A leitura expressiva consiste na interpretação oral de um texto realizada com
convicção. Está para além da mera leitura em voz alta, pois pressupõe que o leitor encarna a(s) consciência(s) manifestada(s) no texto, assumindo como suas as vozes que nele falam. Sara de Almeida Leite Quem lê expressivamente pronuncia as frases como se estas estivessem a ser ditas pela primeira vez, criando, portanto, a ilusão de que não está a ler. A partir do 4.º ano do ensino básico, é suposto que os alunos sejam capazes de fazer leituras expressivas de textos literários, pelo que se torna importante que, ao lerem para eles, os pais forneçam bons exemplos a esse nível. A leitura expressiva é muito importante no treino da competência leitora, pois solicita um maior envolvimento com o texto, um esforço mais consciente para o compreender (que normalmente implica a sua releitura), bem como a resolução de dúvidas de pronúncia, vocabulário, etc., uma vez que estas impedem uma interpretação oral adequada. Do ponto de vista do bem-estar emocional do leitor — desde que a leitura seja feita com tempo e sem pressões — permite “viver” o texto, sentindo o prazer da evasão. Trata-se de um modo lúdico e criativo de ler que favorece o despertar do gosto pela literatura. Assim, é fundamental que as crianças possam contar com a ajuda dos professores e dos pais, que devem criar condições favoráveis à prática da leitura expressiva com frequência e proporcionar- lhes exemplos modelares, nos quais elas se possam inspirar. As sugestões seguintes pretendem, precisamente, ajudar os pais a lerem melhor para os seus filhos.
6 sugestões para tornar a leitura em voz alta mais expressiva
1. Conheça bem a história. Só a familiaridade com o texto permitirá interpretá-lo como se tivesse sido escrito por si. Sem o ter lido todo, uma ou mais vezes, dificilmente terá segurança e à-vontade para dizer todas as frases sem hesitações e sem enganos, com entoação adequada à pontuação e aos estados de espírito subjacentes ao discurso. O próprio facto de saber como a história acaba ajudá-lo-á a decidir qual o tom com que deve começar a lê-la. 2. Defina as vozes das várias personagens e do narrador. Depois de conhecer bem o texto, decida qual será o timbre próprio de cada uma das vozes que nele falam. Inspire-se em filmes, peças de teatro, etc., para as vozes mais “convencionais”, ou opte por vozes mais originais, que se coadunem com a sua capacidade vocálica. Não se esqueça de ser coerente e fazer a mesma voz para cada personagem desde o início até ao fim do texto! 3.Ajuste a velocidade de leitura ao texto. A velocidade da leitura deve estar de acordo com o tipo de texto (os pequenos poemas de O Pássaro da Cabeça, por exemplo, serão mais bem apreciados se forem lidos com toda a calma) e, claro, com as circunstâncias, os sentimentos e a personalidade de quem fala, no caso das narrativas. Por exemplo, é natural interpretar a fala de uma tartaruga com uma voz arrastada, que demora a acabar o que tem para dizer, e a fala de um ratinho assustado mais rapidamente, talvez mesmo “comendo” alguns sons pelo meio. 4. Acompanhe a leitura com expressões faciais. Além de tornarem as histórias ouvidas mais divertidas e entusiasmantes, as expressões faciais que vamos fazendo enquanto falamos alteram a qualidade da nossa voz, podendo torná-la ainda mais ajustada ao que é dito. Um franzir de sobrancelhas com a boca semicerrada adequa-se a uma fala ameaçadora, dita “entre dentes”, enquanto um ar de espanto e a boca bem aberta são apropriados para uma fala surpreendida. A peça Os Piratas será um constante desafio à sua capacidade para “fazer caras”! 5. Anime a leitura com alguns sons. Um bater de porta, um ranger do soalho, o uivo do vento ou de um lobo, uma explosão ou o pingar de uma torneira são exemplos de sons que podem ser referidos nos textos literários e que os pais, ao lerem para os filhos, podem tornar mais vívidos reproduzindo-os por meio de onomatopeias sugestivas. Não é preciso tornar a interpretação fiel dos sons uma constante, basta eleger alguns deles para introduzir alguma novidade na leitura. 6. Dinamize a leitura usando objetos. O uso de alguns objetos, sem cair no exagero, é uma forma simples e eficaz de dar mais dinamismo à história lida. Não é preciso usar fantoches, marionetas ou sombras chinesas — recursos que poderá não ter à sua disposição. Se a história refere um objeto vulgar, como uma flor, uma colher ou uma sacola, tenha-o à mão para surpreender a criança e criar um efeito teatral mais envolvente. Os Contos de Andersen estão cheios de oportunidades para dinamizar a leitura através do uso de objetos, como a ervilha ou os sapatos vermelhos. Pôr em prática estas estratégias constitui o caminho mais direto e simples para conseguir expressividade na leitura, mas é preciso não esquecer que esta também exige uma predisposição e uma vocação que nem todos os pais têm, ou nem sempre sentem no momento de ler. E, para além de ser preciso vencer a resistência ao fingimento que a teatralidade da leitura expressiva implica, também é preciso ser um bom leitor — no sentido da fluência na descodificação e da competência linguística em geral — para ser um leitor expressivo. No entanto, esta é uma habilidade que os adultos também podem treinar e desenvolver, pois os benefícios que traz (a quem lê e a quem ouve) compensam largamente o trabalho que pode dar!
Sara de Almeida Leite
Doutorada em Estudos Portugueses, na especialidade de Ensino do Português, é mestre em Estudos Anglo-Portugueses e licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês. Trabalha como docente no ISEC Lisboa, onde também coordena a Pós-Graduação Arte de Contar Estórias. Já publicou diversos artigos sobre o ensino da leitura e da literatura em revistas científicas e é autora de alguns livros sobre o bom uso da língua portuguesa, bem como da coleção juvenil “O Mundo da Inês”, publicada pela Porto Editora.