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ÍNorcr

- Fa la n d o e mle itura ..... 7


- Comoe quandocomeçamoíaler . 11
- Ampliandoa noçãode leitura 22
- O ato de ler e os sentidos,as ernoçõese a
razão. 36
- A leituraao jeito de cadateitor. 82
- Indicaçõesparaleitura 88
- B i blio g r a fi a... 92
FALAÌ.ïDO EM LEITURA. . .

Falando em leitura, podemos ter em mente


alguém lendo jornal, retrista,folheto, mas o mais
comum é pensarmos em'leiturade livros.E quando
se diz que uma pessoagostade ler, "vive lendo",
talvez seia rato de biblioteca ou consumidor
de romances,históriasem quadrinhos,fotononelas'
Se{passaem cima dos livros", via de regra.estuda
nurito. Sem dúvida, o ato de ler é uzualmente
relacionadocom a escrita,e o.leitor visto como
decodificador da letra. Bastará porém decifrar'
palavraspara acontecera leitura? Como expli-
earíamos as expressõesde uso corrente "tazer
a leitura" de um gesto, de uma situação;"ler o
olhar de alguémi';"ler o tempo", "ler o espaço",
indicando que o ato de ler vai além da escrita?
Se alguémna rua me dá um encontrãÓ,minha
O maísdifícil, mesmo,é a arte de desler reação pode ser de mero desagrado,diante de
Mario Ouintana
LIarfuHelenaMartins O Ete é Leiura

uÍÍÌa batkJa casual, ou de franca defesa, diante coisasao nosso redor, com as quais temos fami-
& urn empurrão proposital. Minha respostaa liaridade sem dar atenção, porque não dizem
rse irrcidente retela meu modo de lê-lo. Outra nada em particular, ou das quais temos uma
coha: à vezes passamosanos vendo objetos visão preconcebida.De repente se descobreum
oüÌïtrÍË, um ìfiaso,um cinzeiro, sem jamaistê-los sentido, não o sentido, mas apenasuma maneira
ü tm enxergado; limitamo-los à sua função de ser desseobjeto gue nos provocoudeterminada
brativa ou utilitíria. Um dia, por motivos reação, um modo especialde vê-lo, enxergá-lo,
c ns'r diversos, nos en@ntramosdiante de um percebê-loenfim. Podemosdizer que afinal lemos
#es cqno se fose algo totalmente novo. O o vaso ou o cinzeiro. Tudo ocorreu talvez de
fionrnato, a @r, a figura que representa, seu modo casual,sem intençãoconsciente,masporque
oonlEido Fasam a ter sentido, melhor, a tazer houve uma conjunção de fatores pessoaiscom
rcntilo pna nóe. o momentoe o lugar,com ascircunstâncias.
Só então se estabeleceuuma lÍgação efetiva lso pode acontecer também com relação a
ãilu" nós e esìe objeto. E consideramossuabeleza pessoas com quem convivemos, ambientes e
c.l ÍElira, o rkJícrllo ou adequaçãoao ambiente situaçõescotidianas,causandoum impacto, uma
cÍfi q.E s eÍrcontra, o material e as partes que surpresa,até uma revelação.Nadade sobrenatural.
o cmpaern. Podemos me$no pensar a sua Apenas nossossentidos, nosa psique,nossarazão
l'Èilúrie, as circunstâncias de sua criação, as responderama algo para o que já estavampoten-
ipnçõca do autor ou fabricante ao fazê-lo, o cialmenteaptose sôentãosetornaramdisponíveis.
Èãüdro de sua realização, as pessoasque o Será assim também que acontececom a leitura
tnwlfuhran no decorrer de sua produção e, de um texto escrito?
drpob de pronto, aquelasligadasa ele e.as que Com freqüêncianoscontentamos,por economia
o iigÍprrn txr a quem desagradq.Perguntamo-nos ou preguiça,em ler superficialmente, "passar'os
Fr que não tínhamos enxergado isso antes; olhos", como se diz. Não acrescentamos ao ato
à rc essaquestãonos o@rre por um segundo, de ler algo mais de nós além do gesto mecânico
.uÍtras ela é duradoura,masdificilmentevoltamos de decifraros sinais.Sobretudose essessinaisnão
a olhá-lo da mesma maneira, não importa com se ligam de imediato a uma experiência,uma
qre intenskJade. fantasia.uma necessidade nossa.Reagimosassim
O que aconteceu? Até aquele momento o . ao que não nos interessa no momento. Um
obiÉ'to era apenasalgo mais na parafernáliade discurso político, utníì conversa, uma língua
l0 LfuriaHelenoMttiru

estrangeira,uma aula expositiva,um quadro,uma


peça musical, um livro. Sentimo-nos isotados
do processode comunicaçãoque essasmensagens
instauram- desligados.E a tendêncianatural é
ignorá-lasou rejeitá-lascomo nada tendo a ver
com a gente. Se o texto é visual,ficamoscegos
a ele, ainda que nossosolhos continuem a fixar
os sinaisgráficos,as imagens.Se é sonoro,surdos.
Quer dizer: não o lemos, não o compreendetrlos,
impossíveldar-lhe sentido porgue ele diz muito coMo E QUANDO
poucoou nadaparanós. CoMEçAMOS A LER
Por essasrazões, ao começarmosa pensar a
questão da leitura, fica um mote que agradeço
a PauloFreire: Desde os nossos primeiros contatos oom o
"a leitura do mundo piecedesemprea leitura mundo, percebemoso calor e o aconchegode
da palavrae a leitura destaimplica a continuidade um berço diferentemente das mesmassensações
da leituradaquele". provocadas pelos braços carinhosos que Íx)s
enlâçam.A luz excessivanos irrita, enquanto a
penumbra tranqüiliza. O som es'tridenteou um
grito nos assustam,mas a cançãode ninar embala
nosso sono. Uma superfície ásperadesagrada,rn
entanto, o toque macio de mãosou de um pano
como que'se integram à nossapele. E o úeiro
do peito e a pulsaçãode quem nos amamenta
ou abraça podem ser convites à satisfação ou
ao rechaço.Começamosassima compreender,a
dar sentidô ao que e a guem nos cerca. Esses
também são os primeirospassospara aprendera
ler.
Tratase pois de um aprendizadomais natural
.D
. t, .D
IúariaHeleruMmtins O Ete é Leitura

do çn se ooshrma pensar, mas tão exigente e


snplexo oorrp a própria vida. Fragmentado
c, il) rrEgÌx) tempg, constante como nossas
cryerÍircias de confronto com nós mesrnose
oqn o rundo.
LsnbÍo no%Ínente Paulo Freire: "ninguém
Gú.8 nirguém, como tampouco ninguém se
cdh.rcaa si ÍrE$Tp: os hornens se educam em
oonrmhão, mediatizados pelo mundo". Paro-
dhrdoo e taÍnbém ousando divergir neste caso,
s poderia dizer: ninguém ensina ninguém a ler;
o mrerdizado é, em última instância,solitário,
ãnbra desencadeiee se desenvolvana convi-
*Ída otxn- os outros e com o mundo. Exaçro?
HeÍn ülflb.
os esnrdosda linguagemvêm rwelando, cada
urr oÍxn maior ênfase, que aprendemosa ler
rpã dc professores;que, para aprender a ler
r ffiipreender o processoda leitura, não estamos
dEfparús, temos condiçõesde fazer algumas
cobr sozinhose necesitamosde alguma orien-
Er@, rtss uma vez propostasinstruçõesunifor-
nrú#, elas não raro causammais confusão do
q.earxiliam.
Trnbém as investigações vêm
interdisciplinares
aiderrciando, mestno na leitura do texto escrito,
rfr ser apenaso conhecimentoda língua que
ooíÊr, e sim todo um.sistema de relaçõesinter- ll,Ias'b Ete ìais o intrigavaaam asfigurinlus desenhdas
pe$oais e entre as várias áreasdo conhecimento emfuíxo dosinugms, e queprovarcImentedarcriun
e da spressão do homeme dassuascircunstâncias ' serhsetos desconhecidos"..
de yida. Enfim, dizernos pesquisadores da lingua- sempreapresenta m-na íntencionaImentecomo algo
gem" ãn cresoenteconvicção: aprendemosa ler mágico, senão enquanto ato, enquanto processo
l€Ído. Eu diria üvendo. de descobertade um universo desconhecidoe
lso fz peÍÌsÍìrque o aprendizado Tarzan maravilhoso
-de
rËo prta oO.a da imaginaçãode Edgar Rice Certamenteaprendemosa ler a partir do nosso
-iit
furroughs, Aos dez anos, remexendonos escom- contexto pessoal.E temos que valorizá-lopara
hrc da cabanade seufalecidopai, o garoto'macaco poder ir além dele. Ese o recadode Sartre,em
@pon com alçns livros, e teve seus primeiros seu relato autobiográfico,no qual apresentauma
aü,tato6 oom a'palavra impressa,atravésde uma perspectivamaisrealista,masnão menosfascinante
cartilha. Tentou de início pegar as imagensque da iniciaçãoà leitura:
a ilustrmm, percebendo então serem apenas "Apossei-mede um livro intitulado Tribulações
regresentaçOes das figuras reais. Mas "o que mais de um chinês na Chína e o ffansportei para um
o intrifpa eram as figurinhasdesenhadas embaixo quarto de despejo;aí, empoleiradosobreuma cama
de irnageÍÌs,e que provavelmentedeveriam ser de armar, fiz de conta que estavalendo: seguia
ilffrseüos desconhecidos. . . Vários tinham pernas, com os olhosas linhasnegras semsaltarumaúnica
nss em nenhum descobriabocas e olhosl" Não e me contavauma história em voz alta, tomando
letras o çuidado de pronunciartodas as sílabas.Surpre-
@b irnaginarque essessinais fossemas
O aftaUeó. Observandoe refletindo, percebeu enderam-me - ou melhor, tiz com que me
ffi ptrtcos a relação entre os "insetozinhos" e surpreendessem -, gritaramadmiradose decidiram
ar inngensque os acompanhavam; eles não eram que era tempo de me ensinar o alfabeto. Fui
nnmribÍÌurìerosos,repetiam-se váriasvezes'Asim, zeloso como um catecúmeno;ia a ponto de dar
nil.rna "tarefa extraordinária", aprendeu a ler a mim mesmo aulas particulares:eu montavana
das letras, nem da minha cama de armar com o Sem Família, de
--rn p6tir a menor noção
[irçlagprn escrita, sem mesmo saber que essas Hector Malot, que conheciade cor e, em parte
coba existiam". recitando. em parte decifrando, percorri-lhe
Fascinante!tmpossível,diriam os mais céticos' todas as páginas,uma apósoutra: quandoa última
De fato, numa criança dede um ano de idade foi virada;eu sabialer.
sern oontato com a civilizaçãotal façanha parece "Fiquei louco de alegria:eram minhasaquelas
apenascoisa de ficção. Mas os inúmerosescritores vozes secasem seus pequenosherbários,aquelas
qre têm recriadoa aprendizagem da leitura quase vozesque meu avô reanimavacom o olhar,que ele
F
t Illaria Heleru Martins O que é Leiura t7

qlívia e eu nãõ! Eu iria escutá-las,encher-me-ia de aprendizagem da leitura;uma altamenteficcio-


de dhr.rrsos cerirnoniosose saberiatudo. Deixa- nal, outra autobiográfica.Ambas evidenciama
K'rHtE wgabundear pela biblioteca e eu dava curiosidadese transformandoem necessidade e
dto à sabedoriahumana.Foi ela quem me fez esforço para alirnentaro irnaginário,dewendar
" , . Nunca qaravatei a terra nem fareiei ninhos, os segredosdo mundo e dar a conhecero leitor a
ndn herborizeinem ioguei pedrasnos passarinhos. si rnesmoatravésdo que lê e como lê. Emboraos
lilc os liwos foram meus passarinhose meus exernptos se refiram ao texto escrito, tanto
Ídr*rç. npus animaisdomésticos,meu estábuloe Burroughsquanto Sartre índicam que o conhe-
rrgr cÍrÍlpo; a biblioteca era o mundo colhido cimento da língua não é suficientepara a leitura
rrrn espelho;tinha a sua espessura infinita, a sua se efetivar. Na verdade o leitor préexiste à
1wiÍ#e e a $ta imprevisibilidade. Eu me lançava descobertado significado das palavrasescritas;
a inrcrínb anenturas: era precisoescalarascadeiras, foi-se configurandono decorrer das experiências
sÍ nxrs, oom o risco de provocar avalanchesque de vida, desdeas mais elementares e individuais
rÍrt ter'nm sepultado. As obras da prateleira às oriundasdo intercâmbiode seu mundo pessoal
$.F€Íbr ftcaram por muito tempo fora do meu e o universosociale culturalcircundante.
atcarne; qrtras, mal eu as descobri, me foram Quando começamosa organizar os conheci-
airrebõExlasdas mãos;outras, ainda, escondiam-se: mentos adquiridos, a partir das situaçõesque a
an c apar*raraum dia, começaraa lê-las,acreditava realidadeimpõe e da nosa atuaçãonela;quando
Ëõ Íepcto no lugar, mas levava uma semana começamosa estabelecerrelaçõesentre as expe-
fô reeÍìcontftá-las.Tive encontros horríveis: riênciase a tentar resolveros problemasque se
úrla um álbum, topava com uma.pranchaem nos apresentam- aí então estamosprocedendo
ErÍrEi, irÌsetos horríveis pulavam sob minha leituras,as quais nos habilitambasicamente a ler
vürta. Deitado sobre o tapete, empreendi áridas tudo e quálquercoisa.Esseseria,digamos,o lado
víryc através de Fontenelle, Aristófanes, otimista e prazerosodo aprendiz'adoda leitura.
Rúdab: as frases resistiam-meà maneira das Dá-nosa irnpressãode o mundo estar ao nosso
coba; ormpria observá-las, rodeáìas,fingir que me alcance;não só podemoscompreendê-lo, conviver
afrtava e retornar subitamentea elas de modo a com ele, mas até modificá-loà medidaque incor-
srpreendê{asdesprevenidas: na maioriadasvezes, poramosexperiências de leitura
gur&viln sêusegredo." Não obstante, em nossatrajetória existencial,
Aí temos duas síntesesliteráriasdo processo interpõem-seinúmerasbarreirasao ato de ler..
MariaHeleruMartins O queé Leitura 19

CrJando"desdecedo, vêem-secarentesde convívici diferentes para compreendê-las.Sua afirmação,


hurnanoou oom relaçõessociaisrestritas,quando nessesentido, se aproxima da noção da leitura
ruas condiçõesde sobrevivência materiale cultural proposta aqui. Outra inferênciado racioc'ínio
são prrárias, refreandotambémsuasexpectativas, expressoestá na importância dada à leitura da
as àrssoõ tendern a ter sua aptidão para ler escrita como ponte para outro entendimento,o
ügualÍrnÍrteconstrangida.Não que sejamincapazes que é comumà maioriadaspessoas.
tLnrc pessoõ com graves distúrbios de caráter seria de se perguntar.em que medida essa
às
ertolOgicol. A questão aí está mais ligada mulhervê sua capacidade de dar sentidoàs coisas
de vida,a nível pesoal e social' bloqueada peloseuanalfabetismo e quala extensão
Ern 151, realizouseuma pesquisa
""ndiçõ.. sobre"Tele- de sua frustraçãodiante disso.Como teria acres.
vbfu e CnmunicaçãoPublicitária no Meio Rural"' centadoque "quando compreende,esquecelogo,',
AlglJnt dos depoimentoscolhidos entre moradores tem-seaí um dadoelucidativo:o quese lheoferecé
Oo=lnetiot do Estadode São Pauloforam divulga- para ler na televisão pouco ou nada significa
fu pda Revista tsto É - Uma mulher (37 anos, para ela, por isso nâo chegaa fixar na memória;
cmda, dois filhos, trabalhadorana roça,moradora seu universode interesesé outro, outras as suas
ern Cur*ra) disse a respeito da televisão| "Para necessidades reaisou de fantasia.
6wrk elevíúo tem'quQ nber ler. Eu não seí A psicanáliseenfatiza que tudo quanto de fato
W,s'tfu não entendonada". impressionoua nossÍìmente jamais é esquecido,
bsa declaraçâo,aparentementesem sentido, mesmo que permaneçamuito tempo na obscuri-
dstr trarÌspareceruma lógica, revelando um' dadedo inconsciente.Essaconstataçâo evidenciaa
prffi de reflexãoacercada leitura. E isso,em importánciada memóriatanto paraa vida quanto
úttirnairstância,demonstratratar-sede alguémque para a leitura. Principalmentea da palavraescrita
p-dtkla o ato de ler no seu cotidiano:tem condi- - daí a valorizaçãodo saber ler e escrever-, já
cõc+ enrborapre<rírias, de dar sentido-às coisas,no que se trata de um signoarbitrário,não disponível
t"Salho, na vida doméstica,nas relações humanas' na natureza,criado como instrumentode comu-
leitura da TV à leitura
-tsto m eondicionara
Ádçrnab,
das
nicação,registrodas relaçõeshumanas,das ações
do escrito, assemelhando a linguagem e aspiraçõesdos homens; transformado com
ìinngensà dos signos lingüísticos, rompe com o freqüênciaem instrumentode poder pelos domi-
coínpoítamento usual que vê ambqs as linguagens nadores,masque podetambémvir a sera liberação
ilndependentese tamkÉm exigindo capacidades dosdominados.
Maria HelenaMartins O que é Leiura

Dilrrte disso, tamtÉm poderíamos perceber o mulher da roça - o propósito foi enfatizaralgo
ãFwinanto ooÍYto um mecanismo de defesa' sennpreinfluente no ato de ler: a interaçãodas
Aseim oÍxrxr a 4rendizagem em geral e da leitura condições interiores (subjetivas)e das exteriores
eÍn particular significa uma conquista de auto- (obietivas). Elas são fundanÌentaispara desen-
;-rrL, pernritea ãmpliaçãodos horizontes,implica cadeare desenvolvera leitura. Seja quem for o
alguns
{|Crrnnte um oomprometimento,acarreta leito4 o ato de ler sempreestará ligado a essas
tbm", Escs últimos, em geral, estabelecema condições,precáriasou ideais.
&nflarça. lrmnscientemente aquela leitora
rdìrrz actre ÍÍElhor nem entender (ler), porque
is *pifi:aria para ela novas exigências,ruptura
com a-pcividade, enfrentamentode uma situação,
p"eti" causar-lhemaiores frustrações em face
dG Ídidde. E esta, possivelmente, ela considere
inutâd ou cuias perspectivas de modificação
ffihn, a seu ver, muito além de seu alcance
Fd qr de seu grupo social.
- Fq
üpo de resposta,a de não quererler, vem
a clpúto dos interesses das minoriasdominan-
Er. Íbí oerto, não estimulada abertamente;ao
corfrrário, os "sabedores das coisas", na aparência,
có renrpre prontos a ensinar a ler' Só que.a
sr nrodo. Esse desafio os indivíduos e as socie-
d# cilentes como a nossÍl precisam aprender a
cnfrrertar, começando a ler por conta própria,
airda que a duraspenas;exercitandosuamemória,
rúo sg &ixando iludir pela aparentegfatuidade 'elas, em
dr peqrenas coisas da vida, porque
úftiÍÍra instância,fazema nossahistória.
Clrm exemplos de leitores tão diferenciados
- crbnça na primeira infância, Tarzan, Sartre,
.D
AD AD
O qte é Leiana 23

privilégíode pouquíssimos.E o aprendizadose


baseavaem disciplinarígida, por meio de método
analítico caracterizadopelo progressopasso a
passo: primeiro, decoraro alfabeto;depois, soletrar;
por fim, decodificar palavrasisoladas,frases,até
chegar a textos contínuos. O mesmo método
sendoaplicadoparaa escrita.
Apesarde séculosde civilização,as coisashoje
não são muito diferentes.Muitos educadoresnão
A}íPLTANDO A NOçÃO conseguiram superar a. prática formalista e
DE LEITURA mecânica,enquantoparaa maioriados educandos
aprender a ler se resumeà decorebade signos
lingüísticos,por mais que se doure a pílula com
Sc o orrceito de leitura estágeralmenterestrito métodossofisticadose supostamentedesaIi enantes.
à **traçao da escrita, sua aprendizagem,no Prevalecea pedagogiado sacrifício, do aprender
cndrb, lba-se por tradição ao processo de por aprender,sem se colocar o porquê, como e
furnsçao gbbal do indivíduo. à sua capacitação para guê, impossibilitandocompreenderverda-
Fe o orríüo e atuaçõessocial,política, econô- deiramentea funçãoda leitura,o seupapelnavida
rúz e cr.rltural.Saber ler e escrever,já entre do indivíduoe da sociedade.
çqgs e rorÌanos, significavapossuiras basesde Também é sabido que nenhuma metodologia
rrm cúrcação adequada para a vida, educação de alfabetização,avançadaou nâo, leva por si só
Ê (trt visana não só ao desenvolvimentodas à existênciade leitoresefetivos.Uma vez alfabe-
capfid.d€s intelectuaise espirituais,como das tizada, a maioria das pessoasse limita à leitura
ry*Ses ÍÍsicas,possibilitandoao cidadãointegrar- com fins eminentemente pragmáticos,mesmo
cfriyarnente à sociedade,no caso à classedos suspeitando que ler significainteirar-se
do mundo,
-
ÍrtúoÍ€+ dc homenslivres. sendo também uma forma de conquistarautono-
Asgim, se saber ler textos escritos e escrever mia,de deixarde "ler pelosolhosde outrem".
einda hoie é algo a que não se tern acessonatu- Daí o hábito de ler livros, em especial,ser
rdnerne (o analfabetismo persiste mesmo em mistificado;considerarem-se os letradosos únicos
psís desenvolvidos), entre os antigos era capazes,seja de criar e compreendera linguagem
IüIariaHeleruMartins O que é Leitwro 25

rtíst-rca, seja de ditar leis, estabelecernormase sumo.


wlbres sociaise culturais. lsso de fato determina
FrerrogÊtivasdifíceis de se abrir mão, pois são
diferenciadoras, indíciosde que se pertencea uma
e*lte. Cabendoa essaminoria o "direito" de dar Para abrir perspectivasque minimizem esses
srtldo ao mundo, enquanto aos demqis restaa problemas,muitos educadoresapregoama necessl-
suhrnissão aosditamesdos que "sabemdascoisas". dade da constituiçãodo hábito de ler. A leitura
E qlrandoo intelectualse debruçasobreo iletrado seriaa ponte parao processoeducacionaleficiente,
par-aauxiliá-loa aprender,inevitavelmente emerge proporcionando a formaçãointegraldo indivíduo.
o paternalismo.Porémnão ensinao pulo do gato, Todavia, os próprios educadoresconstatam sua
poíque até aí seu altruísmo não chega.Além do impotênciadiante do que denominama "crisede
rnab,essepulo, tudo indica,não seensinamesmo. leitura". Mas que "crise" é essa?Pare e!es,em
Pode-se,isto sim, limpar o terreno ou, na hipótese maioria,ela.siEnifica
a ausência de leiturade texto
rnaquiavél ica, reforçarseusacidentes. escrito,principalmente livros,já que a leituranum
De qualquer forma prevalecea "cultura do sentido abrangenteestá,mais ou menosfora de
siilêncio":"se o educadoré o que sabe,se os cogitação.
educandossão os que nada sabem,cabe àquele Seria preciso, assim. investigaros inúmeros
d,ar, erìtregar,levar, transmitir o seu saber aos fatores determinantesdessa situação, entre os
segundos".E, ao denunciar isso, Paulo Freire quais ressaltao de a leitura, como em regraa
cframa a atenção "dos verdadeiroshumanistas entendem,estar limitada à escola,com a utíli-
para o fato de que eles não podem; na buscada za$o preponderantedos chamadoslivros didá-
librtação, servir-seda concepção 'bancária' Ia ticos Como,principalmente no contextobrasileirq
ednrcaçãoé 'doação', 'tavor'1, sob pena de se a escolaé o lugaronde a maioriaaprendea ler e
contradizeremem sua busca". Nessecaso predo- escrever,e muitos têm sua talvez única oportu-
mina a visãode culturado intelectualou da cuitura nidadede contato @m os livros,estespassama ser
que lhe pareçaconveniente transmitirao ilêtrado, identificadoscom os livrosdidátims.
derespeitandoo frontal ou sub-repticiamente. Essestéxtos condensados,supostamentedige-
, Nestaúltima hipótesese insereuma dasquestões ríveis,dão a ilusãode tornar seususuáriosaptos
rnais discutidase controvertidasde nossoternpo: a conhecer,apreciare atéensinarasmaisdiferentes
a cultura de massa,sua marripulaçãoe c€n- disciplinas.Na verdaderesultamem manuaisda
Illaria HelenaMartins O que é Leitura n

ftyrorârria;rnaisinibem do que estimulamo gosto efetivas,conseqüentes; de se desenvolverem verda-


& ilier.Elaboradosde modo a transmitirumavisão deiros leitores. Há, portanto, um equívoco
de rmundoconservadora, tais livrosestão
repressiva, de base quando educadores falam em "crise de
rwletos de falsasverdades,a serviçode ideologias leitura"; algo desfocado em relação à nossa
ar.utorltárias,mesmo quando mascaradospor realidade.
recursosformais ou temáticosatuaise não conser- O Brasil,em termosde publicações, distribuição
wdones.Subjaza intençãode manipulara leitura, e venda de material impresso,principalmente
â ponto de seus organizadoresdeturparem os livros,deixa muito a desejar.Quantoa bibliotecas,
textos transcritos, num franco desrespeitoaos nem se fala. Masa ofertavem aumentando, inclu-
arÍtores e leitores,sob o pretexto de resguardar sive a preçosacessíveis a camadasmais amplas
princípiosditos inabaláveis, mas que a realidade da população.O volumede exemplares vendidos
rgìela inconsístentes. em edições populares cresce, revelando que,
A justificativa maior dos organízadores dos mesmoem termos de leiturade livros.a "crise"
liwc didáticos,entretanto,se revestede espírito não se dá tanto devido à falta do que ler, aos'
-cíentífico": a necessidade de viabilizaro desen- preçosaltos, à pouca qualidadedo rnaterial,ou
wfvimento de capacidades de simplifi-
específicas, mesmopelainexistência de leitores.
car asflrntos demasiadocomplexos. Ouanto ao$ A questãoé mais ampla e complexa:vem da
Cucadores, muitos consideramtais livros um precariedadede condiçõessóciocconômicase se
*nral necessário"diante de evidentesproblêmas espraia na ineficiência da instituiçâo escolar,
de caráter econômico, deficiência na formafão determínandoe limitandoopções.Sem dúvida,a
de professores,na própria estrutura do ensiho concepçãoque liga o hábitode leituraapenasaos
brasileiro.E, enquanto a educaçãoformal vai livros deve muito à influência,persistenteno
por água abaixo, a "máfia do livro didático", nosso sistema educacional,de uma formação
corno a caracterizaOsman Lins- prosperafranca- eminentementelivresca e defasadaem relação
Ír€nte. Resultadode políticaeducacional e sistema à realidade,ainda fomentada pela escolástica
úciosonômico, no m ínimo,desastrosos. cristã que orientou os jesuítas, os primeiros
Encobrese,dessemodo, o receiode um diálogo educadoresno Brasil. Ademais,deve muito à
espontáneo e crítico entreo professore'o alunoe ideologiaburguesa,que busca na elitizaçãoda
de amboscom seumaterialde trabalho,bloquean- cultura meios de perpetuarseu domínio social,
do oportunidadesraras de realizarem-se leituras político,econômico.
IVIsrieHelena Mmtins O que é Leiura 29

O que é consideradomatéria de leitura, na de modo a permitirem melhoria efetiva de


€$ola, esuálonge de propiciar aprendizadotão condiçõesde vidada imeniamaioriadesfavorecida.
vfvo e duradouro(sejade que espéciefor) como o Soluçõessimplificadoras ou demagógicas para
furrcadeado pelo cotidianofamiliar,peloscolegas questões tão complexas rezultam inoperantes.
e arnigos,pelasdiversões e atribuiçõesdiárias,pelas Fundamentalé que,conhecendo os limitesde sua
guÈlicaçõesde caráter popular, pelos diversos ação, os educadoresrepensemsua prática pro-
nnbs de comunicaçãode massa,enfim, pelo fissionale passema agir obietivae coerentemente
contexto geral em que os leitores se inserem. em face dos desequilíbrios e desafiosque a reali-
Contocto essepermanentemente abertoa inúmeras dadeapresenta.
Não é de admirar,pois,a preferência
leilruras. pela Temos, então, mais um motivo para ampliar a
leitura de coisasbem diferentesdaquelasimpostas noçãode leitura.Vista num sentidoamplo,inde-
ns sala de aula, sem a cobrançainevitável,em pendente do contexto escolar, e para além do
genalpor meio das execráveis "fichas de leitura"' texto escrito, permite compreendere valorizar
Desconsiderando essarealidade,a escolacorre o melhor cadapassodo aprendizadodascoisas,cada
risco de estarpreparandocriançase jovens(mesrno experiência.Incorpora-se, assim,ao cotidianode
por conseguiremchegare permanecer
prïruilegiados muitos o que geralmente fica limitadoa uma par-
Hl que vão envelhecersem crescer,casocontarem celamínima da sociedade: ao ârnbito dosgabinetes
só com ela. E, obviamente,esseprocessoocorre ou salasde aulae bibliotecas, a momentos de lazer
tanto com indivíduosquanto com instituições. ou de busca de informação especializada.Enfim,
Ënnn outras palavras,o tiro pode sair pela culatra' essa perspectiva para o ato de ler permite a
Atém do mais, seria contra-senso insistir na descobertade características comuns e diferenças
'lrnportánciado hábito de ler restringindo-oaos entreos indivíduos,grupossociais,as váriascultu-
livros ou, quanComuito, a textos escritosem geral. ras; incentivatanto a fantasiacomo a consciência
tsso implica alijar da experiênciade leitura os da realidadeobietiva, proporcionandoelementos
rnllhõesde analfabetosespalhadns pelo país ou para uma posturacrítica, apontandoalternativas.
os iletrdos que não costumamter na escritasua Masampliara noçãode leiturapressupõe transfor-
refurênciacotidiana. Sobretudo quando se sabe maçõesna visãode mundoem gerale na de cultura
,(ou se dweria saber)que, para modificar esse em particular. lsso porque estamospresosa um
qtradro, são necesáriasreformulaçõesexpressivas conceitode cultura muito ligadoà produçãoescri-
no sistema político-econônnicoe sócio-cultural, ta, geralmenteprovinda.do trabalho de letrados.
Il[aria HelenaMartins O que é Leitura 31

A realidade,entretanto, nos apresentainúmeras certamentemuitos outros, simpatizacom minha


rnnifestações culturais originárias das camadas proposta, embora fique pouco à vontade em seu
nnb ignorantesdo povo e cuja força significativa "contraïortede letrado".
ã tem feito perdurarpor séculos.Daí a necessi- Daí ser preciso não ú revelar a insatisfação
Íl*de de se compreendertanto a questãoda leitura quanto aos limites de noçõesestratificadaspelos
çranto a da cultura para além dos limites que as séculos, como também ousar questioná-las,
iÌst iurhões impuseram. aventandoalternativas.
Seria preciso,então, considerara leitura como
*tf*
,ün
c simúlica, não importando por meio de que
mWryn. Assim, o ato de ler se refere tanto a As inúmeras concepçõesvigentes de leitura,
Cgo escritoquanto a outros tipos de expressão do grossomodo, podem ser sintetizadasem duas
Í er humano, caracterizando-se também como caracterizações:
mntecimento histórico e estabelecendouma 1)como uma decodificação mecânicade signos
Íd4ão igualmentehistóricaentre o leitor e o que por meio de aprendizado
lingüísticos, estabelecido
é lido. a partir do condicionamentoestímulo-resposta
Sugerindouma visão mais ampla da noção de (perspectivabehaviorista-skinneriana);
bturra, óro questõescujas respostasnão tenho, 2) como um processode compreensãoabran-
run pretendoen@ntrar aqui. Elas são colocadas gente, cuja dinámicaenvolvecompohentessenso-
iüïtes conxr um desafio,porque estamosinapela- riais, emocionais, intelectuais, fisiológicos,
*Nnpnte condicionadosà perspectivada cultura neurológicos,bern como culturais, econômicose
bÌrada, à relaçãoleitura-escrita.Mas essadelimi- poIít icos(perspectivacognitivo-sociológica).
Eão ô ato de ler impede de se englobar no Conforme as i nvestigaçõesinterdiscipl inaresvêm'
prGo uma série de aspectosque a realidade apontando, esta última concepçãodá condiçôes
aideÍE'ra, assimcomo elitiza a leitura e a escrita, de uma abordagemmais ampla e mesmo mais
reforçardo-seenquanto privilégio:"e a conquista aprofundadado assunto.Por certo cada área do
dese privilégio, com sua subseqüente democrati- conhecimentoenfatiza üm aspecto mas, nâo se
@ e negaçãoenguanto privilégio,
é uma neces- propondo delimitaçõesestanques,está aberta ao
*tde imperiosa para as classessubalternas", intercâmbiode informaçõese experiências.Além
GoÍno me observou Flávio Aguiar. Ele, como d isso,o debate"decodif icaçãoversus compreensão,'
MariaHeleru Martins O que é Leítura 33

pareoeestar se esvaziando.Ambas são necessiírias contexto geral em que ele atua, as pessoascom
quem convive passama .ter influência apreciável
5 uit.'rt. Decodifiearsem compreenderé inútil;'
em seu desempenhona leitura. lssoporqueo dar
coÍ'rpreender sem decodificar, impossível' Há
que sepeÍìsara questãodialeticamente. sentidoa um texto implicasemprelevarem contaa
- A d;sp€ito de todas as tentativasde uma visão situaçãodessetexto e de seu leitor. E a nção de
texto aqui também é ampliada,não mais fica
cisterniát'lcae metódica, se nos perguntarmos o
qre é, o que significaa leitura para nós mesmos' restrita ao que está escrito, mas abre-separa
englobard iferentesIi nguagens.
certanrente cada um chegará a uma resposta
dfifererrciada.lsso porque se trata, antesde mais Considerando as colocações acima,a leiturase -
individual,cuioslimites realiza a partir do diiílogo do leitor com o objeto
nada,de uma experiência
não estão demarcados pelo tempo em que nos lido - seja escrito, sonoro, seja um gesto" uma
pelo espaçoocupadopor imagem,um acontecimento.Essediálogo é refe-
detemosnos sinais ou
por sinais,entende-seaqui renciadopor um tempo e um espaço,umãsituação;
des. Acentue-seque,
qualquer tipo de expressãoformal ou simbólica, desenvolvidode acordo com os desafios e ai
respostasque o objeto apresenta,em função de
configrradapelasmaisdiversaslinguagens'
Fãnk Smith, psicolingüistanorte-americano; expectativas e necessidades,do prazer das
os descobertase do, reconhecimentode vivências
etr.rdandoa leitura, mostraque gradativamente
poq,lit"Ooresda linguagem passanì a considerá-la do leitor. Também o sustentaa intermediaçãode
corno um processo,no qual o leitor participa outro (s) leitor (es). Aliás, o papel do educador
oom uma aptidão que não dependebasicamente na intermediação do objeto lido com o leitor é
de suacapacidade de decifrarsinais,massim de sua cadavez mais repensado; se,da posturaprofessoral
*úiOad. de dar sentido a eles,compreendê-los' lendo para e/ou pelo educando,ele passara ler
Mesrnoem se tratando da escrita,o procedimento com, certamente ocorrerá o intercâmbio das
leituras, favorecendoa ambos, trazendo novos
esuárnais ligado à experiênciapessoal,à vivência
de cada utn, do que ao conhecimentosistemático elementos paraum e outro.
da língua. A dinâmicado processo é poisde tal ordemque
A Ëitura vai, portanto, além do texto (seiaele considerara leitura apenascomo resultadoda
qual for) e começa antes do contato com ele' interaçãotexto-leitor sería reduzi-la'.ôonsidera-
velmente,a ponto de se arriscarequívococomo
Ó bitor assumeum papel atuante, deixa de ser
pensarque um mesmo leitor lendo urh mesmo
rrero decodificador ou receptor passivo' E o
LIariaHeleru Martins 'OqueéLeitura
35

Èxto, não importaquantasvezes,semprerealizaria leitura como instrumentoliberadore possívelde


umn mesmaleitura. Não precisaser especialista no ser usufruído por todos,nâo apenaspelosletrados.
õsuÍÌto para saber o quanto as circunstâncias Se o papeì.do ;educadorpareceu aqui em
pessoaisou não (umador de cabeça,uma recomen- evidência,ele foi"trazidoà bailaparasercolocado
dação acatadaou imposição,um conflito social) em seu devido lugar e cornpreendidonão neces-
pdeÍn influir na nossÍìleitura. sariamentecomo o'do especiallsta em educação
Em face disso,aprendera ler significatambém ou do professor.mas como o de um indivíduo
aprendera ler o mundo, dar sentidoa ele e a nós letrado que sabealgo è se pr:opõea ensiná-loa
póprios, o que, mal ou bem, fazemosmesmosem alguém. lmporta muito se ter bem presentea
ser ensinados.A função do educador não seria idéiade que issode ler, e ler bem,dependemuito
precisamentea de ensinara ler, mas a de criar de nós mesmos,das nossascondiçõesreais de
coÍìdiÉ€s para o educandorealizara sua própria existência,mais do que podem (ou querem)nos
aprendizaçm, conforme seus próprios interesses, fazer crer os "sabedoresdas coisas".Aliás, essas
rsidades, fantasias, segundo as dúvidas e condiçõesvão inclusiveorientar preferênciase
aigÊncim gue a realidadelhe apresenta.Assim, privilegiarum determinadonível de leitura,como
crir mndiçõesr.de leitura não implica apenas severáa seguir.
altretizar ou propiciaracessoaos livros.Trata-se,
ilÌG, de dialogarcom o leitor sobrea sua leitura,
bb é, sobre'o sentidoque ele dá, repito, a algo
cscrito, um quadro,uma paisagem, a sons,imagens,
cobË, idéias,situaçõesreaisou imaginárias.
Enquanto permanecermos isoladosna cultura.
Ma, não poderemosencaiar a leitura senão
oorrxl anstrumentode poder, dominaçãodos que
s*ےn ler e escreversobre os analfabetosou
iletrados. Essarealidadeprecisaser alterada.Não
qle se proponhao menosprezopela escrita- isso
, serb tolice , ela, em última instância,,nos
oporurniza condições de nnaior abstração, de
retrexão. lmporta, antes, começarmosa ver a
.D
.t, .D
O que e Leitura

leitura, os quaissão possíveisde visualizarcomo


nr'veissensorial, emocional e racíonal. Cada um
dessestrês níveis correspondea um modo de
aproximação ào objeto lido. Como a leitura é
dinâmica e circunstanciada, essesfrás níwis úo
inter-relacionadas, senão simultâneos, mesmo
sendo um ou outro privilegiado, segundoa expe-
riência, expectativas,necessidadese interessesdo
leitor e das condiçõesdo contexto geral em que
O ATO DE LER E OS SENTIDOS, se inxire.
ASEMOçÕESEARAZÃO Percorrendouma feira, um brícabraque,um
museuou um antiquário,certamenteassaltam'nos
as maisvariadassensações, emoçõese pensamentos.
Talvez pelo inúlito do conjunto de objetos
coÍno afirmei de início, estouapenaspensandoe observados,do lugar em que se encontram,nos
r.rgerindo reflexões acerca da questão da leitura. detenhamos mais a olhá-los. Cada indivíduo
Hão pretendochegara definições,a conceituações reagiráa elesde um modo; irá lê-losa seu modo.
definitiì/as,tampoucoapresentar regrasou receitas. Eu, por exemplo,às vezesnão resistoà tentação
O propósito é cornpreendera leitura, tentando fazê-losfuncionar.
de toqí-los, cheirá-los, Em certas
desnitifié-la, por meio de umaabordagemdespre- ocasiõesme deprimem, como num mercadode
terttiÊ ÍnÍìsque permita avaliaraspectosbásicos quinquilharias ou num brique,ondecadacoisateve
do processo,dando margema se conhecermais sua história particulare acabouna vala comum,
o próprio ato de ler. nas mãos de quem possivelmenteignora por
Essesaspectosse relacionamà própriaexistência completo sua trajetória. Noutros casos,assumo
do honem, incitandoa fantasia,o conhecimentoe uma posturade reverênciae encantamentodiante
a reft€xãoacercada realidade.O leitor, entretanto, de um objetoconmgrado:um manuscrito de autor
porrco se detém no funcionamentodo ato de ler, notável, uma cadeira que pertenceua alguém
na intrincadatrama de inter-relações que se esta- famoso,um originalde quadrohá muito admirado
'bdecenr. Todavia" propondo-sea pensiá-lo, perce- apenasatravésde reproduções.Ocorremtambém
berá a configuração de três níveis básicosde os momentos em que me descubropensandoo
Maria Heleno Mortins O que é Leitura 39

po.quê da existênciade taís objetos, quais as


imeções de sua criação,suafinalidade,o que de
futo sígnificaramparaseuscriadores e possuidores,
conx) se relacionamcom o momento histórico-
social e o lugar em que foram criados,qual séu
semtidopara mim e para o mundo em que vivo.
Em cadaum desses casos,comoernmuitíssimos
€N.rrtro6,
estou realizandoleituras,dando sentido
àç coÍsas,às pessoasligadasa elas, ao tempo e
espôçoque ocuparanle ocupame à minha relação
corn irso tudo. Estou lendo com meus sentidos,
rr'inhasei'noções,meu intelecto. Se recorro aqui
ã um exemplotão pessoalé paranão generalizar
quivocadamente quanto a preferôncias.De
guralquermocio, tern-seaí uma idéia inicial dos
nriveisde leitura.Além disso,fica evidenciadoalgo
a nErI ver fundanrental:se a leitura tem mais
mistériose sutilezasdo que a meradecodificação
de palavrasescritas,tem também um lado de
snriplicidadeque os letradosnão se preocupam
rnuitoem revelar.
A intençãoaqui é de uma aproximaçãopor
esseángulo dos níveis básicosdo processo.Há
inúrnreras maneirasde caracterizii-los
e estudá-los.
Optei pelos aspectos que me parecem mais
asid,entes,longede quereresgotaraspossibilidades
de abordagemdo tema. Pelo contrário, trata-se
,de uma iníciaçãoa ele. Aliás, cabeobservar:par- &da coisa teve sua história partícular e acabou rw vala
tinxCodesta para outras reflexões,encontrar-se-ão comum, nasrniÍos de quem possivelmente ignora por
ránias concepçõesa respeito de níveís de leitura. comp leto sua naj etória.
40 ÌlIaría Helena Martins O que é Leítura

,Piaticamente cada estudioso tem uma visão agrada e a descobertae rejeição do desagradável
diferenciada,
talvez.porserquestãocadavez mais aos sentidos. E através dessa leitura vamo-fxr
repensadae acrescidade novas'perspectivas,o revelandotambémparanós mesmos.
que sempreaumenta as possibilidades de com- Em zuas memórias,Érico VerÍssimo dá rnais
preendê-la. vida e significaçãoa essascoisasde que estaÍÌìos
falando:"Estou convencidode que meu prinniro
contato com a música, o canto, o conto e a
mitologia se processouatravésda pfimeiracantiga
Leitura sensorial de acalantoque me entrou pelosouvidos,semfaar
sentido em meu cérebro,é óbvio, pols a princípio
A visão, o'tato, a audição,o olfato e o gosto aqueleconjunto ritmado de sonsnão passava dum
podem ser apontadoscomo òs referenciaismais narcótico para me induzir ao sono. Essacanção
. elementaresdo ato de ler. O exemplo, visto de ninar falava do Bicho Tutu, gue estava no
anteriormente,dos momentos inicíais da relação telhado e que desceriapara pegaro meninosee;te
da criançacom o mundo ilustraa leiturasensorial. ainda não estivessedormindo. Mas se ele já esti-
De certa forma caracteriza a descobertado vessepiscando,com a arela do sono nos olhos,a
universo adulto no qual todos nós precisamos letra da cantilena era diferente: uma advertência
aprendera viver para sobreviver.Não se trata de ao Bicho Tutu para que não ousassedescerdo
uma leitura elaborada;é antes uma respostaime- telhado,pois nessecasoo pai do meninomandaria
diata às exigênciase ofertas que esse mundo matá-lo. E aí temos sem dúvida uma efabulação
apresenta;relaciona-secom as primeirasescolhas ou estória,uma melodiae um elementomitotógico"
e motiv€ as primeirasrevelações.Talvez,por isso Amas e criadasencarregaram-se de enriqueer a
mesmo,marcantes. galeriamitológicada criança,contando-lhe estórias
Essaleitura sensorialcomeça,pois, muito cedo fantásticas,de caráterf rancamentesadomasoquista,
e nos acompanhapor toda a vida. Não importa como aguela da madrastaque mandou enterrar
se maisou menosminuciosae simultânea à leitura vivas as três enteadas.(Ouço uma voz reÍnota
, emocionale racional. Embora a aparentegratui- exclamar:'Xô, xô, passarinho! . . . ,) Dessahistória
dade de seu aspecto lúdico, o jogo com e das das meninas enterradas Capineiro de
imagense cores, dos materiais, dos sons, dos meu pai / não me cortes os cabelos/ minha mãe
cheirose dos gostosincitao prazer,a buscado que me penteou/ minha madrastame
tf,. IlfuiriaHelenaMartins O que é Leitura 43

- guardomaiso terror que elame inspiroudo que quern sabe imagenscoloridas,atrai pelo formato
o seuenredo.Poressa épocaa criançajá caminhava, e pela facilidadede rnanuseio; pela possibílidade
e a fita magnéticade sua memória estavaainda de abri-lo, decifrar seu mistério e ele revelar
praticamente virgem, pronta para registrar as - atravésda combinaçãorítmíca,sonorae visuat
irnpressões do mundo com suaspessoas,animais, dos sinais - uma históriade encantamento, de
coisase mistérios". irnprevistos,de alegriase apreensões. E essejogo
A leiturasensorial vai, portanto,dandoa conhe- com o universoescondido. num livro vai estimu-
cer ao leitor o que elegostaou não,mesmoincons- lando na criançaa descobertae aprimoramento
cientemente, sema necessidade de racionalizações, da linguagem,desenvolvendo sua capacidadede
justificativas,apenasporque impressionaa vista,o comunicação com o mundo. Surgemas primeiras
ouvido, o tato, o olfato ou o paladar.Por certo escolhas:o livro com ilustrações coloridasagrada
algr.rnsestarãoa pensarque ler sensorialmente mais; se não contém imagens,Atrai menos.E ú
urnaestóriacontada,um quadro,uma canção,até o fato defolhetí-lo,abrindo-oe fechando.o, provoca
urna comidaé fácil. Mascomo ler assimurn livro, uma sensaçãode possibilidades de conhecê-lo;
por exemplo? seja pâra dominá-lo, rasgando-onum gesto
onipotente,seja para admirá-1o,. conservando-o a
.'+ .tÈ .t(
fim de voltarrepetidamente a.ele.
Essesprimeiroscontatos propiciamà criança
Antes de ser um texto escrito,urn livro é um a descobertado livro como um objeto especial,
objeto; tem forma, cor, textura,volume,cheiro. diferente dos outros brinquedos,mas também
Pode'seaté ouvi-lo se folhearmossuas páginas. fonte de p!'azer.Motivam-naparaa concretização
Fara muitos adultose especialmente criançasnâo maior do ato de ler o texto escrito,a partir do
alfóetizadosessaé a leitura que conta. Ouem já processode alfabetização,gerando a promessa
teì/e oportunidadede vivenciá-lae de observara de autonomiaparasaciara curiosidade pelodesco-
zuarealizaçãosabeo quantoelapoderender. nhecidoe pararenovaremoções vividas.
Na criança essa leitura atravésdos sentidos Melhor do que qualquertentativade explicar
rerrelaum prazersingular,relacionadocom a sua isso é buscarnovamenteo relatode Sartre:,,Eu
disponibilidade(maior qu.ea do adulto) e curio- não sabiaainda ler, mas já era bastanteesnobe
sidade(mais espontaneamente O livro,
expressa). paraexigiros meuslivros . . . Pegueios dois volume-
esse objeto inerte, contendo estranhos sinais, zinhos,cherei-os, apalpei-os, abri-osnegligentemen-
tr[aia HelenaMartins O queé Leitura 45

te na 'fÉginacerta',fazendo-os estalar.Debalde:eu avaliar,mas exibe-ascom tal orgulhocomo se a


não tinha a sensaçãode possuí-los.Tentei sem mera posse dos exemplaresjá lhe facultasseo
maior êxito tratá-los como bonecas,acalentá-los, reconhecimentoefetivo de importânciacultural
tniiáJos, surrá-los.Ouaseem lágrimas,acabeipor e social,quandonão a exclusividade de rnanuseio,
depô{os sobre os joelhos de minha mãe. Ela deixandoaosdemaisleitoresapenas a possibilidade
lmntou os olhos de seu trabalho:'o que queres de ler mediados por umavitrina.
Ín e eu te leia, querido? As Fadas?'Perguntei, Diantede tal poder - a simplespossedo objeto
irrcrédulo:As Fadasestãoaí dentro?" livro pode significarerudição;sua leitura levarà
ff oç adultostendema uma postuiàmaisinibida salvaçãoos incrédulos,como quando iepositório
dlantedo objeto livro. lssoporquehá.semdúvida, das palavrasde Cristo nos Evangelhos, ou construir
urna trdição de culto a ele. Mesmoquando não a loucura,como a do cavaleiro andanteQuixote*,
tinham a forrna pela qual hoje os conhecemos. os a atitude do homem comum é historicamente
liwos eram vistos como escriturasagrada,porta- de respeito.
dora da verdade, enigmática ou perigosa.E é Mesmo o advento da era eletrônica, com o
inegível a seriedadeque uma biblioteca sugere. rádio e a televisão,antesde arrefecero culto aos
A casaonde se encontrauma estantecom livros meios impressos e especialmente ao livro, acabou
por si só já conota certo refinamentode espírito, enfatizandosua importância.A suspeita- amea-
intdigËrrcia,cultura de seus moradores.Ouanto çadoraparauns (letrados)e alentadora paraoutros
rnab livros melhor. Não é à toa que se compra (iletrados)- de que a escrita não seria mais
(às rczes por metro) belos exemplaresencaderna- "indispensável parasaberdascoisas"não seconcre-
dos e se os põe bem à mostra, alardeandoaos tizou. Pelo contrasteentre o facilitárioda comu.-
risitantes o statusletrado.Mesmoque esseslivros nicação eletrônica ou da comunicaçãooral e a
complexidade da escrita,acabamaindasendomais
iannaissejam manuseados,sua simples presença
física bastapara indiciar sabedoria.Os fetichistas valorizados os textos impres'sos,os livros, em
cornpram-nos indiscriminadamente,mais em particular,e seusleitores.Estesoptam pelo mais
furção de seu aspectodo que pela sua representa- "dif ícil" e, por sera escritamaisdiíícil de entender,
tividade, devido ao seu valor intrínseco,por seu seriapossivelmente maisimportãnteque os outros
oonteridoou autor. Há ainda um tipo de fetichista meios. Essetipo de raciocínio,comum entre a,
rmab$til: o bibliófilo, colecionadorde raridades, populaçãoiletradae, semdúvida,estimuladopelos
a ctrraismuitas vezessequer tem condiçõesde intelectuais,resulta ser um dos fatores maiores
Maria Helena Martins Oqueéleitura 41

de sustentação do culto da letrae dos livros. apenaspor possuí-los,cu manuseá-los. E há quem


Os poszuldores do poder da palavraescritase literalmenteperdeua cabeçapor tê-losesciito.Mas
encarregamde sublinhare alargara aura mistifi- não sãoapenasreligiosos os pretextosde proibição.
cadora que a envolve, certos de estarem,eles Os governosautoritáriostêm sido os úaiores
tarnhÉm,sob a proteçãodos deuses,enquantoao censores.E dissonóssabernos muito bem.
leitor em geralcabea submissão: o queestaiescrito, Mesmocercadode tal fama,o objeto livro nem
írnpressoe, principalmente,publicadoem forma sempreconvencepor si só. Suaaparência também
de livro é inquestionável;significa sabedoria, impressiona,bem ou mal. Quem de nós não
cién'cia,arte a que o comumdos mortaissó atinge rechaçouum delespor serimpresso em tipos muito
ooÍrìoreceptorpassivo. NãoeradegraçaqueCatulo miúdos,por ser muito grosso,ou devidoà mancha
da Paixão Gearense, quando mostravaa alguém gráfica compactamente distribuídana página,ao
seus manuscrítos,advertiapara o fato de que, papel ásperoe à brochuraou encadernação não
depoisde impressos. ficariammelhorese, ao saírem seacomodaremàs nossasmãos?
ern livro,estariamexcelentes. Os racionalistas dirâo: mas o importanteé o
Coroláríodessepoderé a ameaçaque os textos que está escrito! Não se trata de racionalizar: a
escritospodem inspirar.Daí as queimase destrui- questãoaqui envolveos sentidos.Do contrário,
Ées, as proibições daqueles considerados perigosos como explicar o prazer que pode despertaraos
pe{os seusconcorrentesna força de persuasãoe olhose ao tato um beloexemplar,empapelsedoso,
opressoresdo pensamentoe expressãolivr:es. com ilustraçõescoloridase planejamento gráfico
O exemplo mais acabadoencontramosno lndex cuidadoso,mesmoo texto escrito sendo piegas,
Lifuorum Proibitorum ([ndice dos Livros Proibi- cheio de falsasverdadesou aindaabsolutamente
dosi, uma lista de títulos elaboradapela lgreja indecifrável?E a revistainescrutável, envoltapor
Católica Romana"para impedir a contaminacão urn plástico,deixandoà mostra apenasa capa
da fé ou a corrupçãomoral". De meadosdo atraentee estimulante?
seculoXVI até 1966,quandofoisuspenso, inúme- Num primeiro momentoo que contaé a nossa
ras ediçõesdo lndex foram publicadase, conse- respostaf ísica ao que nos eerca,a impressãoem
qilentemente,milharesde puniçõesexecutadas, em nossossentidos.Estes,entretanto,estandoligados
fuÍÇão da desobediêneia às proibições.Há quem às emoçõese à razão, às vezes pregam peças,
tEnharezadomuitasAve-Marias de penitênciapor surpreendendo, perturbando,mudandoo percurso
tr lkio algum dos lívros malditos,quando não de nossaleitura.
Illaric HelenaMartins O rye é Leitura 49

Quantosjá se dirigirama alguémefusivamente obstante,essaa leitura maiscomumde quemdiz


gostarde ler, talveza que dê maiorprazer.E, mais
descobrindologotratar-sede pessoadesconhecida?
E aquelaalmofadamacia e'quentinhaque virou uma contradição,é pouco reveladae muito menos
num gato nos arranhando? Há tambémo casodo valorizada.
Íilnp em branco e preto, em cópia velha, que Certas pessoas,situações, ambientes, coisas,
regrlta inesperadamente bom. Uma revistavisual- bem como conversascasulais,relatos, imagens,
. temas, cenas, caracteresficcionais ou nâo têm
ÍÍ€nte agradávelque, de repente, deixa de ter
qualquer interessepara nós. Ou um livreco de o poder de incitar, como num toque mágico,
sebo, meio rasgadoe sujo, bom péssimoplaneja- nossafantasia,libertar emoções.Vêm ao encontro
rÍEnto gráfico,que acabanosagarrando. de desejos,amenizam ou ressaltamfrustrações
Assim,quandouma leitura- sejado que for - diante da iealidade.Levam-nosa outros tempos
nos faz ficar alegresou deprimidos,despertaa e lugares,imagináriosou não, mai que naquelas
curiosidade,estimulaa fantasia,provocadescober- circunstâncias respondem a uma necessidade,
provocam intensa mtisfação ou, ao contrário,
rc, lembranças- aí então deixamosde ler apenas
desencadeiam angústia,levandoà depressão. Tudo
oom os sentidospara entrar em outro nível de
se passÍrnum processode identificação;nãotemqs
le{tura- o emocional.
Controle racional sobre isso,pelo menos naquele
momento. Ë quando nos percebemosdominados
pelos sentimentos,nossareaçãotende a ser a de
Leitura emocional refreá-los,ou negá-los,por "reçeito humano",
conformeos católicos,ou, como explicaFreud,por
um mecanismode defesa,poisa expressão livredas
Sob o ponto de vista da cultura letrada,se a emoçõesnos torna demasiadovulneráveis.
lefiturasensorialparecemenor,superficialpelasua
Essesos motivos pelos quais procuramosesca-
próprianatureza,a leituraemocionaltambémtem
motear ou justificar uma leituraemocional,uma
sar'teor de inferioridade:ela lida com os senti- vez passadoseu impacto. Chegamosmesmo a
nÌentos,o que necessariamente implicariafalta de
No terrenodasemoções ridicularizá-la,tempos depois, menosprezando
objetividade, subjetivismo.
nossacapacidadecomo leitor, na ocasião.Tolice.
as coisasficam ininteligíveis,escapamao controle
A leitura foi tão ou mais"correta" - seexisteuma
do leitor, que se vê envolvido por verdadeiras
trançadas no seu inconsciente.Não leitura assim- que a feita com o passÍrr
do tempo
arrna_dilhas
I I'Iaria HelenaMartins O que é LeiUru 5l

ou "de cabeçafria". Naquelemomentocontararn Ocorremtambém lembrançasmais prosaicas e


apenasas nossas emoções. desagradáveis. lmaginemum texto lido às pressas
Por que negaro fato de nos emocionarmosao para realizaruma prova. Tudo nele aborreceou
assistira uma cenaamorosareal ou na telenovela, preocupapor ter-seque dar contade seuconteúdo,
ao ouvir uma cançâorománticaou em facede uma provavelmente devendo.se aiòQa encontrar-lhe
contrariedade doméstica,de uma injustiçasocial qualidades. Na verdadepoucoou nàdaé elaborado.
inexorável? Não são essassituaçõese reações
A leitura pode até se tornar.''insuportável; um
comunsà maioriadoshomens?
verdadeiro exercício de angústia. Esse texto,
Acontece que, pgr um lado, a gente nâo quer
parecercomum; cada um de nós desejarnarcar-se mesmo se passandomuito tempo sem vê-lo ou
sem referênciasa seu respeito. está marcado.
ootrxr personalidade, não só para os outros corno
para si próprio, mesmoque por meio de estereóti- Dificilmentevoltamos a ele de espírito aberto,
po's inculcados,de uma conduta pré-fabricadae sem preconceito.E, caso o consigamos, talvez,
até tenhamosuma surpresaagradável:porque se
slpostamentedesalienante,"racional" Por outro,
mostra atraente, enquanto também reaviva um
soÍrtosintolerantesdiante de manifestações estra- pouco da nossÍì história quando da primeira
nhasao que se convencionouchamarde expressão
leitura, ou porque definitivamentetem confir-
equilibrada, consciente. Tudo issoacaba,nãoraro,
mada a sua insignificância para nós,'o que não
mediocrizandoe complicandoainda mais nossas
deixade serrevelador.
vidas. Se não mascarássemos as nossitsleiturase Não sentimosalgo semelhantecom relaçãoa
a sua memória,talvez elas nos revelassem muito
rnab de nós mesmos,das nossascondiçõesde vida alguém ou a alguma coisa que, em princípio,
então. E do confronto de leituras certamente nos agrada ou desagrada?Um certo ator, um
parente, um vizinho, um objeto, um aconteci-
sai r íamosfo rtalecidos.
Muitas vezes descobrimos,gravadasem nossa mento? Essa uma das razõespara considerar-se
nernória, cenase situaçõesencontradasdurantea a primeira leitura definitiva.Coino vimos,talvez
leitura de um romance,de um filme, de uma não seja, mas sem dúvida é marcante.Por que,
cação. E sentimos que elas, com o passardo assimmesmo,receamos revelá-la?
teínpo, se tornaram referênciasde um período Na leituraemocionalemergea empatia,tendên-
especial de nbssasvidas, cheio de sonhos e cia de sentir o gue se sentiriacasoestivéssemos na
situação e circunstânciasexperimentadaspor
oirações.
outro, isto é, na pele de outra pessoa,ou mesmo
MariaHelenaMartins O que é Leitura

de um animal,de um objeto,de uma personagem perguntarmossobreo seuaspecto,sobreo que um


de ficção. Caracteriza-se, pois, um processode certo texto trata, em que ele.consiste,massim o
participaçãoafetiva numa realidadealheia, fora que efe faz, o queprovocaem nós.
de nós. lmplica necessariamente disponibilidade, Às vezes,temos uma semiconsciência de estar-
or seja, predisposição para aceitaro que vem do mos lendo algo medíocre, sem originalidade,
rnundo €xterior, mesmo se depois venhamosa mistificadorda realidade ou semrepresentatividade
rechagá-lo. estética,social, política, científica. Trate-sede
A criançatendea ter maiordisponibilidade que um romance, um f ilme, um reiato histórico,
o adulto pelo simples fato de, em princípio,tudo uma reportagem,um manualde comportamento
lhe ser novoe desconhecido e elaprecisarconhecer sexual.Mas essadúvidaapareceparciale remota-
o mais possível a fim de aprender a conviver com mente. Define nossaligaçãocom o texto algomais
esse mundo. Assim sendo, não só é mais receptiva forte e inexpliaível, irracional. Por isso nos
ooÍno mais espontânea quanto a manifestar sentimosinseguros, quaseincapacitados de explicar
ernoções. Acaba então revelando a empatia de porque nos prendemosà leitura. E ocorre, por
Ínodo até exacerbado.Daí sermoscondescenden- certo,a situaçãoinversa: apesardo reconhecimento
tes, não levarmosmuito "a sério" suasmanifes- geraldo valor de um texto, nossarespostaa ele é
tações,consideradas "infantis", isto é, não condi- de total desagrado,o que também nos causa
cionadas pelasnormasde condutaadulta. Haverá constrangimentos.
aí urna ponta de invejanossapor aquelaesponta- Podem-seencontrar as determinantesdessas
reidade perdida? Será por isso que fica mais preferências e rejeições,aparentementedescabidas,
difícil expressarcertos sentimentos nossos em tanto no universosocialcomo no individual.
relaçãoa determinadas leituras? No primeiro caso, a fonte primária está na
nossarelaçãocom os modelosde comportamento,
com os mitos transmitidosa nós por uma ordem
social,cultural,política.Paraexaminara questão
Talvez conviessenessemomento pensarmoso sob esseponto de vista,digamos,exterior, precisa-
texto menos como um objeto (como foi eviden- ríamos verificarem que medida e por que nos
ciado na leitura sensorial)e mais como um deixamosdominarou influenciarpor sisternas de
rcontecimento,algo que aconteceao leitor. Princi- idéiasque mascarama realidade.Há aí todo um
palrnenteporquena leituraemocionalnão importa processode formação e condicionamentoideoló-
tr'íariaHelenaMwtins O queé Leitura ))

gbo quenosplasmoucomomembrosde uma deter- pelo paradoxo, isto é, por revelarema imagem
minadaclassesocial,de umareligião,de um partido idealizadaàs avessas, caracterizando-sea atração
político, de uma profissão.Todavia, não basta pelosopostos.
compreendermos isso. No segundocaso,é preciso Com o correr do tempo, outras preferências
saber como essesfatores externosse relacionam de leiturasurgem,maspermanece a ligaçãoinicial,
oom o nossoinconsciente,com o nossouniverso a ponto de a meravisãode um filme ou exemplar
interior, afinal onde se forma e se desenvolvea dessasaventurasdesencadear um processonostál-
ÍrcisÍì emocionalidade.Para conhecê-lo,torna-se gico, não iaro levando à retomada dos textos.
necessárioanalisarnoss€rs, fantasias,nossossonhos Talvezentãoocorra um distanciamento. Porémé
ern vigíliaou duranteo sono. maiscomum nos deixarmosenvolvercom a mesma
Ambasas tarefasrequeremum grauconsiderável disponibilidade da infância ou adolescência
de conhecimento,de reflexão,de interpetaçâoda (principalmentese não há testemunhasdessa
nossahistória social e pessoal.E issosó consegui- recaídal. E a releitura se desenvolveentre uma
fiìos reálizar no decorrer de toda uma trajetória semiconsciência de que talvez o texto "não valha
de vida. Há, porém,um recursomais imediatoe nada" bem como a imersãona magia que ele
viánel paracomeçara investigação: o das rememo- permaneceoferecendo,É a criança que ainda
raçõesda infânciae adolescência, das lem[ranças somos emergindono adulto, possibilitandotam-
de leiturasrealizadase das predileçõese aüersões bémconhecermo-nos mais.
atuais. E quanto às fotonovelas,às telenovelas ou aos
Se,por exemplo,quandocriançaou adolescenté, programasde rádio e TV tipo mundo-cão,agora
a preferênciafoi por ficção de aventuras,tipo voltando com força total e plena aceitação?Sua
Tarzan, Zorro ou, mais recentemente, Batman, característicacomum, diz-se,é o gosto popular.
$lper-homem, a fixação afetiva possívelmente se Para Ligia Chiappini,"há todo um processode
deu com relaçãoàs personagens-título. Apesarde identificação do público. Essasclassessociais
as narrativas serem basicamentecalcadas na para as quais são dirigidosvivem muito maisos
secl.rêrrciade acontecimentos, o tempo e o espaço problemasda violência.Não apenasa violência
cm que se desenrolam contammenosquea identi- criminal, mas tudo aquilo que sofrem no seu
ftcaçãodo leitor com o herói. Atraem rnaisa sua cotidiano: a fome, a doença,o trabalhoárduo,
personalidade e seu modo de agir, seja.por se toda a sortede dificuldades".
assernelharem à imagemque o leitor faz de si ou De fato, uma leitura mesmosuperficialrevela
56 Mario Helena Martins O que é Leitura

muitosquadrosintimamenteligadosàs frustrações
e angústiasde cada leitor, vindo também ao
encontrode suasfantasias maiscomuns.Diantedas
desgraçaspresenciadas atravésdo vídeo, ouvidas
pelo rádio ou lidas nos jornais e revistas,tende
a desenvolver-se no leitor um processocatártico:
se as suas agrurassão tantas, há piores.. . Por
outro lado, há semprealgo que alimentaa ilusão
de se conseguir,como na novela,"tirar o pé do
barro", num golpe de sorte: um amor rico, uma
herança, umaalmaEenerosa ...
:' I nvestigandoas leituras de operárias(numa
fábricade São Paulo),EcléaBosiconstataa prefe-
rênciapor revistas sendoasnarrativas
sentírnentais,
típicas as fotonovelas,históriasem quadrinhos
infantis, reportagenssobre a vida de artistas,
realizaçâo do sonhode umacriançadoente,crônica
de milagre, carta ao consultório senïimental.
Fundamentando-se em Freud e Gramsci,observa
não ser "a busca de uma compensação qualquer
que movee comovea leitorade fotonovela,masa
de um correlatoimagináriode suaposiçâoespecí-
fica no sistemasocial.Situaçãoem que se interpe-
nêtram carências econôrnicasbásicas, graves
fimitaçõesde culturae, viade regra,a impossibilida-
de de transcender,pelos próprios esforços,o
horizonte que sua classee seu status circuns-
crevgm".
Vê-se,nesses exemplos,a importânciada leitura O leitor, ent6o, oonsomeo texto sem se perguntal
emocionalnão só no âmbito individualmas no como ele foi feíto.
Maria Heleru Martins O que é Leítura 59

das relaçõessociais,evidenciando-sea necessidade podemos ou não queremosexpressar.A leitura


de se dar a ela maisatenção.O inconscienteindivi- transforma-se,então, nurna espéciede válvula
dual e o universosocialorientamseuspassos'Não de escape.Mas não apenasisso:direta ou indire-
obstante, geralmente é consideradade menor tarnente,ajudaa elaborar- atravésdo relaxamento
significaçâo pelos estudiosos, enquanto para de nossas tensões sentimentos dif íceis de
nr.ritos leitores adquire valídadeprincipalmente compreendere conviver.Assim sendo,o conceíto
c:n momentos de lazer, descomprometimento. de escapismoaplicadoao modo de ler torna-se
lsso se deve muito ao fato de ser vista como ambíEr.lo,como observaRobert Escarpit;embora
possua uma carga pejorativa, o termo evasão
bitun de passatempo,seja qual for o grau de
instrução,cultura, statussocialdo leitor' Roland pode significar"fuga para a liberdadee conse-
Barthes,ensaístae estudiosoda literaturae outras qüentementeuma aberturaintencional.de novos
forrnas de expressão,declaraque para ler, senão horizontes".
voluptuosamente,pelo menos gulosamente,é Essaa razâopelaqual não sepodesimplesmente
preciso ler fora de toda a responsabilidade imputar à leitura emocíonala característíca de
crítica; o leitor, então, consomeo texto sem se alienante.Por certo,se me torno dependente dela
perguntarcomo elefoi feito. e a uso sistematicamentecomo refúgio para
Enquanto passatempo,essa leitura revela a afastar-mede uma realidadeinsuportável,meu
predisposiçâodo leitor de entregar-seao universo comportamentodeixa de ser o de quem busca
apresentadono texto, desligando-se das circuns- momentosde lazer e distensâoou distraçãopara
tâncias concretase imediatas.Daí ser também ser o de alguémque se negaa viverseuspróprios
problemase, em conseqüência, não luta para
encaradacomo leitura de evasão,o que conota
erto rÍì€nosprezopor ela, quando, na realidade,
solucioná-los. Ao preferiro desligamento de si e a
imersãono universodo que é lido, deixam-sede
der,erialevara uma reflexãoaprofundada.
estabelecer as relaçõesnecessáriasparapossibilitar
Na aparentegratuidadeda leiturade uma novela
a diferenciaçãoe compreensãotanto do contexto
de TV, uma revista de modas, uma fotonovela, pessoale socialquantodo ficcionalou mistificador
uÍrn comédia cinematográfica, um romance
policial ou pornográfico,está implícito o modo rja realidade.Caracteriza-se,
então,a total submisão
que encontramos para extravasar emoções, do leitor, tornando-seele vulnerávele suscetível
e alimentarnossasfantasias. à manipulação.E os estragoscausadossão con-
satisfazercuriosidades
sideráveis.
Sentirnentosessesque, no nosso cotidiano, não.
IlÍaria Helena Martins O queé Leitura 61

Tudo o que lemos,à exceçãoda natureza{isso desencadeadas pela leitura. Às vezes,a retomada
do texto significa também uma nova postura
se não considerarmosa interferênciado homem
diantedele;outras,o fato de termosinterrompido
nela), é frutó de uma visão de mundo, de um
a leitura não nos impedede mergulharmos nova-
sistemade idéiase técnicasde produção,caracte-
mente nela,como se narcotlzados, mesmohavendo
rizando um comprometimentodo autor com
entãoemoçõesd iferenciadas.
o que produz e, por certo, com seus possíveis
feitores. Há, portanto, relação entre texto e Assim, além da históriapessoaldo leitor e do
seucontexto,fica de novo sublinhado o quantoos
iCeologias,pois estas sâo inerentes à intenção
(conscienteou inconsciente)do autor, a seunnodo fatores circunstanciais da leitura influem no tipo
tambémelementos de respostadada ao texto. Um dramalhão,uma
de ver o mundo,tornando-se
notíciade jornalou um incidentecotidianopodem
de ligaçãoentre ele e os leitoresde seutexto (este
suscitarlágrimasou gargalhadas; um clássicodo
não nos interessaaqui pelo seu valor intrínseco-
bemou teatro, da literatura ou do cinema talvez provo-
se artísticoou não,discutívelou elogiável, quem bocejos ou emoçõesas mais profundase
rnal realizado- importaantescorno algo sujeito
duradouras.Depende muito do referencialda
a leituras).
na criação,ela leitura, da situaçãoem que nos encontramos,das
Mas se há uma intencionalidade
intençõescom que nosaproximamos dela,do que
sabidamentenern semprecorrespondeao modo
ela desperta de lembranças,desejos, alegrias,
como a leitura se realiza'A respostado leitor tristezas.
dependede inúmerosfatores presentesno ato de
passivamente lmporta, por fim, frisar o quanto em geral
ler. Estandopredisposto a entregar-se
pela ideologia reprirnimos e desconsideramos a leituraemocional,
ao texto, tendea se deixarenvolver
(explícitasou não), muito em função de uma pretensaatitude inte-
ou ideologiasneie expressas
lectual.Todavia,se interrogadassobreos motivos
daí a suavulnerabilidade. que as levam a ler livros, revistas,ir ao cinema,
Sempre haverá, entretanto, momentos de assistirtelevisãoou mesmoouvir fofocas, muitas
distanciamento, quanto mais não seia,causados
pessoasrevelam ser para se distrair. lso não
por fatores externosà leitura (a interrupçãodo
ocasiões, vindo significa serem leitores desatentosou incapazes
ato de ler, por exemplo).E nessas de pensarum texto. Apenassua tendência mais
à tona, emergindodo universolido, o leitor pode
mundo e o do texto. ccimum é deixarem-se envôlveremocionalmente
estabelecerrelaçõesentre seu
pelo que lêem. Ocorre, entretanto - e cada vez
Há então oportunidadepara elaboraras emoções
MariaHelenaMartíns O queé Leitura 63

ou, pior ainda, representarShakespeare ern tom


coÍn maior freqüência , as pessoassentirem popularesco:uma afronta ao bardo inglêse à
necessidadede justificar suas preferênciasde
seusgostos. Cultura. Como admitir também que um fiÍme
leitura,racionalizar de IngmarBergmanpossaaborrecerjquea música
A convivência,senão a conveniência 'social,
política, principalmenienos centros erudita contemporâneapareçaapenasbarulho aos
cultural e nossosouvidos; que U/isses,de Joyce, se revele
urbanos, vái-nos transformandoem joguetes de
um tijolaçosemsentidoparanós?
ÍÌoss:lsracionalizações,levando-nosa expressar
Essaa posturaintelectualizada e dominante.Não
emoções dissimuladas,quando não contrárias por ser da maÌoria dos leitores.pelo contrário,
ao que realmentesentimos'Então um filme, uma foi concebidae é mantida por uma elite, a doó
reportagem,um livro, uma canção,uÍna escultura,
intelectuais:pensadores, estetas,críticos e mesmo
uma pessoa, que nos desgostamou agradam artistasque reservama si o direito de ditar normas
profundamente,são lidos de um jeito e a leitura
à ngssa leitura, bem como guardam para si o
ranelada de modo distorcido. E agimos assim privilégioda criaçâoe fruição dasartes,dasidéias,
porque temos motivos intelectuais para isso'
dascoisasboasda vida.
Estarnos,nessecaso,penetrando- aindà que pela Antes de prosseguir,convémesclarecer.
porta dosfundos - em outro nível de leitura -' o Há uma
série de característicasdiferenciadorasentre as
racional. diversas Stegorias de intèlectuais (Horácio
Gonzalesestuda-as em outro livro destacoleção).
Aqui generalizoe simplifico o sentido de inte_
Leitura racional lec-tual, levando-o, inclusive, à radicalização
pejorativa,pois evidencioo elitismo,o intelectua-
Para muitos só agoraestaríamosno âmbito do lismo.O objetivodissoestáem guerersublinharo
que há de negativona posturacomumenteenten_
status letrado, próprio da verdadeiracapacidade
de produzir e apreciara linguagem,eni especial didacomo intelectual.
a antísrica.Enfim, leitura é coisa séria,dizem os A leituraa essenívelintelectualenfatiza,pois,o
Relacioná-lacom nossasexperiências
inrtelectuais. intelectualismo, doutrina que afirmaa preeminên_
sensoriaise emocionaisdiminui sua significação, cia e anterioridadedos fenômenosintelectuais
renelaignorância.lmagine-se o absurdode ir ao sobre os sentimentose a vontade. Tende a ser
t€Írtro e divertir-se com Otelo ou Rícardalll unívoca; o leitor se debruça sobre o texto,
IulariaHelenaMartins O queé Leitura
g

formasde expressão humanae da natureza.


pretendevêìo isolado do contexto e sem envol' Assim, na perspectivapropostaaqui, a compe-
vimento pessoal,orientando-sepor certasnormas tência para criar ou ler se concretizatanto por
pià.tiãú.i*io.r.' lsto é: ele endossaum modo rneio de textos escritos (de caráter ficcional ou
ideolo-
ã" iti ptt.xistente, condicionadopor uma não) quanto de expressãooral, música, artes
gia. Tál postura dirige a leitura de modo a se
o que interessa plásticas, artes dramáticasou de situaçõesda
Ëti."U", no objeto tido apenas
realidade objetiva cotidiana (trabalho, lazer,
ãã titittu de idáiasao qual o leitorseliga'Muitas relaçõesafetivas,sociais).Sejao leitor inculto ou
pretexrc para
vezesse usa, então, o texto como erudito,sejaqualfor a origemdo objetode leitura,
avaliar e até prov.i asserções alheiasa ele' frus-
que tenha ele caráter utilitário, científico, artístico,
i;;ú o conhecimento daquilo 9 individualiza' configure-se como produto da cultura folclórica,
Ao se aplicarum esquema de leitura ao texto'
esteriotipado popular.de massa ou daselites.
adotando um comportamento 9m Reforça-se, então,o que já foi dito: a construção
relaçâoa ele, põe-setambémde lado uma manelra da capacidade de produzire compreender as mais
função
de ler, de dar sentido,nossa'autêntica'em diversas linguagensestá diretamente ligada a
correÍa porque sobo
de uma leitura supostamente condiçõespropícias para ler, para dar sentido
Assim' se estes
úeneplácito de intelectuais' a expressões formaise simbólicas,representacionais
o riso, o entusiasmo ou
autorizam a reverência, ou não,quer sejamconfiguradas pelapalavra,quer
o menosprezoem face de um texto'' "revogam€e
pelo gesto,pelo som, pela imagem.E essacapaci-
asdisPosições em contrário"'
daderêlaciona-se em princípiocom a aptidãopara
Outro aspectomuito difundido dessaconcepção ler a própriarealidadeindividuale social.
limitar
intelectualiiga-seao fato de, em princípio' Essasconsiderações são básicasparase perceber
escrito, pressupondo
; ;"çã" de leitura ao texto a diferençaentre a leitura a nível intelectuale
àOucáçao formal e certo graude culturaou mesmo a nível racional,como as coloco aqui. A leitura
erudição
- do leitor. racional é certamente intelectual. enquanto
da
õó'm; se viu de início, discuto aqui a visão elaboradapor nossointelecto;mas,se a enuncio
ãonfinadaà escrita e ao texto literário ou
leitwa
-ããnitestações assim,é para tornar mais evidentesos aspectos
às artísticas em geral' propondo positivos contra os negativosdo que em regrase
vê-la como um processo de compreensãoabran-.
com todasassuas considera leituraintelectual.
oãnte.no qual o leitor participa
as mais diversas ! lmporta, pois, na leitura racional,salientarseu
Ëãpà"iatã.i a fim de apreender
I
I
Ivlaria Helena Martins O queé Leifum

;zrráter eminentemènrc reflexivo e dinâmico. ì um dia limpando


Uma faxineiraminha,nordestina,
Âo mesmotempo que o leitor sai de si, em busca i a estatuetame coRtou que haviatrabalhadonuma
da nealidade do texto lido, suapercepção implica I fábrica daquelas.Não só descreveucada uma das
urna volta à sua experiência pessoal e uma visãoda
então,
l etapasdo trabalho,a função de cada instrumento,
própria história do texto, estabelecendo-se, nrastambém o próprio ato de trabalhar;quaisos
um diálogo entre este e o leitor com o contexto movimentos a fazer em cada etapa, a duração
rm qual a leltura se realiza.lsso significaque o de cadaum cieles,o cansaço,o calor,a necessidade
Fmesso de leitura racional é permanentemente de mudar de posiçãoetc. A estatuetaera para ela
etr.ualizadoe referenciado. reprodução de algo concreto e mernória. Ela
Em síntese, a leitura racional acrescentaà contemplavaa estatueta,mas sua contemplação
snsorial e à emocionalo fato de estabelecer uma e a minha nadatinham em eomum.Eu sabiaque
Jnrlte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, era uma cena de trabalho, mas não sabiao que
a reordenação do mundo objetivo,possibilitando- era essetrabalho. As posiçõesdas figuras e dos
]re. no ato de ler, dar sentidoao texto e questionar objetos erarn aleatóriaspara mim e necessárias
tanto a própria individualidade como o universo paraa faxineira.Meu primeiroimpulsofoi pensar:
das relações sociais. E ela não é importantepor 'nunca tinha visto esta estatueta'- isto é, 'ver' a
racional,mas por aquilo que o seu processo estatuetapara vê-lacom os olhos da faxineira-
germite, alargandoos horizontesde expectativa
-r fabricantede farinha.A conseqüência foi distinguir
do leitor e ampliandoas possibilidades de leitura uma visão verdadeirae outra falsa, autêntica e
do texto e da própria realidade social. inautêntica,profunda e superficial.Levou um
É extremamenteelucidativoum episodiorela- certo tempo parague eu percebeseo 'objetivismo'
tado por MarilenaChaui, em trabalho no qual das minhasreações"Eu estavasupondoque existia
samina a relaçãoentre a obra e o destinatário, uma estatuetaque era a esculturapostadiante de
nurn painelde considerações acercade "Conceitos dois pares de olhos diferentes- havia uma obra
de l-listóriae Obra". Esse relato fica ainda mais e dois destinatários,um dos quais via a obra e
esctarecedor para nós se pensarmos os termos o outro nada via. Estavapressuposta a unidade/
'rer" e "visão", usados pela autora, como ler identidade da obra através da junçâo entre a
e leitun, respectivamente : estatuetae o olhar da faxineira, pondo fora do
"Eu tenho uma estatuetade barro nordestina campoda obrao meupróprioolhar.Foi só quando
rEpresentando umafábricade farinhade mandioca. me dei conta do desejoda unidade/identidade que
68 MariaHelerwMartins
O queë Leitura 69

depositei na estatueta que percebi o que é por exemplificarem


expressivos o quanto signifi-
destruiro trabalhoda obra,istoé, umaexperiência
de duaspessoas cam para a leituraa história,a memóriado leitor
diferenteno campode experiência
e ascircunstânciasdo ato de ler.
diferentes.A obra é a estatueta,o trabalho do Por um lado,o relatodeita por terraa ilusãode
escultor,o olhar da faxineira,o meu e quantos só os intelectuaisterem condiçõesde assimilar
outros que diante dela a incorporaremcomo
certas formas de expressão,especialmentea
experiênciavisual ou de memória.A partir do
. instanteque fica depositadaa verdadeem umadas estética. Não se pode ignorar que a conotação
mais persistenteda palavra íntelectual confere
visõese a falsidadena outra,vocêtem duasatitu-
àquele que designa uma certa aura intosível,
des possíveisdiantede uma obra: ou vocêquer se
inquestionável.lsso faz com que ainda muitos
tornar o portador, o porta-voz da verdadeque
sejamvistos e se vejamcomo os escolhidos,cujos
foi expressada, ou você se consideraincapazde
sentidose emoçõessão "educados"pela postura
ver o que um outro privilegiadoestávendo.Esse
objetiva,crítica. Mas o que pretendemser "obj+
maniqueísmo é perigososobretudoem setratando
a obracomotrabalho tividade" (e se revelacomo "objetivismo",para
de culturapopular.Perdendo
podemosperder o fato de que a estatuetaproduz MarilenaChaui), em vez de levá-losà apreciação
e compreensãoabrarigentedo mundo, não raro
essasduas vísões,que essasduas visõessó sejam
possíveisa partir dessaestatueta.O que a faz desfoca-ospara a guarita de um saber abstrato.
Por outro lado, com esse relato, fica também
ser uma obra é o fato de que ela sejamemória
de uma forma questionadaa ilusãopopulistade que so o povo
para uma pessoa e representação
teria "o poder da verdade",cabendoa ele fazer
de trabalho ignoradapara outra. É issoque ela é'
a leitura"correta".
E ela não é maisverdadeiraou menosverdadeira
num casoe noutro;elaé asduascoisas,e essas duas
visões estão incorporadas,agora, na estatueta,
Íazemparteda históriada estatueta".
Tratando da leitura do texto escrito, Jorge
Ëmbora a autora estejarefletindo acercade
Luis Borges,o grandeescritorargentino,assinala
obra e de como é discutívela questãode ser
do leitor", que pretendeurna
a "ética supersticiosa
autêntica ou inautêntica,de haver uma leitura postura intelectual,mas realizauma leitura de
corretae outra errada,para nós, aqui, o episódio
"atençõesparciais".Nelanão importama eficiícia
relatado e sua reflexão tornam-seainda mais
ou eficiênciade uma página,porémas habilidades
70 fuIariaHeleruMartins O queé Leitura 1\

aparentesde escritor: recursosde linguagem, objetiva do processode elaboraçãode materiais,


sonoridade,sintaxe,pontuaçâo,enfim "tecniqui- formas,linguagem, temática,simbologia.
ces", segundoBorges,que obscurecemas emoções Na leituraemocionalo leitor se deixa envolver
e convicções do leitor, ern funçâode um suposto pelos sentimentosque o texto lhe desperta.Sua
modo correto ou adequadode escrevere ler um atitude é opiniática,tende ao irracional.Contam
romance.um poema. aí os critériosdo gosto:gostaou não do que lê
Na verdade, freqüentementeconfunde-sea por motivos muito pessoaisor,!por características
ieitura racionalcorn a investigação pura e simples textuaisque nem sempreconseguedefinir. Muito
do ai'cabouço formal de um texto, corn o exame menos se coloca a questão de como o objeto
de sua estrutura interna enquanto sistemade lido se constrói.Já na leituraracionalo leitor visa
relaçõesentre as partes que o compõem,sem maiso texto, tem em mira a indagação; quer mais
efetivamenteestudá-locorno um todo, como compreendêìo, dialogarcom ele.
expressãode utna visão de mundo. Realizase lssonoslevaa considerar a leituraiacionalcorno
assimo que o estruturalisrno ortodoxo apregoou sendoespecialmente exigente,pois a disponibili-
e ainda proclama:o estudo do "texto em si"' dadeemocional, o processo de identificacão,agora,
Essetipo de leituraeliminaa dinâmicada relação se transformam em desprendimentodo leitor,
leitor-texto-contexto,limitandoconsideravelmente em vontadede apreenderum processode criação.
umacompreens.ão maiordo obietolido. Como diz Barthes, advém da necessidadede
O chamadodistanciamento crítico, caracterís- colocar-sedentro da produção, não dentro do
tico da leituraa nível racional,semdúvidainduza produto. E, nessesentido, Barthesvê a leitura
disoosiçãosensoriale o envolvirnentoemocional como a "parente pobre" da criação, sendo seu
a cederemespaçoà prontidão para o questiona- objetivoo de reencontraÍcomo algofoi criado.
mento. No entanto,estudandoa relaçãodo leitor Masde que modo se realizaessaleitura?Parece
com o texto, se observaa'tendênciade acentuar inegávelela supor um esforço especial;não pode
o que é verificiávelocasionalmentenessetexto, mos sirnplesmentenos apropriar do texto ou
a partir do vivido no decorrerda leiturasensorial aceitá-lopassivamente. Temos,antes,que conquis-
e/ou emocional.Estaspercebem-no como obieto. tá-lo, conhecendoe respeitandosuascaracterísticas
acontecimento, emoção,enquantoa leituraracio- próprias.lsso implicacercáio de uma atençãotal
nal permiteconhecê-lofamiliarmentesem apenas que nos levea perceberpeculiaridades, e*rilo que
senti-lo.Podeseentão estabelecer uma visãomais o diferenciados demais,torna-oalgo úaieo, não
Maria Helena Martins O queé Leitura T3

Cabe aqui uma observação, talvezdispensável,


importa se apresentemaior ou menor grau de
quàliOaOe. Aliás,quandose fala em qualidade,em caso não viessedar força ao que tentei sublinhar
diante no decorrer desta reflexão. Embora enfatizasse
critériosde valor, estamosnecessariamente
leitura das mais diferentes linguagens, a da
do confronto entre um e outros textos, entre a
leituras. Gotejando-os,evidencia-se aquilo que escrita acabou se impondo; os exemplos literários
individualizacada um. E quanto maiores as evidenciamisso.Primeiio, porque é atravésdela
possibilidades de confrontar,melhoresascondições que o próprioato de ler tem sidopensado; segundo,
para apreender isso. porque na literatura se encontram elementos
' aosquaispodemosvoltar inúmerasvezes,testando
Ouem leu um único romance,por exemplo,
pode ter opiniãodefinida,senãodefinitiva,sobre nossamemória,incitando nossoimaginário,dei-
iiteratura de ficção. Seu repertóriodessetipo de xando sentidos,emoçõese pensamentos serem
leitura, talvez por ser bem limitado, permite permeadospela variedadede sentidosque pode
rnaiorclarezade critérios.Paraquemleu inúmeros, possuirumaúnicapalavra.
as coisasse tornam maiscomplexas,os parâmetros Além disso,quersequeiraou não,todosestamos
diversificam-se.Não vai aí nenhumiuízo de valor historicamenteligadosà noção de leitura corìo
para um ou outro tipo de leitura,leitor ou texto' referindo-se à letra, talvezo sinalmaisdesafiador
e exigente em qualquer nível, especialmente o
Quero,com esseexemplo,apenasobservarque,ao
se ampliaremas fronteirasdo conhecimento.as racional.E, creio, quanto mais lermosde modo
exigências, necessidadese interessestambém abrangente,mais estaremostambém favorecendo
aumentam;que, uma vez encetadaa trajetória nossa capacidadede leitura do texto escrito.
de leitor a nível racional,as possibilidades de Sem dúvida, o intercâmbiode experiênciasde
leituras desmistifica a escrita,o livro, levando-
leitura de qualqúertexto, antes de seremcada
nos a compreendêlose apreciá-los de modo mais
vez menores, pelo contrário, multiplicam-se'
natural,e certamenteestaremos assimfortalecendo
Principalmenteporque nosso diálogo com o
objeto lido se nutre de inúmerasexperiências nossascondiçõesde leitoresefetivosdas inumerá-
de leitura anteriores,enquanto lança desafios veismensagens do universoem quevivemos.
e promessas paraoutrastantas. **lt

***
Uma inifinidadede aspectosn u m texto pode
ï4 iWariaHelena Martins O que é Leitura 7!

desencadear e orientara leitura racional.Um dos física indica traços de personalidade. Às vezes
maiscomunsé a narratira,sustentada praticamente esserecursoé usadode maneiracaricatural,mar-
por qualquertípo de linguagem(falada,escrita, cando o perfil de determinadostipos. Tem sido
gestuaf, gráfica,plástica,musical,cinematográfica). extremamente exploradonasnarrativas populares,
Todo texto nos conta alguma coisa, seja por nos folhetíns,nasfotonovelas, nastelenovelas, no
meio de uma narrativa nitidamente marcada cinema, no teatro. Os modelos clássicosdessa
pela seqüênciacronológicados acontecimentos, tipologia remontam à dupla Ouixote/Pança,
como no romance tradicional, seja de modo criaçâo de Cervantes.Dom Quixote tem sua
obscuro ou guase imperceptível,como num alienaçãoe vulnerabilidade salientadaspelo porte
poema lírico ou numa composição.musical.E a Írágtl, longi!íneo,doentio, envelhecido,@ntras-
busca do processonarrativo - do modo como tando com o ridículo de uma paramentacão e
a históriaé contada - pode ser excelentedeixa atitudes de pseudocavaleiro, aliás,"Cavaleiroda
paraa leituraracional. Triste Figura". Sancho Pança, já no próprio
Partindodo pressuposto de que nadaé gratuito nome,carregaalgode bonachãoe primitivo,cotrìo
num texto, tudo tem sentido, é fruto de uma sua aparência;embora "de muy poca sal en la
intençâo consciente ou inconsciente,importa mollera", seu espírito pragmáticotransforma-o
- e muito - na leitura racionalcaptarrnos como em escudeiroperfeíto para o sonhadorQuixote.
se constrói essesentido ou sentidos.Paratanto, O romancenaturalista,postulandoo princípio
um dos aspectosmais significativosestá no reco- de que "o homemé fruto de seumeio", apresenta
nhecimentodos indícios textuais. Essaspequenas sempreindíciosambientaisparacorroboi.ar.traços
unidadesde sentido são verdadeiraspistaspara do carátere até explicaras açõesdas personaçns.
o leitor compreepder o objeto lido em seu todo, O nosso Aluísio de Azevedoé um exemplode
mesmo que muitas vezes passemquase desper- autor que utiliza essesrecursos,para não falar
cebidasou que o autor as disponhade modo deZolaou do grandeËçade Oueiroz.
maisou menosexplícito,estabelecendo-se, assim, Ouanto ao texto policialou ao fantástico,são
uma espéciede jogo; aliás, algo ainda mais sem dúvida pródigosna apresentação de inciícios.
estimulante paraa leitura. Alíás, a pedra de toque para a soluçãodo {s)
Nos romancesditos "psicológicos",com fre- mistério(s) ou para a criação de urna atmosfera
qüência a criação de indícios está presentena ssbrenatural.Se pensarmosnos filrnes de Hitcfr-
própria descriçãodas personagens; a característica cock, por exemplo,verificanros a habilidadecom
O queë Leitura n
% Maria Helena Martins

A interaçãodos níveisde leitura


gue o cineastasubvertea expectativado leitor,
criando falsos indícios ou aparenternente menos-
prezandopistasdefinitivasparadesvendar a trama. Vale retomar o que disseao iniciar a questão
Um olhar mais sombrio ou uma personagem de
dos nÍveisde leitura: eles são inter-relacionados,
óculos escuros,em hora e lugar inesperados, senão simultâneos,mesmo sendo um ou outro
podem parecer uma deixa do perseguidorou privilegíado.Deve, pois, ficar claro não harrer
assassino,quando, na verdade, trata-se de um propriamente umahierarquia; existe,digamos,urna
irìocente; um pássaro indefeso pode resultar tendêncla de a leitura sensorial antecedera
no rnatador. emocionale a estase sucedera racional,o que se
Aprendemosa ler essesindÍciosà medidaque relacionacom o processode amadurecimentodo
nosxrsexperiênciasde leitura se sucedem;come- homem. Porém, corno quis mostrar aqui, são
çamos assim a percebercomo são construídos a história, a experiênciae as circunstáncias de
e dispostosno texto, qual a intenção do autor vida de cada leitor no ato de ler, bem como as
ÉK,criá-los. No entanto, mesmo sabendocomo respostase questões apresentadaspelo objeto
e porque são armadosos indícios,não quer dizer lido, no decorrerdo processo,que podem eviden-
que o texto se torne transparente para nós. No ciarum certo nívelde leitura.
caso de Hitchcock,como na maioria dos autores Não se deve também supor a existênciaisolada
altamente criativos, mesmo o leitor percebendo de cada um dessesníveis. Talvez haja, como
um possívelesquemade construçãode indícios, disse,a prevalência de um ou outro. Mas creio
M semprea apresentação de um elementonovo mesmoser muito difícil realizarrnos uma leitura
desafiando-o.Assim constitui-seo que se chama apenas sensorial,emocional ou racional, pelo
& opacidade da ambigüidade do texto, aquela simplesfato de ser próprio da condiçãohurnana
qualidadesuade negacear e se entregarao mesmo inter-relacionarsensação,emoção e razão, tanto
teÍnpo, de nos levar a querer compreendê-lo na tentativa de se expressarcomo na de buscar
rnaise mais,e de nos possibilitarinúmerasleituras, sentido,compreender a si próprioe o mundo.
parecendoaté inesgotável. "A lâmpadabranca,a querosene, no centroda
mesa,davaclaridadesuficientepara a leiturae o
crochê. Mesmo assim, de vez em quando um
delesse aproximavado círculo vivo da luz que a
,r Maria Helena Martins O queé Leitura 79

pantalhaconcentrava scbrea tábua, paraler uma nas vivênciasde muitosde nós.Apesardas limita-
letrinha apagada ou acertar um ponto mais ções ambientais,de recursosmateriaispreaírios
delicado.O estancieiroocupavauma dascabeceiras. e de uma experiênciade vida ainda em suas
Dona Alzira sentavaperto, na cadeirade embalo. primeirasdescobertas, a circunstânciafavoreceua
Na outrg ponta,as criançasbrincavam. ' ' ILelita] realizaçãoda leitura, efetivadaaí simultaneamente
Juntando as palmasdas mâos - seuscledoseram a nívelsensorial,emoòionale racional,os quaisse
delgndos, compridos, flexíveis punha-se lnterpenetram e secomplementam.
defronteà lâmpadae projetavana paredesilhuetas
de cabecinhasde cordeiro, de coelho, de gato
se lambendo.A predilção do lrmãozinhoera
toda pelascabecinhas de coelho.Maselasabiafazer Se a ênfaseno decorrerdestareflexãoacercados
tamhÉmoutrasfigurinhas:de quero-quero ernper- níveisde leitufa foi mais hierarquizante,
deveu*e
tigado como um militar,de joão-grande dormindo ao propósitode dar uma fisíonomiamaisorgani-
à beirada lagoa. zada à questão.Além do que, se pensrmos em
"Então, sim, Carlosesqueciaas estampasdas exigênciasfeitas ao leitor no ato de ler, parece
revistasvelhasque folheava,e admirava,ausente, mesmohaveruma gradação da leiturasensorialà
fantasiandocoisas. . . Coisasconfusas,distantes, racional.Por outro lado, sabe-se,mesmoo leitor
envoltasnum nevoeirotênue que não se esgaçava se propondouma leituraa um certo nível,sejaele
nunca para dar franca passagem ao sol! O que qual for, é a dinâmicade sua relaçãocom.o texto
sentiaeraestranho,suave,comovente.Enternecia-o quevai determinaro nívelpredomlnante.
sobretudoa postura imóvel do joão-grande, como Assim corno há tantas leiturasquantossão os
de morto em pé. A sua tristezavinha justarnente leitores, há também uma nova leitura a cada
daquilo, de saber que o pernalta estavavivo. aproximaçãodo leitor com um mesmo texto,
Vivo, e tão parado,tão sumidoem si mesmo. . . ainda quando mínimasas suasvariações.Nessas
Era um alívio quando Lelita movia de novo o ocasiõestalvez ocorram mudançasde nível. Um
dedo mindinho e, lentamente,a asa caída se poema ou uma cançãoque hoje não nos dizem
enfunavaparao vôo." nada,não tazemsentido,amanhãpodememocio-
Essaé uma cena domésticada campanhario- nar; agradarao ouvido pela musicalidade e pelo
granciense, no início do século. Uma recriação ritmo, tempos depois;suscitarreflexõesapenas
ficcional de Cyro Martins,mas que encontraeco apósváriasleituras.
Maria Helma Martins O Ete é Leitura tl

Se lêssemos apenasI s€Í,ìpÍ€em um único nível, leitura racionaltehde â ser prospectiva,à medida
tenderíamosa radicalizaressemodo de ler, provo- que a reflexão determina um passoà frente no
candoa distorçãodo texto lido pelaimobilização. racÍocínio, isto é, transforma o conhecimento
Sendoa leitura um processo,portanto,dinâmica, prévio em um novo conhecimentoou em noìriÌs
'rssonão ocorre. Seria como fixar o olhar num questões,implica mais concretamentepossibilida-
determinadoobjeto e só e sempreenxergá-lode des de desenvolvero discernimentoacerca do
um único ângulo, nós e ele estáticos:em pouco texto lido.
tempo não maisconseguiríamos vê-lo.lssoporque Essas leituras; se radica!izadas- realizadas
a capacidadede nossocérebrode registrarsensa- sempre de modo isolado umas das outras _t
ções, emoçõese pensamentosdecai rapidamente apresentariamaspectosaltamente questionáveis,
quandoo que queremosapreender é infinitamente enfatizandoo imediatismo(sensorlai),o conserìã-
repetido.O efeito resultainversodo que se poderia dorismo (emocional)e o progressismo (racional),
imaginar:em vez de lermosmaise melhoro texto, 'ïsmos" essesque, pela própria natureza,depre-
a leiturasedilui, a ponto de inexistir. ciariam a leitura. Felizmenteé pouco provávelse
Na verdade,à medidaquedesenvolvemos nossas efetivaremradicalmente,em funçâo da dinâmica
capacidadessensoriais,emocionaise racionais própria do procedimentoexistencialdo honrem.
tamMm se desenvolvemnossasleituras nesses Mesmoquerendoforçar suanaturezacom posturas
níveis,ainda que, repito, um ou outro prevaleça. extremistas,o homem lê como em çral vive,
Masa interaçãopersiste.Quanto mais nãoseiapor num processo permanente de interação entre
certas característicasde cada um dos nt'veis,as sensações, ernoçõese pensamentos.
quais,em última instância,são interdependentes.
Vejamosque características sãoessas.
 leiturasensorial tem um tempo de duraçãoe
abrangeum espaçomais limitado, em face do
neio utilizado para realizá-la- os sentidos.Seu
afcance é mais circunscrito pelo aquí e agora;
tende ao imediato. A leitura emocionalé mais
mediatizadapelasexperiências prévias,pelavivên-
cia anterior do leitor, tem um caráterretrospectivo
implícito; se inclinapois à volta ao passado. Já a
aD
I .t, C
O que é Leitwa t3

A LEITURA AO JEITO
DE CADA LEITOR
{9
$l??
rïïËïË^'"*
\Ë"ttt'"
ËrRouÉs \.::J.*,
E o pulo do gato? Como disse,essenão se il*^n.rrto
ensinamesmo.Mortimer Adler e C. Van Doren, q'

apqiar de terem escrito um tratado sobre a arte t

de ler, advertemque "as regraspara adormecer ,n:-Stt'ï


lendo são mais fáceis de seguirdo que as regras oR${ì }

ffiffi
para ficar acordadoenguantose lê . . . conseguir
ficar acordado,ou não, dependeem grandeparte
da metavisadana leitura".
A esta altura esperotenha deixado claro que,
para compreendê-lae para a leitura se efetivar, -''ffi*#ltÈoï'''
deve preencheruma lacunaem nossavida, precisa '.
vir ao encontrode uma necessidade,de um desejo
de expansãosensorial,emocionalou racional,de
urna vontade de conhecer mais. Essessão seus
pré+equisitos.A eles se acrescentamos estímulos Parucompreendê-lae pra a leitura seefetivu, darc
e os percalçosdo mundo exterior, suasexigências preencheruma lacunaem nosv vida.
t4 fuIariaHelera Martins 85
O que é Leifiira

e recoÍnpensas. E, se pensarmosespecialmente na
leituraa nível racional,há que consideraro esforço sacolejante,estdvamtotalmente imersos no seu
para realizá-la.O homerné um ser pensantepor radinho de pilha, na fotonovela, no romance;
natureza,massuacapacidadede raciocínioprecisa num artigo científico ou nurna fotografia; na
rememoraçâo de um filme, de uma peçateatral,
de tanto treinamento quanto necessitaseu físico
para, por exemplo, tornar-seum atleta. Nada, de urnaconversa?
Há quemsó consigaler um livro de ensaios, por
enfim, é gratuito; sequero prazer. Este, aliás, quieto em seu canto, tomando
nace de um anseiode realizaçãoplena,portanto exempl,c,sentado
notas, assinalandopassagens do texto; outros o
pressupõeuma meta e um ernpenhoparaatingi-la. pé em meio à maior
fazem deitadosou mesmo de
O treinamentopara a leitura efetiva implica que se sentem "no cinema"
balbúrdia. Há os
aprendermos e desenvolvermosdeterminadas numa das dez primei-
técnicas.Dos manuaisdidáticosaos estudosapro- apenasquandoacomodados
ras fileirasda salade exiblção, outros vão para.a
funddos sobre o ato de ler, todos oferecem de modo a tudo
última. Muitos "curtem o som"
orientações ora menos ora mais objetivas e com o volume do alto-falante,
ao redorestremecer
eficientes.Todavia,cada leitor tem que descobrir,
enquanto outros só conseguemapreciar música
criar uma técnica própria para aprimorar seu
em surdina. Enfim, cada um precisabuscaro
desempenho.Auxiliam-no, entre os fatores ime-
seu jeito de ler e aprimnrá-lopara a leitura se
diatos e externos,desdeo ambiente e o tempo
tornarcadavezmaisgratificante.
disponr'velaté o material de apoio: lápis, papel
A releitura traz muitos benefícios, oferece
ern branco, bombons, almofadas, escrivaninha a nível
subsídiosconsideráveis,'principalmente
ou poltrona, alto-falantes,fones - aí entra toda direções de modo
racional.Pode apontar novas
a parafernáliade objetosque se fazem necessários aspectos antes
a esclarecerdúvidas, evidenciar
ou que fazem parte do mise-en*ène de cada ou subestimados) apurar a consciên-
despercebidos
leitor.
cia crítica acerca do texto. propiciar novos
Se isso tudo pode influenciar criando uma ..l
elementosde comParação.
atmosfera propícia, sabidamentee com raras Uma Sasrazõespelasquaisàsvezesnossentimos
exceçõesé dispensável.Fundamental mesmo é
em realizá-la. desanimadosdiante de um texto considerado
a continuidadeda leitura,o interesse
"difícil" está no fato de supormosser em função
Ouantos leitoresjá deixarampassara sua parada paracomprÈ
porque, no ônibus superlotado, barulhento e de deficiêncianossa,de incapacidade
endê-lo.'lso em geral é um equívoco. Por que
õ llúariaHeleru Martins O queé Leitura TT

deslstirmos de uma leitura racional se temos Daí a importânciade discutir a seu respeito,de
interessee necessidadede realizâ-la?Tampouco buscar esclarecimentoscom outros leitores ou
adianta ficar relendo mecanicamente; pelo em outrostextos.
contrário,é pior. Paradiminuir a tensão,amenizar A leitura, mais cedo ou mais tarde, sempre
as dificuldades,importa muito não consideraro acontece, desde que se queira realmente ler'
texto como uma ameaça ou algo inatingível. Acima de tudo, precisamoster presenteque se
Mefhor refaxar,não sepreocuparemdecifrá-lo,'em não conseguimos,de vez, dar o pulo do gato -
descobrir o sentido, mas cercá-lo ao modo da bem, que se continue andandoainda um pouoo.
gente, pelo ângulo que mais atraia, mesmopare- pois nãoé pecadocaminhar.
cendoalgosecundáriodo texto.
Tratando-sede um livro, retomá-lo folheando
ao acasoe lendo uma ou outra passagem, sem nos
sentirmosobrigadosa entendê-la,masprocurando
apreciá-la, estabelecendorelações com outras
pÍlssagensfidas, com leituras já realizadas,quais-
quer que tenham sido os meios de expressãodos
textos ou os níveis privilegiados.Às vezeso som
das palavrasde um poema vem-nos indicar o
caminho para começar a pensií-lo;a descrição
de uma cena,de uma paisagem.de um aconteci-
mento talvez remeta a uma experiênciavivida e
facilite a compreensãodo texto; um assunto
desconhecidopode, num determinadomomento,
trazer referênciasa algo já lido e, por aí, come-
çamosa entendê-lo.
Enfim, é fundamentalnão ter preconceito,nem
receiode carrearparaa leitura quaisquervivências
anteraores;procurar questionaro texto - quem
sabe ele apresentefalhas, seja confuso, inconse-
$ente e não há por que simplesmenteaceitá-lo.
.D
.t, .D
t-

O que é Leitura at

lDo Caderno Hl, iá dtz quasetudo. Como ele,


Drummond e vários outros poetas são nossos
grandesmestresde leitura.
Entre os f iccionistas,há dezenasexcelentes
só na literaturabrasileira.Citei dois gaúchcspara
puxar a brasa para a minha sardinha. Érico
Veríssimo, em Solo de Clarineta, num tom e
extensão mais de romance, ofelece, além do
prazerdo texto solto, indícios parase ler melhor
TNDICAçÕBs PARA LEITURA e compreendermuito de sua obra. Cyro Martins,
numa linguagemsimples,relata, nas 70 páginas
de Um Menino Vai Para o Colégio,a aventurade
um garotodo campocomeçandoa ler o mundo,
Bem, indicaçõespara leitura foram dadasdesde enfrentandoos desafiose descobrindo-se na cidade
o início deste nossocontato. Seriamesmodesne- grande.
cessáriodizer que ler sobre leitura nâo faz de Do Tarzan, desnecessáriotalar mais. Ainda
ninguém um leitor. Os textos que estão aí ao encanta,em livros, quadrinhos,TV e cinema,
nossoredor, expressos em mil linguagens, à i.nteira leitores de todas as idades.Já Sartre, embora
disposição,podem ensinara ler e compreendera muito conhecido de nome, é pouco lido. Em
leitura, às vezesmuito mais do que algo escrito As Palavras,tem-se uma excelente introdução à
especificamente sobreo assunto. sua obra. Nesserelato delicioso,fácil e de leitura
Mas, como também se viu, é atravésda escrita rápida,o ato de ler e o processode formaçãodo
que a leituratem sidopensada e setorna maisfácil âutor estão imbricados,revelandocomo se fez
4rofundar uma refleião a seu respeito. Prova esseque é talvezo maior filósofo de nossoséculo.
disto está nos textos que serviramde apoio para De Jorge Luis Borges,maisque atravésdos ensaios,
o que discorri.Aliás, eles foram selecionados já lendo-seHistória Uníversal da lnfâmcrb (contos)
por serem agradáveise esclarecedores, revelando fica-sesabendoe reconhecendocomo um grande
Írsp€ctoscuriososda iniciaçãoà leitura. leitor se transforma núm escritor genial. Depois,
Para começar, melhor ir direto à poesia, à é saborear seusinúmerosoutrosliüros.
ficção, àsmemórias;Mário Quintana,lá na epígrafe Ouanto aos ensaios citados, tódos trazem
O queé Leítura 93
ln MaríaHelenaMartins

AGUIAR, Flávio.Comentáriosaosoriginaisdestetrabalho.
- afiás, da leitura, no original -, como Sartrefaz BARTHES, Roland.Le Grain de la voix; entretiens(1962'1980).
seu depoimentosobreo que sejao ato de ler, sua Paris,Éditionsdu Seuil,1981.
relaçãocom a literatura,dando exemplosde um BORGES.Jorge Luis. Del culto de los libros. In: .Otra
e outra. BuenosAires,Enecé Editores,1960.
inguisiciones.
Entre os textos mais recentesde autoresbrasi- BOSI, Ecléa. Cultura de masrne cultura popular; leiturõ de operá'
rias.Petrópolis.Vozes.1977,
leiroç encontra-sèC Ato de Ler (Cortez), de BURROUGHS, Edgar Rice. Tarzan, o filho das se/vas.São Paulo,
Ezequielda Silva. Um estudo que sistematiza CompanhiaEd. Nacíonal,1968.
aspectosbásicosda leitura, relacionando-os com CHAUI, Marilena, "Conceitos de história e obra". 19 SemináÍic
seus fundamentos psicológicose filosóficos, Interno sobre o Nacional e o Popular na Cultura Brasileira-
oferecendosubsÍdiosespecialmente para professo- FUNARTE, Rio de Janeiro,198O(inéditol.
CHIAPPIN|, Ligia. A. TV se volta para o gosto "popular". Emrê
res e bibfiotecários.E, ern Leitura em Crise na vista concedidaao jornal O Estado de SãoPaulo, São Paulo,23
E*ola {MercadoAberto), organizadopor Regina de maiode 1982.
Zilberman, há artigos e pesquisasde vários ESCARPIT, Robert & BARKER, Ronald.A fome de ler- Rio &
profsores do 19, 29 e 39 graus. Relatam-se Janeiro,FundaçãoGetúlio Vargas/MEC,1975.
experiências,discutindo as deficiênciase apon- FREIRE, Paulo. Á importância do ato de ler (em trés artigm qr.rc
se completam).Sâo Paulo,Autores AssociadoslCortez'1982.
tando saídasparao impasse da leiturae do ensino . Pedagogiado oprimido.6? ed. Rio de Janeiro. Paze Terra.
da literaturaem nossas escolas. 1978.
Paraterminar,várioslivrosda ColeçãoPrimeiros LINS; Osrnan,Do idat e da glórra; problemasinculturais braileirc.
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PASSOS
GOLEçÃOPRIMEIROS

t . Scldlw Arnaldo Sgin&l d.r Llgltl.ürc N6l8m Saldanha nltr Ah..dE Ciic À
2 . Cmünltm Arn.ldo Splndol 5t . soclohfil. CarlG B. Mar- P. Íavar€ lG . n- b
3 . 8ftdl€llt@ 8l€rdo C. Ante tiru 58 . DlFlto lnlcmlml J. llcLl Sondra Lúir R.irü ll
Biografia n6s a . G.DlLaltm Â. Mqde. Monsêrrat Filho 50 - Torla Ota-
vlano PsÍ€iÉ 60 . fdclm
. GültuË J6é tülz dG Sú.
ítl . sdlço So.al Aó fbi
Catsnl 5 . Anrqúl.m Csio Túllo Cs..
Colte 6 . Llô.rd.dc Cslo Prado lG nodrigue! Brandão 6í . Érl9 Ramos Estevie ít2 - ttbb
Jr. t. B.cl.m J. Rutino dos mblltm João da Penha 6a . Luzla MârgâEth ÂlgolEútü
Santos 8 . lrúú.trh Dlr.lto Ró€rto Lyí. Fllho Gt . F. P. MoreiE ííl . l- AD
Maria Helena Martins é de Porto Alege, onde foi pro- Culürnl T€i-
xeira Coolho 9 . Clmm J. Claú- Po.rl. Fernandô P.ixão 6il - C* tonio Csrlos Ro.fia Íta - Írl|
Cld Lrdislau Dowbor €5 . Md+ Nô Dsrci Ya9@ Ktl3n lt€ -
fessma do 19 e 29 gaw por vdrios anos. Desde 1973 ds Bêmardct l0 - lotb
do Psiroto íl . EFl9lr ilrclo
FgrnaG
v.ll. P.ulo SandÍoni 68 . Bqt Srdlhda JoãoFdElp I)r--
J. Gold€mbeÍg t2. Ulod. Tai- E Hw Flávio de Íol€do re Jr. lí6 . EFrogh Adt*t
leciona principalmente Teoria Liteúrjra e Literatura Infanto- xeira Coelho t3. ld.ologí. Ma- 67 . Com!.lc*io Juan Díaz BoÌ- Lago/JGé Augülto ÊááE lft -
rilena Chauí lil . Eubda.Ndvl denav€ 6t . nsl Paulo Cha@n Ncdoglm Nelly C{YJto Íta
Jumil no Curso de Letras da Universidade Federal do ú.ft H. Gonz.lêz 15 . Jomll] G9 . Púbnl João Bdlsta Llba- . Mldhlr HE
Kloêtzel lí9. l|o.úÉr É
t(ú
m Clóvis Ro$i í6 . AÌqolt ür. nlo t0 . Coóllid.d. Boque J&
Rio Grande do Sul, onde também fez mestrado, cuja Carlos A. C. Lemos lt . Hltló.|.
Vavy Pacheco goÌgos lE . Oras
cintho ?l . Cdt l lntemlml
Bab.h Eonakouche t2 - PoaitlYl?
rc Carlos Garcis ít.
lldrd! Gqilletm Rtii
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ÈÈr
m Jeão Bibeiro JÍ. 1il . Lo@n t2í . lGtn Lro*
dissertação foi publicada sob o título,4gonia do Heroísmo: Éo AgÉrh Jo!é G. ds Sllva 19 .
Comulldrd! Êc. d. Eü! Frei João A. Frayz€-Pereira ?4 - Lci' fZ!'@g..OsEdlF
Glt|s

Estto 20 . Educ|çlo Carlos R. tuil Mâri6 Hel6nã Martin8 75 . drade Farig 123. H L$
conts,to e tmjetória de Antônio Chirrungo @orto Alegre, Bnndão 2! . 8u@reL F. C. Oo..tao Pabadd Hglenâ Sglem lianâ B. P*illi SegÍúú tta
PÍêstês Mott. 2l . Olrdün. t6 . Punl Antonlo EivaÌ ?t . PP Eb|@Ítrl3Ú Év@fü P- fu.
IIRGS-L&PM, 1980). Atualmente faz doutoramento, na Arnddo Spiídel ãt' udíl€ p{üd. ld.ológlo N€lsn Jehr mEráes 8@ha lã - É
leandrc Konder 2a . M. Gé Gercia ?8 . ll.g|| João Rtbolrc Populü Eld. Fia de Oft'.it
ljniversidade de São Paúo, em Teoria Uterária. Tem rard Lebrun 25 . n@luçto FIG Jr. ?9 . Eduçlo FÍdc. Vltor 126. Ah Dandâ Pr.& ít -
Íe3t.n Fêm.ndes'2ú . tlültl* Marlnho de OllvelE ü) . llúdq Solcídlo f,@weh M, S. c*
realizado trabalhos para congressose seminários e publicado dd|| gernâÌdo Kúcinski 2? . J. Jota de Moraeg tl . Ho|rw sorla íá . PúEgrfr
raer e S- M- l-âpeiz l2t - Cb-
E R. fb
MÍtdhrg Râimar Richers 28 . rcrulldrdc P6t6Í Fry/Edward
aÍtigos em jornais e revistas a respeito de temas relativos a Em!..g6 . sdórlo.
Souzs 29 . IntdctuJ.
P. R. dê
Horáclo
MacÂ.e &l - fotogníb
A. Kubruslv üt - PolÍüe ilucbü
Cláudio úüq
G.r.e&
J@lyn
Bd
Bêffi
Ard.é Èã
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Gonz.lez At . n@..& Ric.rdo A;nt 84 . Modlclm Al Fred Góe! l3t - FiÈ EË


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