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Resumo
O presente artigo analisa as práticas de formação continuada de professores para
o uso das tecnologias da informação e comunicação, no interior da atual política
pública de inclusão digital, implantada pela Secretaria de Estado da Educação em
Minas Gerais (SEE-MG) – o Projeto Escolas em Rede (ER). O trabalho é resultado de
uma pesquisa realizada entre 2007 e 2009 que estudou as metodologias de ensino
utilizadas nos processos de formação dos professores da rede estadual de educação,
assim como os ambientes de aprendizagem e os materiais didáticos privilegiados nas
ações do programa. Analisou-se, também, o processo de formação dos professores a
partir da documentação do projeto, de forma a compreender a visão dos docentes,
formadores e coordenadores envolvidos na proposta de capacitação, bem como as
possíveis repercussões dessa formação para a prática pedagógica dos educadores.
A análise evidencia que a política de inclusão digital da SEE-MG vem sofrendo (d)os
mesmos problemas de outras políticas públicas da área, visto necessitar de melhor
infra-estrutura tecnológica e de pessoal para dar suporte às práticas de uso das TIC nas
escolas. Além disso, há ainda um caráter de verticalização na implantação do projeto,
considerando que, em nenhum momento, a política dialoga com a realidade dos
professores e de suas escolas de origem. Além do mais, existe um claro distanciamento
entre o programa da SEE-MG e as reais demandas das instituições de ensino e
educadores da rede estadual comprometendo assim o seu processo de implantação.
ABSTRACT
This article analyzes practices of continued education for teachers for the use of 1 Mestre em Educação
Tecnológica pelo CEFET-
information technologies and communication within current public policy of digital
MG. Professor da UEMG.
inclusion, implemented by the State Secretary of Education in Minas Gerais (SSE- tadeuuemg@gmail.com
MG) – Networked Schools Project (NSP). The work is the result of a survey conducted
between 2007 and 2009 that studied teaching methodologies used in the process of 2 Doutor em Educação
pela PUC-RJ. Professor da
training teachers of state education network, as well as learning environments and Escola de Educação Física,
instructional materials preferred in the program activities. It was also analyzed the Fisioterapia e Terapia
teacher education process from project documentation, in order to comprehend the Ocupacional da UFMG.
angelogariglio@hotmail.
vision of teachers, trainers and coordinators involved in capacity building proposal, as
com.
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well as possible repercussions of such training to the pedagogical practice of teachers.
The analysis shows that SSE-MG digital inclusion policy has suffered the same problems
of other public policies in the area, once it needs better technologic infrastructure and
personnel to support TIC use practices in schools. Moreover, there is still a verticalization
characteristic in project´s implementation considering that at no time policy dialogues
with the reality of teachers and their schools of origin. Moreover, there is a clear gap
between the program of ESS-MG and the real demands of educational institutions and
educators of state network thus compromising its deployment process.
Introdução
O presente artigo discute a formação docente no contexto da educação continuada,
desenvolvida no interior das políticas de inserção de tecnologias da informação e
comunicação (TIC) em escolas de ensino básico. Ele é resultado de uma pesquisa de
mestrado que buscou compreender como se processam as práticas de formação de
professores para o uso das tecnologias no interior de políticas públicas de inclusão
digital. A pesquisa tratou dos processos de implantação da política da Secretaria de
Estado da Educação de Minas Gerais (SEE-MG) – o Projeto Escolas em Rede (ER) – no
que se refere às ações relacionadas à formação dos professores onde se privilegiou a
visão dos atores do processo, na figura dos coordenadores, formadores e professores
participantes.
O projeto
O Projeto Escolas em Rede da SEE-MG foi criado em 2004 e visa propiciar às escolas
estaduais deste Estado oportunidades e condições de atuação, de forma mais
articulada e cooperativa, por meio da cultura do trabalho em rede e da incorporação
das TIC às suas atividades educativas e administrativas.
São oferecidos assim onze (11) cursos de capacitação em informática básica para
os professores da rede, sendo que os softwares escolhidos pelo FIT privilegiam uma
dimensão profissional de preparação para o trabalho disponibilizando aplicativos
que atendem diferentes demandas de mercado. A carga horária dos cursos FIT varia
de 40 a 80 horas no total e os professores são liberados de suas atividades docentes
enquanto participam dos processos de formação.
A partir de 2008, numa nova etapa de implantação, o FIT começa a fazer parte de
uma grande ação conjunta entre Projeto ER e PROMEDIO (Programa de Melhoria da
Qualidade e Eficiência no Ensino Médio), onde os cursos são oferecidos numa parceria
com o SENAC – MG e neste caso são estabelecidas várias metas de capacitação dos
professores de forma a atender a política global do governo de Minas que privilegia
uma gestão voltada para o alcance de resultados. Durante a realização da formação,
os docentes recebem material didático específico de cada curso e ao final do
processo é oferecida uma certificação para os professores mediante a multiplicação
dos cursos para os alunos nas escolas. Para realizar o repasse do conhecimento
adquirido, entretanto, os educadores podem solicitar extensão de sua carga horária
ou ainda serem liberados de parte das horas de trabalho para oferecer tais cursos.
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Formação de Professores
Um primeiro aspecto que chama a atenção, ao analisar a proposta da SEE-MG, por
meio da ação do ER, no campo da formação de professores é que desde o seu início,
a Secretaria opta por um caminho do envolvimento de entidades parceiras para
fazer seguir adiante seu projeto de inclusão digital. Neste particular, instituições
como o SENAC-MG e Instituto Hartmann Regueira (IHR) têm funções estratégicas no
desenvolvimento do programa. Estas entidades parceiras atuam em diversas funções,
oferecendo infra-estrutura, suporte e realizando também a capacitação de professores
e técnicos da SEE-MG durante o desenvolvimento do projeto.
Neste âmbito, ao invés de criar uma política contínua de investimentos, com recursos
humanos próprios e visando à construção de infra-estrutura tecnológica para as
escolas, equipando seus núcleos de tecnologia de apoio, a SEE-MG opta por alocar
estes recursos em ações externas, por meio de convênios com empresas terceirizadas
e outros serviços, como a contratação de consultorias.
Que eu saiba não é algo mais imposto, colocado no site, olha está
oferecendo esse curso, vai começar um curso profissionalizante pra
gente passar para os alunos e eles vão ter isso no histórico, mas não
falam nada pra gente. É algo que vem de cima pra baixo, não passam
nada pra gente não (PC02F).
Neste aspecto, de acordo com (Nascimento, 2003, p.79) é preciso questionar os modelos
de formação de professores que são pensados dentro da lógica da racionalidade
científica e técnica, privilegiando somente a transmissão de saberes. Para a autora,
há uma constatação da falência destas estratégias, pois são concebidas como pacotes
prontos, estabelecendo distância, por exemplo, com a realidade das escolas. Ela
considera que estes modelos são práticas privilegiadas pelo Estado na divulgação de
novos métodos e orientações, com forte caráter prescritivo e que privilegia um viés de
reciclagem como meio de divulgação de políticas. Os modelos de formação continuada
ainda demonstram desinteresse pela valorização do conhecimento dos professores,
não dando voz a estes na formulação de suas políticas.
Fica claro que existe uma contradição no interior da política do ER à medida que,
ao construir uma proposta de formação continuada de professores, escolhe-se uma
instituição vinculada ao Sistema S, fortemente marcada por ações ligadas à qualificação
para o trabalho e que mantém relativa distância com as questões específicas do contexto
da formação docente. Este fato demonstra que o foco da política é justamente atuar
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na qualificação de jovens para o trabalho em detrimento da formação dos professores
com vistas ao processo de inclusão das TIC às práticas pedagógicas nas escolas, apesar
deste objetivo aparecer nos documentos e orientações oficias de implantação projeto.
Fica claro, portanto, que a concepção da política é mais voltada a uma prática
de iniciação para o trabalho dos alunos, do que para uma política efetiva de
enriquecimento e aperfeiçoamento da prática pedagógica dos educadores. Neste
sentido, a capacitação, no que se refere à oferta de subsídios para o uso pedagógico
das TIC, se apresenta apenas como objetivo complementar do programa, como
aponta um analista da SEE-MG.
Os cursos do FIT (Formação inicial para o trabalho), ele entrou
dentro de uma ação dessa conjunta com o (PROMEDIO) não só pra
ser um atrativo para o aluno permanecer na escola, por já que para
participar, o aluno tem que estar regularmente matriculado na
escola, mas também, dando condições pra este ele aluno se inserir
no mercado de trabalho. E hoje a informática ela é fundamental,
não se trabalha mais sem ter conhecimentos em informática é
muito difícil ter um trabalho que não envolva informática esta
área, então o aluno participante destes cursos já sai com um bom
diferencial (AE03M).
Com isso, a capacitação não oferece elementos para enriquecer a prática dos
professores, no sentido de aperfeiçoar seu trabalho enquanto educador, mas pelo
contrário, se debruça em oferecer cursos de iniciação para o trabalho aos alunos,
com softwares específicos para atingir esta finalidade e voltado, sobretudo, para
atender as necessidades do mercado. Além do mais, a opção feita para se capacitar
os professores dentro de um modelo que apresenta carga horária aligeirada, com
cursos de curta duração, não possibilita uma articulação efetiva da tecnologia
enquanto ferramenta de mediação tecnológica e didática. As falas dos professores
reforçam o grau de aligeiramento da formação:
Também na visão dos professores, as práticas de formação para o uso das TIC deveriam
sim articular seus saberes e a sua formação enquanto educadores, visando uma
melhor apropriação dos recursos tecnológicos para o trabalho docente na realidade
escola, como expressa o discurso do professor:
Neste âmbito, a política da SEE-MG poderia articular a formação inicial dos educadores,
seu trabalho pedagógico em diálogo com as possibilidades tecnológicas desenvolvidas
nas ações de capacitação, de forma a trazer benefícios para a prática destes docentes,
entretanto, esta opção para a qualificação profissional dos educadores não vem sendo
privilegiada pelo projeto e neste aspecto seria necessário repensar a proposta da
Secretaria.
Considerações finais
A partir das análises desenvolvidas na pesquisa, podemos perceber que as ações de
formação desenvolvidas na política da SEE-MG, têm produzido poucas modificações
no processo de integração das TIC nas praticas pedagógicas dos professores, no interior
das escolas rede estadual de ensino. Para se ter uma idéia, entre os 18 professores
entrevistados na pesquisa, apenas dois (02) deles avançaram no repasse dos cursos aos
alunos nas escolas. Deste modo, chega-se a conclusão de que os impactos produzidos
pelo FIT ainda tem sido bastante limitados, já que uma visita à realidade concreta das
ações do programa mostra que efetivamente os resultados esperados ainda não vêm
ocorrendo na prática, especialmente nas escolas pesquisadas.
Apesar da iniciativa da SEE-MG ser vista como positiva pelos professores participantes
do projeto, pôde-se verificar, que a falta de oportunidades de capacitação em serviço
disponibilizadas aos professores pelo setor público, parecem reforçar a avaliação de
certos professores de que a iniciativa da política estadual é bem-vinda. No entanto,
muitas vezes esta visão positiva é acompanhada da percepção de que muito pouco
do que se aprende nos processos formativos de iniciação para o trabalho – FIT será
transposto para a sala de aula. Esta avaliação feita pelos docentes nos alerta que é
necessário, dentre outros pontos:
Além disso, para promover uma formação de professores para uso pedagógico das TIC
são necessárias orientações claras para a inclusão destes recursos tecnológicos nas
escolas, de forma que envolva inclusive a prática pedagógica real destes educadores
Conclui-se, a partir daí, que a formação de professores para o uso das TIC nas escolas
não é tarefa simples e, neste sentido, podemos nos perguntar: será que os processos
de formação de professores para uso das TIC não deveriam se iniciar de preferência
na modalidade inicial, se estendendo para os processos de formação continuada
de caráter permanente? Será que a inclusão digital destes professores não deveria
observar às demandas e necessidades reais das escolas? Será que as políticas públicas
para inclusão não deveriam ser desenvolvidos com base em um diálogo aberto com os
agentes escolares na figura de professores, gestores e alunos?
MELO, Maria Tereza Leitão. Programas oficiais para formação dos professores da
Educação Básica. Educação e Sociedade, Campinas, v.20, n.68, p. 45-60, dez. 1999.
PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.