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UNEB – UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DCE – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, CAMPUS IV


OFERTA ESPECIAL: SOCIOLOGIA JURÍDICA
DISCENTE – ELÍSIO S. OLIVEIRA

FICHAMENTO 01
HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A prisão é concebida modernamente como um mal necessário, sem esquecer que guarda em
sua essência contradições insolúveis. O Projeto Alternativo alemão orientou-se nesse sentido
ao afirmar que “a pena é uma amarga necessidade de uma comunidade de seres imperfeitos
como são os homens”.

Recomenda-se que as penas privativas de liberdade limitem-se às penas de longa duração e


àqueles condenados efetivamente perigosos e de difícil recuperação. Não mais se justificam as
expectativas da sanção criminal tradicional, o que se busca é limitar a prisão às situações de
reconhecida necessidade, como meio de impedir a sua ação criminógena, cada vez mais forte.
Os chamados substitutivos penais constituem alternativas mais ou menos eficazes o que se
busca é limitar a prisão às situações de reconhecida necessidade, como meio de impedir a sua
ação criminógena, cada vez mais forte. Os substitutivos penais constituem alternativas mais ou
menos eficazes na tentativa de diminuir as prisões.

A origem da pena é muito remota, sendo tão antiga quanto a humanidade, por isso é muito
situá-la em suas origens.

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2. A ANTIGUIDADE

A Antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada


como sanção penal. O encarceramento de delinquentes existiu desde tempos imemoráveis, não
tinha caráter de pena e repousava em outras razões.

Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de
réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-
se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais
(mutilações e açoites) e às infamantes.

3. A IDADE MÉDIA

Durante todo o período da Idade Média, a ideia de pena privativa de liberdade não aparece.
Há, nesse período, um claro predomínio do direito germânico. A privação da liberdade continua
a ter uma finalidade custodial, aplicável àqueles que seriam “submetidos aos mais terríveis
tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas.

A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo,
e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das multidões desse
período histórico”.

As sanções criminais na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que
as impunham em função do status social a que pertencia o réu. Referidas sanções podiam ser
substituídas por prestações em metal ou espécie, restando a pena de prisão, excepcionalmente,
para aqueles casos em que os crimes não tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à
morte ou a penas de mutilação.

Nessa época surgiu a prisão de Estado e a prisão eclesiástica. Na prisão de Estado,


somente podiam ser recolhidos os inimigos do poder, real ou senhorial, que tivessem cometido
delitos de traição, e os adversários políticos dos governantes. A prisão de Estado apresenta duas
modalidades: a prisão-custódia, onde o réu espera a execução da verdadeira pena aplicada
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(morte, açoite, mutilações etc.), ou como detenção temporal ou perpétua, ou ainda até receber
o perdão real.

A prisão eclesiástica, por sua vez, destinava-se aos clérigos rebeldes e respondia às
ideias de caridade, redenção e fraternidade da Igreja, dando ao internamento um sentido de
penitência e meditação. Recolhiam-se os infratores em uma ala dos mosteiros para que, por
meio da penitência e da oração, se arrependessem do mal causado e obtivessem a correção ou
emenda. A principal pena do direito canônico denominava-se detrusio in monasterium e
consistia na reclusão em um mosteiro de sacerdotes e religiosos infratores das normas
eclesiásticas; para castigar os hereges, a prisão se denominava murus largus.

3.1. Influência da religião na evolução da pena

Segundo Hilde Kaufmann, a pena privativa de liberdade foi produto do desenvolvimento


de uma sociedade orientada para a consecução da felicidade, surgida do pensamento calvinista
cristão. O pensamento cristão, com algumas diferenças entre o protestantismo e o catolicismo,
proporcionou, tanto no aspecto material como no ideológico, bom fundamento à pena privativa
de liberdade. Por essa razão, não é casual que se considere que uma das poucas exceções à
prisão-custódia do século XVI tenha sido a prisão canônica.

3.1.1. Influência da prisão eclesiástica

O pensamento eclesiástico de que a oração, o arrependimento e a contrição contribuem mais


para a correção do que a mera força da coação mecânica teve significação duradoura”,
especialmente nas ideias que inspiraram os primeiros penitenciaristas e nos princípios que
orientaram os clássicos sistemas penitenciários (celular e auburniano).

A influência penitencial canônica deixou como sequela positiva o isolamento celular, o


arrependimento e a correção do delinquente, assim como outras ideias voltadas à procura da
reabilitação do recluso. Ainda que essas noções não tenham sido incorporadas ao direito
secular, constituem um antecedente indiscutível da prisão moderna.

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3.1.2 Importância do direito canônico

O direito canônico contribuiu consideravelmente para com o surgimento da prisão


moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do delinquente.
Precisamente do vocábulo “penitência”, de estreita vinculação com o direito canônico, surgiram
as palavras “penitenciário” e “penitenciária”. Essa influência veio completar-se com o
predomínio que os conceitos teológico-morais tiveram, até o século XVIII, no direito penal, já
que se considerava que o crime era um pecado contra as leis humanas e divinas.

Sobre a influência do direito canônico nos princípios que orientaram a prisão moderna34,
afirma-se que as ideias de fraternidade, redenção e caridade da Igreja foram transladadas ao
direito punitivo, procurando corrigir e reabilitar o delinquente. Os mais entusiastas manifestam
que, nesse sentido, as conquistas alcançadas em plena Idade Média não conseguiram solidificar-
se, ainda hoje, de forma definitiva, no direito secular. Entre elas, menciona-se a
individualização da pena conforme o caráter e o temperamento do réu.

4. A IDADE MODERNA

Uma das características da Idade moderna foi o surgimento das casas de trabalho, com vistas
a utilização da mão de obra do recluso. Essas instituições foram criadas para tratar de pequenas
delinquências. Para os que cometiam delitos mais graves mantinha-se ainda a aplicação de
outras penas, como exílio, açoites, pelourinho etc. Para o controle do crime, sob o ponto de
vista global, os Códigos Penais ainda confiavam, principalmente, nas penas pecuniárias e
corporais e em penas capitais. Contudo, não se pode negar que as casas de trabalho ou de
correção, embora destinadas à pequena delinquência, já assinalam o surgimento da pena
privativa de liberdade moderna. Segundo comenta Sellin, os fundadores dos estabelecimentos
ingleses e holandeses tinham a aspiração de que se pudesse reformar o delinquente. Contudo,
Radbruch suscita uma das constantes objeções e limitações que sofre o objetivo reabilitador,
afirmando que os condenados, ao serem liberados das casas de trabalho (ou de correção), não
se haviam corrigido, mas sim domado. Procurava-se alcançar o fim educativo por meio do
trabalho constante e ininterrupto, do castigo corporal e da instrução religiosa. Todos esses
instrumentos são coerentes com o conceito que se tinha, nessa época, sobre a reforma do
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delinquente e os meios para alcançá-la. Tinha-se a convicção de que o castigo e a utilização dos
conceitos religiosos permitiriam a correção do delinquente.

4.1. Causas da transformação da prisão-custódia em prisão-pena

Segundo Foucault, a época clássica utiliza o confinamento de maneira equivocada, para


fazê-lo desempenhar um duplo papel: reabsorver o desemprego, ou, pelo menos, apagar os seus
efeitos sociais mais visíveis e controlar as tarifas quando houver risco de subirem muito; atuar
alternativamente sobre o mercado de mão de obra e os preços de produção. Na realidade, parece
que as casas de confinamento não puderam realizar eficazmente a obra que delas se esperava.
Se absorviam os desempregados era sobretudo para dissimular a miséria e evitar os
inconvenientes políticos ou sociais de uma possível agitação, mas ao mesmo tempo em que
eram colocados em oficinas obrigatórias, o desemprego aumentava nas regiões vizinhas e nos
setores similares”.

A razão político-econômica apresenta-se muito clara quanto a sua influência decisiva


na mudança de “prisão- custódia” para “prisão-pena”, agora já não se trata de encerrar os
desempregados, mas de dar trabalho àqueles que estão encerrados e fazê-los úteis à
prosperidade geral. A alternância é clara: mão de obra barata, quando há trabalho e salários
altos; e, em períodos de desemprego, reabsorção dos ociosos e proteção social contra a agitação
e os motins.

À motivação de política criminal e penológica, referida pela maioria dos autores, como
causa determinante da transformação, devemos acrescentar a motivação econômica, referida
por Foucault.

5. OS REFORMADORES: BECCARIA, HOWARD, BENTHAM

As características da legislação criminal na Europa em meados do século XVIII justificam


a reação de alguns pensadores agrupados em torno de um movimento de ideias que têm por
fundamento a razão e a humanidade.

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As correntes iluministas e humanitárias, das quais Voltaire, Montesquieu e Rousseau seriam
fiéis representantes, fazem severa crítica aos excessos imperantes na legislação penal, propondo
que o fim do estabelecimento das penas não deve consistir em atormentar um ser sensível. A
pena deve ser proporcional ao crime, devendo-se levar em consideração, quando imposta, as
circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão
de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo
do delinquente.

5.1. Cesare Beccaria

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, nascido em Milão em 15-3-1738, morreu em 28-


11-1794. Considera-se que os postulados formulados por ele marcam o início definitivo da
Escola Clássica de Criminologia, bem como o da Escola Clássica de Direito Penal.

5.1.1. Resumo das ideias de seu tempo

O grande mérito de Beccaria foi falar claro, dirigindo-se não a um limitado grupo de pessoas
doutas, mas ao grande público. Dessa forma, conseguiu, através de sua eloquência, estimular
os práticos do direito a reclamar uma reforma que deviam conceber os legisladores.

Foi ele que constituiu o primeiro delineamento consistente e lógico sobre uma bem elaborada
teoria, englobando importantes aspectos penológicos. Beccaria constrói um sistema criminal
que substituirá o desumano, impreciso, confuso e abusivo sistema criminal anterior. Sua obra
teve sentido político e jurídico, e seu campo de ação foi de grande amplitude, pois aspirava à
reforma do direito penal naquele tempo reinante.

5.1.2. O contrato social

Quando se realiza uma análise da ideia ressocializadora, que a posição das ideias
clássicas pressupõe a existência de um contrato entre cidadãos, e, com fundamento nesse
acordo, justifica- se a existência da pena, sob a suposição de que é imposta a um ser livre que
violou o pacto. Essa ideia de pacto social será colocada em dúvida pela criminologia e não é
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compatível com alguns dos delineamentos extremos que inspiram a ideia ressocializadora.
Beccaria menciona claramente o contrato social nos dois primeiros capítulos de sua obra “Dessa
forma, os homens se reúnem e livremente criam uma sociedade civil, e a função das penas
impostas pela lei é precisamente assegurar a sobrevivência dessa sociedade”.

Pode-se considerar que a teoria clássica do contrato social (o utilitarismo) fundamenta-


se em três pressupostos fundamentais: 1) postula um consenso entre homens racionais acerca
da moralidade e da imutabilidade da atual distribuição de bens. 2) todo comportamento ilegal
produzido em uma sociedade — produto de um contrato social — é essencialmente patológico
e irracional, o comportamento típico de defeitos pessoais, não podem celebrar contratos. 3) os
teóricos do contrato social tinham um conhecimento especial dos critérios para determinar a
racionalidade ou irracionalidade de um ato. Tais critérios iriam definir-se por intermédio do
conceito de utilidade.

Essa teoria do contrato pressupõe a igualdade absoluta entre todos os homens. Sob tal
perspectiva, nunca se questionava a imposição da pena, os alcances do livre arbítrio ou o
problema das relações de dominação que podia refletir determinada estrutura jurídica.

5.1.3. Os fins da pena

Beccaria tinha uma concepção utilitarista da pena. Essa orientação tem estreita relação
com a tendência empírica que dominou entre os penalistas de seu tempo. Essa concepção
utilitária considerava a pena um simples meio de atuar no jogo de motivos sensíveis que
influenciam a orientação da conduta humana. Procuravam um exemplo para o futuro, mas não
uma vingança pelo passado. Não se subordinava a ideia do útil ao justo; ao contrário,
subordinava-se a ideia do justo ao útil. Como afirma Beccaria: “O fim, pois, não é outro que
impedir o réu de causar novos danos a seus cidadãos e afastar os demais do cometimento de
outros iguais. Consequentemente, devem ser escolhidas aquelas penas e aquele método de
impô-las, que, respeitada a proporção, causem uma impressão mais eficaz e mais durável sobre
o ânimo dos homens e que seja a menos dolorosa para o corpo do réu”.

5.1.4. Humanização das sanções criminais


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Considerava que nas prisões não devem predominar a sujeira e a fome, defendendo uma
atitude humanitária e compassiva na administração da justiça. Criticava as prisões de seu tempo:
“Porque parece que no presente sistema criminal, segundo a opinião dominante, prevalece a
ideia da força e a prepotência da justiça, porque se atiram confundidos em uma mesma caverna
os denunciados e os condenados” 93. Os princípios reabilitadores ou ressocializadores da pena
têm como antecedente importante esses delineamentos de Beccaria, já que a humanização do
direito penal e da pena é requisito indispensável. É paradoxal falar da ressocialização como
objetivo da pena privativa de liberdade se não houver o controle do poder punitivo e a constante
tentativa de humanizar a justiça e a pena

5.2. John Howard

Foi Howard este quem inspirou uma corrente penitenciarista preocupada em construir
estabelecimentos apropriados para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Suas ideias
tiveram importância extraordinária, considerando-se o conceito predominantemente
vindicativo e retributivo que se tinha, em seu tempo, sobre a pena e seu fundamento. Howard
teve especial importância no longo processo de humanização e racionalização das penas.

5.2.1. A humanização das prisões

Com profundo sentido humanitário, Howard nunca aceitou as condições deploráveis em


que se encontravam as prisões inglesas. Não admitia que o sofrimento desumano fosse
consequência implícita e iniludível da pena privativa de liberdade, embora nessa época, como
agora, a reforma da prisão não fosse um tema que interessasse ou preocupasse muito ao público
ou aos governantes.

Insistiu na necessidade de construir estabelecimentos adequados para o cumprimento da


pena privativa de liberdade, sem ignorar que as prisões deveriam proporcionar ao apenado um
regime higiênico, alimentar e de assistência médica que permitisse cobrir as necessidades
elementares.
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Considerava que o trabalho obrigatório, inclusive penoso, serviria de meio adequado para
a regeneração moral. Deu grande importância ao trabalho como meio reabilitador. Apesar de
tal ideia ser muito discutível atualmente, vigora até nossos dias. Não considerava obrigatório o
trabalho para os processados, o que ainda se mantém na prática penitenciária contemporânea.

5.2.2. Influência da religiosidade

Sua profunda religiosidade (era calvinista) levou-o a considerar a religião o meio mais
adequado para instruir e moralizar.

Também propôs o isolamento dos delinquentes, com dois objetivos:

1) O isolamento favorece a reflexão e o arrependimento. Nesse aspecto volta a evidenciar-


se o propósito de reforma ou reabilitação mediante a utilização de conceitos religiosos.
A ideia do isolamento favorecedor da reforma e do arrependimento ganhará máxima
expressão no famoso sistema celular.

2) O isolamento também tem um propósito prático importante: combater os inúmeros


males de promiscuidade. “Queria prisões que tivessem muitos aposentos e celas
pequenas, que todo delinquente pudesse dormir só. É difícil evitar que fiquem juntos
durante o dia, mas ao menos à noite devem ser separados. Os prisioneiros não deveriam
permanecer durante o dia nas celas onde dormissem à noite”

5.2.3. Pessoal penitenciário e juiz de execução

Propôs a necessidade de que se nomeassem carcereiros honrados e humanos. Essa


inquietação tinha íntima relação com a ideia de Howard sobre a função reabilitadora da prisão.
Embora atualmente já não se fale em carcereiros — mais por eufemismo —, na verdade
continua sendo importante que o pessoal, além de outras qualidades, seja honrado e possua
elevado sentido humanitário.

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Assinalou a conveniência da fiscalização da vida carcerária por magistrados. “A
administração de uma prisão — dizia — é coisa muito importante para abandoná-la
completamente aos cuidados de um carcereiro. Em cada condado, em cada cidade, é preciso
que um inspetor eleito por eles ou nomeado pelo Parlamento cuide da ordem das prisões”. E
aduzia: “Se este cuidado fosse demasiado penoso para a mesma pessoa, poder-se-á obrigar a
todos os membros de um tribunal a encarregar-se dele, alternadamente, todos os meses ou cada
três meses todos os anos.

O inspetor faria a sua visita uma vez por semana ou a cada quinze dias, mudando os dias.
Teria um resumo de todas as leis referentes às prisões e verificaria se são observadas ou
negligenciadas. Visitaria, como faz em alguns hospitais, cada aposento, falaria com todos os
presos, ouviria as suas reclamações, atenderia àqueles cujas petições entendesse justas, e
quando tivesse dúvidas sobre elas remeteria à decisão de seus
colegas”.

5.2.4. Influência nas reformas legislativas

Howard lutou pela eliminação do direito de carceragem, logrando finalmente que o


Parlamento inglês votasse uma lei pela qual mencionado direito, assim como o pagamento aos
guardas, ficasse a cargo do Estado. As denúncias de Howard serviram para estimular o
nascimento do incipiente sistema penitenciário britânico. Mas sua influência em relação às
reformas legislativas não foi muito significativa, obtendo poucos resultados legais, o que não
diminui o valor de suas ideias, muitas das quais se mantêm em pleno vigor. Também é certo
que algumas décadas após o desaparecimento de Howard as condições das prisões inglesas
continuavam deploráveis.
Todavia, tal dado não demonstra o fracasso de suas ideias; evidencia, apenas, as
tremendas dificuldades existentes para que um sistema penitenciário cumpra com os requisitos
mínimos. Atualmente, subsistem no mundo muitas prisões que não estão muito longe das que
descreve Howard em sua obra.

Com Howard nasce o penitenciarismo. Sua obra marca o início da luta interminável para
alcançar a humanização das prisões e a reforma do delinquente. Jimenez de Asúa qualifica
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Howard como um correcionalista prático, considerando que suas ideias determinam o início
definitivo do progresso dos preceitos penitenciários.

5.3. Jeremy Bentham

Foi um dos primeiros autores a expor suas ideias com meditada ordem sistemática. Sua
contribuição ao campo da penologia mantém-se vigente ainda em nossos dias.

Não fez muitas recomendações positivas, mas suas sugestões ou críticas foram corretas
no que se refere à prática dos castigos absurdos e desumanos. Sempre procurou um sistema de
controle social, um método de controle do comportamento humano de acordo com um princípio
ético. Esse princípio é proporcionado pelo utilitarismo, que se traduzia na procura da felicidade
para a maioria ou simplesmente da felicidade maior. Um ato possui utilidade se visa a produzir
benefício, vantagem, prazer, bem- -estar e se serve para prevenir a dor. Bentham considerava
que o homem sempre busca o prazer e foge da dor. Sobre esse princípio fundamentou sua teoria
da pena.

Ao expor suas ideias sobre o famoso panótico, Bentham foi o primeiro autor consciente
da importância da arquitetura penitenciária. Inegavelmente, exerceu influência notável nessa
área.

5.3.1. Fins preventivos da pena

Embora Bentham desse muita importância à prevenção especial, considerava que essa
finalidade devia situar-se em segundo plano, com a finalidade de cumprir o propósito
exemplificante da pena. Utilizava os termos “prevenção geral” e “especial”.

Considerava que o fim principal da pena era prevenir delitos semelhantes: “o negócio
passado não é mais problema, mas o futuro é infinito: o delito passado não afeta mais que a um
indivíduo, mas os delitos futuros podem afetar a todos. Em muitos casos é impossível remediar
o mal cometido, mas sempre se pode tirar a vontade de fazer mal, porque por maior que seja o
proveito de um delito sempre pode ser maior o mal da pena”.
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Pela inclinação que teve Bentham pelo tema penitenciário, é natural que admitisse o fim
correcional da pena, ainda que de maneira secundária.

A pena, que repugna aos sentimentos generosos, eleva-se à primeira classe dos serviços
públicos quando não é considerada como expressão de cólera ou vingança contra o culpado,
mas um sacrifício indispensável para a salvação comum. Para que mantenha seu sentido
humanitário, a pena deve ser cruel somente na aparência.

A importância que dava aos aspectos externos e cerimoniais da pena, buscando uma
crueldade apenas aparente, era coerente com a importância que Bentham concebia ao objetivo
preventivo geral da pena.

Bentham não via na crueldade da pena um fim em si mesmo, iniciando um progressivo


abandono do conceito tradicional, que considerava que a pena devia causar profunda dor e
sofrimento.

Não admitia as penas infamantes pelo fato de descartarem toda possibilidade de


reabilitação. Embora a reabilitação do infrator ocupasse lugar secundário nos fins que Bentham
atribuía à pena, é importante observar que muitas de suas recomendações tinham finalidade
reabilitadora.

Admitia a necessidade de que o castigo seja um mal, mas como meio para prevenir
danos maiores à sociedade. Já não se tratava de constituir a pena um mal desprovido de
finalidades. Foi um avanço importante na racionalização da doutrina penal o fato de Bentham
insistir que a função da pena não era a vingança do fato criminoso praticado, mas a prevenção
da prática de novos fatos.

Aceitando a ideia de que a prisão é um meio para lograr a correção do recluso, Bentham
preocupa-se com um tema que continua a preocupar os penitenciaristas: a assistência pós-
penitenciária. O objetivo reabilitador deve ser complementado com um plano de assistência
pós-penitenciária.
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Para resolver o problema da assistência póspenitenciária sugeriu várias soluções, fato
que demonstra sua consciência sobre o alcance e o sentido do objetivo reabilitador da pena
privativa de liberdade.

Bentham aplicou o princípio do bem-estar no comportamento criminoso. Esse é um dos


aspectos fundamentais que explicam sua teoria sobre as penas. Considerava que a natureza
colocou o homem sob o império do prazer e da dor. Os fatos humanos estão orientados pelo
princípio da utilidade. Considerava que o delinquente é um sujeito que governa livremente seu
comportamento, avaliando o conjunto de prazeres e dores que um fato concreto pode
proporcionar-lhe.

A teoria de Bentham sobre o comportamento criminoso é muito individualista,


intelectual e voluntariosa, presumindo a liberdade de tal forma que dá poucas possibilidades
para a investigação das origens do delito ou para as medidas preventivas.

5.3.2. As condições criminógenas da prisão

Bentham interessou-se vivamente pelas condições das prisões e o problema


penitenciário. Considerava que as prisões, salvo raras exceções, apresentam as “melhores
condições” para infestar o corpo e a alma.
Com suas condições inadequadas e seu ambiente de ociosidade, as prisões despojam os
réus de sua honra e de hábitos laboriosos, os quais “saem dali para serem impelidos outra vez
ao delito pelo aguilhão da miséria, submetidos ao despotismo subalterno de alguns homens
geralmente depravados pelo espetáculo do delito e o uso da tirania. Esses desgraçados podem
ser sujeitos a mil penas desconhecidas que os irritam contra a sociedade, que os endurece e os
faz insensíveis às sanções. Em relação à moral, uma prisão é uma escola onde se ensina a
maldade por meios mais eficazes que os que nunca poderiam empregar-se para ensinar a
virtude: o tédio, a vingança e a necessidade presidem essa educação de perversidade”.

Esse parágrafo demonstra os claros conceitos de Bentham sobre as condições


criminógenas da prisão, embora não tenha proposto sua supressão, ideia que evidentemente
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vem ganhando força nas últimas décadas. Em seus comentários sobre a prisão sugeria uma ideia
incipiente sobre o que atualmente se denomina subcultura carcerária.

Possuía um conceito retributivo da pena, com clara preponderância da finalidade


preventivo-geral. Suas ideias sobre o objetivo reabilitador da pena privativa de liberdade devem
entender-se em um contexto retributivo e com preeminência da prevenção geral. Considerava
a pena um mal que não deve exceder o dano produzido pelo delito. Nesse aspecto refletia o
sentido retributivo da pena. Aceitava que esta, fundamentalmente por seu efeito
preventivogeral, é benéfica para a prevenção dos delitos.

5.3.3. O panótico

Sob o ponto de vista penológico, sua contribuição mais importante foi o panótico.
Foucault afirma que Bentham, ao desenhar o panótico, inspirou-se na casa de feras que Le Vaux
havia construído em Versailles, embora na época em que Bentham desenhou o panótico referido
zoológico houvesse desaparecido. Havia uma preocupação semelhante, em ambos os desenhos,
com a observação individualizadora — caracterização e individualização — e com a disposição
analítica do espaço.

Na expressão de Foucault, “O panótico é um autêntico zoológico: o animal está


substituído pelo homem — agrupado ou individualmente — e o rei pela maquinaria de um
poder furtivo”. A tese de Foucault está estreitamente vinculada à sua ideia de que o panótico é
parte do desenvolvimento progressivo de uma sutil tecnologia de poder.

Quando Bentham expôs os fundamentos de seu desenho, enfatizou especialmente os


problemas de segurança e controle do estabelecimento penal, e é exatamente a esse aspecto que
Foucault dedica maior atenção.

Afirma que a prisão é uma casa penitenciária, confirmando que, no penitenciarismo


clássico, vinculava-se a ideia de emenda e reforma do recluso a conceitos religiosos. Essa ideia
pode ser encontrada na maioria dos desenhos e ideias penitenciárias que predominaram até o
século XIX.
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O nome “panótico” expressa “em uma só palavra sua utilidade essencial, que é a
faculdade de ver com um olhar tudo o que nele se faz”. A importância que dá à segurança
reflete-se na seguinte afirmação: “O primeiro objeto é a segurança da casa contra as tentativas
interiores e contra os hostis ataques exteriores”. Procura também uma submissão forçada que
produza paulatinamente a obediência autômata.

Mas não se pode afirmar que no desenho do panótico só haja a preocupação com a
segurança ou uma tecnologia de dominação. Preocupa-se também em estimular a emenda do
réu. A finalidade reabilitadora é que fundamenta, entre outras razões, sua recusa ao isolamento
celular permanente, ideia que se mantém em plena vigência.

Sugere a integração de pequenos grupos, classificação prévia, segundo sua perversidade,


com o fim de que essas pequenas associações permitam uma reforma mútua.

Sobre a atividade laboral no panótico, Melossi e Pavarini afirmam que o desenho de


Bentham adapta-se bem ao objetivo de controle, custódia e intimidação, mas impede a
introdução do trabalho produtivo na prisão, uma vez que não permite a utilização massiva da
mão de obra, a produção em série e a utilização eficaz de máquina. Essa limitação pode ser uma
das razões pelas quais o desenho de Bentham nunca alcançou plena realização prática.
Foucault lembra uma das eternas lutas entre os que veem na reabilitação do delinquente
um meio de domesticação e fortalecimento do sistema social e aqueles que consideram a
ressocialização a meta inevitável de todo sistema penitenciário, sem questionar os fundamentos
do sistema sociopolítico.

5.3.4. O panótico como instrumento de dominação

Michel Foucault faz uma análise interessante sobre as ideias de Bentham, considerando
que o seu desenho do panótico não é apenas um plano para melhorar as prisões. Foucault vê no
panótico o protótipo da prisão contemporânea, visto que proporciona os elementos formais
básicos das prisões atuais. Segundo Foucault, o desenho de Bentham resolve os problemas de

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vigilância, não só das prisões, mas de hospitais, indústrias, escolas etc. Bentham consegue
estabelecer uma relação importante entre arquitetura e poder.

O panótico é uma máquina arquitetônica que serve de maneira perfeita à função de criar
e manter uma relação de poder, independentemente de quem o exerça.

Permite automatizar o poder e desindividualizá-lo. A maquinaria que garante a relação


assimétrica entre vigilante e vigiado faz que seja intranscendente a identidade da pessoa que
exerce o poder. Importa pouco quem exerce o poder. O esquema panótico intensifica qualquer
aparelho de poder pelas seguintes razões: garante a sua economia (em material e tempo),
garante a eficácia por seu caráter preventivo, seu funcionamento contínuo e seus mecanismos
automáticos.

Bentham preocupa-se com a visibilidade. Trata de evitar que os vigiados possam ter
algum canto que fuja do olhar dominador e vigilante. Faz funcionar seu projeto em função de
um olhar totalizador.

A interpretação de Foucault é interessante, já que aprofunda o sentido e o alcance —


sob o ponto de vista de instrumento de dominação — do panótico. Sob tal perspectiva, não se
poderia considerar que as ideias de Bentham tinham propósito reabilitador, mas podiam
converter-se em instrumento eficaz de dominação e submissão. Foucault não acredita que o
desenho do panótico tenha um significado estritamente penitenciário. Ao contrário, ele o vê
como meio para estruturar toda uma tecnologia de dominação aplicável a outros aspectos da
vida social, como a fábrica, a escola etc., e que também proporciona argumentos ideológicos
que justificam a dominação da burguesia.

5.3.5. Realizações das ideias penitenciárias de Bentham

O conceito do panótico (com todas as características imaginadas por Bentham), como


referimos, não chegou a desenvolver-se plenamente, salvo exceções pouco significativas. Essa
circunstância não diminui contudo a importância de suas ideias, pois muitas delas continuam

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atualíssimas, tanto do ponto de vista da doutrina penitenciária como no plano arquitetônico, já
que seu projeto é um antecedente imediato do desenho radial que muitas prisões apresentam.

A respeito da situação penitenciária de sua época, Bentham conseguiu que suas críticas
servissem para diminuir o castigo bárbaro e excessivo que se produzia nas prisões inglesas.
Foi nos Estados Unidos que as ideias arquitetônicas de Bentham tiveram maior acolhida,
mesmo que não em sua total concepção. O mesmo aconteceu na Costa Rica, onde a prisão mais
importante, conhecida como Penitenciária Central, edificada no início do século XX, seguiu
algumas das características mais importantes do panótico.

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