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Relato de Caso

Dismenorreia membranácea: ainda existe? Relato de caso

Membranous dysmenorrhea: does it still exist? A case report

Daniel Sad Silveira1, André Jaenickie2, Erick Sabbagh de Hollanda3, Renata Godinho Alves Valle3,
Juliana Barroso Zimmermmann4

Resumo
Revista HCPA. 2011;31(4):468-470 A dismenorreia membranosa é assim denominada porque além da dor pode-se identificar a
eliminação vaginal de material elástico ou membranoso. Atualmente, existem poucos relatos na
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Residência Médica em literatura científica, mas sua etiologia deve ser suspeita em casos de dor associada a sangramento
Ginecologia e Obstetrícia, vaginal com eliminação de material elástico ou firme. Os autores relatam um caso de dismenorreia
Hospital Universitário, membranácea e uma breve revisão da literatura sobre o assunto.
Universidade Federal de Juiz
Palavras-chave: dismenorreia/citologia; dismenorreia/diagnóstico; distúrbios menstruais;
de Fora, MG.
anticoncepcionais orais; dor pélvica
2
Maternidade, Hospital
Therezinha de Jesus, Abstract
Juiz de Fora, MG. Membranous dysmenorrhea is so called because, beyond the pain itself, it can be identified by
the vaginal elimination of elastic or membranous material. Currently, there are few reports on
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Faculdade de Ciências this condition in the scientific literature, but its etiology should be suspected in cases of pain
Médicas e da Saúde, associated with vaginal bleeding and elimination of elastic or firm material. The authors report a
(SUPREMA) case of membranous dysmenorrhea and a brief review of the literature on the subject.
Juiz de Fora, MG.
Keywords: dysmenorrhea/citology; dysmenorrhea/diagnosis; menstruation disturbances; oral
contraceptives; pelvic pain
4
Departamento Materno
Infantil, Faculdade de
Medicina, Universidade
A dismenorréia caracteriza-se por uma Relato de caso
Federal de Juiz de Fora, MG.
dor pélvica, cíclica, podendo associar-se a
Paciente de 22 anos, estudante do
sangramento irregular ou não, com prevalência
Contato: segundo grau, compareceu ao Serviço de
difícil de ser estipulada, pois nem sempre
Juliana Barroso Zimmermmann Obstetrícia da Maternidade Therezinha de
a paciente procura atendimento médico,
E-mail: julianabz@uol.com.br Jesus - Universidade Federal de Juiz de Fora -
embora se estime que possa variar entre
Juiz de Fora, MG, Brasil. com queixa de dor pélvica intensa, tipo cólica,
45 e 95% e ser classificada como primária,
iniciada há cinco dias e sangramento genital
quando não associada à doença orgânica ou
com eliminação de coágulos.
secundária, quando associada a uma patologia
de base (1). Sem histórico de patologias prévias ou de
episódios semelhantes e vida sexual inativa
A dismenorréia membranácea ou
(virgem). Em uso de contraceptivo hormonal
membranosa (DM) foi descrita inicialmente
oral, para controle do ciclo menstrual,
por Giovanni Bauttista Morgagni e caracteriza-
há dois meses. Ao exame apresentava-se
se pela eliminação do endométrio ou de
corada, hidratada, anictérica, acianótica,
membrana, mantendo a forma da cavidade
estável hemodinamicamente, com abdome
uterina (2,3).
doloroso à palpação profunda e ausência
A razão da ocorrência deste destacamento de massas abdominais. À avaliação pélvica
ainda não é explicada. Devido a sua identificou-se genitália com pilificação
baixa incidência, poucos são os estudos normal, trófica, hímen íntegro, sangramento
identificados na literatura e, por isso, genital moderado, com eliminação de
considera-se importante a descrição de coágulos e de material pardacento, firme,
casos para que possamos entender seu com formato irregular, conforme Figura 1
quadro clínico e fatores predisponentes, (A e B) e morfologia semelhante à cavidade
já que a relevância clínica está associada à uterina. O material foi enviado para estudo
dor e ao sangramento genital identificados, histológico que identificou dissociação
bem como na necessidade de se fazer o estroma-glandular do endométrio e intensa
diagnóstico diferencial com outras afecções decidualização, o que é compatível com
ginecológicas. dismenorreia membranácea.

468 Rev HCPA 2011;31(4) http://seer.ufrgs.br/hcpa


Dismenorréia membranácea: relato de caso

A paciente foi internada para controle clínico. Realizada livre na pelve. O hemograma foi compatível com anemia leve
ultrassonografia da pelve que identificou útero em (Hb=10,6; HTC=35,7). A paciente recebeu alta, com melhora
anteversoflexão (AVF), regular, miométrio homogêneo, clínica, sem queixas álgicas, após 24 horas de observação. Até
volume de 172,4 ml, endométrio de 7,6 mm (secretor), o momento, não houve repetição do episódio e a paciente
ovários sem alterações macroscópicas e ausência de líquido encontra-se estável.

Figura 1: Aspecto macroscópico do material eliminado, após cólica intensa. Observa-se a


morfologia semelhante à da cavidade uterina.

Discussão predisponentes da DM, mas não está claro por que algumas
mulheres apresentam o quadro clínico e outras não, mesmo
A dismenorreia membranácea (DM) é uma entidade
fazendo uso do mesmo esquema hormonal(1). Deste modo,
clínico-patológica que tem sido pouco descrita pela
a DM pode acontecer independentemente da dosagem
comunidade científica, embora se encontre relatos clínicos
hormonal, da via de administração e do hormônio utilizado.
nas décadas de 1950 e 1970. Entretanto, predomina em
Por isso, alterações nos mecanismos de adesão celular com
mulheres na segunda e terceira décadas de vida. Neste caso,
a participação das ativinas, folistatinas e inibinas nas células
a paciente era jovem, negra e sem atividade sexual, usuária
endometriais devem ser estudadas porque poderão ser a
de contraceptivo hormonal oral, apenas para controle do
resposta para as modificações morfológicas do processo
ciclo, o que é compatível com a literatura médica(1,2,4-6).
de decidualização e ser o gatilho do destacamento do
Várias hipóteses têm sido propostas para explicar endométrio (10,11).
sua causa. O aumento da produção de estrogênio e
O tratamento da DM ainda é controverso, já que algumas
progesterona com posterior eliminação incompleta do
recomendações ainda carecem de evidência científica, como,
endométrio espessado, a vasodilatação intensa das artérias
por exemplo, altas doses de progesterona, supressão da
espiraladas endometriais, seguida por vasoconstrição
ovulação, terapia com andrógenos, curetagem, antibióticos
e eliminação do endométrio superdesenvolvido, a
e vasoconstritores (ergotamina). Optou-se pela observação
formação de microabscessos e altos níveis de progesterona
da paciente, com utilização de antiespasmódico e sem a
determinando a decidualização do endométrio, com
necesidade de curetagem uterina. A contracepção hormonal
posterior expulsão, sem que haja a sua dissolução prévia
foi mantida, embora não haja certeza de que o quadro clínico
são fatores responsáveis pela sua origem (7).
não se repetirá (12).
No passado foi citado que a DM estaria correlacionada
estritamente ao uso de progesterona de depósito (8).
Acreditava-se que a progesterona, ao decidualizar o Conclusões
endométrio, poderia facilitar o desenvolvimento da DM.
A DM não está limitada a uso de uma ou outra formulação
Tais observações não se comprovaram porque nem todas
hormonal, nem sua recorrência associa-se à continuidade
as pacientes fizeram uso dessa medicação. Neste estudo,
do uso. Embora pouco mencionada, a dismenorreia
a paciente era usuária de contraceptivo hormonal oral
membranácea deveria ser mais estudada para proporcionar
combinado apenas há dois meses, o que contradiz esta
um tratamento efetivo para as pacientes acometidas. O
hipótese (1,8,9). Além do acetato de medroxiprogesterona
fato é que dor em cólica, com eliminação de fragamento
(150 mg), outros progestágenos (acetato de noretisterona,
membranoso pela vagina, deve ter avaliação histopatológica,
levonogestrel) associados ao etinilestradiol em diferentes
considerando a necessidade de diagnóstico diferencial com
dosagens, bem como dosagens hormonais em dispositivo
outras patologias, especialmente o abortamento (1).
transdérmico também foram citados como fatores

http://seer.ufrgs.br/hcpa Rev HCPA 2011;31(4) 469


Silveira DS et al

Referências

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Recebido: 03/03/2011
Aceito: 11/07/2011

470 Rev HCPA 2011;31(4) http://seer.ufrgs.br/hcpa

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