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A Princesa do Sono-Sem-Fim

(A Bela Adormecida – versão Câmara Cascudo)

Havia um reinado em que a rainha-velha tinha a sina de correr de


lobisomem, matando gente para beber o sangue. O príncipe, seu filho era
um moço sem tacha, bom e valente, e vivia triste com o destino da mãe.
Sua distração era ir conversar com um velho, muito velhinho, que morava
fora da cidade, perto de uma floresta sombria, na qual ninguém ia caçar
nem passear.
O velhinho armava uma rede no alpendre para o príncipe descansar
e este passava horas e horas ouvindo as histórias do tempo antigo,
esquecendo-se da rainha-velha e da sua doença de beber sangue de gente.
Vez por outra, quando o vento passava mais forte e levantava os
galhos do arvoredo, o príncipe enxergava, lá ao longe, uma pequena
mancha vermelha, parecendo um telhado de casa.
Um dia perguntou ele ao velhinho que telhado ao longe era aquele.
O velho, então, contou:

- Aquilo é um palácio encantado, príncipe meu senhor. Meu avô


contou a meu pai e este contou a mim que, há cem anos, está ali
dormindo uma princesa, com todos os seus criados, pajens e mordomos,
por via de umas fadas. No reinado Fulano, o rei e a rainha, nesse tempo,
não tinham filhos e só faltavam morrer de vontade. Apresentou-se a
rainha grávida e descansou uma menina bonita como o sol. Todo o dia
era uma festa no palácio. Para o batizado o rei convidou todas as fadas
que existiam por perto do reinado. Só não convidou a fada mais velha
porque ninguém sabia da morada dela e julgavam que tivesse morrido.
As fadas vieram todas e já estavam na mesa do banquete quando a
fada-velha apareceu resmungando e dando de corpo como uma
condenada. A fada-mais-moça botou reparo na zanga da fada-velha e
mais do que depressa escapuliu-se da mesa e se escondeu sem que
ninguém notasse sua falta. Depois do banquete as fadas foram fadar,
dando as sinas e os dons. Cada uma dizia a cousa mais bonita.

- Eu te fado que sejas linda como a luz do sol.

Outra dizia por aqui assim:

- Eu te fado que sejas boa como o amor de mãe.

- Eu te fado que sejas rica como um tesouro.

- Eu te fado com a ciência de Salomão.


E assim foram dizendo e o rei todo satisfeito, ao lado da rainha que
tinha a princesinha nos braços. No fim, a fada-velha se levantou, com a
fala grossa, e disse:

- Nem vale a pena tanta sina boa para essa menina. Ela será tudo isto
mas durante pouco tempo. Quando se puser moça, irá visitar a quinta do
seu pai e aí furará a palma da mão com um fuso de fiar algodão e
morrerá logo, sem remédio nem jeito.

As fadas, que já tinham fadado e não podiam desmanchar o que a


fada-velha tinha feito, choravam, quando a fada-mais-moça saiu de detrás
de uma cortina e disse:

- Não posso desmanchar o que foi fadado porque não tenho poderes
mas, como ainda não fadei, fado esta menina para que, quando o fuso
lhe ferir a palma da mão, não morra mas fique dormindo cem anos,
acordada que seja por um príncipe, case e seja feliz.

Acabou-se a festa e o rei proibiu, sob pena de morte, que alguém


fiasse com o fuso no seu reinado. Apesar de todo cuidado, quando a
princesinha inteirou os quinze anos, foram todos visitar outro palácio que
o rei possuía dentro de umas matas mais bonitas do mundo. A menina
andava, para cima e para baixo, corrigindo tudo e, lá num quarto esconso
da casa, encontrou uma velha ama que estava fiando. Pediu logo para ver
aquilo o que era e desejou imitar. Assim que pegou no fuso, este saltou e
varou sua mão. Nem marejou sangue mas a princesinha caiu para trás,
como morta. Correram todos e deitaram a menina numa cama, num quarto
preparado de um tudo, espelhando de bonito.
A fada-moça veio voando e bateu a varinha de condão na cumeeira
do palácio. Todo mundo que estava dentro, tirando o rei e a rainha, pegou
no sono profundo. Os músicos ficaram com os instrumentos na boca e a
mesma cozinheira agarrou a dormir com a mão segurando uma galinha
que estava assando no fogo.
O rei e a rainha, como aquilo era sina permitida por Deus, beijaram
a filha, abençoaram e foram embora, com a fada, para o reinado. Por lá
morreram e o reinado deles acabou-se. Só ficou o palácio dentro do
arvoredo, com a princesa dormindo o sono sem fim. Era o que meu avô
contava a meu pai e este me contou quando eu era menino.
O príncipe ficou alvoroçado com a história que o velho contou e
não dormiu pensando na princesa encantada. Pela manhã pegou um facão
bem afiado e tocou-se para a mata, perto da casinha do velho. Chegou e
meteu o facão, abrindo uma picada, porque era tudo fechado, fechado. Ia
abrindo e entrando, e assim trabalhando, foi andando, até que deu numa
roda de árvores enormes e no meio estava o palácio coberto de cipós, sem
nenhum rumor, parecendo morto. O príncipe entrou pela porta principal e
foi vendo soldados, músicos, damas e senhores, até cozinheiras e
meninos, até os bichos, tudo parado, dormindo a sono solto.
Depois de subir as escadas e passar as salas cheias de gente
roncando, viu deitada numa cama, forrada de seda, a moça mais bonita
que a terra havia de comer, profundamente adormecida. O príncipe
chegou para perto e pegou na mão da princesa e esta logo abriu os olhos,
dizendo:

- Oh príncipe! Como demoraste em vir!...

O palácio estremeceu e todo mundo acordou. O príncipe ouviu as


cornetas tocando, bichos berrando, as pisadas dos soldados, gritos, a
música, enfim, o barulho de gente viva.
Veio um mordomo muito bem vestido anunciar que o jantar estava
na mesa e o príncipe comeu a galinha que estava sendo assada há cem
anos.
Ficou aí como num céu aberto. Velo o padre e casou os dois sem
perder tempo. Os dias voavam e a princesa era feliz. O príncipe, sabendo
a mãe que tinha, ia ao palácio dar ordens e voltava, dizendo que estava
caçando. Não queria que ninguém o acompanhasse. No fim de um ano a
princesa teve um filho lindo que se chamou Belo-Dia; e no outro ano
nasceu uma menina, batizada por Bela-Aurora.
Apareceram umas guerras e o príncipe não podia deixar de ir com
as tropas. Como não queria deixar a mulher e os filhos naquele ermo,
resolveu levar todos para casa. Foi na frente e contou o que se passara a
sua mãe. A rainha-velha só fazia pigarrear, com a cara fechada como o rei
Herodes, imaginando cousas ruins.
Antes de ir embora, o príncipe dividiu o palácio em duas partes. A
rainha-velha ficaria num canto e a mulher com os filhos noutro, todos com
criados e conforto. Chamou o príncipe ao mordomo que era muito seu
amigo, de toda confiança, e pediu que vigiasse a família e tivesse cuidado
com a rainha-velha.
Assim que o príncipe montou a cavalo e viajou, a rainha-velha
começou a ter vontade de beber sangue e comer carne humana. Ficou
mesmo bruta e, não podendo passar o desejo, chamou o mordomo e
mandou que lhe servisse Belo-Dia, com bom molho, no almoço do dia
seguinte.
O mordomo só faltou morrer. Pensou, pensou, procurou a princesa,
contou tudo, levou Belo-Dia para sua casinha, longe do palácio e
escondeu-º Na manhã do outro dia matou uma lebre, guisou-a bem e
avisou que o almoço estava na mesa. A rainha-velha comeu a fartar
lambendo os beiços e gabando tudo. Dias depois, veio o desejo e ela
mandou que o mordomo matasse Bela-Aurora. O mordomo levou a
menina para casa e assou uma paca. A rainha achou o prato gostoso por
demais. Dias passados, exigiu que a princesa fosse refogada em molho de
tomate e cebola, para o jantar, porque tinha a carne dura. O mordomo
levou a princesa para sua casa, juntou-a aos filhos, bem escondidos, e
matou uma veadinha, refogando-a e preparou o jantar, com molho de
tomates e cebolas. A rainha-velha comeu, saboreando.
Os dias iam passando e a velha tomou a ter a cisma da carne
humana de cristão e saiu de noite, como uma desesperada, farejando quem
mandar matar para saciar sua sina. Ia passando por uma rua longe do
palácio, tarde da noite, quando ouviu a voz da princesa sua nora e a dos
netos, conversando dentro duma casa. Subiu na calçada, encostou o
ouvido e soube que era ali a casa do mordomo e que a princesa estava
fazendo Belo-Dia dormir, porque este perdera o sono e acordara
Bela-Aurora, todo os dois com saudades do pai.
A rainha-velha, feia como uma coruja, nem coração tinha para essas
cousas, saiu babando de raiva e pela manhã mandou prender a nora, os
netos e o mordomo. Uma fogueira enorme foi feita diante do palácio, e
quando o braseiro estava escandindo de quente, a rainha-velha velo para a
varanda assistir à morte da mulher e dos filhos do seu filho e do pobre
mordomo.
Já vinham todos amarrados, no sol pegando fogo, quando ouviram a
fortaleza salvar e o tropel de cavalaria. Era o príncipe que vinha voltando
com os seus soldados, morto de saudades da mulher e dos filhos.
Chegando na praça e vendo aquele horror, o príncipe voou do cavalo em
baixo, puxou a espada e livrou a esposa e os filhinhos e o mordomo das
cordas e, bufando de raiva, gritou perguntando quem se atrevera a pôr a
mão no que ele queria de mais sagrado em cima do mundo.
A rainha-velha saltou do sobrado para o fogo das fogueiras, com
medo do castigo, e aí morreu, queimada, estorricada, virada cinza e pó
preto.
O príncipe foi para o palácio com a princesa, Belo-Dia e
Bela-Aurora, abraçando-os e chorando de alegria. Nomeou o Mordomo
para vice-rei num reinado que ganhara na guerra. E morreram todos de
velhos, bem felizes.

BRANCA DE NEVE
(Coletânea dos Irmãos Grimm)

Uma vez, foi em pleno inverno, quando flocos de neve caíam do


céu como plumas, uma rainha costurava ao pé da janela, cujo caixilhos
eram de ébano. Como prestasse mais atenção nos flocos de neve do que à
costura, espetou o dedo na agulha, e três gotas de sangue pingaram na
neve. Foi tão bonito o efeito do vermelho se desmanchando na brancura
da neve, que ela pensou:

“Ah! Se eu tivesse uma criança branca como a neve, corada como o


sangue e de cabelos negros como o ébano...”.

Pouco tempo depois, a rainha deu à luz a uma menina de pele alva
como a neve, corada como o sangue e de cabelos negros como o ébano.
Por isso, ela se chamou Branca de Neve. Infelizmente, a rainha morreu
logo depois que a criança nasceu.
Um ano depois o rei casou-se de novo. A nova rainha era linda, mas
a tal ponto vaidosa e arrogante, que não podia suportar a idéia de que
existisse alguém mais bela do que ela. Possuía um espelho mágico e todos
os dias, ao olhar-se nele perguntava:

Espelho, espelho meu!


Existe alguém neste mundo
Mais bela do que eu ?

E o espelho respondia:

Neste mundo,
a mais bela sóis vós,
senhora rainha!

E ela ficava satisfeita, porque o espelho só dizia a verdade.


Entretanto, Branca de Neve ia crescendo e se tornando cada vez
mais bonita. Aos sete anos, era mais bela que a alvorada, mais bela que a
própria rainha. Chegou um dia, a rainha perguntou ao espelho:

Espelho, espelho meu!


Existe alguém neste mundo
Mais bela do que eu ?

Ele respondeu:

Sóis belíssima,
mas Branca de Neve
é mil vezes mais bela!
Ao ouvir isso, a rainha assusto-se e ficou verde e amarela de tanto
ódio. Desde então, não podia mais ver a menina, sem que seu coração se
revirasse no peito, tamanha era a sua inveja. O ódio e a inveja tomaram
conta dela e não tinha mais sossego nem de dia, nem de noite. Afinal, uma
manhã chamou o caçador e ordenou:

- Leve esta criança para bem longe, na floresta. Não suporto mais vê-la!
Quero que a mate e que traga os seus pulmões e o seu fígado como prova
de que cumpriu minhas ordens!

O caçador obedeceu e levou a menina para floresta. Mas, quando


puxou o punhal para trespassar o coração da inocente criança, ela
começou a chorar, e implorou:

- Oh, querido caçador! Me deixe viver! Vou fugir pela floresta e nunca
mais voltarei para casa!

Ela era tão linda que o caçador se enterneceu.

- Então corra, princezinha! - e para si mesmo, ele acrescentou: - As feras


vão te devorar... - e foi como se lhe tirassem um peso do coração. A
princesa ia morrer, ele sabia. Mas não seria pelas mãos dele.

Quando ia voltando para o castelo, um filhote de javali cruzou o seu


caminho. Sem perda de tempo, o caçador matou-o, tirou-lhe o fígado e os
pulmões e levou-os para a rainha. Muito satisfeita, a malvada mandou
cozinhar as víscera e comeu-as, pensando que fossem de Branca de Neve.
Enquanto isso, a pobre menina perdida e sozinha na floresta imensa,
morta de pavor, não sabia o que fazer. Tudo a assustava, até mesmo a
queda de uma folhinha. Então começou a correr pisando em pedras,
arranhando-se nos espinhos. Os animais que encontrava deixavam-na
passar, e até mesmo os mais ferozes não lhe faziam mal algum. Correu
enquanto seus pés puderam agüentar e, quando já ia escurecendo, avistou
uma casinha. Ela foi entrando, só pensando em descansar um pouquinho.
Lá dentro era tudo pequeno, mas tudo tão limpo e arrumado com
tanta graça, que ela se sentiu em segurança. Viu uma mesinha pronta para
o jantar. Sobre a toalha muito branca, estavam dispostos sete pratinhos
cada um com sua colherinha, seu garfinho e sua faca, e diante de cada
prato, um copinho. Ao longo da parede alinhavam-se sete caminhas com
lençóis muito limpos. Branca de Neve estava com tanta fome e sede, que
foi comendo um pedacinho e pão e um pouco da papa de cada pratinho e
tomando um gole de vinho de cada copinho. Depois, foi deitar-se numa
das caminhas. Mas nenhuma lhe servia. Afinal, a sétima e última serviu-
lhe direitinho. Ela deitou-se, pediu a deus que a protegesse e adormeceu.
Já era noite escura quando os donos da casa chegaram. Eram sete
anões que escavavam a montanha em busca de minérios. Eles entraram,
ascenderam suas lamparinas e, mal a casa se iluminou, perceberam que
alguém havia estado lá, pois as coisas não estavam do jeito que haviam
deixado.
O primeiro deles perguntou:

- Quem mexeu na minha cadeira?

E o segundo:

- Quem comeu no meu prato?

E o terceiro:

- Quem tirou um pedaço do meu pão?

E o quarto:

- Quem comeu a minha papa?

E o quinto:

- Quem usou o meu garfo?

E o sexto:

- Quem buliu na minha faca?

E o último:

- Quem bebeu no meu copo?

Então, olhando sua cama, o primeiro dos anões reparou que o


colchão estava um pouco fundo.

- Quem deitou na minha cama? - perguntou ele.

Os outros vieram correndo olhas as suas camas e exclamaram:

- Alguém deitou na nossa também!


E o sétimo anão, de olhos arregalados ao lado de sua cama,
chamou:

- Venham ver!

Correram todos para lá e viram Branca de Neve dormindo. Muito


surpreendidos, aproximaram as lamparinas para poder vê-la melhor.

- Meu Deus! Que criança linda! - exclamaram.

E ficaram tão encantados que não a acordaram. Deixaram-na


dormir, e o sétimo anão, que ficou sem cama, passou a noite dormindo
uma hora na cama de cada um dos companheiros.
Na manhã seguinte, quando Branca de Neve acordou, levou um
susto ao ver os sete anões. Mas eram tão simpáticos e foram tão gentis,
que ela logo se acalmou.

- Qual é o seu nome? - perguntaram.

- Branca de Neve - respondeu ela.

- E como chegou aqui?

Então a menina contou que a madrasta havia mandado um caçador


matá-la, e que ele lhe havia poupado a vida. Ela ficara correndo pela mata
o dia inteiro, e acabara encontrando a casinha deles.

- - Se você quiser tomar conta da casa, fazer nossas camas, lavar,


costurar, tricotar, trazer tudo limpinho e em ordem, pode ficar morando
aqui, e nada lhe faltará - disseram os anões.

- Aceito e agradeço de todo o coração - respondeu a menina. E ficou


morando com eles.

Todas as manhãs os anões partiam para as montanhas em busca de


minérios e ouro. À noitinha, quando regressavam, encontravam o jantar
pronto. Branca de Neve ficava o dia inteiro sozinha, e isso preocupava os
anões. Antes de saírem, recomendavam sempre:

- Cuidado com sua madrasta! Logo ela vai ficar sabendo que você está
aqui. Não abra a porta para ninguém!
E longe dali, no castelo, depois de ter comido os pulmões e o fígado
de Branca de Neve, a rainha acreditou que era a mulher mais linda do
mundo. E para ter certeza, perguntou o espelho:

Espelho, espelho meu!


Existe alguém neste mundo
Mais bela do que eu ?

E o espelho respondeu:

Sem dúvida, Rainha


sóis aqui a mais bela.
Além das montanhas, porém,
na casa dos sete anões,
vive Branca de Neve,
mil vezes ainda mais bela!

Ao ouvir isso, a rainha estremeceu de susto. Percebeu logo que o


caçador a enganara, pois o espelho jamais mentia. Durante o dia inteiro
ficou imaginando um jeito de matar a enteada. Enquanto não tivesse a
certeza de ser a mais bela do mundo, a inveja não lhe daria sossego.
Afinal, depois de tudo planejado, a rainha disfarçou-se numa velha
vendedora ambulante. Pintou o rosto e ficou irreconhecível. Depois
cruzou as sete montanhas, chegou à casa dos sete anões, bateu na porta e
gritou:

- Coisas lindas, bem baratinho! Quem quer comprar?

Branca de Neve espiou na janela.

- Bom dia, minha senhora. O que tem para vender.

- Coisas boas e baratas. Faixas de seda de todas as cores. Veja esta! -


E ela agitou no ar uma faixa de seda colorida.

“Não há mal nenhum em deixar entrar uma velhinha tão


simpática”, pensou Branca de Neve. E destravando a porta, convidou-a
para entrar e comprou uma bonita faixa.

- Como você é linda! - elogiou a velha. - Venha cá. Deixe-me pôr a faixa
na sua cintura.
Branca de Neve aproximou-se confiantemente e deixou-lhe amarrar a
faixa. A velha agiu com rapidez. Apertou o laço de tal forma, que a menina
ficou sem poder respirar e caiu desfalecida, como se estivesse morta.

A rainha olhou-a triunfante:

- Você era a mais linda... - murmurou saindo apressada.

À tardinha, pouco depois que ela saiu, os anões chegaram e se


assustaram ao ver Branca de Neve caída no chão. Ela não respirava nem
se mexia como se estivesse morta. Ao erguê-la do chão, notaram a faixa
apertando-lhe a cintura e apressaram-se em cortá-la. Foi só fazerem isso,
ela começou a respirar, e logo voltou a si. Então contou tudo.

- Viu o que aconteceu? - disseram os anões. - A velha não era outra


senão a sua madrasta! Tome mais cuidado, menina! Não deixe ninguém
entrar aqui, quando estivermos fora!

Nesse meio tempo, a perversa madrasta chegou ao castelo, correu


para os seus aposentos e perguntou ao espelho:

Espelho, espelho meu!


Existe alguém neste mundo
Mais bela do que eu ?

E o espelho respondeu:

Sem dúvida, Rainha


sóis aqui a mais bela.
Além das montanhas, porém,
na casa dos sete anões,
vive Branca de Neve,
mil vezes ainda mais bela!

Ao ouvir isso, a rainha sentiu um baque no coração, tal o susto que


levou ao saber que a enteada continuava viva. “Tenho que arranjar um
jeito de acabar com ela. E usou seus conhecimentos de bruxaria para fazer
um pente venenoso. Depois, disfarçou-se novamente em vendedora
ambulante, cruzou as sete montanhas, chegou a casa dos sete anões, bateu
na porta e gritou:

- Coisas boas, bem baratinho! Quem quer comprar?


Branca de Neve espiou pela janela e foi avisando:

- Não tenho licença para deixar ninguém entrar! Vá embora!

- Mas não é proibido dar uma olhadinha, heim? - e a mulher mostrou


o pente envenenado, segurando-o bem no alto para que a menina
pudesse admirá-lo.

Branca de Neve gostou tanto do pente, que se deixou enganar e


abriu a porta. A mulher vendeu-lhe o pente e pediu:

- Agora deixe-me desembaraçar seu cabelo.

Não vendo nada de mal nisso, a ingênua menina aproximou-se dela.


Porém, mal a madrasta passou-lhe o pente na cabeça, o veneno abriu e
Branca de Neve caiu desacordada.

- Desta vez, beleza perfeita, você teve o que merecia! - disse a madrasta
saindo a correr.

Felizmente o dia escureceu depressa e os anões voltaram para casa


mais cedo. Quando deram com Branca de Neve caída no chão, parecendo
morta, suspeitaram que a malvada rainha havia estado ali e, examinando a
menina, logo descobriram o pente envenenado. Assim que ele foi retirado,
a menina reviveu e contou o que havia acontecido.
Mais uma vez, os anões aconselharam a menina a ser mais
cautelosa e proibiram-na de abrir a porta a quem quer que fosse.
Enquanto isso, a rainha chegou ao castelo, e apressou-se em
consultar o espelho, dizendo:

Espelho, espelho meu!


Existe alguém neste mundo
Mais bela do que eu ?

E como das outras vezes o espelho respondeu:

Sem dúvida, Rainha


sóis aqui a mais bela.
Além das montanhas, porém,
na casa dos sete anões,
vive Branca de Neve,
mil vezes ainda mais bela!
Ao ouvir as palavras do espelho, a rainha estremeceu de raiva.

- Branca de Neve tem que morrer! - gritou. - Nem que seja à custa de
minha própria vida!

E trancando-se num quarto secreto do castelo, onde ninguém jamais


entrara a não ser ela, fez uma maçã venenosíssima. Para se ver, era uma
maçã tão linda, corada e apetitosa, que parecia pedir: “Coma-me”, mas
quem lhe desse a primeira dentadinha, cairia morto na hora. Quando ficou
pronta, a rainha disfarçou-se, vestindo-se como camponesa, e se pôs a
caminho. Cruzou as sete montanhas, chegou à casa dos sete anões e bateu
na porta. Branca de Neve apareceu à janela e disse:

- Não posso deixar entrar ninguém! Os sete anões me proibiram!

- Eles estão certos - concordou a falsa camponesa. - Estou apenas


querendo me livrar de minhas maçãs. Você quer uma?

- Não, obrigada. Não posso aceitar nada de desconhecidos.

- Tem medo que esteja envenenada? Então veja: vou cortar a maçã pela
metade. O lado vermelho é seu. Eu como o branco.

A maçã havia sido feita de tal jeito, que o veneno ficou todo no lado
vermelho. Quando a menina viu a camponesa comendo com tanto gosto a
metade da maçã, não resistiu à tentação e pegou a metade envenenada. E
foi só dar-lhe uma mordida, caiu morta no chão.
Então a maldosa rainha lançou-lhe um olhar terrível e deu uma
gargalhada dizendo:

- Branca como a neve, corada como o sangue, cabelos negros como o


ébano... Agora os anões não vão poder ressucitá-la! - e voltando-se para
casa apressou-se em interrogar o espelho:

Espelho, espelho meu!


Existe alguém neste mundo
Mais bela do que eu ?

E o espelho respondia:

Neste mundo,
a mais bela sóis vós,
senhora rainha!
Só então o coração da rainha ficou tranqüilo. Tão tranqüilo quanto
pode ficar um coração invejoso.
Naquela noite, quando os anões chegaram, encontraram Branca de
Neve caída no chão, sem dar sinal de vida. Procuraram nela alguma coisa
envenenada, afrouxaram-lhe a roupa, pentearam seus cabelos, lavaram-na
com água e vinho, sem nenhum resultado. A querida menina estava
realmente morta. Então, deitaram-na num caixão, e todos os sete sentaram
ao redor dela e, durante três dias, choraram sem parar. Entretanto, era
preciso enterrá-la. Mas Branca de Neve estava tão linda e corada, parecia
tão viva, que eles não tiveram coragem.

- Não podemos enterrá-la na escuridão da terra - disseram.

E fizeram um caixão de vidro para que pudessem vê-la de todos os


lados. Colocaram a menina dentro, e escreveram com letras de ouro sobre
a tampa que ela era filha do rei e se chamava Branca de Neve. Depois,
levaram o caixão para a montanha, e sempre um deles ficava vigiando.
Até mesmo os animais se aproximavam e choravam por Branca de Neve.
Primeiro veio uma coruja, depois um corvo e, por último, uma pomba.
Branca de Neve permaneceu por muito tempo no caixão, sem
perder sua aparência. Continuou branca como a neve, corada como o
sangue, com seus cabelos negros como o ébano. Parecia estar dormindo.
Aconteceu que um príncipe, cavalgando pela floresta, deixou-se
surpreender pela noite, e foi pedir pousada na casa dos anões. Ele viu na
montanha a linda menina no caixão, leu o nome que está escrito com
letras de ouro na tampa, e ficou fascinado com Branca de Neve:

- Deixe-me levar o caixão - pediu aos anões. - Eu darei a vocês tudo o que
quiserem.

- Nem por todo o ouro do mundo! - disseram os anões.

- Então, me dêem o caixão de presente. Não poderei viver sem ver Branca
de Neve! Juro honrá-la e respeitá-la como o meu único amor!

Sentindo a sinceridade do príncipe, os bons anões ficaram com pena


dele e lhe deram o caixão. Então o príncipe mandou seus criados
carregarem o caixão nos ombros até o castelo. E aconteceu que eles
tropeçaram numa raiz e, com o solavanco, o pedaço de maçã entalado na
garganta de Branca de Neve soltou-se e saiu. Minutos depois, a menina
abriu os olhos, levantou a tampa do caixão e sentou-se. Estava viva!
- Meu Deus! Onde estou? - perguntou assustada.

E o príncipe respondeu louco de alegria:

- Você está comigo! - e depois de contar como tudo acontecera, ele pediu:
- Venha comigo ao castelo do meu pai! Eu a amo mais que todo mundo!
Quero que seja minha esposa!

Branca de Neve, que já estava gostando dele, acompanhou-o, e o


casamento dela com o príncipe realizou-se com toda pompa e esplendor.
A madrasta de Branca de Neve também foi convidada para a festa.
Depois de pronta e magnificamente vestida, ela olhou-se no espelho
mágico e perguntou:

Espelho, espelho meu!


Existe alguém neste mundo
Mais bela do que eu ?
E o espelho respondeu:

Sem dúvida, senhora Rainha


sóis bela.
Mas a jovem princesa
que hoje desposa o príncipe
é mil vezes ainda mais bela!

A malvada rainha deixou escapar uma maldição, e ficou tão


angustiada que não sabia o que fazer. Primeiro pensou em não ir ao
casamento. Mas não resistiu a curiosidade de ver a jovem princesa e
acabou indo. Chegando lá, logo reconheceu Branca de Neve. O espanto e
o terror fizeram com que ela ficasse imóvel, como se estivesse grudada no
chão. Nesse mesmo instante, trouxeram, seguros por uma tenaz, um par de
chinelos de ferro em brasa que foram colocados diante dela. Depois,
obrigaram-na a calçá-los e a dançar com eles, até cair morta.

CHAPEUZINHO VERMELHO
(Coletânea dos Irmãos Grimm)

Era uma vez uma menina tão encantadora e meiga, que não havia
quem não gostasse dela. A avó, então, a adorava, e não sabia o que
inventar para agradá-la.
Um dia presenteou-a com um chapeuzinho de veludo vermelho que
agradou tanto à menina, que ela não quis mais saber de usar outro. Desde
então, só a chamavam de Chapeuzinho Vermelho.
Certa manhã, a mãe chamou-a e disse:

- Filha, leve este pedaço de bolo e esta garrafa de vinho para a sua avó,
que está doente e fraquinha. Vá logo, antes que fique tarde e esfrie. Não
deixe o caminho e não invente de correr pela mata. Você pode cair,
quebrar a garrafa e a vovó fica sem o vinho. Chegando lá, não esqueça
de lhe dar o bom dia, e nada de mexer nos guardanapos da sua avó.

- Não se preocupe, mamãe, que eu faço tudo direitinho - prometeu a


menina. E, pegando a garrafa de vinho e o bolo, despediu-se e saiu.

A avó morava a uma meia hora distante da aldeia, no meio da


floresta. Mal entrou na mata, a menina deu de cara com o lobo. Porém,
como não o conhecia, nem sabia o bicho malvado que ele era, não sentiu
medo.

- Bom dia, Chapeuzinho Vermelho - cumprimentou o lobo.

- Bom dia, lobo!

- Aonde vai assim tão cedinho?

- Vou à casa da minha avó.

- E o que vai levando no seu avental?

- É uma garrafa de vinho e um pedaço de bolo que a mamãe fez ontem. A


vovó está doente e fraquinha. Precisa comer bem para sarar logo.

- E sua avó mora longe?

- A uns vinte minutos daqui. A casa dela fica à sombra de três grandes
carvalhos e é cercada por uma sebe de aveleiras.

O lobo pensou: “Ela é jovenzinha... tem a carne mais macia que a


da avó... fica para a sobremesa...”. E, por algum tempo, acompanhou a
menina conversando com ela.
- Já reparou nas flores lindas que há por aqui, Chapeuzinho Vermelho?
Não está ouvindo os passarinhos cantando tão bonito? Que é isso,
menina? Só olha para frente!

Chapeuzinho Vermelho olhou para cima, viu o sol piscando


atravessar a irrequieta ramaria, fazendo cintilar as flores de tão variadas
cores que havia por ali, e pensou: “A vovó bem que gostaria de ganhar um
ramo de flores fresquinhas... vou colher algumas... ainda é cedo, tenho
tempo de sobra...”. E, deixando o caminho entrou na mata. Sempre que
apanhava uma flor, avistava mais ao longe outra mais bonita, e ia atrás
dela. Assim, foi se embrenhando pela floresta. Enquanto isso, o
esperto lobo chegou numa disparada na casa da avó da menina e já estava
batendo na porta.

- Quem esta aí? - perguntou a velhinha.

- Sou eu, Chapeuzinho Vermelho! Vim trazer um pedaço de bolo e uma


garrafa de vinho.

- Vá entrando, que a porta está só encostada. Não me levanto porque estou


muito fraca.

O lobo entrou, e sem lhe dar tempo de dizer um ai, engoliu-a.


Depois vestiu as roupas da velha, pôs sua touca de dormir, deitou-se na
cama, fechou o cortinado, e ficou esperando Chapeuzinho Vermelho.
E, todo esse tempo, a menina na mata colhendo flores. Foi só
quando juntou tantas que mal podia segurar, que se lembrou da avó. Então
retornou o caminho da casa dela. Lá chegando, encontrou a porta aberta e
assustou-se.
“O que será que está acontecendo?”, pensou. “Nunca senti um
medo assim, na casa da vovó...”. E ela chamou alto:

- Vovó! Bom dia! - e como ninguém respondesse, foi até a cama e abriu o
cortinado.

A avó estava lá, com sua toca de dormir escondendo parte do rosto.
Estava tão diferente...

- Vovó! Porque a senhora tem orelhas tão grandes?

- É p’rá te ouvir melhor.

- Vovó! Porque a senhora tem olhos tão grandes?


- É p’rá te ver melhor.

- Vovó! Porque a senhora tem esse nariz tão grande?

- É p’rá te cheira melhor.

- E suas mãos, porque são tão grandes?

- É p’rá te agradar melhor.

- Credo, vovó! Porque a senhora tem essa boca enorme e tão horrível?

- É p’rá te comer melhor! - nem bem acabou de dizer isso, o lobo saltou
sobre a menina e engoliu-a.

Depois, satisfeito o apetite, deitou-se novamente e adormeceu.


Não demorou muito, estava roncando tão alto, que um caçador que
passava por perto, escutou. “Que ronco mais esquisito”, pensou. “A velha
deve estar passando mal... Vou lá ver”. E, entrando na casa, foi até a cama
e viu o lobo.

- Ah! É você que está aí, seu velho pecador! Enfim te achei! - E
apontando-lhe a espingarda, já ia lhe mandando um tiro, quando se
lembrou que talvez ele estivesse engolido a velhinha e, se ela ainda
estivesse viva, poderia salvá-la.

Assim, preferiu abrir a barriga do lobo, aproveitando o seu sono


profundo. Puxou um par de tesouras da cinta, e começou a abrir a barriga
do lobo. Logo fez uns poucos cortes, Chapeuzinho Vermelho apareceu.
Quando o corte estava maior, a menina pulou para fora exclamando:

- Como estava escuro dentro da barriga do lobo! Quase morri de medo!

Logo a seguir apareceu a avó. Ela ainda estava viva, porém mal
podia respirar. Chapeuzinho Vermelho não perdeu tempo. Saiu correndo,
apanhou umas pedras grandes e pesadas e colocou-as dentro da barriga do
lobo. Depois costurou a barriga dele.
Quando o lobo acordou e viu o caçador, tentou fugir. Mas as pedras
pesavam demais, suas pernas não agüentaram. Enquanto tentava se
levantar, ele resmungou:

- Devo ter comido demais; meu estômago está tão pesado!...


Mas tentando levantar-se ele se desequilibrou, afundou no chão e
caiu morto.
Todos ficaram aliviados e felizes. O caçador esfolou o lobo e foi
embora levando a pele. A avó comeu o bolo, bebeu o vinho que a neta lhe
trouxe e sentiu-se melhor. Chapeuzinho Vermelho deu graças a Deus por
estar viva e prometeu a si mesma nunca mais se desviar do caminho, nem
andar sozinha pela mata, se a mãe dela proibisse.
Poucos dias depois, Chapeuzinho Vermelho foi novamente visitar a
avó.
No caminho, Chapeuzinho deparou-se com outro lobo. Ele puxou
conversa, mas ela não lhe deu papo. Foi correndo para a casa da avó, para
avisá-la do perigo.
O lobo seguiu Chapeuzinho e bateu à porta, mas vendo que as duas
se recusavam a abri-la e sendo ele muito esperto, subiu no telhado
esperando que uma delas saísse da casa para devorá-la.
Mas a avó percebeu o que o lobo tinha em mente e concebeu um
plano.
Havia uma grande tina de pedra ao lado da casa, e a avó disse à
menina:

- Chapeuzinho, eu estava fervendo umas lingüiças ontem; pegue o balde,


leve a água das lingüiças até a tina e despeje lá dentro. Tome cuidado
para não fazer barulho ou o lobo ouvirá.

Chapeuzinho Vermelho fez o que a avó lhe disse e encheu o poço


quase até a borda. Quando o cheiro das salsichas chegou até o nariz do
lobo, este o sentiu, olhou em volta – e esticou tanto o pescoço que perdeu
o equilíbrio e começou a escorregar. Quando não conseguiu mais segurar,
caiu do telhado direto no poço e morreu afogado.
Então Chapeuzinho Vermelho foi alegremente para a casa, e chegou
em segurança.

CINDERELA
(Coletânea dos Irmãos Grimm)

Há muito tempo, aconteceu que a esposa de um rico comerciante


adoeceu gravemente e, sentindo seu fim se aproximar, chamou sua única
filha e disse:
- Querida filha, continue piedosa e boa menina, que Deus a protegerá
sempre. E lá do céu olharei por você, e estarei sempre ao seu lado. - Mal
acabou de dizer isso, fechou os olhos e morreu.

A jovem ia todos os dias visitar o túmulo da mãe, e chorava muito.


Veio o inverno, a neve cobriu o túmulo com seu alvo manto. Chegou a
primavera, o sol derreteu a neve, e o viúvo tornou a se casar. A nova
esposa trouxe suas duas filhas, ambas louras e bonitas, mas só
exteriormente. Tinham a alma feia e cruel. Então começaram os dias
difíceis para a pobre enteada.

- Essa imbecil não vai ficar no quarto conosco! - reclamaram as moças. -


Lugar dela é na cozinha! Se quiser comer pão, que trabalhe!

Tiraram-lhe o vestido bonito que ela usava, obrigaram-na a vestir


outro, velho e desbotado, e a calçar tamancos.

- Vejam só como ela está toda enfeitada e orgulhosa princesinha de antes!


- disseram a rir, levando-a para a cozinha.

A partir de então, ela foi obrigada a trabalhar de manhã à noite nos


serviços pesados. Era obrigada a levantar-se de madrugada para ir buscar
água e ascender o fogo. Era ela quem cozinhava e lavava. Como se não
bastasse, as irmãs caçoavam dela e a humilhavam. Despejavam lentilhas e
feijões nas cinzas do fogão, para obrigá-la a catá-los.
À noite, exausta de tanto trabalhar, ela não tinha onde dormir e era
obrigada a se deitar sobre as cinzas do fogão, só a chamavam de
Cinderela.
Uma vez, o pai resolveu ir a uma feira. Antes de sair, perguntou às
enteadas o que desejavam que ele trouxesse.

- Vestidos bonitos - disse uma.

- Pérolas e pedras preciosas - disse a outra.

- E você, Cinderela, o que vai querer? - perguntou o pai.

- No caminho de volta, pai, quebre o primeiro ramo que bater no seu


chapéu e traga-o para mim.

Ele partiu para a feira, comprou vestidos bonitos para uma enteada,
pérolas e pedras preciosas para a outra e, de volta para casa, quando
cavalgava por um bosque, um ramo de aveleira bateu no seu chapéu. Ele
quebrou o ramo e levou-o. Chegando em casa, deu às enteadas o que elas
haviam pedido, e à Cinderela o ramo de aveleira.
Ela agradeceu, levou o ramo para o túmulo da mãe, plantou-o ali, e
chorou tanto que suas lágrimas regaram o ramo. Ele cresceu e se tornou
uma aveleira linda. Três vezes, todos os dias, a menina e a chorar e rezar
debaixo dela. Sempre que a via chegar, um passarinho branco voava para
a árvore e, se a ouvia pedir baixinho alguma coisa, jogava-lhe o que ela
havia pedido.
Um dia o rei mandou anunciar uma festa que duraria três dias.
Todas as jovens bonitas do reino foram convidadas, pois o filho dele iria
escolher entre elas aquela que seria sua futura esposa.
Quando souberam que também deveriam comparecer, as duas filhas
da madrasta ficaram contentíssimas.

- Cinderela! - gritaram. - Venha pentear nosso cabelo, escovar nossos


sapatos e nos ajudar a vestir, pois vamos a uma festa no castelo do rei!

Cinderela obedeceu chorando, porque ela também queria ir ao baile.


Perguntou à madrasta se poderia ir, e esta respondeu:

- Você, Cinderela! Suja e cheia de pó, está querendo ir à festa? Como vai
dançar se não tem roupa nem sapatos?

Mas Cinderela insistiu tanto, que afinal ela disse:

- Está bem. Eu despejei nas cinzas do fogão um tacho cheio de lentilhas.


Se você conseguir catá-las todas em duas horas, poderá ir.

A jovem saiu pela porta dos fundos, correu para o quintal e


chamou:

- Mansas pombinhas e rolinhas!


Passarinhos do céu inteiro!
Venham me ajudar a catar lentilhas!
As boas vão para o tacho!
As ruins para o seu papo!

E entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir


vieram rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa
revoada, e pousaram sobre as cinzas. As pombas baixaram a cabecinha e
pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e deixavam cair no tacho. As
outras avezinhas faziam o mesmo e pic, pic, pic - não levou nem uma
hora, o tacho ficou cheio e as aves todas se foram voando. Cheia de
alegria a menina levou para a madrasta, certa de que agora poderia ir à
festa.
Porém a madrasta disse:

- Não, Cinderela. Você não tem roupa e não sabe dançar. Só serviria de
caçoada para os outros.

- E como a menina pôs-se a chorar, ela propôs: - Se você conseguir catar


dois tachos de lentilhas em uma hora, poderá ir conosco. - E para si
mesma ela disse: - Isso ela não vai conseguir...

Assim que a madrasta acabou de espalhar os grão nas cinzas,


Cinderela correu para o quintal e chamou:

- Mansas pombinhas e rolinhas!


Passarinhos do céu inteiro!
Venham me ajudar a catar lentilhas!
As boas vão para o tacho!
As ruins para o seu papo!

E entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir


vieram rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa
revoada, e pousaram sobre as cinzas. As pombas baixaram a cabecinha e
pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e deixavam cair no tacho. As
outras avezinhas faziam o mesmo e pic, pic, pic - não passou nem meia
hora, os dois tachos ficaram cheios, e as aves foram voando pela janela.
Então a menina levou os dois tachos para a madrasta, certa de que desta
vez, ela poderia ir à festa.
Porém a madrasta disse:

- Não adianta, Cinderela. Você não vai ao baile! Não tem vestido, não
sabe dançar e só nos faria passar vergonha! - E dando-lhe as costas,
partiu com suas orgulhosas filhas.

Quando ficou sozinha, Cinderela foi ao túmulo da mãe, e ficando


embaixo da aveleira, disse:

- Balance e se agite,
Árvore adorada,
Cubra-me toda de
ouro e prata!
Então o pássaro branco jogou para ela um vestido de ouro e prata e
sapatos de seda bordada de prata. Cinderela vestiu-se a toda pressa e foi
para a festa, Estava tão linda em seu vestido dourado, que nem as irmãs,
nem a madrasta a reconheceram. Pensaram que ela fosse uma princesa
estrangeira, pois, para elas, Cinderela só podia estar em casa, catando
lentilhas na cinza.
Logo que a viu, o príncipe veio ao seu encontro e, pegando-lhe a
mão, levou-a para dançar. Só dançou com ela, e não largou de sua mão
nem por um instante. Quando alguém a convidava para dançar, ele dizia: -
Ela é minha dama.
Dançaram até altas horas da noite e, afinal, Cinderela quis voltar
para casa.

- Eu a acompanho - disse o príncipe. Na verdade ele queria saber a que


família pertencia.

Mas Cinderela conseguiu escapar dele, correu para casa e escondeu-


se no pombal. O príncipe esperou o pai dela chegar e contou-lhe que a
jovem desconhecida tinha se escondido dentro do pombal.
“Deve ser Cinderela...”, pensou o pai. E mandou vir um machado
para arrombar a porta do pombal. Mas não havia ninguém lá dentro. E,
quando chegaram em casa, encontraram Cinderela com suas roupas sujas,
dormindo nas cinzas à luz mortiça de uma lamparina. É que a menina,
nem bem havia entrado no pombal, saíra pelo lado de trás e correra para a
aveleira. Ali, rapidamente tirou o belo vestido e deixou-o sobre o túmulo.
Veio o passarinho, apanhou o vestido e levou-o. Ela vestiu novamente seu
vestidinho velho e sujo, correu para casa e deitou-se nas cinzas da
cozinha.
No dia seguinte, o segundo dia da festa, quando os pais e as irmãs
partiram para o castelo, Cinderela foi até a aveleira e disse:

- Balance e se agite,
Árvore adorada,
Cubra-me toda de
ouro e prata!

E o pássaro jogou para ela um vestido mais bonito do que o da


véspera. Quando ela entrou no salão assim vestida, todos pasmaram com
sua beleza. O príncipe que a esperava, tomou-lhe pela mão e só dançou
com ela. Quando alguém convidava a jovem para dançar, ele dizia: - Ela é
minha dama.
Já era noite avançada quando Cinderela quis voltar para casa. O
príncipe seguiu-a para ver em que casa entraria. Porém a jovem
inesperadamente entrou no quintal atrás da casa e, ágil como um esquilo,
subiu pela galharia de uma frondosa pereira carregada de frutos que havia
ali. O príncipe não conseguiu descobri-la e, quando viu o pai dela chegar,
disse:

- A moça desconhecida escondeu-se nessa pereira.

“Deve ser Cinderela...”, pensou o pai. Mandou buscar um machado


e derrubou a pereira. Mas não encontraram ninguém na galharia. Como na
véspera, Cinderela com suas roupas sujas, dormindo na cozinha nas
cinzas, pois havia escorregado pela pereira, correra para a aveleira, e
devolvera o lindo vestido ao pássaro. Depois vestiu o feio vestidinho de
sempre, e correu para casa.
No terceiro dia, assim que os pais e as irmãs saíram para a festa,
Cinderela foi até o túmulo da mãe e pediu a aveleira:

- Balance e se agite,
Árvore adorada,
Cubra-me toda de
ouro e prata!

E o pássaro atirou-lhe o vestido mais suntuoso e brilhante que ela já


possuíra, acompanhado de um par de sapatinhos de puro ouro. No castelo,
quando a viram chegar, ela estava tão linda, tão linda, que todos
emudeceram de assombração. O príncipe só dançou com ela e, como das
outras vezes, dizia a todos que vinham tirá-la para dançar: - Ela é minha
dama.
Já era noite alta, quando Cinderela quis voltar para casa. O príncipe
tentou segui-la, mas ela escapou tão depressa, que ele não pôde alcançá-
la. Desta vez, porém, o príncipe usou de um estratagema: untou com piche
um degrau da escada e, quando a moça passou, o sapato do pé esquerdo
ficou grudado. Ela deixou-o ficar e continuou correndo.
O príncipe pegou-o. Era pequenino, gracioso e todo de ouro. No
outro dia de manhã, ele procurou o pai e disse:

- Só me casarei com a dona do pé que couber neste sapato.

As irmãs de Cinderela ficaram felizes e esperançosas quando


souberam disso, pois tinham pés delicados e bonitos. Quando o príncipe
chegou à casa delas, a mais velha foi para o quarto acompanhada da mãe e
experimentou o sapato. Mas, por mais que se esforçasse, não conseguiu
meter o dedo grande do pé dentro dele. Então a mãe deu-lhe uma faca,
dizendo:
- Corte fora o dedo. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé.

Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela


foi ao encontro do príncipe. Ele recebeu-a como sua noiva e levou-a na
garupa de seu cavalo. Quando passavam pelo túmulo da mãe de
Cinderela, que ficava próximo ao caminho, duas pombas pousaram na
aveleira e cantaram:

- Olhe para trás! Olhe para trás!


Há sangue no sapato,
que é pequeno demais!
Não é a noiva certa
que vai sentada atrás!

O príncipe virou-se, olhou o pé da moça e, vendo o sangue


escorrendo do sapato, fez o cavalo voltar e levou-a para a casa dela.
Chegando lá, ordenou à outra filha da madrasta que calçasse o sapato. Ela
foi para o quarto e calçou-o. Os dedos do pé entraram facilmente, mas o
calcanhar era grande demais e ficou de fora. Então a mãe deu-lhe uma
faca dizendo:

- Corte fora um pedaço do calcanhar. Quando você for rainha, vai andar
muito pouco a pé.

Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela


foi ao encontro do príncipe. Ele recebeu-a como sua noiva e levou-a na
garupa de seu cavalo. Quando passaram na aveleira, duas pombas
pousaram num de seus ramos e cantaram:

- Olhe para trás! Olhe para trás!


Há sangue no sapato,
que é pequeno demais!
Não é a noiva certa
que vai sentada atrás!

O príncipe olhou o pé da moça, viu o sangue saindo do sapato e a


meia branca, vermelha de sangue. Então virou o cavalo, levou a moça de
volta para casa e disse ao pai:

- Esta também não é a verdadeira noiva. Vocês não têm outra filha?
- Não - respondeu o pai - a não ser a pequena Cinderela, filha de minha
falecida esposa. Mas é impossível que seja a noiva que procura.

O príncipe ordenou que fossem buscá-la.

- Oh, não! Ela está sempre suja! Seria uma ofensa trazê-la a vossa
presença! - protestou a madrasta.
Porém o príncipe exigiu que fossem chamá-la. E, depois de ter
lavado o rosto e as mãos, ela veio, curvou-se diante do príncipe e pegou o
sapato de ouro que ele lhe estendeu. Então, sentou-se num banquinho,
tirou o pesado tamanco e calçou o sapato. Ele lhe serviu como uma luva.
E quando se levantou, o príncipe viu o seu rosto e reconheceu a linda
jovem com quem havia dançado.

- É esta a noiva verdadeira! - exclamou feliz.

A madrasta e as filhas levaram um susto e ficaram brancas de raiva.


O príncipe ergueu Cinderela, colocou-a na garupa de seu cavalo e
partiram. Quando passaram pela aveleira, as duas pombinhas brancas
cantaram:

- Olhe para trás! Olhe para trás!


Não há sangue no sapato,
que serviu bem demais!
É a noiva certa.
Pode ir em paz!

E, quando acabaram de cantar, elas voaram e vieram pousar , uma


no ombro direito de Cinderela, outra no esquerdo, e ali ficaram.
Quando o casamento de Cinderela com o príncipe se realizou, as
falsas irmãs vieram à festa. A mais velha ficou à direita do altar, e a mais
nova à esquerda. Subitamente, sem que ninguém pudesse impedir, a
pomba pousada no ombro direito da noiva voou para cima da irmã mais
velha e furou-lhe os olhos. A pomba do ombro esquerdo fez o mesmo
com a mais nova, e ambas ficaram cegas para o resto de suas vidas.

JOÃOZINHO E MARIAZINHA
(Coletânea dos Irmãos Grimm)

Perto de uma grande floresta, vivia um lenhador com sua mulher e


seus dois filhos. 0 menino se chamava Joãozinho e a menina Mariazinha.
Pouco tinham para comer e, certa vez, quando houve uma grande miséria
no país, o homem não conseguia mais ganhar o pão de cada dia.
Uma noite, cheio de preocupações, ele se revolvia na cama sem poder
dormir, disse, suspirando, à mulher:

- O que será de nós? Como iremos sustentar nossos pobres filhos se nem
para nós resta coisa alguma que comer?

- Sabe que mais? - respondeu a mulher. - Amanhã, cedo, levaremos as


crianças a um lugar bem espesso da floresta. Ali, acenderemos uma
fogueira; daremos um pedacinho de pão a cada um e vamos tratar de
nosso trabalho, deixando-os sozinhos. Não saberão encontrar o caminho
e ficaremos livres deles.

- Não, mulher! - disse o lenhador. - Não farei uma coisa dessas! Como
poderia cometer a maldade de abandonar meus filhos na floresta? Em
pouco tempo seriam devorados pelas feras.

- Óh, seu tolo! - exclamou ela. - Não compreendes que então morreremos
os quatro de fome? Já pode ir serrando as tábuas para os caixões!

E não deixou o marido em paz até que ele cedeu:

- Mas tenho muita pena dessas crianças - dizia.

Os dois irmãozinhos que, de fome, também não tinham podido


dormir, haviam escutado tudo o que a madrasta aconselhara a seu pai. Entre
lágrimas amargas, Mariazinha disse a Joãozinho:

- Estamos perdidos!

- Não chores - consolou o irmão. - E não te aflijas que saberei como agir.
Depois que os velhos adormeceram, ele se levantou, vestiu o casaco, e saiu
pela porta dos fundos. A lua brilhava muito e as pedrinhas no chão, em
frente à casa, reluziam como moedinhas de pratas. Joãozinho agachou-se e
meteu tantas os bolsos quanto cabiam. Feito isso, voltou para junto de
Mariazinha e disse:

- Coragem irmãzinha, e dorme sossegada. Deus não nos abandonará.

E deitou-se novamente. Pela madrugada, antes de sair o sol, a mulher


foi acordar as crianças:

- Levantem, preguiçosos. Temos que ir à floresta buscar lenha.


E dando um pedacinho de pão a cada um, prosseguiu:

- Tome isso para o almoço, mas não comam antes, porque nada mais lhes
darei.

Mariazinha guardou os pedaços de pão no avental, pois João tinha os


bolsos cheios de pedras. Depois todos se encaminharam para a floresta.
Fazia algum tempo que andavam, quando o menino, de trecho em trecho,
passou a diminuir a marcha e a olhar para a casa:

- Joãozinho, que tanto olhas para trás? Ande, não te esqueces de caminhar.

- Estou olhando meu gatinho branco que está lá no telhado me dizendo


adeus - respondeu o menino.

A mulher, porém, retrucou:


- Idiota! Aquilo não é um gato; é o sol da manhã que me reflete no canto
da chaminé!

Mas Joãozinho não estava olhando gato nenhum; o que fazia era tirar
do bolso as pedrinhas brancas que ia jogando ao longo do caminho.
Quando chegaram ao meio da floresta, disse o pai:

- Agora, crianças, apanhem lenha. Vou acender o fogo para que não sintam
frio.

João e Maria apanharam os gravetos e foi acesa a fogueira.

- Agora fiquem perto da fogueira e descansem , enquanto vamos cortar


lenha. Quando acabarmos voltamos para pegar vocês.

Joãozinho e Mariazinha juntaram um monte bem grande de lenha


miúda. A seguir, foi acesa a fogueira e, depois que as chamas começaram a
arder bem vivas, a mulher recomendou:

- Fiquem perto do fogo, crianças, e descansem. Nós iremos adiante para


cortar lenha. Quando estivermos prontos viremos buscá-los.

Os dois irmãozinhos sentaram-se junto à fogueira e, ao meio-dia,


cada um comeu o seu pedacinho de pão. Como estavam ouvindo golpes de
machado, pensaram que o pai andava ali por perto. Na verdade o que
ouviam não era um machado, mas um galho que o lenhador atou a uma
árvore seca e que o vento fazia chocar contra o tronco. Depois de estarem
sentados ali por muito tempo, o cansaço os obrigou a fechar os olhos e eles
adormeceram profundamente.
Quando acordaram era noite fechada. Mariazinha começou a chorar e
perguntou:

- Como vamos sair da floresta?

Mas Joãozinho a consolou:

- Espera um pouco, até aparecer a lua, que logo encontraremos o caminho.

E assim que surgiu a lua cheia, o menino, tomando a mão da


irmãzinha, foi seguindo as pedrinhas, que brilhando como prata batida, lhes
indicava o rumo. Andaram a noite e, ao despontar da aurora, chegaram à
casa de seus pais. Bateram à porta e a mulher, que abriu, exclamou a vê-
los:

- Meninos maus! Porque ficaram dormindo tanto tempo no mato?


Pensamos que não quisessem voltar mais!

Mas o pai alegrou-se com o regresso deles, pois sentia um peso na


consciência por havê-los abandonado.
Tempos depois houve outra época de fome no país e, certa noite, as
crianças ouviram quando a mulher, na cama, dizia ao marido:

- Acabaram-se os alimentos. A não ser a metade de um pão, nada mais


nos resta. É preciso nos desfazermos das crianças. Vamos levá-las para
mais fundo do mato, para que não possam encontrar o caminho de volta;
do contrário não haverá salvação para nós.

O pai desesperado começou a discutir. Mas a mulher não quis ouvir


suas razões e passou a insultá-lo e a censurá-lo. E como diz “A”, diz “B”,
o marido, tendo cedido uma vez, teve que ceder novamente.
As crianças, que ainda estavam acordadas, ouviram toda a conversa
e, quando os velhos adormeceram, Joãozinho levantou-se para ir juntar
pedrinhas, como da outra vez; mas nada pode fazer porque a mulher tinha
trancado a porta. E ele tratou de consolar a irmã, dizendo:

- Não chores, Mariazinha. Dorme sossegada, que Deus Nosso Senhor há de


nos ajudar.
De madrugada, a mulher foi ao quarto tirá-los da cama. Deu a cada
uma um pedacinho de pão ainda menor que da última vez. Pelo caminho
Joãozinho ia esmigalhando o pão no bolso e, detendo-se de vez em quando,
deixava cair um pedacinho no chão.

- Joãozinho por que estás parado, olhando para trás? - indagou o pai. -
Vamos, não te distraias!

- Olho a minha pombinha que está lá no telhado me dizendo adeus!

- Tolo! - disse a mulher. - Não é a tua pombinha, é o sol da manhã no alto


da chaminé!

Joãozinho, porém, continuou semeando migalhas pelo caminho.


A mulher conduziu as crianças para ainda mais fundo da floresta, a
um lugar onde jamais haviam estado. Ali acenderam uma grande fogueira e
a mulher disse-lhes:

- Fiquem aí, crianças! Se cansarem, durmam um pouco enquanto nós


vamos cortar lenha. À tarde voltaremos para buscá-los.

Ao meio-dia, Mariazinha repartiu seu pão com Joãozinho, pois o seu


ele espalhara pela estrada. Depois eles adormeceram e, quando chegou à
tarde, ninguém apareceu para buscar os pobrezinhos. Só acordaram quando
já era noite fechada. Joãozinho consolou a irmã, dizendo:

- Espera, Mariazinha, até que saia a lua; então veremos as migalhas de pão
que espalhei e que nos mostrarão o caminho de volta.

Quando a lua apareceu, eles se dispuseram a voltar, mas não


encontraram ao menos uma migalhinha. Os passarinhos, que voam, aos
milhares, pelos matos e pelas campinas, tinham comido tudo. Disse
Joãozinho à Mariazinha:

- Havemos de encontrar o caminho.

Mas não o encontraram. Durante toda a noite e todo o dia seguinte,


andaram da madrugada ao anoitecer, sem conseguir sair da floresta imensa.
Sentiam muita fome, pois apenas tinham para comer umas poucas frutinhas
silvestres que achavam pelo chão. Estavam por fim tão cansados que as
pernas se negavam a sustentá-los. Sentaram-se, então, ao pé de uma árvore
e adormeceram.
E amanheceu o terceiro dia, desde que haviam saído de suas casas.
Começaram a andar de novo. Entretanto, cada vez se perdiam mais. E se
alguém não os socorresse estariam condenados a morrer.
Quando chegou ao meio-dia viram um lindo pássaro branco como a
neve, pousado no galho de uma árvore. Cantava tão suavemente que os
dois se detiveram a escutá-lo. Ao terminar sua canção, abriu as asas e saiu
voando, mas Joãozinho e Mariazinha o seguiram até chegarem a uma
casinha em cujo o telhado ele pousou. De perto, viram que era feita de pão
e coberta de bolos, e que as janelas eram de puro açúcar.

- Olha! - exclamou Joãozinho - Vamos matar a nossa fome! Eu comerei


um pedaço do telhado e tu, Mariazinha, a janela, que é doce.

O menino foi ao telhado e tirou um pedacinho para provar o gosto,


enquanto sua irmãzinha experimentava os cristais da janela. De repente,
ouviram uma vozinha suave, vinda do interior da casa:

Quem está beslicando?


Algo da minha casa tirando?

E as crianças responderam:

É o vento, é o vento,
Que sopra neste momento.

E continuaram comendo sem se deixar estorvar. Joãozinho, que


achou o telhado muito saboroso, arrancou um bom pedaço e Mariazinha
tirou toda a vidraça redonda e, sentando-se no chão, a saboreou com gosto.
Subitamente a porta se abriu e uma mulher muito velha, apoiada
numa bengala, saiu vagarosamente da casinha. Joãozinho e Mariazinha se
assustaram de tal modo que soltaram o que tinham nas mãos; a velha,
porém, sacudiu a cabeça, e lhes disse:

- Olá, crianças. Quem as trouxe aqui? Entrem. Entrem e fiquem comigo


que não lhes farei mal.

E pegando ambos pelas mãos, os introduziu na casinha. Ali serviu-lhe


boa comida, leite com panquecas açucaradas, maçãs e nozes. Depois os
levou para duas caminhas com lençóis brancos e Mariazinha e Joãozinho se
deitaram nelas pensando estar no céu.
Mas a velha estava apenas fingindo toda aquela gentileza, pois na
realidade era uma feiticeira malvada, acostumada a espreitar crianças, e só
construíra a casa de bolo para atraí-las. Se caíam em seu poder, ela as
matava, cozinhava e comia. Era um dia de festa para ela! As bruxas têm os
olhos vermelhos e enxergam pouco, mas, em compensação, seu olfato é
muito desenvolvido, como o dos animais, e sentem de muito longe a
presença de pessoas. Na véspera, enquanto Joãozinho e Mariazinha se
aproximavam, a velha dizia com um riso maldoso:

- Já são meus, não há de escapar!

Levantou-se bem cedo, antes de as crianças despertarem e, ao vê-las


descansar tão calmamente, com suas faces cheias e rosadas, murmurou:

- Vai ser um prato gostoso!

E pegando Joãozinho pela mão, levou-o para um pequeno estábulo e


lá o encerrou atrás de uma porta com grades. O menino gritou com todas as
suas forças, mas em vão.
Depois a bruxa foi à cama de Mariazinha e sacudiu-a, rudemente,
gritando:

- Levanta, preguiçosa! Vá buscar água e cozinha uns petiscos para o seu


irmão, que ficou no estábulo, para engordar. Depois de bem cevado, eu o
comerei.

Mariazinha começou a chorar amargamente, o que de nada adiantou.


Teve que cumprir o que a bruxa malvada lhe ordenara.
Daí por diante, Joãozinho passou a comer pratos deliciosos, enquanto
Mariazinha recebia apenas cascas de caramujos. Todas as manhãs, a velha
se aproximava do estábulo e dizia:

- Joãozinho, mostra-me o teu dedo, que eu quero ver se já está gordo.

O menino, porém, mostrava-lhe um ossinho, e a velha, que não


enxergava bem, pensava ser o seu dedo e muito se admirava por não haver
jeito de ele engordar.
Depois de quatro semanas, vendo que Joãozinho continuava magro, a
bruxa perdeu a paciência e não quis esperar mais:

- Ei, Mariazinha! - disse à menina. - Depressa, trás água. Gordo ou magro,


amanhã vou matar e comer seu irmão.

Que aflição para a pobre e pequena ao ver-se obrigada a trazer água.


E como as lágrimas lhe corriam pelas faces!

- Meu Deus, ajuda-nos! - rogava ela. Antes as feras nos tivesse devorado.
Assim nós teríamos morrido juntos.
- Pára com esse choro, vagabunda! - gritou a velha. - De nada adianta!

De madrugada, Mariazinha teve que sair para encher de água o


caldeirão e acender o fogo.

- Primeiro faremos o pão - disse a feiticeira. - Já aqueci o forno e preparei a


massa.

E a base de empurrões e beliscões, levou a pobre menina até o forno,


de onde saíam chamas.

- Entre e verifique se o calor é suficiente para metermos o pão - ordenou a


velha.

O que ela tencionava era fechar a porta do forno quando a menina


estivesse dentro, assá-la e comê-la também. Mas Mariazinha adivinhou-lhe
o pensamento e disse:

- Não sei como fazer para entrar aí.

- Criatura idiota! - replicou a bruxa. A abertura é bastante grande. Vê, até


eu passaria por ela.

E, para demonstrá-lo, adiantou-se e meteu a cabeça na boca do forno.


Nesse momento Mariazinha deu-lhe um empurrão tão forte que a
precipitou-lhe lá dentro e, fechando a porta de ferro, correu depressa o
ferrolho.
Puxa! Como a velha berrou! Era horrível de se ouvir. Mas a menina
saiu correndo e a bruxa miserável morreu queimada.
Mariazinha foi logo ao estábulo onde estava Joãozinho e abriu a
porta, exclamando

- Estamos salvos, Joãozinho. A Bruxa velha está morta.

Joãozinho saiu como um pássaro ao qual se abre uma gaiola. Que


alegria sentiram os dois e como se jogaram um nos braços do outro,
beijando-se de contentamento! Como não precisavam mais temer coisa
alguma, entraram na casa da bruxa, onde encontraram, por todos os cantos,
caixas cheias de pérolas e pedras preciosas.

- Essas valem mais do que as pedrinhas! - exclamou Joãozinho, enchendo


os bolsos com o quanto cabia neles.
E Mariazinha manifestou-se:

- Eu também quero levar algo para casa.

E, por sua vez, encheu bem seu aventalzinho.

- Vamos agora - disse o menino. - Devemos sair desta floresta enfeitiçada!

Depois de terem andado algumas horas, chegaram a uma água muito


grande.

- Não podemos atravessá-la. - observou Joãozinho. - Não tem uma ponte ao


menos.

- E nem um barco - acrescentou Mariazinha. - Mas ali está andando um


pato branco, se o peço, ele nos ajudará a passar na água.
E gritou:

Patinho, Patinho!
Aqui estão Mariazinha e Joãozinho
Não há ponte para passar, nem canoa para atravessar
Nas tuas costas brancas queres nos levar?

O patinho aproximou-se e o menino subiu nele, convidando sua irmã


a fazer o mesmo.
- Não. - respondeu ela. - Seria pesado demais para o patinho. Que levou
um, depois o outro.

Assim fez o bom animalzinho e, quando já tinham alcançado a


margem oposta e caminhado um pequeno trecho, começaram a reconhecer
a floresta. Até que enfim, descobriram, ao longe, a casa de seu pai.
Começaram a correr e entraram para dentro como um pé de vento
pela porta, atiraram-se os dois ao pescoço dele, abraçando-o. O pobre
homem não havia tido uma ora só de alegria, depois que abandonara os
filhos na floresta. Quanto à mulher, havia morrido nesse meio tempo.
Mariazinha esvaziou seu avental, fazendo as pérolas e pedras
preciosas saltarem pelo chão e Joãozinho também esparramou as suas aos
punhados. Desse dia em diante, terminara-se as preocupações e os três
viveram muito felizes.
Minha história acabou e um ratinho por ali passou! Quem conseguir
pegá-lo poderá fazer dele um grande casaco de pele.
RAPUNZEL
(Coletânea dos Irmãos Grimm)

Era uma vez um casal que vinha desejando um filho inutilmente. Os


anos iam passando sem que o seu sonho se realizasse. Afinal chegou um
dia, a mulher percebeu que Deus ouvira as suas preces. Ela ia ter uma
criança.
No fundo da casa deles, havia uma janelinha pela qual se avistava,
no quintal vizinho, um magnífico jardim cheio das mais lindas flores e
viçosas hortaliças. Mas era cercado por um muro altíssimo, que ninguém
se atrevia a escalar, porque pertencia a uma feiticeira de grandes poderes e
muito temida.
Um dia, espiando pela janelinha, a mulher viu no quintal vizinho
um canteiro cheio de pés de rabanetes que jamais vira. Eram tão verdes e
fresquinhos que dava gosto olhar, e ela sentiu um enorme desejo de comer
alguns.
Cada dia que passava, seu desejo aumentava mais e, como não
havia outro jeito, foi ficando triste, abatida e com um aspecto doentio, até
que um dia, o marido assustou-se e perguntou:

- O que está acontecendo contigo, querida?

- Ah! - respondeu ela. - Se eu não comer um rabanete do jardim da


feiticeira, vou morrer logo, logo!

O marido, que a amava muito, pensou: “Não posso deixar minha


mulher morrer... tenho que conseguir esses rabanetes, custe o que custar”.
Quando anoiteceu, ele encostou uma escada no muro, pulou para o
quintal vizinho, arrancou a toda pressa um punhado de rabanetes, e trouxe
para a mulher. Mais que depressa, ela preparou uma salada com eles, e
comeu-a deliciada. Tinha um gosto tão bom, que no dia seguinte seu
desejo de comer rabanetes tornou a voltar, e muito mais forte ainda. Para
sossegá-la, o marido prometeu-lhe que traria mais alguns do jardim da
feiticeira e, quando a noite chegou, pulou novamente o muro. Porém, mal
pisou no chão do outro lado, levou um enorme susto: de pé, diante dele,
estava a feiticeira.

- Como se atreve a entrar no meu quintal como um ladrão para roubar


meus rabanetes? - perguntou ela com os olhos chispantes de raiva. - Vai
ver só o que te espera!
- Oh! Tenha piedade! - implorou o homem. - Só fiz isso porque fui
obrigado! Minha mulher viu pela janela os seus rabanetes, e sentiu tanta
vontade de comê-los, que morrerá na certa, se eu não levar alguns!

A feiticeira se acalmou e disse:

- Se é assim como diz, dou-lhe a permissão de levar quantos rabanetes


você quiser, mas com uma condição: tem que me dar a criança que sua
mulher vai ter. Cuidarei dela como se fosse sua própria mãe, e nada lhe
faltará.

O homem estava tão apavorado que concordou. Pouco tempo


depois, a criança nasceu. Era uma menina. A feiticeira surgiu no mesmo
instante e, por causa dos rabanetes que lhe salvaram a vida, deu-lhe o
nome de Rapunzel. Depois sem ligar para os pedidos desesperados de pai
e mãe, levou-a embora. Nunca mais os pais viram a filha.
Rapunzel cresceu e se tornou a mais linda criança debaixo do sol.
Quando fez doze anos, a feiticeira trancou-a no alto de uma torre no meio
da floresta. A torre não possuía nem escada nem porta, mas apenas uma
janelinha no seu ponto mais alto. Sempre que a velha desejava entrar,
ficava embaixo da janela, e gritava:

- Rapunzel, Rapunzel!
Jogue abaixo tuas tranças!

Rapunzel tinha magníficos cabelos compridos e finos como fios de


ouro. Quando ouvia o chamado da velha, ela abria a janela, desenrolava
as tranças e jogava-as para fora. As tranças caíam vinte metros abaixo e,
por elas, a feiticeira subia.
Alguns anos depois, aconteceu que o filho do rei, cavalgando pela
floresta, passou perto da torre. Então ouviu um canto tão bonito que parou
para escutar. Era Rapunzel que, para espantar a solidão, cantava para si
mesma com sua doce voz. O príncipe quis subir até ela, e procurou uma
porta na torre, mas não encontrou nenhuma. Então voltou para casa. Mas
o canto tocou seu coração de tal maneira, que todos os dias ela voltava
para a floresta para ouvi-lo. Numa dessas vezes, quando descansava atrás
de uma árvore, viu a feiticeira aproximar-se da torre e gritar:

- Rapunzel, Rapunzel!
Jogue abaixo tuas tranças!

Então a menina jogou suas tranças para baixo e a feiticeira subiu.


“É essa a escada pela qual se sobe?”, pensou o príncipe... “Pois eu vou
tentar a sorte...”.

No dia seguinte, quando escureceu, ele se aproximou da torre e bem


debaixo da janelinha, gritou:

- Rapunzel, Rapunzel!
Jogue abaixo tuas tranças!

Imediatamente as tranças caíram pela janela abaixo, e ele subiu.


Rapunzel ficou muito assustada quando o viu entrar, porque jamais
tinha visto um homem. Mas o príncipe falou-lhe com muita doçura e
contou como seu coração ficara transtornado desde que a ouvira cantar, e
viera porque não teria mais sossego enquanto não a conhecesse.
Rapunzel foi se acalmando, e quando ele lhe perguntou se o
aceitava como marido, reparou que ele era jovem e belo e pensou: “Ele é
mil vezes preferível a velha senhora...”. E pondo a mão dela sobre a dele,
respondeu:

- Sim! Eu quero ir com você! Mas não sei como descer... Sempre que vier
me ver, traga uma meada de seda. Com ela vou trançar uma escada e
quando ficar pronta, eu desço, e você me leva no seu cavalo.

E combinaram que só deveriam se encontrar no cair da noite,


porque a velha costumava vir durante o dia. Assim foi, e a feiticeira nada
percebeu, até que um dia Rapunzel perguntou sem querer:

- Diga-me, senhora, como é que lhe custa tanto subir, enquanto o jovem
filho do rei chega aqui num instantinho?

- Ah, menina ruim! - gritou a feiticeira. - Pensei que tinha isolado você do
mundo, e você me engana! - E na sua fúria, agarrou Rapunzel pelos
cabelos e esbofeteou-a várias vezes. Depois, com a outra mão, pegou a
tesoura e chap, chap!... cortou-lhe as tranças tão bonitas, deixando-as
cair ao chão. E foi tão desumana, que levou a pobre menina para um
deserto e abandonou-a ali, para que passasse privações e sofresse.

Na tarde do mesmo dia em que Rapunzel foi expulsa, a feiticeira


prendeu as tranças cortadas num gancho da janela, e quando o príncipe
veio e chamou:

- Rapunzel, Rapunzel!
Jogue abaixo tuas tranças!
Ela deixou as tranças caírem para fora e ficou esperando. Quando
ele entrou, quem encontrou não foi sua querida Rapunzel, mas a feiticeira.
Com um olhar chamejante de ódio, ela gritou zombeteira:

- Ah, ah! Você veio buscar sua amada? Pois a linda avezinha não está
mais no ninho, nem canta mais! O gato apanhou-a, levou-a e, agora, vai
arranhar seus olhos! Nunca mais você verá Rapunzel! Ela está perdida
para você!

Ao ouvir isso, o príncipe ficou fora de si, e no seu desespero atirou-


se pela janela. Não morreu, mas caiu sobre espinhos que furaram seus
olhos e ficou cego. Então ficou perambulando pela floresta, alimentando-
se apenas de frutos e raízes, sem fazer outra coisa que lamentar-se e
chorar a perda da esposa tão querida.
Passaram-se alguns anos e, um dia, por acaso, chegou ao deserto
onde, na maior tristeza, vivia Rapunzel com seus dois filhos gêmeos, um
menino e uma menina, que haviam nascido ali. Então, ouvindo uma voz
que lhe pareceu familiar, o príncipe caminhou na direção de Rapunzel.
Quando se aproximou, ela reconheceu-o e atirou-se ao seu pescoço a
chorar. Duas de suas lágrimas molharam os seus olhos e, no mesmo
instante, ficaram claros novamente. O príncipe recuperou a visão e ficou
enxergando tão bem quanto antes.
Então levou Rapunzel e as crianças para o seu reino, onde foram
recebidos com grande alegria. Ali viveram felizes e contentes.

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