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FICHAMENTO 01
HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
A prisão é concebida modernamente como um mal necessário, sem esquecer que guarda em
sua essência contradições insolúveis. O Projeto Alternativo alemão orientou-se nesse sentido
ao afirmar que “a pena é uma amarga necessidade de uma comunidade de seres imperfeitos
como são os homens”.
A origem da pena é muito remota, sendo tão antiga quanto a humanidade, por isso é muito
situá-la em suas origens.
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2. A ANTIGUIDADE
Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de
réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-
se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais
(mutilações e açoites) e às infamantes.
3. A IDADE MÉDIA
Durante todo o período da Idade Média, a ideia de pena privativa de liberdade não aparece.
Há, nesse período, um claro predomínio do direito germânico. A privação da liberdade continua
a ter uma finalidade custodial, aplicável àqueles que seriam “submetidos aos mais terríveis
tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas.
A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo,
e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das multidões desse
período histórico”.
As sanções criminais na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que
as impunham em função do status social a que pertencia o réu. Referidas sanções podiam ser
substituídas por prestações em metal ou espécie, restando a pena de prisão, excepcionalmente,
para aqueles casos em que os crimes não tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à
morte ou a penas de mutilação.
A prisão eclesiástica, por sua vez, destinava-se aos clérigos rebeldes e respondia às
ideias de caridade, redenção e fraternidade da Igreja, dando ao internamento um sentido de
penitência e meditação. Recolhiam-se os infratores em uma ala dos mosteiros para que, por
meio da penitência e da oração, se arrependessem do mal causado e obtivessem a correção ou
emenda. A principal pena do direito canônico denominava-se detrusio in monasterium e
consistia na reclusão em um mosteiro de sacerdotes e religiosos infratores das normas
eclesiásticas; para castigar os hereges, a prisão se denominava murus largus.
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3.1.2 Importância do direito canônico
Sobre a influência do direito canônico nos princípios que orientaram a prisão moderna34,
afirma-se que as ideias de fraternidade, redenção e caridade da Igreja foram transladadas ao
direito punitivo, procurando corrigir e reabilitar o delinquente. Os mais entusiastas manifestam
que, nesse sentido, as conquistas alcançadas em plena Idade Média não conseguiram solidificar-
se, ainda hoje, de forma definitiva, no direito secular. Entre elas, menciona-se a
individualização da pena conforme o caráter e o temperamento do réu.
4. A IDADE MODERNA
Uma das características da Idade moderna foi o surgimento das casas de trabalho, com vistas
a utilização da mão de obra do recluso. Essas instituições foram criadas para tratar de pequenas
delinquências. Para os que cometiam delitos mais graves mantinha-se ainda a aplicação de
outras penas, como exílio, açoites, pelourinho etc. Para o controle do crime, sob o ponto de
vista global, os Códigos Penais ainda confiavam, principalmente, nas penas pecuniárias e
corporais e em penas capitais. Contudo, não se pode negar que as casas de trabalho ou de
correção, embora destinadas à pequena delinquência, já assinalam o surgimento da pena
privativa de liberdade moderna. Segundo comenta Sellin, os fundadores dos estabelecimentos
ingleses e holandeses tinham a aspiração de que se pudesse reformar o delinquente. Contudo,
Radbruch suscita uma das constantes objeções e limitações que sofre o objetivo reabilitador,
afirmando que os condenados, ao serem liberados das casas de trabalho (ou de correção), não
se haviam corrigido, mas sim domado. Procurava-se alcançar o fim educativo por meio do
trabalho constante e ininterrupto, do castigo corporal e da instrução religiosa. Todos esses
instrumentos são coerentes com o conceito que se tinha, nessa época, sobre a reforma do
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delinquente e os meios para alcançá-la. Tinha-se a convicção de que o castigo e a utilização dos
conceitos religiosos permitiriam a correção do delinquente.
À motivação de política criminal e penológica, referida pela maioria dos autores, como
causa determinante da transformação, devemos acrescentar a motivação econômica, referida
por Foucault.
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As correntes iluministas e humanitárias, das quais Voltaire, Montesquieu e Rousseau seriam
fiéis representantes, fazem severa crítica aos excessos imperantes na legislação penal, propondo
que o fim do estabelecimento das penas não deve consistir em atormentar um ser sensível. A
pena deve ser proporcional ao crime, devendo-se levar em consideração, quando imposta, as
circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão
de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo
do delinquente.
O grande mérito de Beccaria foi falar claro, dirigindo-se não a um limitado grupo de pessoas
doutas, mas ao grande público. Dessa forma, conseguiu, através de sua eloquência, estimular
os práticos do direito a reclamar uma reforma que deviam conceber os legisladores.
Foi ele que constituiu o primeiro delineamento consistente e lógico sobre uma bem elaborada
teoria, englobando importantes aspectos penológicos. Beccaria constrói um sistema criminal
que substituirá o desumano, impreciso, confuso e abusivo sistema criminal anterior. Sua obra
teve sentido político e jurídico, e seu campo de ação foi de grande amplitude, pois aspirava à
reforma do direito penal naquele tempo reinante.
Quando se realiza uma análise da ideia ressocializadora, que a posição das ideias
clássicas pressupõe a existência de um contrato entre cidadãos, e, com fundamento nesse
acordo, justifica- se a existência da pena, sob a suposição de que é imposta a um ser livre que
violou o pacto. Essa ideia de pacto social será colocada em dúvida pela criminologia e não é
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compatível com alguns dos delineamentos extremos que inspiram a ideia ressocializadora.
Beccaria menciona claramente o contrato social nos dois primeiros capítulos de sua obra “Dessa
forma, os homens se reúnem e livremente criam uma sociedade civil, e a função das penas
impostas pela lei é precisamente assegurar a sobrevivência dessa sociedade”.
Essa teoria do contrato pressupõe a igualdade absoluta entre todos os homens. Sob tal
perspectiva, nunca se questionava a imposição da pena, os alcances do livre arbítrio ou o
problema das relações de dominação que podia refletir determinada estrutura jurídica.
Beccaria tinha uma concepção utilitarista da pena. Essa orientação tem estreita relação
com a tendência empírica que dominou entre os penalistas de seu tempo. Essa concepção
utilitária considerava a pena um simples meio de atuar no jogo de motivos sensíveis que
influenciam a orientação da conduta humana. Procuravam um exemplo para o futuro, mas não
uma vingança pelo passado. Não se subordinava a ideia do útil ao justo; ao contrário,
subordinava-se a ideia do justo ao útil. Como afirma Beccaria: “O fim, pois, não é outro que
impedir o réu de causar novos danos a seus cidadãos e afastar os demais do cometimento de
outros iguais. Consequentemente, devem ser escolhidas aquelas penas e aquele método de
impô-las, que, respeitada a proporção, causem uma impressão mais eficaz e mais durável sobre
o ânimo dos homens e que seja a menos dolorosa para o corpo do réu”.
Foi Howard este quem inspirou uma corrente penitenciarista preocupada em construir
estabelecimentos apropriados para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Suas ideias
tiveram importância extraordinária, considerando-se o conceito predominantemente
vindicativo e retributivo que se tinha, em seu tempo, sobre a pena e seu fundamento. Howard
teve especial importância no longo processo de humanização e racionalização das penas.
Sua profunda religiosidade (era calvinista) levou-o a considerar a religião o meio mais
adequado para instruir e moralizar.
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Assinalou a conveniência da fiscalização da vida carcerária por magistrados. “A
administração de uma prisão — dizia — é coisa muito importante para abandoná-la
completamente aos cuidados de um carcereiro. Em cada condado, em cada cidade, é preciso
que um inspetor eleito por eles ou nomeado pelo Parlamento cuide da ordem das prisões”. E
aduzia: “Se este cuidado fosse demasiado penoso para a mesma pessoa, poder-se-á obrigar a
todos os membros de um tribunal a encarregar-se dele, alternadamente, todos os meses ou cada
três meses todos os anos.
O inspetor faria a sua visita uma vez por semana ou a cada quinze dias, mudando os dias.
Teria um resumo de todas as leis referentes às prisões e verificaria se são observadas ou
negligenciadas. Visitaria, como faz em alguns hospitais, cada aposento, falaria com todos os
presos, ouviria as suas reclamações, atenderia àqueles cujas petições entendesse justas, e
quando tivesse dúvidas sobre elas remeteria à decisão de seus
colegas”.
Com Howard nasce o penitenciarismo. Sua obra marca o início da luta interminável para
alcançar a humanização das prisões e a reforma do delinquente. Jimenez de Asúa qualifica
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Howard como um correcionalista prático, considerando que suas ideias determinam o início
definitivo do progresso dos preceitos penitenciários.
Foi um dos primeiros autores a expor suas ideias com meditada ordem sistemática. Sua
contribuição ao campo da penologia mantém-se vigente ainda em nossos dias.
Não fez muitas recomendações positivas, mas suas sugestões ou críticas foram corretas
no que se refere à prática dos castigos absurdos e desumanos. Sempre procurou um sistema de
controle social, um método de controle do comportamento humano de acordo com um princípio
ético. Esse princípio é proporcionado pelo utilitarismo, que se traduzia na procura da felicidade
para a maioria ou simplesmente da felicidade maior. Um ato possui utilidade se visa a produzir
benefício, vantagem, prazer, bem- -estar e se serve para prevenir a dor. Bentham considerava
que o homem sempre busca o prazer e foge da dor. Sobre esse princípio fundamentou sua teoria
da pena.
Ao expor suas ideias sobre o famoso panótico, Bentham foi o primeiro autor consciente
da importância da arquitetura penitenciária. Inegavelmente, exerceu influência notável nessa
área.
Embora Bentham desse muita importância à prevenção especial, considerava que essa
finalidade devia situar-se em segundo plano, com a finalidade de cumprir o propósito
exemplificante da pena. Utilizava os termos “prevenção geral” e “especial”.
Considerava que o fim principal da pena era prevenir delitos semelhantes: “o negócio
passado não é mais problema, mas o futuro é infinito: o delito passado não afeta mais que a um
indivíduo, mas os delitos futuros podem afetar a todos. Em muitos casos é impossível remediar
o mal cometido, mas sempre se pode tirar a vontade de fazer mal, porque por maior que seja o
proveito de um delito sempre pode ser maior o mal da pena”.
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Pela inclinação que teve Bentham pelo tema penitenciário, é natural que admitisse o fim
correcional da pena, ainda que de maneira secundária.
A pena, que repugna aos sentimentos generosos, eleva-se à primeira classe dos serviços
públicos quando não é considerada como expressão de cólera ou vingança contra o culpado,
mas um sacrifício indispensável para a salvação comum. Para que mantenha seu sentido
humanitário, a pena deve ser cruel somente na aparência.
A importância que dava aos aspectos externos e cerimoniais da pena, buscando uma
crueldade apenas aparente, era coerente com a importância que Bentham concebia ao objetivo
preventivo geral da pena.
Admitia a necessidade de que o castigo seja um mal, mas como meio para prevenir
danos maiores à sociedade. Já não se tratava de constituir a pena um mal desprovido de
finalidades. Foi um avanço importante na racionalização da doutrina penal o fato de Bentham
insistir que a função da pena não era a vingança do fato criminoso praticado, mas a prevenção
da prática de novos fatos.
Aceitando a ideia de que a prisão é um meio para lograr a correção do recluso, Bentham
preocupa-se com um tema que continua a preocupar os penitenciaristas: a assistência pós-
penitenciária. O objetivo reabilitador deve ser complementado com um plano de assistência
pós-penitenciária.
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Para resolver o problema da assistência póspenitenciária sugeriu várias soluções, fato
que demonstra sua consciência sobre o alcance e o sentido do objetivo reabilitador da pena
privativa de liberdade.
5.3.3. O panótico
Sob o ponto de vista penológico, sua contribuição mais importante foi o panótico.
Foucault afirma que Bentham, ao desenhar o panótico, inspirou-se na casa de feras que Le Vaux
havia construído em Versailles, embora na época em que Bentham desenhou o panótico referido
zoológico houvesse desaparecido. Havia uma preocupação semelhante, em ambos os desenhos,
com a observação individualizadora — caracterização e individualização — e com a disposição
analítica do espaço.
Mas não se pode afirmar que no desenho do panótico só haja a preocupação com a
segurança ou uma tecnologia de dominação. Preocupa-se também em estimular a emenda do
réu. A finalidade reabilitadora é que fundamenta, entre outras razões, sua recusa ao isolamento
celular permanente, ideia que se mantém em plena vigência.
Michel Foucault faz uma análise interessante sobre as ideias de Bentham, considerando
que o seu desenho do panótico não é apenas um plano para melhorar as prisões. Foucault vê no
panótico o protótipo da prisão contemporânea, visto que proporciona os elementos formais
básicos das prisões atuais. Segundo Foucault, o desenho de Bentham resolve os problemas de
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vigilância, não só das prisões, mas de hospitais, indústrias, escolas etc. Bentham consegue
estabelecer uma relação importante entre arquitetura e poder.
O panótico é uma máquina arquitetônica que serve de maneira perfeita à função de criar
e manter uma relação de poder, independentemente de quem o exerça.
Bentham preocupa-se com a visibilidade. Trata de evitar que os vigiados possam ter
algum canto que fuja do olhar dominador e vigilante. Faz funcionar seu projeto em função de
um olhar totalizador.
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atualíssimas, tanto do ponto de vista da doutrina penitenciária como no plano arquitetônico, já
que seu projeto é um antecedente imediato do desenho radial que muitas prisões apresentam.
A respeito da situação penitenciária de sua época, Bentham conseguiu que suas críticas
servissem para diminuir o castigo bárbaro e excessivo que se produzia nas prisões inglesas.
Foi nos Estados Unidos que as ideias arquitetônicas de Bentham tiveram maior acolhida,
mesmo que não em sua total concepção. O mesmo aconteceu na Costa Rica, onde a prisão mais
importante, conhecida como Penitenciária Central, edificada no início do século XX, seguiu
algumas das características mais importantes do panótico.
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