade perante os mortais: este é o objetivo dos grandes homens, enquanto
os medíocres caminham a esmo como gado.
o Uma morte em batalha é gloriosa, e quanto melhor a morte, melhor a recompensa dos deuses;
o Um grande homem vale mil medíocres;
o A lei dos homens

Você também pode gostar