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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

OS LIMITES DO HISTÓRICO NO QUADRINHO


DOCUMENTAL 1
THE LIMITS OF HISTORIC IN DOCUMENTAL COMICS
Felipe de Castro Muanis 2

Resumo: Apesar do crescimento e desdobramento das histórias em quadrinhos documentais


em diversos subgêneros, ainda há resistência em considerar os quadrinhos históricos
como documentais. A partir da análise de alguns subgêneros do quadrinho histórico,
da problematização da História e da análise de autores como Nina Mickwitz, Walter
Benjamin e Jeanne Marie Gagnebin, pretende-se com este trabalho compreender os
limites do histórico no quadrinho documental.

Palavras-Chave: Quadrinho histórico. Testemunho. Ficção.

Abstract: Despite the growing and development of documental comics in different other genres,
there is still resistance to consider historical comics as documentary comics.
Onwards these genres of historical comics analysis, from the History
problematization and the study of authors such as Nina Mickwitz, Walter Benjamin
and Jeanne Marie Gagnebin, it intent with this paper understand the limits of the
history in the documentary comics.

Keywords: Historic Comics. Testimony. Fiction.

Articular historicamente o passado não significa


conhecê-lo ‘tal como ele propriamente foi’. Significa
apoderar-se de uma lembrança tal como ela cintila num
instante de perigo.

Walter Benjamin

Introdução
Entre os inúmeros subgêneros do que se convencionou chamar de histórias em
quadrinhos documentais, ou simplesmente quadrinhos documentais, encontra-se talvez a mais
antiga narrativa em quadrinhos que busca aproximação e fidedignidade com a realidade. No
entanto, sua inscrição como quadrinho documental é fruto de controvérsia. Seriam os

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Cultura das Mídias do XXVIII Encontro Anual da Compós,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019.
2 Doutor em Comunicação pela UFMG, professor do PPGCOM da Universidade Federal do Ceará e do PPG-
ACL da Universidade Federal de Juiz de Fora, fmuanis@gmail.com.

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quadrinhos históricos, ou seja, as narrativas que reproduzem acontecimentos, eventos reais ou


narrativas de importância histórica, quadrinhos documentais? Alguns artistas como Marcelo
D’Salete (2019) e autores como Nina Mickwitz (2016) defendem que o quadrinho histórico
não se enquadraria no campo documental em função de o autor do quadrinho não ter
testemunhado o acontecimento. Para Mickwitz, portanto, o caráter de documental estaria
intrinsecamente ligado à presença e ao testemunho do autor do quadrinho sobre o
acontecimento relatado. Mas será a presença fundamental para a definição do que é quadrinho
documental?
Quadrinho documental é um gênero de história em quadrinhos que se baseia em
narrativas reais, em que acontecimentos ou personagens existentes são o cerne e conduzem a
narrativa. São relatos não ficcionais que se aproximam, em sua variedade de sub-gêneros, da
definição da Sachliteratur alemã, na qual se encontram as autobiografias e biografias, os
travelogues, o quadrinho jornalístico, a representação de um tema ou de uma matéria. Nesse
sentido, indaga-se aqui o porquê de narrativas em quadrinhos históricas, que abordem
acontecimentos ou passagens marcantes, não poderem ser incluídas no mesmo grupo
documental. O interesse deste artigo, portanto, recai na definição de quadrinho histórico e de
seus subgêneros, bem como na discussão acerca de quais seriam os limites para sua inserção
dentro do espectro mais abrangente do quadrinho documental. A discussão que aqui se propõe
e se desenrola insere-se em uma pesquisa mais ampla e em desenvolvimento nos últimos anos,
em que se pretende definir e particularizar as especificidades do quadrinho documental.
Cabe então, como ponto de partida, uma breve análise de algumas possibilidades de
discursos históricos nos quadrinhos, cujas particularidades e distinções auxiliarão a construção
dessa discussão. Não será contemplada aqui a análise de quadrinhos biográficos, os quais,
apesar de, na maioria das vezes, serem também históricos e possuírem estratégias similares,
deverão ser analisados posteriormente através de outras variáveis além das tratadas neste texto.
É importante salientar que não se pretende aqui, com as análises subsequentes, esgotar as
diferentes possibilidades de quadrinhos históricos, mas introduzir um inventário preliminar de
possibilidades e estratégias discursivas que ajudem a definir o campo e a aclarar a controvérsia
citada previamente.

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1. O subgênero histórico
O quadrinho histórico não é novo e surge alinhado a um caráter pedagógico de reforçar
a propriedade de uma história oficial, tanto sobre acontecimentos quanto sobre personagens.
De acordo com Joseph Witek (1989), eram produzidas revistas de série como True Comics
(1941-1950) ou revistas unitárias como The Story of Harry S. Truman (1948), Pius XII: Man
of Peace (1948), Thrilling True Story of the Baseball Giants (1952). As mais importantes,
contudo, foram Classics Comics e Classics Ilustrated (1941), produzidas por quase 30 anos
pela Gilberton Company, e que muitas vezes tinham suas ilustrações utilizadas por livros
escolares estadunidenses. Eram quadrinhos com desenhos realistas, muito rígidos, sem ritmo,
com muito texto, monótonos e estáticos que, de acordo com Witek, eram destinados a
estudantes para competir com a “grande gama de quadrinhos de super-heróis, horror, aventura,
guerra, humor e romance” 3 (1989, p.35). Outro importante nome de um quadrinho histórico
que corroborava a história oficial é Frank Bellamy, autor de The Happy Warrior (1957-58), em
que biografou Winston Churchill, naturalmente mitificando-o.
Ainda que os quadrinhos históricos tenham surgido de forma pouca criativa para reforçar
os discursos hegemônicos de uma história oficial, foi o surgimento do quadrinho underground
já no início da década de 1960 que permitiu que esse subgênero se abrisse para outros
personagens e outras interpretações da própria história. Foram os comix subversivos da
contracultura que trouxeram o homem comum como o grande personagem, que fizeram dos
acontecimentos banais grandes histórias 4. Mas foi sobretudo a origem do que, a partir da década
de 1980, pouco a pouco, começou a se solidificar como quadrinhos documentais em todas as
suas variantes e seus discursos contra-hegemônicos. O quadrinho histórico seguiu o mesmo
caminho e, independente de poder ou não ser considerado documental, abriu-se para outras
possibilidades diametralmente opostas àquelas das suas origens.
Como o objetivo aqui não é traçar uma cronologia do quadrinho histórico, até mesmo
para não se perder de vista a necessária discussão teórica que será feita posteriormente, o que
se percebe nos dias de hoje é um desdobramento totalmente oposto das suas origens na década
de 1940. Ainda que continue a haver quadrinhos históricos que reforçam as narrativas
hegemônicas, destacam-se na atualidade as novas publicações que buscam dar espaço para

3
Tradução nossa.
4
Para um detalhamento da transição e da influência dos comix para os quadrinhos documentais, ver MUANIS,
Felipe. O protagonismo do banal e a performance nas bandas desenhadas documentais. In Vista: revista de
cultura visual. Lisboa: SOPCOM, 2017, nº1, p.33-49.

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outras vozes que normalmente não são ouvidas, que ampliam as possibilidades de interpretação
dos relatos tradicionais. Em comum entre todas essas publicações, incluindo-se o modelo
inicial dos quadrinhos históricos, estão as fontes de informação para a constituição do discurso,
justamente o que fragilizaria a inserção do quadrinho histórico no âmbito do documental. Nos
quadrinhos, em lugar da presença e do testemunho, entram a pesquisa, a consulta de fontes as
mais diversas, sejam elas outros testemunhos, material iconográfico, documentos e/ou relatos.
Desse modo, a referência está sempre em variada documentação que, de uma forma ou de
outra, atesta a verossimilhança da versão histórica, o que será aprofundado posteriormente.
Há, contudo, importantes diferenças. Alguns quadrinhos se limitam a estabelecer
histórias ficcionais quaisquer, que se desdobram no contexto de algum acontecimento
histórico. Esses quadrinhos podem se desenvolver em vários níveis de profundidade e relação
com os acontecimentos: podem ser apenas um pano de fundo para alguma ação em que o
acontecimento é menos importante, o que Luciano Thomé (2016) nomeia oportunamente como
“quadrinho de época”. Pode, ao contrário, o acontecimento ter uma influência determinante
para os personagens que, por sua vez, através de seus percursos e ações, ajudam a narrar os
fatos históricos. Essa segunda variante, que Thomé qualifica como romance gráfico histórico,
“é orientada pelo conhecimento histórico e para a consciência histórica” (2016, p.155).
Essas narrativas, de certo modo, confundem acontecimentos históricos e personagens
reais com acontecimentos e personagens fictícios. Nelas, é a entrada de personagens fictícios
que, entre outros motivos, segundo alguns, fragilizaria sua aceitação enquanto documento.
Alguns exemplos desses quadrinhos híbridos podem ser encontrados na série de três álbuns
Berlin (2003, 2008, 2018), de Jason Luttes, que narra através de seus personagens o contexto
da ascensão do nacional socialismo na sociedade alemã; Tschernobyl (2016), de Natacha
Bustos e Francisco Sánchez, que conta a história de diferentes gerações de uma família que
viveu o trauma da explosão do reator atômico no norte da Ucrânia e, por fim, O Grito do Povo
(2005), de Jacques Tardi, que relata conflitos de amor e vingança entre personagens fictícios e
acontecimentos reais durante os eventos da Comuna de Paris em 1817. Ainda que os
personagens principais sejam fictícios, o que elas têm em comum, contrariamente aos
quadrinhos históricos iniciais, é justamente a história contada pelo ponto de vista popular, por
pessoas que estavam do outro lado, pessoas que fizeram a história mas não tiveram a
possibilidade de ter voz ao escrevê-la. Essas obras se destacam por um cuidadoso trabalho de
pesquisa através de datas, acontecimentos e mesmo de personagens reais, e trazem ainda o

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ponto de vista dos personagens banais que viveram a história por outro ângulo. A pesquisa do
homem comum que viveu os acontecimentos, através de documentos os mais variados, traz
para o personagem ficcional desses relatos um frescor e uma legitimidade que muitas vezes
nunca foram alcançados pela história oficial hegemônica, a qual, muitas vezes, elimina nuances
e estabelece maniqueísmos e estereótipos a partir do seu lugar de fala.
Outra possibilidade comum de quadrinho histórico prioriza a representação de
personagens reais, que conduzem, da mesma maneira que no anterior, uma outra alternativa ao
discurso histórico oficial. Esses quadrinhos buscam uma reconstrução do acontecimento
através de depoimentos e testemunhos, como faz Joe Sacco em Notas sobre Gaza (2010) ao
narrar os detalhes da chacina de Khan Younis promovida pelo exército israelense contra os
palestinos em 1956. Entrevistas também são a base para contar as histórias reais de pessoas
que viveram na Alemanha durante o drama do muro de Berlin. Em Berlin, Geteilte Stadt:
Zeitgeschichten (2012), Susanne Buddenberg e Thomas Henseler contam as histórias de cinco
personagens reais da época da separação. Os mesmos autores trataram em Grenzfall, um ano
antes, da história ficcional ambientada na DDR em que um estudante se rebela contra o governo
editando um jornal ilegal. Se os personagens são fictícios, nem o contexto nem os dramas o
são, o que não poderia configurar as obras, nesse caso, simplesmente como ‘quadrinhos de
época’, conforme definido por Thomé. As nuances das abordagens são, no entanto, variadas.
Outro quadrinho que aborda a divisão entre Alemanha Ocidental e Oriental é Herbst der
Entscheidung: eine Geschischte aus der Friedlichen Revolution 1989 (2014), que trata dos
acontecimentos que culminaram com a queda do muro de Berlin. Nele, os autores P. M.
Hoffmann e Bernd Lindner explicitam ao final suas estratégias: enquanto o personagem
principal e seu entorno, como familiares, colegas e professor, são ficcionais, os integrantes do
grupo político Leipziger Bürgerrechtler são parcialmente inspirados em pessoas reais, ainda
que não idênticas, segundo os autores. Eles mantêm seus prenomes originais e, ao fim do
quadrinho, explicitam em quem cada personagem se inspira, com seus sobrenomes reais e os
desdobramentos de suas vidas até o presente.
Os personagens reais na integridade da obra, todavia, surgem especialmente em
quadrinhos que resultam do esforço de um trabalho investigativo por parte de seus autores, em
que se busca solucionar o que os livros de história – ou os registros policiais – não apresentaram
de modo conclusivo. Nesse último tipo, destaca-se a obra Do Inferno (2014) de Alan Moore e
Eddie Campbell, em que, após uma cuidadosa pesquisa, os autores trazem a sua versão sobre

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a identidade de Jack, o Estripador, que seria ligado à nobreza britânica. Moore e Campbell
deixam claro o que na história é verdade, o que é plausível e o que é inventado. A obra, ainda
que fazendo deduções sobre determinados acontecimentos, é pautada não pelo que
necessariamente aconteceu, mas pelo que é possível ter acontecido com base em pesquisa de
fatos e personagens reais – tudo é verossímil. Outro quadrinho que utiliza personagens reais de
um acontecimento real é Torso, a true crime graphic novel (2000), em que os autores Brian
Michel Bendis e Marc Andreyko contam a história dos crimes do torso em 1939, que marcaram
a decadência de Eliott Ness na carreira policial em Cleveland após seu apogeu com a prisão de
Al Capone em Chicago no início da década. Preenchida com notícias de jornal e fotografias, a
obra de Bendis e Andreyko não se furta a evidenciar a sua própria pesquisa, aliás marca
constante nos mais variados quadrinhos documentais.
Quadrinhos brasileiros também se enquadram nessa vertente. O primeiro exemplo,
Chibata! João Cândido e a revolta que abalou o Brasil (2009), de Hemétrio e Olinto Gadelha,
narra a história da Revolta da Chibata, em 1910, e de seu líder João Cândido, que revela a
história do motim no navio Minas Gerais em função das chibatadas que os oficiais brancos
infligiam aos marujos negros. Como lembra Nobu Chien (2016), apesar de utilizar personagens
fictícios com fins narrativos, a versão de Hemétrio e Gadelha é bastante fidedigna aos
acontecimentos e personagens reais, que são priorizados ao longo da narrativa. O autor lembra
ainda a importância dos quadrinhos que tratam desse tema sob outra perspectiva, já que a
Marinha brasileira até hoje considera o acontecimento como uma insurreição militar.
Outras importantes narrativas históricas em quadrinhos no Brasil, e não
coincidentemente tematizando o preconceito e a trágica histórica dos negros no país,
encontram-se em duas obras de Marcelo D’Salete. Quadrinista, professor e pesquisador,
D’Salete publicou dois romances gráficos que tematizam a luta dos escravos nos quilombos e
a luta pela liberdade, mas ambos se diferem pelas metodologias utilizadas. O primeiro, Cumbe
(2014), que ganhou em 2018 o Prêmio Eisner – o principal prêmio mundial de quadrinhos – na
categoria “melhor edição americana de material estrangeiro”, trabalha com personagens
fictícios vivendo no contexto da escravidão. Ainda que utilizando personagens e histórias que
não sejam reais, da mesma forma como os quadrinhos citados anteriormente, Cumbe é
criterioso na pesquisa dos costumes e das práticas no período escravista brasileiro, tanto entre
negros quanto entre os senhores de engenho A obra mais recente de Marcelo D’Salete, mais
contundente, já apresenta personagens reais e importantes não apenas para a história do país

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como dos negros. Angola Janga (2017) retrata a história de Zumbi, Ganga Zumba e de outros
personagens pouco discutidos no contexto de luta e queda do Quilombo de Palmares – ou
Angola Janga na linguagem banto quimbundo – que chegou a reunir 20 mil pessoas durante o
século XVII. A obra de D’Salete é um importante trabalho em um país onde, apesar de ser lei
o ensino de cultura africana e afro-brasileira nas escolas desde 20035, a história e a cultura
negras no país foi sempre muito pouco discutida pelas antigas gerações, o que resultou na atual
indigência política que nos faz retroceder no campo de reconhecimento dos negros e de sua
história no Brasil.
A pesquisa é um traço comum nos quadrinhos históricos. A maioria deles explicita suas
fontes, discute o que é ficcional ou não, revela imagens, notícias e até mapas e gráficos que
legitimem o seu discurso. De certa forma, ao tratar de acontecimentos reais, os autores
aparentemente querem deixar claras a profundidade da pesquisa e a possibilidade de que aquela
narrativa que o leitor tem em mãos seja lida como uma peça histórica. O quadrinho histórico
contemporâneo parece, assim como a própria História, atrelar seu discurso ao real, ao legítimo
e, de alguma maneira, à busca da verdade. Essa informação adicional pode ser interpretada
como um recurso do autor, conforme visto anteriormente, para afastar-se não do discurso
ficcional puro e simples, que ele eventualmente utiliza, mas da carga de não fidedignidade e
de não legitimação que a ficção carrega em si.
Por fim, uma das formas mais difíceis de quadrinho histórico – e que muitas vezes se
confunde com reportagem ou com quadrinhos jornalísticos – é quando não há distanciamento
histórico dos autores com relação ao tema. Se por um lado esses quadrinhos ganham com a
possibilidade de os seus autores terem presenciado os acontecimentos, por outro, a falta de
distanciamento histórico evidencia uma leitura muitas vezes um pouco superficial dos
acontecimentos. Essa aparente contradição se evidencia em dois quadrinhos de tempos muito
distintos. O primeiro, La Bête est Morte! La Guerre Mondiale chez les animaux (2007), de
Calvo, que tematizava a Segunda Guerra Mundial, foi publicado pelas Éditions GP em duas
partes entre 1944 e 1945 e, portanto, ainda durante a Guerra. Nesse quadrinho, Calvo retrata as
diferentes nacionalidades europeias através de animais antropomórficos, mesma estratégia que
seria utilizada posteriormente por Art Spiegelman em Maus6 (1980-1991): os nazistas são
lobos, japoneses são macacos, estadunidenses são bisões, ingleses são cachorros e soviéticos

5
Lei 10.639, de 2003.
6
Em Maus, judeus são ratos, alemães são gatos, poloneses são porcos, entre outros.

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são ursos polares, entre tantos outros. O quadrinho, contudo, não mostra os horrores da Shoah
e dos campos de concentração, uma vez que naquele momento tanto a existência dos campos
quanto seus detalhes de crueldade não eram amplamente conhecidos pela população, nem
mesmo por todas as forças aliadas. Limitação similar que beira a superficialidade pode ser
encontrada em Der Arabische Frühling, de Jean Pierre Filiu e Cyrille Pomes, que retrata os
acontecimentos nos diversos países que tomaram parte nos movimentos antigoverno, os quais
ficaram conhecidos como Primavera Árabe. A distância entre os acontecimentos – a partir de
dezembro de 2010 – e a publicação do quadrinho em 2013 poderia favorecer um trabalho mais
completo de pesquisa. No entanto, o quadrinho se mostra genérico e superficial ao tratar da
situação de cada país, dado que o que se lê não é muito diferente do que uma rápida pesquisa
pela internet oferece. Levando-se em consideração o esforço e o tempo depreendidos da
produção de histórias em quadrinhos, conclui-se que este foi feito não muito tempo depois dos
acontecimentos reais. Isso não significa, entretanto, que seja impossível fazer um quadrinho
histórico no calor do momento; apenas que o tempo histórico facilita mais do que atrapalha a
pesquisa e o aprofundamento do tema.
Como dito anteriormente, os exemplos aqui mencionados não pretendem esgotar ou
resumir todas as possibilidades de quadrinhos históricos, apenas mostrar a sua variedade de
estratégias e resultados, o que, por si só, já torna difícil uma afirmação peremptória sobre a sua
inviabilidade como quadrinho documental. Desse modo, a partir dos trabalhos aqui
exemplificados, pode-se concluir sobre alguns tipos de quadrinhos históricos mais frequentes
e que serão o ponto de partida para a discussão que se segue: a primeira e mais simples é o
quadrinho histórico hegemônico e oficial que surge na década de 1940, de um lado, e de outro,
suas variantes “contra-hegemônicas”, que surgem a partir da década de 1960 com o
underground, em suas diferentes estratégias. Estas variantes podem se limitar a um quadrinho
de época, em que histórias banais são ambientadas em situações de caráter histórico. Em
contraponto, há o romance gráfico histórico, que utiliza na maior parte das vezes personagens
fictícios em uma trama que tem relação direta com o acontecimento histórico real,
esclarecendo-a. Nesse sentido, a trama e o ambiente histórico pelos quais ela se desdobra são
intrínsecos, e há uma preocupação em transmitir a História do acontecimento por parte dos
autores. Muitas vezes essa é a história dos vencidos, daqueles cujo ponto de vista não ganhou
visibilidade por não ter alcançado os livros oficiais. Outra possibilidade são as reconstituições
de acontecimentos em que os personagens são reais e os autores, através de árdua pesquisa

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tomada em diversas fontes, especulam o que aconteceu de fato, a partir de um acontecimento


inconclusivo ou, também, pouco trabalhado pela história oficial.
Todas essas possibilidades, desconsiderando-se, naturalmente, a primeira, desdobram-se
em eixos de oposição que seriam a história oficial em contraste com a história contra-
hegemônica, o personagem ficcional, de um lado, e o personagem real, do outro; a necessidade
do testemunho do acontecimento para validar a construção do discurso histórico em contraste
com a pesquisa e a elaboração do tempo histórico para melhor compreender os acontecimentos.
É em meio a essas oposições que se buscarão aqui algumas pistas para tentar responder ao
problema apresentado no título deste trabalho; quais são os limites do histórico no quadrinho
documental para, enfim, tentar responder a outra pergunta mais ampla: podem quadrinhos
históricos ser considerados documentais?

2. O caráter ficcional da história.


Talvez o maior problema para se inserir o quadrinho histórico no espectro mais amplo
do quadrinho documental tenha maior relação com o entendimento que se faz da própria
História. Jeanne Marie Gagnebin, ao analisar o texto Sobre o conceito de história, de Walter
Benjamin (1994), lembra que o filósofo alemão recusa com veemência o ideal burguês de uma
história objetiva, “a mais exata e exaustiva do passado” (2014, p.40). Para Benjamin, a História
não é uma ciência exata em que se depreende a verdade, como algo que é ou não é: “Nós
articulamos o passado, diz Benjamin, nós não o descrevemos, como se pode tentar descrever
um objeto físico” (GAGNEBIN, 2014, p. 40). O problema, portanto, para ambos os autores,
reside justamente na impossibilidade de alcançar uma pureza histórica, uma objetividade que
resulte em uma História precisa, sobre qualquer acontecimento, em qualquer época. De acordo
com Gagnebin, Benjamin
denuncia primeiro a impossibilidade epistemológica de tal correspondência entre
discurso científico e “fatos” históricos, já que estes últimos adquirem seu status de
“fatos” apenas por meio de um discurso que os constitui enquanto tais, nomeando-os
discernindo-os, distinguindo-os nesse magma bruto e não linguístico “que, na falta
de algo melhor, chamamos de real”, como diz Pierre Vidal-Naquer. (GAGNEBIN,
2014, p.40).

O primeiro problema a ser atacado é, portanto, o que lastreia para a História essa
necessidade de exatidão e precisão, o que determina que alguns teóricos como Mickwitz,
considerem o quadrinho histórico como não-documental. A História se baseia em duas

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possibilidades principais de comprovação do real – aliás, tal como o jornalismo, que também
demanda uma hipotética objetividade dos fatos e o compromisso com uma pureza do real –
que são os testemunhos e a documentação, esta última, escrita (preferencialmente) ou
imagética. Contudo, documentação e testemunhos não são inteiramente confiáveis.
Documentos podem ser forjados, escondidos ou podem não ser considerados quando se quer
intencionalmente burlar a História. Como seria contada a História do Camboja se fosse levada
em consideração apenas a documentação da ditadura do Khmer Vermelho de Pol Pot? A
própria história da Alemanha nazista seria outra, a se confiar apenas em documentos alemães
e não se levando em consideração as testemunhas da Shoah. O cineasta cambojano Rithy Pahn
explicita essa precariedade da documentação, seja pelo seu ocultamento, seja pela sua
falsificação, no filme S21: a máquina de matar do Khmer Vermelho (2003), em que coloca
testemunhas do regime de volta no lugar do cativeiro, em contato com seus antigos carcereiros.
É justamente através do testemunho, do confronto no presente com a distância histórica, da
encenação e da pintura feita por uma das testemunhas retratando cenas de encarceramento, que
Pahn consegue construir com seu filme um resgate da memória, um documento possível, talvez
mais verdadeiro que boa parte da documentação oficial disponível.
Se a documentação é falha, seu antídoto é o testemunho – um retorno à tradição oral, em
que a História é contada de pai para filho, de um para o outro, para que a narrativa não possa
morrer. O documentário, em suas mais diversas mídias, seja no cinema, na televisão ou nas
histórias em quadrinhos, fundamenta seus discursos nas propriedades da oralidade de quem
testemunhou, de quem esteve presente e viveu o acontecimento. Essa pretensa superioridade
do testemunho é recorrente no cinema, tanto no campo artístico como no teórico. Um dos
expoentes do primeiro é o filme Shoah (1985), de Claude Lanzmann, que se constitui em suas
nove horas de duração de depoimentos de pessoas que viveram os campos de concentração,
desde aqueles que viviam no entorno dos campos até - e principalmente - prisioneiros e oficiais
nazistas.
No campo teórico cabe voltar à teoria de Fernão Ramos, segundo a qual para existir – e
definir-se – o documentário, é necessária a mediação de uma câmera, tendo por trás de si um
sujeito-câmera que testemunha o acontecimento. Nesse sentido, o testemunho é essencial para
a construção do discurso documental. Poder-se-ia dizer, retomando Mickvitz, que a
importância da testemunha do fato para o quadrinho histórico seria a legitimidade do autor que
viu e viveu tudo o que relata sobre o acontecimento. Desse modo, pouco sobraria nos

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quadrinhos históricos contemporâneos do que poderia ser chamado de documental. Estar-se-ia


assim limitado às experiências não de quadrinhos, mas das antigas ilustrações de guerra feitas
por correspondentes que desenhavam, como Constantin Guys fez sobre a Guerra da Crimeia,
quando a fotografia ainda não era utilizada. Pode-se dizer assim que essa modalidade tenha
praticamente se extinguido com a chegada da fotografia no século XIX.
Estar imbuído da outorga de testemunha confere na contemporaneidade o grau máximo
de legitimidade ao discurso, algo difícil de contestar. Chega-se, portanto, a esse status de fato.
O testemunho vale por não ocultar a subjetividade do homem comum. O testemunho passa a
ser valorizado assim como uma voz dissonante ao discurso oficial do vencedor. No entanto, se
a testemunha é importante, por outro lado ela também não é precisa, também apresenta falhas
e não oferece, apenas pelo seu caráter de ter presenciado o acontecimento, uma objetividade e
veracidade dos fatos. Assim como documentos, testemunhos podem ser forjados e apagados,
memórias e depoimentos podem se deturpar. É recorrente o exemplo do filme Edifício Master
(2002), em que o cineasta Eduardo Coutinho, no papel de entrevistador, pergunta ao final do
filme para uma de suas entrevistadas se ela mentiu em alguma de suas respostas, e ela responde,
constrangida, que havia mentido. Coutinho valoriza o depoimento pelo seu caráter de
fabulação. Para ele a presença e o depoimento são mais importantes do que se o que é dito é
verdade ou mentira.Mas aqui está o primeiro problema do testemunho, ele não necessariamente
é idôneo. Se assim o fosse, não seriam necessários juízes – também não necessariamente
idôneos – para separar verdade de mentira e se chegar a um veredito. Parte desse problema
pode ser analisado através de Rancière, ao diferenciar quem quer testemunhar de quem não
quer testemunhar; para ele, “a verdadeira testemunha é aquela que não quer testemunhar. É
essa a razão de ser do privilégio atribuído à sua palavra. Mas esse privilégio não é o da
testemunha, é o da palavra que força a testemunha a falar apesar da sua vontade.” (RANCIÈRE,
2010, p.135). Não significa que a testemunha que quer testemunhar sempre é idônea, mas que
a própria motivação ou não do ato de testemunhar pode interferir em seu discurso. Mesmo
quem não quer testemunhar tem um motivo para ficar calado. Por que não falar? Essa palavra
pode ser inteiramente levada em consideração já que a testemunha não quer se expor? Por outro
lado, a testemunha que quer testemunhar terá algum interesse oculto para falar?
Como se não bastassem essas dúvidas com relação ao ato do testemunho, outro problema
é a questão da memória. Se por um lado, como afirmou Paul Ricoeur, a memória presentifica
o passado, por outro ela não é uma lembrança constante, limpa, clara. Ela é permeada pelo

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tempo e também pelo distanciamento histórico. A memória alimenta o testemunho, mas ela é
inexata e imprecisa. De acordo com Primo Levi, ele próprio talvez um dos autores que mais
tenha elevado a importância do testemunho na História, a memória é enganosa:
As recordações que jazem em nós não estão inscritas na pedra; não só tendem a
apagar-se com os anos mas muitas vezes modificam ou mesmo aumentam,
incorporando elementos estranhos. (...) Conhecem-se alguns mecanismos que
falsificam a memória em condições particulares: os traumas, não apenas os cerebrais;
a interferência de outras recordações “concorrentes”; estados anormais de
consciência; repressões, recalques. Todavia, mesmo em condições normais
desenrola-se uma lenta degradação, um ofuscamento dos contornos, um
esquecimento por assim dizer natural, a que poucas recordações resistem. (...) É certo
que o exercício (nesse caso, a evocação frequente) mantém a recordação fresca e viva,
assim como se mantém eficiente um músculo exercitado muitas vezes; mas é também
verdade que uma recordação evocada com excessiva frequência, e expressa em forma
narrativa, tende a fixar-se num estereótipo, numa forma aprovada pela experiência,
cristalizada, aperfeiçoada, ataviada, que se instala na recordação não trabalhada e
cresce à sua custa. (LEVI, 2016, p.17-18).

É importante deixar claro que não se pretende aqui negar as qualidades e a importância
do testemunho. Contudo, é oportuno refletir sobre suas vulnerabilidades e levar em conta que
tanto documentos quanto testemunhos não oferecem os recursos que lastreiam uma pretensa
objetividade e uma exatidão histórica. Assim, desmontam-se os instrumentos que
fundamentam a perspectiva de que quadrinhos históricos não podem ser documentais em
função da ausência do testemunho do acontecimento por parte de seu autor. Como se viu nos
exemplos dos quadrinhos anteriores, inúmeros trabalhos que se baseiam em ampla pesquisa,
independentemente de não serem frutos de testemunho de seus autores – como Joe Sacco em
Notas sobre Gaza e Marcelo D’Salete em Angola Janga – tornam-se quadrinhos históricos,
mantendo também suas deficiências e imprecisões assim como as próprias documentações,
conforme visto anteriormente.
Se a História se sustenta em documentação e testemunhos e esses não são inteiramente
conclusivos, de fato, como apontou Benjamin, é um erro perceber ou julgar como histórico
apenas o que se apresenta como fato irredutível, como um real puro e inconteste. E Jeanne
Marie Gagnebin vai além:
(...) somente depois da Segunda Guerra Mundial; também na história, a experiência
do horror e da exterminação metódica parece ter provocado um abalo sem
precedentes da confiança na ciência e na razão. Essas duas questões são aquelas da
escrita da história, em particular seu caráter literário, até mesmo ficcional, e da
memória do historiador (de seu grupo de origem, de seus pares, de sua nação), em
particular dos liames que a construção da memória histórica mantém com o
esquecimento e a denegação.
(...) O historiador que toma consciência do caráter literário, até mesmo retórico,
narrativo de sua empresa, não corre o risco de apagar definitivamente a estreita
fronteira que separa a história das histórias, o discurso científico da ficção, ou ainda

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a verdade da mentira? E aquele que insiste sobre o caráter necessariamente


retrospectivo e subjetivo da memória em relação ao objeto de lembrança, ele também
não corre o risco de cair num relativismo apático, já que todas as versões se equivalem
se não há mais ancoragem possível em uma certeza objetiva, independentemente dos
diferentes rastros que os fatos deixam nas memórias subjetivas e da diversidade de
interpretações sempre possíveis a partir dos documentos existentes? (GAGNEBIN,
2014, p.42-43).

A pergunta de Gagnebin poderia, no entanto, ser reformulada: é possível que um


historiador ignore o caráter literário, retórico e narrativo de sua empresa e, consequentemente,
seu discurso não se aproxime sempre, em alguma parcela, da ficção? Por outro lado, a memória
não é sempre subjetiva, na medida em que define, constrói e redefine as nossas próprias
experiências com o acontecimento? A História, assim como qualquer outra atividade
discursiva, conforme afirmou Benjamin, não é uma ciência exata. Ela vai ter versões, pontos
de vista, interpretações que a afastam de uma verdade absoluta e a aproximam de uma verdade
construída, elaborada, que, conscientemente ou não, pode atender às demandas e anseios de
quem está no poder. Jeanne Marie Gagnebin reforça ainda que Benjamin denuncia o modelo
equivocado de uma história hipoteticamente universal, que toma para si a narrativa verdadeira
do mundo, a qual seria “a única certa e em alguns casos, a única possível” (2014, p.40). Essa
História não é isenta e atende a interesses específicos, o que é explicitado por Benjamin em
Sobre o Conceito de História:
A natureza dessa tristeza se tornará mais clara se nos perguntarmos com quem o
investigador historicista estabelece uma relação de empatia. A resposta é inequívoca:
com o vencedor. Ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos
os que venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses
dominadores. Isso diz tudo para o materialista histórico. Todos os que até hoje
venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham
os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo,
como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialista
histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê
têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência
não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corveia anônima
dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse
também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie,
não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do
possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a
história a contrapelo. (BENJAMIN, 1994, p. 225).

É portanto em outros discursos, em outras narrativas que não as oficiais, que se busca
uma outra possibilidade de História, oposta a essa pretensa História universal, a antítese que
possibilita a síntese. O quadrinho histórico da década de 1940, ao render-se à história oficial,
aproximava-se do conceito tradicional da história objetiva e, como ciência exata, era condenada

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por Benjamin. No entanto, é a “barbárie” dos bens culturais que cria instabilidade no discurso
histórico tradicional, em suas estruturas e filiação às estruturas de poder. O quadrinho, como
um meio narrativo que não se pretende detentor de uma pureza do real, assumindo-se como
discurso a partir das experiências metalinguísticas e contraculturais da década de 1960, forja
especialmente o gênero documental como um espaço prioritariamente anti-establishment de
contestação, de valorização do homem comum e de suas narrativas, de pluralidade e
diversidade de discursos e relatos, torna-se um meio para outro ponto de vista, para outra
história – apresenta sua versão. O quadrinho que se alinha à história oficial poucas vezes será
contundente, mas o quadrinho histórico que se sustenta não apenas no testemunho mas também
nos documentos, inclusive os de personagens outros que não os vencedores, que veem a história
por outros ângulos e dão a sua interpretação dos acontecimentos, esse sim se aproxima ainda
mais de uma outra História, mesmo que por vezes ela se aproxime da ficção. É o que se percebe
nos quadrinhos citados anteriormente de Jacques Tardi, Joe Sacco, Marcelo D’Salete, entre
tantos outros.
Mas essa proximidade com a ficção apresenta, por outro lado, um desafio desconfortável.
A história é sempre narrativa, como aponta Paul Ricoeur em Tempo e Narrativa, mas como
manter o “discurso histórico e não soçobrá-lo no oceano da ficção?”, pergunta Gagnebin – e
ela mesma responde:
Ricoeur propõe, então, substituir a ideia de referência por aquela, mais ampla, de
refiguração e de desdobrar essa noção: “a ficção remodelando a experiência do leitor
pelos únicos meios de sua irrealidade, a história o fazendo em favor de uma
reconstrução do passado sobre a base dos rastros deixados por ele”. (GAGNEBIN,
2014, p.43).

Desse modo se quebraria o último impedimento do quadrinho histórico, que é sua ligação
com a ficção. A ficção normalmente incômoda que atrapalharia a objetividade dos discursos
de real, sejam eles documentais, jornalísticos ou históricos, favorece uma compreensão ainda
maior da história. Se faltam documentos 7 de personagens propriamente ditos, até porque muitos
não deixavam esses rastros, como reconfigurar a história pelo viés do popular, do contra-
hegemônico? Sem personagens ficcionais, como reunir, costurar, ligar as pontas de diversas
fontes históricas, entre relatos, textos e iconografia, para oferecer esse ponto de vista atípico e
na maior parte das vezes desprezado, como faz Tardi em O Grito do Povo, como faz D’Salete

7
É digno de nota que Ruy Barbosa em 1890, dois anos após a abolição da escravatura, então Ministro das
Finanças, mandou destruir todos os documentos relativos à escravidão no Brasil, para que se começasse uma
nova história para os negros no país.

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em Angola Janga e como faz Hemetério e Gadelha em Chibata? A ficção, ao invés de


atrapalhar e macular uma hipotética pureza do real do discurso histórico, na realidade faz o
oposto: ajuda a reunir diferentes relatos em um todo coerente que, se não é inteiramente
realidade por se misturar com histórias fictícias, por outro lado chega a uma compreensão mais
ampla do acontecimento na diversidade de seus atores, dando voz a eles, conferindo-lhes uma
visibilidade até então inexistente. Em O Grito do Povo, Tardi mostra a diversidade de interesses
de pessoas distintas das classes populares, de como a relação popular à Comuna de Paris não
era necessariamente algo homogêneo. Pelos personagens fictícios se explicam o
acontecimento, a política, as forças envolvidas. A ficção não é um problema, muito menos as
tramas pessoais de cada personagem; o importante é que eles funcionam como instrumentos
narrativos para conduzir e explicar o fato histórico por outros ângulos. Dessa maneira, a ficção,
pelo contrário, reforça o caráter histórico, em se considerando História pela acepção de
Benjamin.
Nesse sentido, é importante voltar à importância da fabulação oferecida pelos desenhos
e negada pela fotografia, tratada por Muanis (2017). Se a ilustração política e de costumes e a
charge editorial do século XVIII já faziam uso da fabulação e da ficção para fazer uma tradução
e uma interpretação mais contundentes da realidade, por que a História ainda tem dificuldades
e não se permite lidar com a ficção? Ainda que a História pressuponha o pacto ao referente, ela
não poderia tirar partido dessa tensão, reconhecendo-a? O que se defende neste artigo, portanto,
é que a ficção é muitas vezes mais intensa para relatar uma história contra-hegemônica, que
muitas vezes não está nos livros e não é universalizada. Ela quebra estereótipos e promove
relatos pouco conhecidos que denunciam o que nunca foi dito ou mostrado, algo que muitas
vezes é mais adequado para o desenho e para a narrativa em quadrinhos, conforme já foi
discutido em trabalhos anteriores.
Um exemplo dos mais importantes dados por Joseph Witek é a curta história em
quadrinhos Nits make Lice de Jack Jackson, publicada na revista Slow Death número 7 (1976-
77), em que o autor, acostumado a fazer relatos históricos, mostra a violência da relação dos
brancos com os índios durante a colonização do oeste dos Estados Unidos. Ao contrário da
história ascética tão explorada pela mitologia do cinema de western de Hollywood, que narra
o branco colonizador como salvador do índio, que o tira da barbárie e da selvageria, Nits make
lice destaca o que se fala acanhadamente mas pouco se explicita ou se ensina pela história
hegemônica, que é o massacre dos índios. O quadrinho mostra soldados repugnantes e vis, que

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invadem a terra dos índios e os exterminam sem qualquer reação, com assassinatos, estupros,
mutilações e torturas. Se os personagens em si são ficcionais, a realidade dos acontecimentos
não é. É no quadrinho que essa realidade toma forma, concretiza-se, revela com uma violência
cruenta o que não pode ser mostrado em nenhuma outra mídia imagética como o cinema e a
televisão, mas que, na estrutura e tradição do quadrinho underground e alternativo, é possível.
Apesar de ficção, funciona como um quadrinho histórico, por se tratar de um relato documental
das atrocidades infligidas ao índio pelo branco e por se afirmar como um contradiscurso
hegemônico. A história e o cinema cristalizaram o estereótipo do índio violento e selvagem
que atacava gratuitamente o bom colonizador, quando foram raras as vezes em que os brancos
foram atacados. De vítimas a vilões, foi assim que se construiu a história dos índios. De que se
valeram testemunhos, documentos e iconografias, se a história “universal e objetiva” foi
falsificada? Por isso é importante retornar ao conceito de Benjamin. O problema não é se o
quadrinho é ou não histórico, se é ou não documental. O problema é com qual conceito de
história se trabalha para definir o que é válido ou não, o que é aceito ou não como relato
histórico.

Considerações finais
A partir do que foi exposto, cabe mais uma vez retornar à pergunta que dá título a este
trabalho: qual é o limite do histórico no quadrinho documental? Uma resposta preliminar que
aqui se esboça, a ser aprofundada no decorrer da pesquisa que se desenvolve, é que o limite do
histórico está no próprio entendimento da História.
Nesse sentido cabe relatar ainda a experiência da pesquisadora bielorrussa Darya
Karalkevich, que em sua dissertação de mestrado Drawing History: documentary strategies in
historical Graphic Novels (2018) problematizou exatamente a dificuldade em se entender o
quadrinho histórico como documental. Karalkevich analisou dois quadrinhos com a mesma
temática, o desastre nuclear de Chernobyl em 1986. Em um deles, Tschernobyl: rückkehr ins
Niemandsland. (2016), de Natacha Bustos e Francisco Sánchez, já citado anteriormente,
Karalkevich encontrou pequenos erros factuais. É importante lembrar que os autores desse
quadrinho são espanhóis. Bustos e Sánchez foram ao local, fizeram pesquisas e tomaram notas.
Por outro lado, Darya Karalkevich é da Bielorrússia, de um país que fez parte da cortina
soviética e que teve 25% do seu território atingido pela radiação, à época do desastre. Em uma
passagem de sua dissertação, ela elenca essas pequenas particularidades da imagem que

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escapam de alguém que não viveu naquele momento, naquele lugar, que não faz parte daquela
cultura – desde quadros de Lenin na parede até algumas inscrições em russo. Questionada por
mim8 se esses erros comprometiam o relato do quadrinho, ao nível de pôr em xeque seu caráter
histórico, a autora negou taxativamente. Independentemente de pequenas imprecisões, o valor
histórico do quadrinho na visão dela é inquestionável. E o quadrinho foi feito com base em
pesquisas, sem que os seus autores testemunhassem aquela realidade. Ainda assim, para a
autora, Sánchez eclipsou características individuais de personalidade para tornar simbólicas e
representativas todas as vítimas de Chernobyl, em que “os protagonistas são transformados em
um amálgama de pessoas, relacionando algumas outras características que os angustiaram, do
que eles experenciaram” (KARALKEVICH, 2018, p.57). Esse é um exemplo do quanto a
fabulação e a ficção, diferentemente de um excessivo rigor com o factual e a objetividade, pode
contribuir para o relato histórico. Por fim, para Gagnebin,
Paradoxalmente, a consciência da fragilidade essencial do rastro, da fragilidade
essencial da memória e da fragilidade essencial da escrita. E, ao mesmo tempo, uma
definição certamente polêmica, paradoxal e, ainda, constrangedora da tarefa do
historiador: é necessário lutar contra o esquecimento e a denegação, lutar, em suma,
contra a mentira, mas sem cair em uma definição dogmática da verdade.
(GAGNEBIN, 2014, p.44).

E talvez a profusão cada vez maior de quadrinhos históricos lançados na esteira do gênero
do quadrinho documental, aliada a uma compreensão mais aberta de História, permita que o
quadrinho possa ser um meio de enfraquecer a definição dogmática da verdade e que agregue
outros discursos para a História. Ao fim, ainda é o caráter contra-hegemônico dos quadrinhos
desenvolvidos após a década de 1960 a principal característica discursiva que define os
quadrinhos documentais, e essa é a maior contribuição que ele pode dar para a própria História.
É o que permite e colabora com a construção de outros discursos alternativos à história oficial
e que afirma que o quadrinho histórico, documental, só é limitado pela própria História.

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Em entrevista no dia 27 de julho de 2018.

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