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Belo Horizonte
2002
FICHA CATALOGRÁFICA
OLIFIERS, Natalie
Fragmentação, habitat e as comunidades de pequenos mamíferos da bacia do rio Macacu, RJ.
ix, 81p.
Dissertação: Mestre em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre
1. Título 2. Fragmentação 3. Pequenos Mamíferos
I. Universidade Federal de Minas Gerais
II. Teses
ii
Dissertação apresentada e aprovada, em 22 de agosto de 2002, pela banca examinadora
constituída pelos professores:
____________________________
Prof. Rui Cerqueira – Orientador
____________________________
Prof. Adriano Chiarello
_____________________________
Prof. José Eugênio Côrtes Figueira
iii
Ao meu avô Johannes Sulser,
por sua vivência e dedicação inspiradoras.
iv
AGRADECIMENTOS
v
Ao Américo, por ter acompanhado parte do trabalho e ter me escutado e aconselhado
em muitos momentos.
Aos meus pais, avós e meu padrasto, por terem me apoiado durante estes dois anos e
meio (e o restante da minha vida também!);
Agradeço especialmente:
a todos os proprietários das áreas amostradas, que permitiram que o trabalho fosse
realizado;
à Luciana Araripe e seus pais e à Anecy Rademaker, por permitirem que utilizássemos
suas casas durante o trabalho de campo;
ao Fábio, por ter coordenado junto comigo todas as excursões e ter ajudado a resolver
inúmeros abacaxis;
ao Maycon, pela coleta dos dados de habitat;
à Simone Freitas, por toda a parte relacionada às fotos aéreas e de satélite;
ao Cadú, pela idéia do segundo capítulo e também ao Marquinhos, pela assistência às
dúvidas e problemas durante o trabalho de campo e a elaboração da dissertação;
à minha prima e também bióloga Martina, pelo companheirismo e aventuras desses
últimos 23 anos, que indubitavelmente resultaram na escolha de nossas profissões;
ao meu namorado Vitor, pela companhia, paciência, carinho e compreensão que
sempre teve por mim e que me guiaram durante a elaboração deste trabalho;
e ao Rui, não só por ter me orientado neste trabalho, mas por ter me ensinado o que é
ser um pesquisador.
Agradeço também ao IBAMA pela licença para a realização deste trabalho e às fontes
financiadoras, que viabilizaram a sua realização: CNPq – PRONEX, CNPq,
PROBIO/MMA/GEF, FUJB, FAPESP (BIOTA-SP).
vi
“Next to music and art, science is the greatest,
most beautiful and most enlightening
achievement of the human spirit.”
Karl Popper
vii
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS.........................................................................................................................x
LISTA DE TABELAS ...................................................................................................................... xi
RESUMO ........................................................................................................................................ xii
ABSTRACT ................................................................................................................................... xiii
INTRODUÇÃO GERAL ....................................................................................................................1
O homem e a fragmentação da paisagem.........................................................................................1
O processo de fragmentação ...........................................................................................................1
OBJETIVOS GERAIS........................................................................................................................3
viii
CAPÍTULO 2: O PADRÃO DE ORGANIZAÇÃO DAS COMUNIDADES DOS
FRAGMENTOS
INTRODUÇÃO................................................................................................................................50
METODOLOGIA.............................................................................................................................52
RESULTADOS ................................................................................................................................55
DISCUSSÃO....................................................................................................................................57
A organização das comunidades dos fragmentos ...........................................................................57
Espécies e fragmentos idiossincráticos ..........................................................................................59
CONCLUSÕES ................................................................................................................................60
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................................62
LISTA DE APÊNDICES ..................................................................................................................71
ix
LISTA DE FIGURAS
x
LISTA DE TABELAS
xi
RESUMO
xii
ABSTRACT
xiii
INTRODUÇÃO GERAL
O processo de fragmentação
1
existe uma tendência de perda de espécies mais gradual que ocorre até um determinado limite,
proporcional ao tamanho do fragmento (Wilcox 1980).
Os efeitos mais visíveis da fragmentação em si (perda e isolamento de habitat) sobre
as comunidades vegetais e animais são relativamente bem conhecidos e geralmente são
estudados utilizando conceitos da biogeografia de ilhas e metapopulacionais (Granjon et al
1996). Por outro lado, alterações nas comunidades associadas a fatores e/ou processos como a
natureza do entorno dos fragmentos, a influência do efeito de borda, a caça e extração seletiva
de madeira e a intrusão de espécies exóticas, não são bem conhecidos sob este aspecto. Estes
processos freqüentemente estão relacionados à degradação e fragmentação de habitat (Turner
& Collet 1996) numa intricada rede de causas e conseqüências, alterando a estrutura de
populações e a distribuição de espécies e possivelmente acelerando a extinção destas - o que
pode significar, em última instância, a redução da diversidade (Rhodes & Odum 1996).
Os estudos de comunidades em paisagens fragmentadas têm se intensificado nas
últimas décadas devido à crescente preocupação com a conservação das paisagens naturais
remanescentes no mundo. Embora Myers e colaboradores (2000) já tenham identificado e
proposto o direcionamento dos esforços de conservação para as áreas mais ameaçadas do
globo – os chamados “pontos quentes” de diversidade (em inglês, “hotspots”) – ainda
observa-se uma carência de estudos enfocando principalmente a fragmentação da paisagem
em algumas destas áreas, como a Mata Atlântica (Pardini 2001). O desmatamento e a
conseqüente fragmentação de habitats têm sido considerados as principais ameaças a este
bioma, que apresenta atualmente 8% de sua área de floresta original (Pinto 2000),
representada em grande parte por fragmentos de mata.
Até a década de 90, os estudos de fragmentação da paisagem no Brasil eram escassos,
destacando-se o Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF)
desenvolvido na Amazônia desde 1979 (Bierregaard et al 1992). Na década de 90, no entanto,
o governo brasileiro começou a incentivar um grande conjunto de estudos sobre a diversidade
no país, através do lançamento do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da
Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO). Neste projeto, foram iniciados diversos
estudos visando compreender melhor o processo de fragmentação da paisagem. Dentre eles,
está o subprojeto “A Fragmentação Sutil: um estudo de caso na Mata Atlântica”, do qual
este trabalho é parte integrante.
2
OBJETIVOS GERAIS
3
CAPÍTULO I: ANÁLISE DA ESTRUTURA DAS COMUNIDADES DE PEQUENOS
MAMÍFEROS
INTRODUÇÃO
Até meados da década de 80, a maioria dos estudos sobre fragmentação de habitats
baseava-se na Teoria de Biogeografia de Ilhas (Diamond & May 1976) e ressaltavam a perda
de espécies devido à redução e isolamento dos habitats. Com a intensificação dos estudos
nesta área, a aplicação da teoria nas predições de perda de espécies pela fragmentação da
paisagem e sua conseqüente utilidade na área de conservação passaram a ser questionadas
(Zimmerman & Bierregaard 1986; Bierregaard et al 1992; Gascon & Lovejoy 1998).
Observou-se que as comunidades naturais nem sempre respondiam à fragmentação como a
teoria propunha (Robinson et al 1992; Gascon & Lovejoy 1998; Debinski & Holt 2000) e que
outros aspectos da paisagem e parâmetros biológicos também deveriam ser considerados nos
estudos de comunidades em paisagens fragmentadas.
Além do tamanho e isolamento dos remanescentes, fatores como a natureza do
entorno, a forma dos fragmentos e o histórico de seu surgimento, bem como alterações
abióticas na paisagem decorrentes do processo de fragmentação, mostraram ser importantes
na determinação não só do número de espécies e suas respectivas abundâncias na
comunidade, mas também da composição de espécies (Saunders et al 1991; Fahrig &
Merriam 1994; Lomolino & Perault 2001).
4
Quando aplicada a paisagens fragmentadas, a Teoria de Biogeografia de Ilhas prediz
que o grau de isolamento dos fragmentos também afeta o número de espécies que estes
apresentam, uma vez que em fragmentos mais isolados a taxa de colonização ou
recolonização por espécies provindas de outras áreas tende a ser menor. Além disso, o fluxo
gênico reduzido entre populações de diferentes áreas, ocasionado por um grau de isolamento
acentuado, pode causar a extinção de espécies, em conseqüência dos efeitos deletérios do
endocruzamento e deriva gênica (Ralls et al 1986; Caughley 1994). Dessa maneira, a redução
na riqueza de espécies seria maximizada em fragmentos menores e mais isolados.
Neste estudo, define-se como entorno ou “matriz” toda e qualquer composição vegetal
ou de outra natureza que circunde os fragmentos estudados e que apresente fisionomia
visivelmente diferente destes. O entorno pode influenciar as comunidades animais e vegetais
de fragmentos na medida em que determina parcialmente a possibilidade de dispersão de
indivíduos entre os remanescentes e, conseqüentemente, de processos de colonização e
recolonização nestes. Funcionando de maneira seletiva, o entorno permite ou dificulta o
movimento de indivíduos de diferentes espécies entre os fragmentos (Laurance 1994; Gascon
& Lovejoy 1998).
A natureza do entorno, somada à distância entre os remanescentes e a capacidade
intrínseca de dispersão que cada espécie apresenta, definem a ocorrência de dispersão entre os
fragmentos e entre estes e outras fontes de colonizadores (Saunders et al 1991; Fahrig &
Merriam 1994), determinando, assim, o grau de isolamento efetivo dos fragmentos.
5
microclimáticas que influenciam a estrutura da vegetação e as comunidades animais do
remanescente (Laurance 1994; Murcia 1995; Didham 1997; Stevens & Husband 1998).
Alterações na temperatura, umidade e incidência de ventos são acompanhadas por mudanças
na estrutura da vegetação (Kapos et al 1997), como a maior freqüência de quedas de árvores e
formação de clareiras (Laurance 1997; Turton & Freiburger 1997; Cosson et al 1999),
alterações nas taxas de recrutamento de plântulas (Turton & Freiburger 1997), além de um
aumento na abundância de cipós, lianas e plantas de sucessão secundária (Laurance 1997;
Lovejoy et al 1986). Por sua vez, as alterações microclimáticas e do habitat desencadeiam
respostas por parte das comunidades animais ali presentes.
A forma do fragmento tende a ser diretamente relacionada à magnitude do efeito de
borda, uma vez que representa a extensão total do remanescente em contato direto com o seu
entorno. Quanto mais irregular e recortada for a forma do remanescente, espera-se que maior
seja o efeito de borda nele presente.
Em áreas onde o efeito de borda é predominante, freqüentemente observa-se uma
diminuição na riqueza ou abundância de espécies mais especialistas ou com áreas de vida
maiores, acompanhada por um aumento na riqueza ou abundância de espécies adaptadas a
ambientes alterados (Laurance 1994; Offerman et al 1995; Malcolm 1997; Harrington et al
2001). A diminuição na área total de habitats inalterados pode causar uma redução nas
populações das espécies que dependem exclusivamente de tais habitats e, em última instância,
levar ao desaparecimento destas. Da mesma forma, aquelas espécies que requerem grandes
quantidades de energia absoluta e que necessitam de áreas de vida maiores para suprirem tal
demanda energética, podem ser localmente extintas devido a eventual redução na
disponibilidade de suas fontes alimentares, ocasionada pela fragmentação da paisagem. Por
este motivo, os mamíferos de grande porte e, principalmente os predadores de topo de cadeia
alimentar, freqüentemente são os primeiros a desaparecerem em ambientes perturbados
(Lovejoy et al 1986; Chiarello 1999).
Neste capítulo são descritas a riqueza, abundância e composição de espécies de
pequenos mamíferos (roedores e marsupiais) em vários fragmentos e em uma área contínua de
Mata Atlântica. Estes parâmetros descritores de tais comunidades foram, então, relacionados a
características geográficas (forma, tamanho e grau de isolamento) e do habitat das áreas
estudadas - características estas que foram definidas pelo processo de fragmentação da
paisagem ocorrido na região.
6
METODOLOGIA
Área de estudo
Histórico de ocupação1
1
Fontes: http://www.guapimirim.com.br e http://www.cachoeirasonline.com.br, em 14/11/2002.
7
FIGURA 1. Área de estudo (modificado de LANDSAT TM5).
8
Mata contínua Fragmento 4
Fragmento 5
FIGURA 2. Algumas áreas amostradas neste estudo (Fotos: Natalie Olifiers).
9
quatro unidades de conservação em seu território, totalizando uma área correspondente a mais
de 45% de seu território destinadas à proteção.
Os fragmentos selecionados para este estudo têm áreas que variam de 15 a 70 hectares
aproximadamente, e não são severamente isolados (Tabela 1, pág.17). A maioria deles é
rodeado por pastagem em uso ou abandonada (Figura 2). No entanto, os fragmentos 1, 2, 13,
9 e 17 apresentam entornos imediatos parcialmente compostos por uma vegetação secundária,
semelhante a uma capoeira.
Segundo a observação de fotos aéreas de épocas passadas, a maioria dos
remanescentes apresentava áreas florestadas maiores que as observadas atualmente, porque
eram conectados a outros fragmentos ou à mata contínua. Os fragmentos 2 e 17 foram os
únicos que no final da década de 60 já se apresentavam isolados, sendo que o fragmento 17
apresentava-se quase completamente desmatado nesta época (Figura 3). Em 1976, o
fragmento 6 também já se apresentava isolado e o fragmento 17 havia se regenerado,
apresentando uma forma similar à atual (Figura 4). Em 1996, todos os demais remanescentes
estudados já estavam isolados, tendo-se observado uma redução em suas áreas de mata e um
incremento no isolamento destes. A Figura 5 mostra o aspecto de um trecho da paisagem no
ano de 1996, evidenciando alguns dos fragmentos estudados.
Assim, a fragmentação na região ocorreu de forma gradual, com a eventual
recuperação de algumas áreas anteriormente desmatadas, como o fragmento 17. Ainda, a
grande maioria dos fragmentos estudados formou-se há 25 anos no máximo, originando-se a
partir da subdivisão de remanescentes maiores.
Verificou-se durante as coletas de pequenos mamíferos que alguns remanescentes
foram parcialmente afetados por queimadas da vegetação de entorno, como os fragmentos 5 e
18. Também se constatou indícios de extração seletiva de madeira, intrusão de gado e/ou de
caçadores em todos os fragmentos e na área de mata contínua. Portanto, além da redução do
habitat ocasionada pela fragmentação da paisagem, todas as áreas também apresentaram
perturbações diretas relacionadas à presença humana.
10
FIGURA 3. Foto aérea do ano de 1969 de um trecho da bacia do rio Macacu (USAF 1969). Os fragmentos 17,
18 e 19 estão evidenciados. Nesta época, o fragmento 17 estava quase completamente desmatado. Escala
1:60000.
11
FIGURA 4. Foto aérea do ano de 1976 de um trecho da bacia do rio Macacu (FUNDREM 1976). Os fragmentos
17, 18 e 19 estão identificados na foto. Escala 1:40000.
12
FIGURA 5. Foto aérea do ano 1996 de um trecho da bacia do rio Macacu (Fundação CIDE 1996). Os
fragmentos 17 e 19 estão identificados na foto. Escala 1:20000.
13
Metodologia de coleta
FIGURA 6. Esquema hipotético dos transectos em um fragmento. As linhas pretas representam os transectos. Os
pontos vermelhos representam as estações de captura no entorno e os azuis são as estações dentro do fragmento.
aprox.= aproximadamente.
14
Em cada estação de captura foram colocadas uma armadilha Sherman (7,62cm x
9,53cm x 30,48cm) e uma Tomahawk (40,64cm x 12,70cm x 12,70cm), apropriadas para a
captura de animais vivos com até 3Kg. Em seis estações de cada transecto, uma destas duas
armadilhas era colocada acima do solo (de 1 a 2 metros de altura) para a captura de mamíferos
de hábitos predominantemente arborícolas. Três delas eram do tipo Sherman e três do tipo
Tomahawk. As armadilhas colocadas em árvores foram dispostas alternadamente nos pontos
de captura, de maneira que uma estação que possuía armadilha Sherman acima do solo era
sempre intercalada por estações de captura que apresentavam Tomahawks acima do solo. As
armadilhas em árvores eram colocadas em pontos onde havia conexão entre as copas das
árvores e, portanto, não necessariamente eram dispostas em estações de captura consecutivas.
Cada coleta teve duração de cinco noites consecutivas e a isca utilizada era uma
mistura composta de toucinho, aveia, banana e pasta de amendoim.
Os indivíduos capturados foram levados para o Laboratório de Vertebrados (UFRJ) e
identificados por características morfológicas e/ou por cariotipagem. Todos os animais estão
sendo depositados no Museu Nacional (RJ) e no Museu de Zoologia da Universidade de São
Paulo (MZUSP).
Os tamanhos dos fragmentos foram obtidos pelo cálculo de suas áreas projetadas e
suas formas foram quantificadas pela razão entre os seus perímetros reais (p) e os perímetros
que apresentariam se fossem perfeitamente circulares (mantendo a mesma área total):
p
E=
2 aπ
15
O valor mínimo do índice E é 1, e ocorre quando o fragmento apresenta uma forma
perfeitamente circular; quanto maior o valor do índice, mais recortada é a forma do
fragmento. Para os controles, foram estabelecidos valores de forma arbitrários menores que os
apresentados por todos os fragmentos amostrados, uma vez que se supõe que o efeito de borda
seja menor nestas áreas. Tal efeito deve ser ainda menor no controle A, por localizar-se longe
da borda da mata. Assim, estabeleceu-se o valor 0.9 para o índice de forma do controle A
(embora o valor mínimo fornecido pela fórmula apresentada acima seja 1) e o valor 1 para o
controle B (Tabela 1).
O tamanho da mata contínua onde os controles localizavam-se foi arbitrariamente
estabelecido como sendo o tamanho total do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Tabela
1)2. Este valor foi escolhido com o intuito de salientar o fato dos controles estarem localizados
em uma mata contínua, que possui área total muito superior a dos fragmentos amostrados. O
grau de isolamento, por sua vez, foi obtido pela menor distância entre cada fragmento
amostrado e a área de mata mais próxima (outro remanescente ou mata contínua) com
tamanho aproximadamente igual ou superior ao do fragmento estudado. Para os controles, o
isolamento foi considerado nulo, já que localizam-se em mata contínua.
Uma medida adicional foi obtida pela menor distância entre as áreas amostradas neste
trabalho (Apêndice 4). A intenção de tal medida foi verificar se áreas mais próximas
apresentavam composição de espécies mais parecidas, o que poderia ser um indício de que
processos de dispersão seguidos de colonização estariam influenciando a estrutura das
comunidades estudadas.
As medidas de área, perímetro e distâncias foram obtidas utilizando-se o programa
Excluído: 1999
ArcView 3.1 (ESRI 1999) e imagens de satélites (LANDSAT TM 5), adquiridas do Instituto
de Pesquisas Espaciais (INPE).
2
Embora a área efetiva amostrada nos controles A e B seja muito inferior ao valor estabelecido neste trabalho, a maioria das análises
envolvendo medidas de área e forma foi feita utilizando correlação por postos (não-paramétrica). Assim, a escolha de tais valores arbitrários
tanto para a área como também para a forma dos controles não prejudica as análises.
16
TABELA 1. Tamanho, forma e grau de isolamento das áreas amostradas.
Descritores do habitat
17
Adicionalmente, algumas espécies de pequenos mamíferos alimentam-se ocasionalmente de
frutos de cecropiáceas (Grelle & Garcia 1999) ou locomovem-se e constróem ninhos
utilizando cipós (Emmons & Feer 1997).
Árvores predominantes a Categoria de árvores com maior ocorrência na estação Pequeno porte (1)
de captura Médio porte (2)
Grande Porte (3)
Indivíduos da Família Cecropiaceae nas estações de Presença (1)
Embaúbas
captura Ausência (0)
Cipós com perímetro superior a aproximadamente Presença (1)
Cipós
5 cm nas estações de captura Ausência (0)
Aberta (1)
Cobertura vegetal b Grau de abertura do dossel em cada estação de captura Semi-aberta (2)
Fechada (3)
Gramíneas nas estações de captura Presença (1)
Gramíneas Ausência (0)
Indivíduos de Astrocaryum aculeatissimum nas estações Presença (1)
Irizeiros
de captura Ausência (0)
18
de cursos d’água (Davis 1947; Fonseca & Kierulff 1989; Emmons & Feer 1997). Os demais
descritores caracterizam a estrutura da vegetação e podem, portanto, influenciar as
comunidades de pequenos mamíferos (ex. August 1983; Stallings 1988; Gentile & Fernandez
1999).
Natalie Olifiers
FIGURA 7. Sub-bosque do fragmento 5, mostrando indivíduos de Astrocharium aculeatissimum (palmeiras).
Cada um dos fragmentos e controles foi caracterizado por um único valor de cada
descritor do habitat (ver Tabela 7, pág.34 ). Para isso, cada descritor foi quantificado pela sua
freqüência de ocorrência em cada área amostrada (razão entre o número total de presenças do
descritor nas estações de captura e o número total de medidas obtidas deste descritor em cada
área). Como os descritores “sub-bosque, cobertura vegetal e árvores predominantes” foram
representados por três categorias, cada estação de captura foi caracterizada por um desses três
estados e em seguida foi calculada a média desses valores obtidos para cada área. O descritor
sub-bosque, por exemplo, foi quantificado em cada área a) atribuindo-se o valor 1 para o
estado de sub-bosque aberto, 2 para semi-aberto e 3 para fechado, b) somando todos estes
valores e c) dividindo pelo número total de medidas obtidas do descritor na área. Dessa
maneira, os valores desses descritores variaram de 1 a 3, sendo maiores quando o sub-bosque
total das áreas é mais fechado e menor se for relativamente mais aberto.
A partir dos valores adquiridos de cada um dos nove descritores em cada área, foi
realizada uma Análise de Componentes Principais (ACP) baseada em matriz de correlação.
Somente os componentes principais (eixos fatoriais) que apresentaram autovalores maiores
que 1 foram considerados, segundo o critério de Kaiser-Guttmann (1960, apud Legendre &
Legendre, 1998). Todas as análises subseqüentes envolvendo descritores de habitat foram
efetuadas utilizando os valores dos componentes principais (factor scores), que são os valores
das coordenadas das amostras no novo sistema de eixos gerado pela ACP. Assim, a ACP foi
19
utilizada neste trabalho com o objetivo de reduzir o número de variáveis de habitat a serem
analisadas.
As medidas relacionadas à estrutura do habitat dos pequenos mamíferos foram obtidas
de maneira simples e têm como finalidade caracterizar de forma geral o ambiente e a estrutura
da vegetação dos fragmentos e controles, investigando se as comunidades de pequenos
mamíferos respondem às possíveis diferenças no habitat das áreas estudadas.
Composição de espécies
3
As espécies definidas como “predominantemente arborícolas” e “predominantemente terrestres” são, respectivamente, aquelas
capturadas com maior frequência acima do solo e no solo (Apêndice 2).
20
similaridades entre todas as áreas em relação àquela variável. Em seguida, as similaridades
foram transformadas em dissimilaridades pela fórmula D=1-S, sendo S o valor de índice de
similaridade e D a medida de dissimilaridade entre as áreas. Como as distâncias reais entre as
áreas amostradas já caracterizam uma medida de “dissimilaridade” entre elas (porque os
valores aumentam quanto mais distantes as áreas são entre si), a matriz desta variável foi
utilizada na regressão múltipla sem nenhuma modificação4.
O índice de similaridade parcial de Gower5 (Gower 1971 apud Legendre & Legendre
1998, pág. 258) foi calculado para quantificar a similaridade entre cada par de áreas
amostradas, em relação às medidas de habitat (componentes da ACP) e às medidas de
tamanho, forma e grau de isolamento das áreas amostradas.
Os valores do índice variam de 0 a 1 e sua fórmula é descrita como:
J= j / (A+B-j)
onde,
j = número de espécies comuns entre as áreas 1 e 2;
A = número de espécies na área 1;
B = número de espécies na área 2.
4
A transformação dos valores de similaridade em dissimilaridade não é estritamente necessária para a análise de regressão múltipla de
matrizes. Entretanto, como a matriz de distância entre as áreas amostradas pode ser considerada uma matriz de dissimilaridade e não poderia
ser transformada em similaridade, optou-se por transformar todas as matrizes de similaridade das demais variáveis em dissimilaridade.
Dessa maneira, interpretação dos sinais dos coeficientes de regressão parcial é direta. Se matrizes com significados opostos (similaridade e
dissimilaridade) fossem analisadas na regressão múltipla, sinais negativos de correlação entre elas denotariam relações positivas, gerando
confusão.
5
A fórmula apresentada nesta dissertação compreende somente a similaridade parcial do índice de Gower. A fórmula completa
consiste numa média das similaridades parciais dos n descritores que se deseja analisar. Para maiores detalhes, consultar Legendre &
Legendre (1998).
21
Uma vez obtidas as matrizes de composição de espécies, dos descritores geográficos e
dos valores dos componentes principais da ACP (factor scores), foi realizada a regressão
múltipla no programa Permute! (Legendre et al 1994; Casgrain 2001), desenvolvido para
computadores Macintosh.
Para o cálculo do coeficiente de determinação múltipla (R2), utilizou-se o
procedimento de seleção “de trás para frente” (em inglês, forward selection), com
probabilidade de entrada das variáveis no modelo p=0,10 e, em seguida, as variáveis incluídas
no modelo pelo procedimento anterior foram submetidas a uma retroeliminação (backward
elimination), com probabilidade de eliminação p=0,05. A significância de R2 foi obtida
permutando-se aleatoriamente 999 vezes os valores da matriz que representa a variável
dependente (composição de espécies) e recalculando-se a cada permutação, o coeficiente de
determinação múltipla daquela aleatorização. Subseqüentemente, o valor real do R2 da
regressão múltipla foi comparado ao da distribuição dos valores gerados aleatoriamente, como
descrito em Legendre e colaboradores (1994), obtendo-se assim, o valor de significância do
R2.
Um aspecto importante sobre correlações envolvendo especificamente matrizes
geradas a partir de índices de dissimilaridade ou similaridade diz respeito ao fato delas
descreverem somente se dois descritores variam ou não juntos, não informando a natureza
desta relação (se é positiva ou negativa). Uma correlação positiva e significativa entre duas
matrizes de similaridade significa que os descritores representados pelas matrizes variam
juntos, positivamente ou negativamente. Por outro lado, uma correlação negativa entre as
matrizes aparentemente significa que a variação em um dos descritores não é acompanhada
pela variação do outro descritor e, portanto, ambos não possuem relação. Portanto, uma
correlação negativa simples entre duas variáveis quaisquer não tem o mesmo significado
estatístico do que uma correlação negativa de matrizes de índices de similaridade (ou
dissimilaridade) entre as mesmas duas variáveis. Por exemplo, se existe uma correlação
negativa simples entre duas variáveis, a correlação entre matrizes de similaridade (ou
dissimilaridade) dessas mesmas duas variáveis seria positiva, indicando que elas estão
relacionadas de alguma maneira. A natureza desta relação, entretanto, só seria descoberta pela
correlação simples. Quando se deseja verificar a influência de diversas variáveis sobre a
composição de espécies - como no caso deste estudo - não é possível a realização de uma
correlação simples entre estas variáveis, porque a composição de espécies não pode ser
expressa quantitativamente, como a riqueza ou abundância de espécies. Dessa maneira, a
22
correlação ou regressão de matrizes pode ser realizada, utilizando índices de similaridade ou
dissimilaridades.
O programa Permute! foi criado para análises de matrizes de naturezas diversas e não
especificamente para matrizes de índices de dissimilaridade ou similaridade.
Conseqüentemente, possíveis correlações negativas entre as matrizes de dissimilaridade
seriam incorporadas no modelo de regressão e contribuiriam para o cálculo do coeficiente de
regressão múltipla, embora tais correlações implicassem, na verdade, que os descritores não
tem relação alguma. Devido a este fato, quando foi observada uma correlação negativa entre
matrizes de dissimilaridade representando a variável dependente (composição de espécies) e
uma variável independente, esta última foi excluída da regressão múltipla (ver Apêndice 8).
Com a matriz de similaridade na composição de espécies (Apêndice 3) e distância
entre as áreas amostradas (Apêndice 4) foram realizadas análises de agrupamento, utilizando
como medida de distância o Método de Ward (Legendre & Legendre 1998). Os dendrogramas
obtidos por análises de agrupamento são bastante ilustrativos e facilitam a visualização de
possíveis padrões.
Como os controles localizam-se em uma área de mata contínua que apresenta tamanho
muito superior ao dos fragmentos, grau de isolamento zero e efeito de borda provavelmente
muito pequeno quando comparado aos fragmentos as análises poderiam ser muito
influenciadas somente por eles e não refletirem padrões apresentados pela maioria das áreas
amostradas (os fragmentos). Assim, todos os cálculos envolvendo os descritores geográficos
foram refeitos considerando somente os fragmentos, e os resultados foram comparados
àqueles obtidos quando os controles eram considerados nas análises.
A abundância, riqueza e composição de espécies compreendem a soma dos dados
obtidos nas duas coletas realizadas em cada área, não considerando os indivíduos capturados
no entorno dos fragmentos e do controle B.
RESULTADOS
23
totais (Figura 8). A abundância de marsupiais foi maior no interior das áreas amostradas
(62%), enquanto a de roedores foi maior no entorno (86%).
a) Total b) Interior
Demais Demais
N. squamipes Demais
Demais roedores marsupiais
roedores
marsupiais 9% 4% M. incanus 1%
8%
1% 5%
A. cursor
M. incanus A.cursor
M. 30%
5% 31%
travassossi
M. 9%
travassossi
8% M.
nudicaudatus
M. 6%
nudicaudatus
6% P. frenatus
P. frenatus 8%
9% D. aurita D. aurita
27% 33%
c) Entorno
N. squamipes
17%
Demais
roedores
5% A. cursor
D. aurita 49%
8%
P. frenatus
6%
R. rattus
5% Oxymicterus
sp.
10%
FIGURA 8. Porcentagem de indivíduos de cada espécie capturada nas áreas amostradas, (a) considerando as
capturas do interior e entorno das áreas (total); (b) considerando somente os indivíduos capturados no interior e
(c) somente os indivíduos capturados no entorno das áreas amostradas. O preenchimento com traços representa
as espécies de marsupiais, as demais espécies são roedores. O nome completo das espécies é mostrado nas
Tabelas 3 e 4.
24
somente Philander frenatus (cuíca-cinza-de-quatro-olhos) e Didelphis aurita (gambá)
ocorreram também no entorno (Tabela 4).
A abundância das espécies variou muito entre as áreas, mas o roedor Akodon cursor e
o marsupial Didelphis aurita apresentaram o maior número de capturas em 72% dos
fragmentos amostrados, sendo as espécies mais abundantes deste estudo (Figuras 8a e 9). A
riqueza variou de cinco a 11 espécies e foi maior na mata contínua (controles A e B) e no
fragmento 13, e menor nos fragmentos 1, 2 e 19 (Figura 10).
FIGURA 9. Algumas das espécies mais abundantes nas florestas da bacia do rio Macacu. (Fotos: Vitor
Rademaker).
25
TABELA 3. Espécies de pequenos mamíferos capturados no interior das áreas amostradas e suas respectivas abundâncias. A abundância total corresponde ao número total de
indivíduos capturados em cada área. As espécies em negrito são marsupiais.
Espécies Frag.1 Frag.2 Frag.4 Frag.5 Frag.6 Frag.9 Frag.13 Frag.16 Frag.17 Frag.18 Frag.19 Controle A Controle B
Caluromys philander 1 1 1
Didelphis aurita 5 12 22 19 9 10 33 3 18 18 23 24 28
Marmosops incanus 3 2 4 1 10 8 4 2
Metachirus nudicaudatus 1 6 10 1 4 6 3 2 3 5 1 2
Micoureus travassossi 2 13 9 3 2 8 2 6 9 5 1
Monodelphis sp. 1 1
Philander frenatus 7 2 22 6 7 2 11 1
Akodon cursor 9 23 2 16 1 22 3 41 26 11 28 17 4
Nectomys squamipes 1 1 1 4 4
Oecomys gr. concolor 1 1 1 2 1 2 1
Oligoryzomys nigripes 2 1
Oryzomys gr. subflavus 2 1
Oryzomys russatus 13 5
Oxymicterus sp. 3 1
Phyllomys brasiliensis 1 1
Phyllomys nigrispinus 1 2
Rhipidomys spn. 1 1
Sciurus aestuans 1
Trinomys sp. 1
Abundância total 19 45 61 48 40 52 68 55 74 43 62 68 50
Sucesso de captura (%) 1,6 3,8 5,1 4,0 3,3 4,3 5,7 4,6 6,2 3,6 5,2 4,2 5,7
26
TABELA 4. Espécies capturadas no entorno dos fragmentos e no controle B, mostrando suas respectivas abundâncias. As espécies em negrito são marsupiais.
Espécies Frag.1 Frag.2 Frag.4 Frag.5 Frag.6 Frag.9 Frag.13 Frag.16 Frag.17 Frag.18 Frag.19 Controle B
Didelphis aurita 1 1 1 1 1 3
Philander frenatus 3 2 1
Akodon cursor 4 6 4 1 9 10 1 3 7 3
Euryzygomatomys spinosus 1
Nectomys squamipes 2 1 9 3 2
Oecomys gr. concolor 2
Oligoryzomys nigripes 1 1
Oxymicterus sp. 1 4 5
Rattus rattus 2 1 1 1
Abundância total 6 9 5 2 2 2 28 15 4 4 14 8
Sucesso de captura (%) 1,5 2,25 1,25 0,5 0,5 0,5 7 3,75 1 1 3,5 2
27
16 80
74
68 68
14
62 61
12 55
60
11
52
10 50
10
Área e Riqueza
48
10
Abundância
45
43 9 9
40 8 8
8 40
6 6 6
6
5 5
5
19
4 20 Riqueza
Abundância
2 Log2 área
0 0
Controle A
Frag. 18
Frag. 6
Frag. 17
Frag. 19
Frag. 5
Frag. 4
Frag. 9
Frag. 13
Frag. 16
Controle B
Frag. 1
Frag 2
FIGURA 10. Riqueza e abundância total de espécies dos fragmentos e controles. As áreas estudadas são dispostas em
ordem crescente de tamanho, da esquerda para a direita.
28
TABELA 5. Correlações de Spearman entre riqueza de espécies e tamanho, forma e isolamento (a) dos
fragmentos e controles (N=13) e (b) somente dos fragmentos (N=11). Os valores de p são mostrados entre
parênteses. As correlações significativas estão em negrito (p<0,05). Arborícolas = espécies predominantemente
arborícolas; Terrestres = espécies predominantemente terrestres.
12
10
8
Riqueza
0
0 2 4 6 8 10 12 14 16
log2 área (ha)
FIGURA 11. Riqueza de espécies por tamanho das áreas amostradas. Os controles A e B estão representados por
pontos abertos.
29
Com relação às abundâncias de espécies, Didelphis aurita mostrou-se negativamente
correlacionado com o grau de isolamento das áreas (Tabela 6a; Figura 12). A abundância de
Micoureus travassossi diminui em áreas maiores (Tabela 6a; Figuras 13). Entretanto, quando
os controles são excluídos da análise, nenhuma correlação significativa é encontrada para
estas espécies (Tabela 6b). A abundância do roedor Akodon cursor, por sua vez, tende a ser
maior em áreas com bordas mais recortadas (Tabela 6; Figura 14).
TABELA 6. Correlação de Spearman entre a abundância das espécies com maiores ocorrências e capturas no
estudo e o tamanho, forma e isolamento (a) de todas as áreas amostradas (N=13) e (b) somente dos fragmentos
(N=11). Os valores em negrito correspondem às correlações significativas (p<0,05); entre parênteses estão os
valores de p.
30
D. aurita
35
30
25
Abundância
20
15
10
0
0 200 400 600 800
FIGURA 12. Abundância de Didelphis aurita em função do grau de isolamento das áreas amostradas. Os pontos
sem preenchimento representam os controles A e B.
M. travassossi
14
12
10
Abundância
0
0 2 4 6 8 10 12 14 16
Log2 área
FIGURA 13. Abundância de Micoureus travassossi em função do log2 do tamanho das áreas amostradas. Os
pontos sem preenchimento representam os controles A e B.
31
A. cursor
50
40
Abundância
30
20
10
0
0.9 1.1 1.3 1.5 1.7
Forma
FIGURA 14. Abundância de Akodon cursor em função da forma das áreas estudadas. Os pontos sem
preenchimento representam os controles A e B.
Os valores dos descritores de habitat obtidos para cada fragmento e controles são
mostrados na Tabela 7. As coordenadas dos descritores de habitat no novo sistema de eixos da
ACP (factor loadings) estão listadas na Tabela 86. Estes valores de coordenadas podem ser
interpretados como coeficientes de correlação entre as variáveis (descritores de habitat) e os
eixos dos componentes principais da ACP.
Os descritores “cobertura vegetal”, “irizeiros”, “embaúbas” e “gramíneas”
correlacionam-se positivamente com o eixo do primeiro componente principal, e o descritor
“árvores predominantes” correlaciona-se negativamente com tal eixo. Por sua vez, o descritor
“troncos caídos” varia negativamente com o eixo do segundo componente principal. Nenhum
dos descritores de habitat apresentou correlação alta (maior ou igual a 0,70) com o eixo do
terceiro componente principal e, por último, o descritor “cipós” varia negativamente com o
eixo do quarto componente principal.
6
Os valores dos componentes principais (factor scores) estão listados no Apêndice 5.
32
A riqueza de espécies predominantemente terrestres varia negativamente com o
segundo componente, sendo maior em áreas que apresentam principalmente maior
disponibilidade de troncos caídos (Tabelas 8 e 9).
TABELA 7. Freqüência de ocorrência dos descritores de habitat nos fragmentos e controles. Os maiores valores
de cada descritor estão ressaltados em negrito.
Descritores
de Habitat → Água AP Embaúbas Cipós CV Gramíneas Irizeiros SB Troncos
Áreas ↓
Frag.1 0,000 2,218 0,091 0,818 2,127 0,000 0,273 1,836 0,509
Frag.2 0,000 2,000 0,017 0,600 2,083 0,000 0,233 1,915 0,533
Frag.4 0,000 2,271 0,050 0,983 2,083 0,000 0,417 2,200 0,617
Frag.5 0,000 1,793 0,083 0,867 2,700 0,133 0,717 1,733 0,717
Frag.6 0,033 2,271 0,083 0,933 1,847 0,000 0,433 2,200 0,183
Frag.9 0,033 1,782 0,283 0,783 2,550 0,183 0,667 2,517 0,583
Frag.13 0,000 2,100 0,017 0,933 2,233 0,000 0,083 1,967 0,800
Frag.16 0,121 2,000 0,103 0,759 2,414 0,138 0,276 2,069 0,759
Frag.17 0,000 1,933 0,067 0,983 2,617 0,050 0,617 1,983 0,600
Frag.18 0,033 1,695 0,133 0,850 2,633 0,100 0,683 2,186 0,733
Frag.19 0,017 1,967 0,067 0,867 2,650 0,183 0,883 2,145 0,783
Controle A 0,217 2,255 0,067 0,833 2,600 0,000 0,433 1,967 0,767
Controle B 0,200 2,259 0,000 0,900 2,288 0,000 0,650 2,122 0,817
NOTA: Valores maiores de árvores predominantes (AP) indicam uma maior freqüência de árvores de médio a grande porte nas áreas; valores
maiores de sub-bosque (SB) e cobertura vegetal (CV) indicam maiores freqüências da condição semi-aberta a fechada destas variáveis nas
áreas amostradas. Troncos = troncos caídos.
33
TABELA 8. Correlação entre os nove descritores de habitat analisados e os eixos dos componentes principais
(factor loadings). Correlações iguais ou maiores que 0,70 são mostradas em negrito. % Tot Expl. = porcentagem
total da variância explicada pelo componente.
TABELA 9. Correlação de Spearman entre a riqueza de espécies e os valores dos componentes da ACP (factor
scores), obtidos a partir dos descritores de habitat (N=13). Valores de p são mostrados entre parênteses. Os
coeficientes em negrito são significativos (p<0,05). Arborícolas = espécies predominantemente arborícolas;
Terrestres = espécies predominantemente terrestres.
Riqueza Componente 1 Componente 2 Componente 3 Componente 4
Total 0,017 (0,957) -0,538 (0,058) -0,427 (0,146) 0,206 (0,499)
Arborícolas 0,366 (0,218) -0,159 (0,603) -0,502 (0,080) 0,375 (0,207)
Terrestres -0,132 (0,667) -0,601 (0,030) -0,278 (0,357) 0,096 (0,756)
34
TABELA 10. Correlação de Spearman entre a abundância das espécies com maiores ocorrências e capturas nas
áreas estudadas e os valores dos componentes principais (factor scores). Os valores de p são mostrados entre
parênteses. Os valores em negrito são significativos (p<0,05).
Espécies Componente 1 Componente 2 Componente 3 Componente 4
A. cursor 0,577 (0,039) -0,192 (0,529) 0,291 (0,334) 0,181 (0,553)
D. aurita 0,028 (0,929) -0,713 (0,006) -0,250 (0,409) -0,292 (0,334)
M. incanus -0,499 (0,083) -0,289 (0,338) 0,043 (0,890) -0,351 (0,239)
M. nudicaudatus 0,028 (0,928) 0,472 (0,104) -0,153 (0,619) 0,128 (0,678)
M. travassossi 0,219 (0,473) 0,069 (0,822) 0,097 (0,753) -0,745 (0,003)
P. frenatus -0,145 (0,638) 0,349 (0,243) -0,232 (0,445) -0,507 (0,077)
Composição de espécies
35
Frag.1
Frag.2
Frag.5
Frag.6
Frag.19
Frag.9
Frag.18
Frag.4
Frag.13
Frag.16
Frag.17
Controle B
Controle A
FIGURA 15. Similaridade na composição de espécies das áreas amostradas. Quanto menor a distância de
ligação, maior a similaridade na composição de espécies das áreas (ver Apêndice 3).
Frag.1
Frag.2
Frag.13
Frag.17
Frag.19
Frag.18
Frag.4
Frag.5
Controle B
Controle A
Frag.6
Frag.9
Frag.16
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Distância de ligação
FIGURA 16. Distância entre as áreas amostradas. Quanto menor a distância de ligação, mais próximas são as
áreas amostradas (ver Apêndice 4).
36
TABELA 11. Regressão múltipla entre matrizes de dissimilaridade representando a composição de espécies
(variável dependente) e descritores geográficos e componentes da ACP (variáveis independentes) (a) dos
fragmentos e controles e (b) somente dos fragmentos. O valor do coeficiente de determinação múltipla (R2) é
mostrado em negrito. b = coeficiente de regressão parcial; p = probabilidade; Tamanho = tamanho das áreas
amostradas; Distância = distância entre as áreas amostradas.
a) Fragmentos e controles B p
R2 0,274 0,001
b) Fragmentos* b p
R2 0,097 0,035
*Na regressão envolvendo somente os fragmentos, a Análise de Componentes Principais (ACP) foi refeita utilizando somente os
dados dos fragmentos. Nesta análise, foram considerados três eixos de componentes principais, que apresentaram autovalores
superiores a 1. Os Apêndices 6 e 7 mostram, respectivamente, as correlações entre os descritores de habitat e os eixos dos
componentes principais (factor loadings) e os valores dos componentes principais no novo sistema de eixos (factor scores).
DISCUSSÃO
Riqueza e área
37
Pequenas”; Lomolino 2000). Portanto, uma relação positiva entre riqueza e tamanho dos
fragmentos estudados neste trabalho não é necessariamente esperada, já que todos apresentam
áreas menores que 100 hectares, o que pode ser considerado pequeno, considerando o grupo
estudado (roedores e marsupiais).
Oliveira (2001) não encontrou relação entre riqueza de pequenos mamíferos e a área
dos fragmentos de Mata Atlântica que estudou, atribuindo este resultado à pequena variação
nos tamanhos dos fragmentos (1,28 a 15 hectares). A ausência de relação foi devida ao fato de
na relação espécie-área, o número de espécies não variar na mesma escala do tamanho dos
fragmentos. Na verdade, a riqueza diminui (ou aumenta) mais lentamente que a área, havendo
a necessidade de uma variação relativamente grande de tamanhos dos fragmentos para que
diferenças nas riquezas de espécies possam ser detectadas. Isto ocorre porque os valores de
inclinação da reta da relação espécie-área (z) geralmente são baixos - variando entre 0,20 e
0,50 (Lomolino 2000) - principalmente em fragmentos de habitat (Lomolino 1984).
Se os dados de tamanho de fragmentos e riqueza de pequenos mamíferos do estudo de
Oliveira (2001) forem somados aos deste trabalho - aumentando, assim, a variação de
tamanhos de fragmentos analisados - ainda observa-se uma ausência de relação entre tamanho
e riqueza de espécies (Rs=0,345; N=20; p=0,130), o que favorece a hipótese alternativa de que
o Efeito de Ilhas Pequenas seja a principal razão para a ausência de relação significativa entre
estas duas variáveis.
Quando os controles são considerados na análise, a relação espécie-área aparece
(Figura 11; Tabela 5a). Isto ocorre porque os controles localizam-se em uma mata contínua,
cuja área é muito superior a dos fragmentos. Somente o Parque Nacional da Serra dos Órgãos,
que é conectado à mata onde os controles A e B foram estabelecidos, apresenta 11460
hectares. Na mata contínua, a ação de eventos estocásticos locais não teria o poder de causar
alterações na riqueza total de espécies, que seria determinada principalmente pela grande área
total de mata (devido ao efeito da área sobre as populações e/ou à maior heterogeneidade
ambiental).
Neste trabalho, a área efetiva amostrada em cada fragmento e controle foi igual. Para a
mata contínua, este esforço empregado foi muito pequeno dado o seu tamanho total e,
portanto, sua riqueza certamente foi subestimada. Ainda assim, o número de espécies foi
maior do que o de todos os fragmentos. Se espécies capturadas em amostragens adicionais
realizadas nesta mata e no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (dados não publicados,
coletados pelo Laboratório de Vertebrados) forem somadas à riqueza dos controles A e B, o
38
número de espécies da mata contínua passa a ser maior que o dobro do apresentado pelos
controles A e B (24 espécies no total), confirmando a sua maior riqueza.
A ausência de relação entre riqueza de espécies predominantemente arborícolas e o
tamanho das áreas amostradas não é confiável, porque os estratos superiores da floresta não
foram amostrados. Algumas espécies só ocorrem em tais estratos e raramente descem ao solo
ou aos estratos inferiores da floresta. A espécie Caluromys philander, representada neste
estudo por somente 3 indivíduos, é um marsupial característico dos altos estratos da floresta
(Passamani 2000) e provavelmente foi subamostrado neste estudo, assim como outras
espécies de hábitos essencialmente arborícolas.
Riqueza e isolamento
O grau de isolamento das áreas amostradas não apresentou grandes variações (Tabela
1), já que a bacia do rio Macacu ainda apresenta uma grande porcentagem de sua área coberta
por matas (Figura 1).
As pequenas distâncias entre os fragmentos estudados e fontes potenciais de
colonizadores resultam em um isolamento inefetivo dos remanescentes, principalmente em
relação às espécies terrestres de pequenos mamíferos, que tendem a apresentar maiores
capacidades de dispersão. Por este motivo, tanto a riqueza quanto a composição de espécies
não variam em função do grau de isolamento dos fragmentos, nem quando os controles são
considerados na análise. Espécies como o gambá (Didelphis aurita) e a cuíca-marrom-de-
quatro-olhos (Metachirus nudicaudatus), por exemplo, possuem capacidades de locomoção
relativamente grandes (Cerqueira et al 1993, Gentile & Cerqueira 1995) e provavelmente
percorrem áreas maiores que os limites de muitos dos fragmentos estudados, podendo
portanto, colonizar novas áreas. Por sua vez, muitas espécies de roedores parecem utilizar o
entorno (Tabela 4), o que também facilitaria a colonização de novos fragmentos por estas
espécies.
Riqueza e forma
O número de espécies não tem relação com a forma apresentada pelas áreas
amostradas (Tabela 5). As possíveis diferenças na magnitude das alterações no habitat
39
ocasionadas pelo efeito de borda e relacionadas diretamente à forma das áreas amostradas não
são responsáveis pelas diferenças na riqueza total de espécies.
A medida de “forma” empregada neste trabalho é simples, sendo incapaz de exprimir
diferenças mais sutis relacionadas a alterações no habitat causadas pelo efeito de borda nas
áreas. A utilidade desta medida para retratar a importância deste efeito em áreas que
apresentam pequena variação em suas formas pode ser muito limitada. Fragmentos com
formas similares podem apresentar diferenças na intensidade do efeito de borda relacionadas a
fatores adicionais, como a sua orientação na paisagem (Murcia 1995), o tamanho total que
apresentam (Didham & Lawton 1999), a natureza do entorno (Mesquita et al 1999), a
inclinação de seu terreno, o tempo decorrido desde o seu isolamento, além da presença
humana e suas atividades relacionadas. O fragmento 17, por exemplo, foi quase
completamente desmatado em algum momento anterior ao ano de 1969 (ver Figura 3, pág.11)
e os fragmentos 5 e 18 sofreram queimadas em uma de suas faces do entorno, durante o
intervalo entre a primeira e segunda coleta. Ainda, todos os demais fragmentos e a mata
contínua apresentaram vestígios da presença humana (corte seletivo de árvores, giraus,
armadilhas, acampamentos de caça, etc). Todos estes fatores podem resultar em alterações na
extensão e magnitude do efeito de borda e seus efeitos associados na vegetação e nas
comunidades animais. Tais efeitos não estariam unicamente relacionados à forma dos
remanescentes e, portanto, não seriam previstos por um índice de forma como o utilizado
neste estudo.
40
na área estudada. Entretanto, não existem muitos outros trabalhos que sustentem esta hipótese.
Além disso, somente troncos de médio a grande porte funcionariam efetivamente como tocas
para os animais e, neste trabalho, o porte dos troncos não foi analisado, de maneira que
troncos relativamente pequenos (aproximadamente 5cm de perímetro) também são
considerados nas ánalises. Uma hipótese alternativa seria a de que a presença de troncos
caídos representaria fontes adicionais de alimento para algumas espécies de pequenos
mamíferos, uma vez que poderiam abrigar espécies de artrópodes e anelídeos, algumas delas
utilizadas como alimento por roedores ou marsupiais. Entretanto, não existem estudos que
relacionem a disponibilidade de alimento em troncos com a presença ou abundância de
espécies de pequenos mamíferos, o que também limita a discussão acerca desta hipótese.
A maior ocorrência de troncos caídos pode caracterizar, ainda, ambientes com
determinado grau de perturbação. Diversos autores têm encontrado relação entre o efeito de
borda e a mortalidade de árvores (Ferreira & Laurance 1997; Laurance et al 1998; Mesquita et
al 1999). Alterações moderadas no ambiente poderiam favorecer uma maior riqueza de
espécies, porque resultariam numa maior heterogeneidade ambiental, aumentando o número
de nichos disponíveis e permitindo a coexistência de um maior número de espécies.
Entretanto, mesmo esta hipótese nem sempre é corroborada. Embora alguns autores tenham
encontrado uma forte associação entre heterogeneidade ambiental e riqueza de espécies (Alho
1981; Fonseca 1989), outros encontraram relação fraca (August 1983) ou não encontraram
relação alguma (Paglia et al 1995).
Assim, embora existam algumas hipóteses explicativas para a relação positiva entre
presença de troncos caídos e a riqueza de espécies de pequenos mamíferos, a discussão acerca
da importância desta variável para a riqueza de espécies predominantemente terrestres é
limitada, dada a existência de poucas evidências que ajudem a sustentar as hipóteses
propostas.
A abundância de espécies
41
que possui de transpor ambientes adversos. É improvável que o isolamento relativamente
pequeno dos fragmentos seja capaz de influenciar significativamente a ocorrência ou mesmo a
abundância desta espécie.
A abundância de Micoureus travassossi varia inversamente com o tamanho das áreas
amostradas. Esta relação desaparece quando os controles são excluídos, evidenciando que
mais uma vez não é particularmente verdadeira para os fragmentos. A Figura 13 mostra
claramente que o padrão foi gerado pela inclusão dos controles A e B na análise.
Debinski & Holt (2000) mostraram que vários estudos de pequenos mamíferos
encontraram relações negativas entre o tamanho de remanescentes e a densidade de algumas
espécies. Neste estudo, embora a abundância de M. travassossi tenha variado bastante nos
fragmentos, ela apresentou valores bastante altos em alguns casos. Por outro lado, suas
abundâncias foram sempre baixas na mata contínua. Esta constatação é reforçada por coletas
realizadas pelo Laboratório de Vertebrados em outras localidades de mata contínua na Serra
dos Órgãos onde, de maneira geral, a abundância desta espécie também se mostrou baixa.
Acredita-se que a ausência de grandes predadores nos fragmentos - e provavelmente
de alguns competidores em potencial - associado aos hábitos generalistas desta espécie e a sua
capacidade de sobreviver em ambientes alterados, tenham possibilitado que ela eventualmente
apresentasse altas abundâncias nos remanescentes, em comparação com áreas de mata
contínua.
Algumas características do habitat parecem influenciar a abundância de M.
travassossi, que é maior em áreas onde a freqüência de ocorrência de cipós também é maior
(componente 4; Tabelas 8 e 10). Por ser uma espécie essencialmente arborícola, a
conectividade entre as copas das árvores pode ser um fator importante no deslocamento desta
espécie. Áreas que apresentam árvores relativamente isoladas umas das outras podem
representar habitats menos adequados para este marsupial, já que os indivíduos precisariam
freqüentemente descer ao solo e provavelmente estariam mais sujeitos à predação. Esta
espécie é comumente associada a ambientes ricos em espécies trepadeiras e seus ninhos
podem ser encontrados em emaranhados de cipós (Emmons & Feer 1997).
O roedor Akodon cursor apresenta maiores abundâncias em áreas onde há uma maior
quantidade de gramíneas, irizeiros e embaúbas, associadas a uma cobertura vegetal mais
fechada e uma maior ocorrência de árvores de porte pequeno (componente 1, Tabela 10). Esta
espécie é freqüentemente encontrada em abundância em ambientes considerados alterados,
como áreas rurais (Gentile 1996), em vegetação secundária (Fonseca & Robinson 1990;
Herrmann 1991) e em pequenos fragmentos de mata (Oliveira 2001). A maior presença de
42
plantas de sucessão secundária como embaúbas e gramíneas, associadas a uma predominância
de árvores de pequeno porte nas áreas amostradas, parecem representar uma condição
característica de perturbação por efeito de borda, que é favorável a esta espécie. A correlação
entre a abundância de A. cursor e o grau de recortamento dos fragmentos (Tabela 6) corrobora
esta hipótese, já que fragmentos com formas mais irregulares possuem uma borda maior,
freqüentemente apresentando uma estrutura vegetacional alterada pelo efeito de borda
semelhante à descrita acima (Murcia 1995).
Stallings (1988) e Herrmann (1991) encontraram nítida preferência de A. cursor por
áreas onde a vegetação herbácea é mais desenvolvida. Da mesma forma, Paglia et al (1995)
encontrou elevadas abundâncias desta espécie em uma pastagem abandonada, constituída
basicamente pelo capim-gordura (Melinis minutiflora Beauv.) e abundâncias
significativamente menores em áreas de capoeira e vegetação secundária próximas. Paisagens
dominadas por vegetação herbácea densa, como capinzais, parecem denotar ambientes mais
“protegidos” (proporcionalmente ao tamanho da espécie) que favoreceriam uma maior
abundância deste roedor. A ocorrência constante de A. cursor no entorno dos fragmentos, que
freqüentemente era composto por vegetação herbácea densa, também suporta esta afirmação.
A abundância de gambás (D. aurita) aumenta principalmente com a maior ocorrência
de troncos caídos. Como já discutido anteriormente, a presença de troncos no solo fornece
abrigo e sítios para nidificação a uma série de mamíferos e pode conseqüentemente, favorecer
maiores abundâncias de algumas espécies. Entretanto, os escassos registros de tocas de D.
aurita e da espécie congenérica D. marsupialis evidenciaram uma preferência por cavidades e
forquilhas em árvores, além de buracos no chão (Miles et al 1981; D. Loretto, com. pes.).
Nenhum registro de toca desta espécie foi encontrado em troncos caídos. A hipótese já
exposta anteriormente de que a presença de troncos pode representar uma fonte adicional de
alimento para muitas espécies pode novamente ser evocada. Existem, entretanto, poucos
trabalhos que ajudem a sustentar as hipóteses discutidas acima, e os mecanismos diretos
responsáveis pela relação desta variável com a presença e abundância de pequenos mamíferos
permanecem desconhecidos.
Assim como o roedor Akodon cursor, D. aurita é considerado generalista e ocorre em
habitats variados. É freqüentemente encontrado em áreas rurais (Gentile 1996), nas
proximidades de ocupações humanas (Rademaker 2001), bem como em áreas de vegetação
secundária (Herrmann 1991), em monoculturas de eucalipto (Fonseca 1997) e em plantações
de cacau em sistema cabruca (Moura 1999). Sendo uma espécie generalista e comumente
encontrada em ambientes alterados, sua alta abundância nos fragmentos estudados é
43
relativamente esperada, evidenciando que esta espécie não é negativamente afetada pela
fragmentação da paisagem. Estudos com a espécie congenérica D. marsupialis na Amazônia
mostraram que ela também não é afetada pela fragmentação da paisagem (Offerman et al
1995).
Pequenos fragmentos com uma grande proporção da vegetação modificada pelo efeito
de borda freqüentemente não permitem a ocorrência de um grande número de espécies, como
aquelas especialistas e os predadores de topo (Laurance 1994, Offerman et al 1995). Fonseca
& Robinson (1990) sugeriram que a ausência de alguns competidores em potencial e a
inexistência de predadores poderiam favorecer uma alta abundância de gambás em
fragmentos. Entretanto, como esta espécie também apresentou abundâncias relativamente
altas na mata contínua - mesmo no controle A, que se localizava longe da borda da mata - tal
hipótese não pode ser corroborada por este estudo.
A espécie Metachirus nudicaudatus não foi influenciada por nenhum dos descritores
de habitat estudados. Outras características do habitat não analisadas neste trabalho, como a
disponibilidade de folhiço, podem ser mais importantes para esta espécie, já que
freqüentemente nidifica no solo em ninhos feitos com folhas (D. Loretto, com. pes.) e
alimenta-se principalmente de insetos (Santori et al 1994; Freitas et al 1996), que são
encontrados no folhiço.
A abundância de Marmosops incanus também não apresentou relação com nenhum
dos descritores de habitat analisados neste estudo. Esta espécie escansorial ocorreu em mais
da metade dos fragmentos estudados e parece não ser fortemente afetada pela fragmentação
da paisagem. Recentemente, Passamani e Fernandez (2001) sugeriram que a fragmentação da
paisagem pudesse favorecer esta espécie, já que encontraram uma relação negativa entre sua
abundância e o tamanho dos fragmentos estudados.
A composição de espécies
44
proximidades de domicílios (Herrmann 1991; Emmons & Feer 1997; Fonseca 1997; Moura
1999; Gentile et al 2000; Oliveira 2001, Passamani & Fernandez 2001; Rademaker 2001).
As espécies de roedores Oligoryzomys nigripes, Oecomys gr. concolor, Oryzomys gr.
subflavus e Nectomys squamipes também já foram capturadas em ambientes perturbados
(Fonseca, 1997; Gentile et al 2000; Gentile, 1996; Paglia et al 1995). De maneira geral, elas
ocorreram em poucos fragmentos e com abundâncias reduzidas, mesmo nos controles. Com
exceção de N. squamipes, que tem sua distribuição condicionada à presença de fontes
expressivas de água, estas espécies podem ser naturalmente raras na região e suas baixas
abundâncias nos fragmentos podem não se relacionar aos efeitos negativos da fragmentação.
Por outro lado, o roedor Oryzomys russatus foi a única espécie que não ocorreu em nenhum
dos fragmentos e apresentou altas abundâncias na mata contínua. Este fato é um forte indício
de que ela é afetada negativamente pela fragmentação da paisagem.
Algumas espécies capturadas neste estudo, como Caluromys philander, Phylomys
brasiliensis, Phylomys nigrispinus, Riphidomys spn., Oecomys gr. concolor e Sciurus
aestuans são predominantemente ou estritamente arborícolas e podem ter sido subamostradas
neste estudo, o que limita a discussão acerca do grau de sensibilidade ao processo de
fragmentação da paisagem.
Neste trabalho, diferenças entre as áreas com relação ao habitat não foram
responsáveis pelas diferenças na composição de espécies, pelo menos em relação aos
descritores analisados. Embora muitos trabalhos tenham mostrado que a estrutura do habitat é
importante na determinação das comunidades de pequenos mamíferos (Alho 1981; August
1983; Grelle 1996; Gentile & Fernandez 1999), outras variáveis mostraram-se relativamente
mais importantes para a composição de espécies nos controles e fragmentos.
A distância entre as áreas amostradas parece determinar - embora fracamente - a
composição de espécies que estas apresentam, principalmente nos fragmentos. Dois fatores
podem ter contribuído para esta relação: o primeiro refere-se ao histórico do processo de
fragmentação na região e o segundo diz respeito à capacidade de dispersão e colonização das
espécies de pequenos mamíferos.
Processos de fragmentação causados pela influência humana podem ocorrer de forma
gradual, acompanhando as mudanças econômicas na região. A fragmentação da Mata
Atlântica nos municípios de Guapimirim e Cachoeiras de Macacu ocorreu desta maneira. As
Figuras 3,4 e 5 (págs.11 a 13 ) mostram o aspecto de alguns trechos da paisagem da região
estudada e fornecem uma idéia do grau de fragmentação nos dois municípios em épocas
passadas. Muitos fragmentos amostrados neste estudo constituíam um único remanescente ou
45
faixa de mata original há anos atrás, formando grandes remanescentes que eram isolados
apenas por estradas ou pequenos cordões de pastagem e plantações. Exemplos são os
fragmentos 6 e 9, e 18 e 19. Subseqüentemente, estes remanescentes maiores foram
subdivididos e originaram os fragmentos que atualmente observamos na região. Fragmentos
que hoje em dia são mais próximos entre si têm maior probabilidade de terem pertencido a um
mesmo remanescente no passado e, conseqüentemente, é razoável pensar que possuíam um
conjunto de espécies mais semelhante entre si do que com outras faixas de mata que
formariam posteriormente conjuntos de fragmentos distintos. Isto ocorre porque mesmo em
florestas contínuas, as populações se distribuem em manchas (Bowers & Matter 1997),
acompanhando os mosaicos de habitats distintos que a compõem. Este padrão é
particularmente visível em florestas tropicais, que apresentam alta heterogeneidade e
complexidade ambiental.
Aliada à semelhança na composição de espécies de fragmentos mais próximos entre si,
está a maior probabilidade de eventos de dispersão seguidos de colonização (ou
recolonização) ocorrerem entre fragmentos mais próximos. Portanto, estes dois fatores devem
ter atuado concomitantemente na determinação da composição de pequenos mamíferos nos
fragmentos.
Quando os controles são considerados na análise, não só a distância entre as áreas
amostradas mostra-se importante para a composição de espécies, mas também o tamanho total
que apresentam. Isto ocorre, novamente, porque os controles representam uma área muito
superior a dos fragmentos, além de apresentarem uma similaridade maior na composição de
espécies, por estarem localizados na mesma área de mata contínua e estarem próximos entre
si. O tamanho total da mata contínua proporciona a presença de uma maior heterogeneidade
ambiental e, conseqüentemente, de uma riqueza de espécies relativamente maior, além da
presença de espécies particulares.
Os baixos coeficientes de determinação múltipla (Tabela 11) sugerem que outras
variáveis não analisadas neste estudo possam ser mais importantes na determinação da
composição de espécies nos fragmentos e na mata contínua. Apesar disso, a distância entre as
áreas amostradas provavelmente é um fator importante, principalmente para as comunidades
dos fragmentos. A relação entre esta variável e a composição de espécie torna-se maior se
considerarmos a influência de alguns fatores de confusão na análise, como algumas correções
que foram feitas nos dados, em decorrência de problemas ocorridos durante as coletas. Os
fragmentos 1 e 2, por exemplo, apresentam na verdade igual composição de espécies. Este
dado não é considerado neste estudo porque duas espécies coletadas nestes fragmentos (M.
46
travassossi no fragmento 1 e Oecomys gr. concolor no fragmento 2) foram excluídas das
análises por terem sido capturadas num sexto dia de coleta. Uma outra espécie capturada no
controle A (Oxymicterus sp.) também foi desconsiderada, por ter sido capturada numa
armadilha extra. Assim, se a matriz de dissimilaridade na composição de espécies dos
fragmentos for novamente correlacionada com a matriz de distância entre eles, considerando
agora as espécies anteriormente excluídas e utilizando o teste de Mantel (Mantel 1967), a
relação entre estas duas variáveis aumenta (r=0,391; p=0,0059; comparado a b=0,312;
p=0,024 na Tabela 11).
Tanto características dos fragmentos quanto da paisagem como um todo são
complementares em sua importância para a estrutura das comunidades animais presentes em
fragmentos, como sugerido por Mazerolle & Villard (1999). Neste estudo, a estrutura do
habitat e a forma dos fragmentos influenciam a riqueza e abundância de algumas espécies,
enquanto o pequeno grau de isolamento entre eles permite a recolonização de áreas que
perderam espécies durante o processo de fragmentação na região.
A fragmentação da paisagem não é um processo prejudicial a todas as espécies, uma
vez que cada uma delas responde de maneira particular às modificações de seu habitat (Nupp
& Swihart 1998). Entretanto, é senso comum que processos de fragmentação ainda assim
prejudicam um maior número de espécies do que favorecem e, portanto, são de maneira geral
considerados prejudiciais às comunidades naturais.
47
competição por alimento e refúgio. Pires & Fernandez (1999), estudando pequenos
fragmentos circundados predominantemente por gramíneas, também observaram um entorno
dominado por roedores. Paglia e colaboradores (1995) encontraram maior riqueza de roedores
em uma pastagem abandonada do que em áreas de capoeira e vegetação secundária. Áreas
dominadas por gramíneas, como pastagens abandonadas ou em “descanso” parecem, portanto,
favorecer a ocorrência de pequenos roedores. Capinzais e também matas com grande
quantidade de folhiço podem fornecer não só alimento (insetos e sementes) como também
provavelmente representam ambientes mais “protegidos” para pequenos roedores, como os
capturados neste trabalho. Os estudos realizados pelo Laboratório de Vertebrados nos últimos
18 anos apóiam esta hipótese (R. Cerqueira, com. pes.). Animais maiores, como a maioria dos
marsupiais predominantemente terrestres, provavelmente ficariam muito expostos neste tipo
de ambiente e a presença de tais espécies no entorno certamente representa eventos de
dispersão ou de procura ocasional por alimentos.
A espécie semi-fossorial do gênero Oxymicterus ocorreu em maior abundância no
entorno dos fragmentos do que no interior destes (Tabelas 3 e 4). Fonseca & Kierulff (1989)
também não capturaram muitos indivíduos deste gênero em mata e comentam que outros
estudos indicam que espécies do gênero Oxymicterus parecem ocorrer com maior abundância
em capinzais (ex. Fonseca & Redford 1984), que eram freqüentes no entorno dos fragmentos
estudados neste trabalho.
A espécie Nectomys squamipes está associada diretamente à presença de corpos
d’água, que eventualmente ocorreram no entorno das áreas amostradas. Sua maior abundância
no entorno não está relacionada, portanto, a características vegetacionais particulares. A
espécie Rattus rattus (rato doméstico), por sua vez, foi capturada exclusivamente no entorno.
Este resultado é esperado, uma vez que além de ser uma espécie exótica e estar intimamente
associada à presença humana, parece não invadir ambientes florestados – pelo menos nos
Neotrópicos (Emmons & Feer 1997).
Somente uma espécie arborícola foi capturada no entorno de um dos fragmentos
(Oecomys gr. concolor). Entretanto, o entorno imediato de tal remanescente era composto
parcialmente por uma vegetação arbustiva, semelhante a uma capoeira. Assim, a captura de
espécies predominantemente arborícolas em ambientes como pastagens é incomum,
provavelmente representando eventos de dispersão esporádicos.
48
CONCLUSÕES
Os processos que determinam a estrutura das comunidades nos remanescentes não são
os mesmos que o fazem na área de mata contínua, representada pelos controles A e B.
Enquanto na mata contínua a disponibilidade de uma extensa área de habitat relativamente
intacto determina a riqueza e composição de espécies que apresenta, sugere-se que nos
fragmentos a composição de espécies tenha sido previamente determinada pela redução dos
habitats originais e, posteriormente, por alterações na estrutura da vegetação e configuração
dos fragmentos na paisagem – sendo este último, o resultado do histórico da fragmentação na
região. Assim, se por um lado a composição de espécies apresenta relação com a distância
entre os fragmentos (sugerindo a influência da história da fragmentação na região, e
possivelmente de eventos dispersão e colonização entre os fragmentos, determinados em parte
pela configuração que apresentam na paisagem), a estrutura da vegetação, associada à redução
dos habitats originais, priva a existência de algumas espécies em alguns fragmentos, ao
mesmo tempo que influencia a abundância das espécies remanescentes, provavelmente
ocasionando extinções locais e alterações na riqueza de espécies.
O isolamento relativamente pequeno dos fragmentos na paisagem permite a dispersão
de espécies entre eles, enquanto a natureza do entorno oferece condições favoráveis à
ocorrência de roedores, aumentando a probabilidade de colonização de outros fragmentos por
estas espécies.
A fragmentação da paisagem afeta diferencialmente as espécies de pequenos
mamíferos. De maneira geral, as espécies terrestres são favorecidas ou aparentemente
indiferentes ao atual grau de fragmentação da paisagem. Embora as espécies arborícolas
possam ser proporcionalmente mais afetadas por este processo, a metodologia empregada
neste estudo não permite especulações acerca do impacto da fragmentação sobre estas
espécies.
49
CAPÍTULO 2: O PADRÃO DE ORGANIZAÇÃO DAS COMUNIDADES DOS
FRAGMENTOS
INTRODUÇÃO
50
nos fragmentos mais ricos. Ainda, processos de colonização poderiam reforçar ou até mesmo
gerar por si só este padrão, através da dispersão direcionada de espécies mais resistentes para
fragmentos mais perturbados (Atmar & Patterson 1993; Cook & Quinn 1995).
As causas proximais do padrão em subconjuntos concêntricos são, portanto, a extinção
e/ou colonização diferencial de espécies nos remanescentes de habitat (Lomolino 1996).
Entretanto, são diversos os fatores que podem ocasionar ou contribuir para que estes dois
processos resultem em uma organização em subconjuntos concêntricos. A capacidade
diferencial de dispersão das espécies (Kadmon 1995), a distribuição dos habitats (Simberloff
& Martin 1991), o tamanho dos remanescentes e a escala espacial de análise da TSC (Wright
et al 1998) e até mesmo processos aleatórios (Andrén, 1994b) têm sido considerados
importantes para a geração desta configuração (Patterson & Atmar 2000).
Neste capítulo, as comunidades de pequenos mamíferos dos fragmentos foram
analisadas com o intuito de verificar se apresentam uma estrutura em subconjuntos
concêntricos. Uma vez identificada tal configuração, os descritores geográficos estudados no
primeiro capítulo (tamanho, forma e grau de isolamento) foram reavaliados, para verificar se
exercem influência na estrutura observada.
O tamanho dos fragmentos pode gerar uma configuração em subconjuntos
concêntricos na medida em que fragmentos maiores podem apresentar espécies particulares
que não ocorrem em fragmentos menores. Tal configuração também pode ser gerada por uma
maior riqueza de espécies em fragmentos de maior tamanho, devido a uma maior
heterogeneidade ambiental (Williams 1964 apud Connor & McCoy 1979) ou a possibilidade
das populações serem maiores nestes fragmentos– o que reduz o risco de extinções (Gilpin &
Soulé 1986). A forma dos remanescentes, por sua vez, pode influenciar a estrutura da
vegetação e conseqüentemente a riqueza e ocorrência das espécies. Fragmentos menos
recortados podem ter uma composição de espécies particular, ausente em fragmentos com
bordas mais recortadas. O grau de isolamento dos fragmentos define parcialmente a
ocorrência de eventos de colonização e extinção de espécies, como já discutido no primeiro
capítulo, e consequentemente, também pode influenciar a organização das comunidades de
pequenos mamíferos. Fragmentos mais isolados podem possuir uma composição de espécies
formada unicamente por espécies com capacidades de dispersão grandes.
51
METODOLOGIA
7
Ambos disponíveis no site http:/www.aics-research.com/nestedness, em 14/11/2002.
52
a)
b)
FIGURA 17. Matrizes organizadas com diferentes valores de temperatura (T). Os quadrados pretos denotam a
presença de espécies. Cada linha representa uma ilha e cada coluna uma espécie. O eixo horizontal representa o
número de ocorrências das espécies nas ilhas e o eixo vertical representa a riqueza de espécies das ilhas. Em (a)
as comunidades são perfeitamente organizadas em subconjuntos concêntricos; em (b) as comunidades não
apresentam composições de espécies organizadas de forma hierárquica. T= temperatura, gerada a partir do
programa RANDOM 0 (Patterson & Atmar 1986). Modificado de Patterson e Atmar (1993).
53
Para investigar se a composição de pequenos mamíferos nos fragmentos
amostrados é organizada de acordo com a TSC, utilizou-se o programa Nestedness
Temperature Calculator (Atmar & Patterson 1995). O programa fornece a temperatura da
matriz organizada (T) e a distribuição de temperaturas das matrizes aleatórias, bem como o
valor de significância associado à temperatura do sistema analisado. Para a obtenção da
significância do valor de T encontrado, foram geradas 1000 matrizes aleatórias e a
distribuição de suas temperaturas foi comparada à da matriz organizada dos dados.
O “Nestedness Temperature Calculator” fornece, ainda, a “temperatura” individual
de cada espécie e de cada fragmento em relação à temperatura da matriz, o que permite
identificar a contribuição positiva ou negativa de cada espécie e fragmento para o valor de T
encontrado para a matriz organizada. Se fragmentos ou espécies apresentam temperaturas
muito superiores a da matriz organizada, então são caracterizadas como idiossincrasias e
contribuem negativamente para o padrão em subconjuntos concêntricos, porque causam o
aumento da temperatura da matriz. As idiossincrasias são definidas por ausências ou
presenças “inesperadas” (não preditas pela TSC) na matriz. Espécies idiossincráticas são
caracterizadas, por exemplo, por estarem ausentes em fragmentos mais ricos e ao mesmo
tempo presentes em fragmentos mais pobres. As amostras (fragmentos) idiossincráticas, por
sua vez, são definidas por apresentarem idiossincrasias nas ocorrências das espécies.
Uma vez obtidos os resultados da análise e a matriz organizada de i fragmentos x j
espécies, diversas variáveis externas podem ser analisadas para verificar suas contribuições
para a configuração encontrada. Isto pode ser feito realizando correlações de Spearman entre
tais variáveis externas e um “rank” da disposição dos fragmentos na matriz organizada
(Patterson & Atmar 2000): o fragmento localizado na última linha da matriz organizada
receberia o menor valor do “rank”, o fragmento da penúltima linha receberia o segundo
menor valor e assim sucessivamente.
Neste trabalho, correlações simples de Spearman foram utilizadas para testar se o
tamanho, forma e o grau de isolamento dos fragmentos poderiam estar contribuindo para a
configuração encontrada, segundo a metodologia descrita acima. As medidas destes
descritores geográficos foram calculadas como já descrito no primeiro capítulo desta
dissertação.
Somente os fragmentos foram analisados, uma vez que a inclusão dos controles
tenderia a gerar naturalmente uma estrutura em subconjuntos concêntricos, já que as
comunidades dos fragmentos são, em princípio, formadas por subamostras das espécies
presentes na mata contínua. Este tipo de análise, portanto, tem sentido somente em estudos de
54
comunidades de fragmentos ou ilhas. Embora a mata contínua possa ser considerada um
grande fragmento da Mata Atlântica em escalas de investigação maiores, neste estudo ela é
utilizada como controle e não como um fragmento. Ainda, a análise foi realizada utilizando
todas as espécies e também separando as espécies predominantemente arborícolas das
predominantemente terrestres (Apêndice 2).
RESULTADOS
TABELA 12. Temperaturas (T) e valores de significância das matrizes organizadas a partir das espécies
presentes nos fragmentos. Terrestres = predominantemente terrestres; arborícolas = predominantemente
arborícolas. Os valores em negrito são significativos (p<0,05).
Espécies analisadas T p
55
FIGURA 18. Matriz organizada dos 11 fragmentos (linhas) x 8 espécies predominantemente terrestres (colunas).
Os quadrados cinzas representam presenças de espécies. A linha que cruza a matriz organizada representa a
temperatura total do sistema. Ao lado e abaixo da matriz, estão as temperaturas individuais das amostras e
espécies, respectivamente. Nestes gráficos, a linha pontilhada representa a temperatura da matriz
organizada.Ak/Did = Akodon cursor e Didelphis aurita (ambas ocorreram em todos os fragmentos e, por isso,
foram representadas numa única coluna); Met=Metachirus nudicaudatus; Phi=Philander frenatus;
Mar=Marmosops incanus; Nec=Nectomys squamipes ; Oxy=Oxymicterus sp.; Ory=Oryzomys gr. concolor;
Oli=Oligoryzomys nigripes; Mono=Monodelphis sp.
56
TABELA 13. Correlação de Spearman entre o “rank” decrescente da ordem dos fragmentos na matriz
organizada e os descritores geográficos. Total= análise feita com todas as espécies; Terrestres= análise feita com
espécies predominantemente terrestres (Figura 18). O valores de p estão entre parênteses. O valor em negrito é
significativo (p<0,05).
DISCUSSÃO
No primeiro capítulo desta dissertação, não foi observada relação entre o tamanho
dos fragmentos e a riqueza ou composição de espécies que apresentam. Entretanto, existe
correlação entre o padrão em subconjuntos concêntricos das comunidades de pequenos
mamíferos predominantemente terrestres e o tamanho dos fragmentos - o que parece ser
contraditório. Embora se tenha encontrado uma correlação significativa entre o tamanho dos
fragmentos e a organização hierárquica que apresentam, esta relação não é consistente. Na
análise efetuada com as espécies predominantemente terrestres, existem dois pares de
fragmentos que podem ser dispostos em diferentes posições na matriz, porque são idênticos
sob o ponto de vista da análise realizada (apresentam a mesma composição e riqueza de
espécies). Os fragmentos 6 e 19 podem ter suas posições trocadas na matriz organizada, assim
como os fragmentos 1 e 2 (Figura 18). A posição destes fragmentos na matriz foi determinada
pelo programa, mas não é a única possibilidade para obter-se uma matriz de igual temperatura
57
e significância. Consequentemente, existem pelo menos 4 ordenações diferentes dos
fragmentos na matriz organizada que geram temperaturas idênticas à obtida para a análise da
composição de espécies predominantemente terrestres de pequenos mamíferos. Estas
diferentes ordenações em postos (ranks) são listadas no Apêndice 9 e envolvem a troca de
posição dos dois pares de fragmentos referidos acima.
Quando são feitas correlações com as demais possibilidades de ordenação existentes
(Apêndice 9), na maioria dos casos não são encontradas relações significativas com os
descritores geográficos (Apêndice 10). Para a variável tamanho, metade das correlações (duas
em um total de quatro) não foram significativas. Assim, nenhuma das variáveis externas
analisadas influenciam consistentemente o padrão em subconjuntos concêntricos encontrado
para as comunidades dos fragmentos.
No capítulo 1, verificou-se que nenhuma das três variáveis analisadas (tamanho,
forma e grau de isolamento) influencia significativamente a riqueza e composição de espécies
dos fragmentos. Consequentemente, não era esperado que influenciassem o padrão em
subconjuntos concêntricos das comunidades dos remanescentes.
Por outro lado, qualquer processo ou fator que tenha algum efeito comprovado sobre
a riqueza, composição de espécies ou sobre o número total de ocorrências das espécies nos
remanescentes tem necessariamente certa influência sobre a ordem dos fragmentos na matriz
organizada e, consequentemente, pode influenciar a configuração apresentada pelas
comunidades de tais remanescentes. Assim, se processos históricos aliados a eventos de
colonização e extinção influenciaram a composição de espécies dos fragmentos, então tais
processos são também importantes para a organização das comunidades investigadas.
Aliado aos fatores que determinam a riqueza e composição de espécies, estão aqueles
que definem o número de ocorrências de cada espécie nos fragmentos. A capacidade
diferencial de dispersão das espécies e a possibilidade de persistirem em fragmentos alterados
também podem contribuir para a organização das comunidades dos remanescentes. Espécies
como o gambá e o roedor Akodon cursor tem grande capacidade de dispersão e/ou de
persistência em ambientes perturbados, estando presentes em todos os fragmentos
amostrados. Já a ocorrência do rato d’água (Nectomys squamipes) é determinada pela
presença de fontes permanentes de água, o que limita a sua ocorrência em fragmentos que não
apresentam tal característica no seu interior ou nas proximidades. Estas diferenças entre as
espécies determinam suas ocorrências nos fragmentos e, assim, influenciam o padrão em
subconjuntos concêntricos das comunidades analisadas - embora tal influência possa ser
negativa, caso resulte em idiossincrasias na ocorrência das espécies.
58
Espécies e fragmentos idiossincráticos
59
ocorrido por uma simples questão de chance. Por outro lado, O. nigripes pode ter sido até
favorecido pelo desmatamento, já que foi observado no entorno de alguns fragmentos com a
mesma abundância que no interior. A presença desta espécie no entorno do fragmento 13, que
é o remanescente estudado mais próximo do fragmento 17, comprova a existência de fontes
potenciais de colonizadores desta espécie nas proximidades, ao mesmo tempo que indica a
sua indiferença a ambientes severamente alterados, como as pastagens que rodeiam estes
fragmentos.
CONCLUSÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
60
apresentar uma riqueza de espécies consideravelmente maior, este fato não desmerece a
importância de pequenos fragmentos para a manutenção da biodiversidade.
A fragmentação na bacia do rio Macacu ainda não alcançou um patamar considerado
irreversível, uma vez que a região ainda apresenta alguns cinturões de mata e uma grande
quantidade de fragmentos com pequeno grau de isolamento, principalmente nas áreas mais
próximas da base da serra. Estas características contribuem para que parte das espécies possa
utilizar a paisagem como um todo, retardando extinções locais. Ao mesmo tempo, a existência
de fragmentos de mata possibilita a recuperação natural de áreas já degradadas, como foi
observado para o fragmento 17. Portanto, a conservação dos fragmentos desta região é
importante não só para a preservação das espécies de pequenos mamíferos que ali ocorrem,
como também para o reflorestamento natural das áreas degradadas.
Embora a comunidade científica esteja constantemente identificando os problemas
principais de conservação no país, a implementação de políticas públicas para a resolução de
tais problemas freqüentemente é muito limitada. Esta lacuna existente entre a geração de
conhecimento e a sua utilização na conservação é, em parte, o resultado da falta de
intercâmbio entre os grupos que geram o conhecimento e os que implementam as políticas de
conservação. No próximo ano, o Ministério do Meio Ambiente, com o apoio do Banco
Mundial, irá lança o livro “Efeitos da fragmentação de habitats: recomendações de
políticas públicas” que visa exatamente contribuir para o preenchimento desta lacuna. Esta
publicação inclui os conhecimentos gerados por este estudo e pretende orientar a tomada de
decisões sobre quais áreas devem ser conservadas, fornecendo as bases científicas para que
isto seja feito.
61
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70
LISTA DE APÊNDICES
71
APÊNDICE 1. Áreas amostradas neste trabalho, mostrando os municípios onde se localizam e as datas das
coletas de pequenos mamíferos realizadas.
72
APÊNDICE 2. Classificação das espécies em relação ao meio de locomoção. Predominantemente terrestres=
espécies terrestres e escansoriais com maior número de captura no solo; predominantemente arborícolas=
espécies arborícolas e escansoriais com maior número de capturas em armadilhas acima do solo.
Pred.=predominantemente.
73
APÊNDICE 3. Matriz de similaridade na composição de espécies das áreas amostradas. As similaridades foram calculadas utilizando o índice de Jaccard. C.A=Controle A;
C.B =controle B.
Frag 1 Frag. 2 Frag 4 Frag 5 Frag 6 Frag 9 Frag 13 Frag 16 Frag17 Frag18 Frag19 C.A C.B
Frag 1 1
Frag 2 0,667 1
Frag 4 0,625 0,625 1
Frag 5 0,571 0,833 0,750 1
Frag 6 0,375 0,571 0,556 0,714 1
Frag 9 0,300 0,444 0,455 0,556 0,750 1
Frag 13 0,500 0,500 0,800 0,600 0,455 0,500 1
Frag 16 0,400 0,400 0,545 0,500 0,500 0,545 0,583 1
Frag17 0,400 0,400 0,545 0,500 0,364 0,308 0,583 0,500 1
Frag18 0,375 0,571 0,400 0,500 0,500 0,556 0,333 0,500 0,250 1
Frag19 0,429 0,667 0,625 0,833 0,833 0,625 0,500 0,556 0,400 0,571 1
C. A 0,455 0,333 0,357 0,308 0,214 0,188 0,400 0,429 0,538 0,214 0,231 1
C. B 0,500 0,500 0,500 0,455 0,333 0,286 0,538 0,462 0,462 0,333 0,364 0,615 1
74
APÊNDICE 4. Distância entre as áreas amostradas (Km). C. A= Controle A; C. B= Controle B.
Frag 1 Frag. 2 Frag 4 Frag 5 Frag 6 Frag 9 Frag 13 Frag 16 Frag17 Frag18 Frag19 C.A C.B
Frag 1 0
Frag 2 0,491 0
Frag 4 8,605 7,901 0
Frag 5 10,543 9,609 2,065 0
Frag 6 16,116 15,083 8,087 5,143 0
Frag 9 17,753 16,865 9,045 6,534 1,856 0
Frag 13 5,379 4,491 3,772 4,77 9,593 11,292 0
Frag 16 21,025 20,2 12,437 9,914 4,594 2,609 14,565 0
Frag17 5,887 5,206 6,624 6,57 10,793 12,899 2,444 16,029 0
Frag18 11,109 10,238 8,324 6,568 7,443 9,87 6,024 12,885 4,595 0
Frag19 8,246 7,428 8,054 7,205 9,876 12,214 4,41 15,273 1,888 2,544 0
C. A 10,766 9,965 1,704 0,773 6,244 6,641 5,077 9,781 7,453 7,872 8,23 0
C. B 10,666 9,865 1,604 0,673 6,144 6,541 4,977 9,681 7,353 7,772 8,13 0,1 0
75
APÊNDICE 5. Valores dos componentes principais (factor scores) para a ACP gerada a partir dos descritores de
habitat quantificados nos fragmentos e controles.
76
APÊNDICE 6. Coeficientes de correlação entre os descritores de habitat analisados somente nos fragmentos, e
os eixos dos componentes principais da ACP (factor loadings). Correlações maiores que 0,70 são mostradas em
negrito. % Tot Expl. = porcentagem total da variância explicada pelo componente.
77
APÊNDICE 7. Valores dos componentes principais (factor scores) para a ACP gerada a partir dos descritores de
habitat, considerando somente os fragmentos.
78
APÊNDICE 8. Regressão múltipla de matrizes utilizando os descritores geográficos e os valores dos
componentes principais da ACP (factor scores) gerada a partir dos descritores de habitat (a) considerando os
controles e fragmentos e (b) somente os fragmentos. Variáveis com valores de “b” negativos foram
desconsideradas na regressão múltipla final (Tabela 11). R2 = coeficiente de regressão múltipla; b= coeficiente de
correlação parcial. Distância= distância entre as áreas amostradas.
a) Fragmentos + Controles b p
Tamanho 0,638 0,001
Isolamento -0,152 0,160
Forma -0,108 0,237
Distância 0,254 0,023
Componente 1 0,129 0,112
Componente 2 0,005 0,459
Componente 3 -0,220 0,055
Componente 4 0,007 0,443
R2 0,384 0,015
b) Fragmentos b p
Tamanho 0,347 0,048
Isolamento -0,318 0,046
Forma -0,204 0,134
Distância 0,315 0,038
Componente 1 0,049 0,337
Componente 2 -0,053 0,372
Componente 3 -0,241 0,094
R2 0,289 0,134
79
APÊNDICE 9. Diferentes possibilidades de ordenação dos fragmentos por postos na matriz organizada da
análise de subconjuntos concêntricos.
80
APÊNDICE 10. Correlações de Spearman entre as diferentes possibilidades de disposição dos fragmentos por
postos na matriz organizada e os descritores geográficos analisados.
81