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para o marxismo
Hoje em dia convive-se com um novo idealismo que
contaminou grandes segmentos da esquerda intelectual
e que transformou a língua não só em um campo
independente, mas também em uma esfera tão
onipresente, tão dominante, que virtualmente extingue
a ação humana.
Marx e Engels não desenvolveram uma teoria sobre a língua. Ainda assim, o pouco que
disseram sobre o assunto merece ser destacado em uma época de confusão geral no tocante a
alguns dos pressupostos básicos do materialismo histórico.
Para início de conversa, vale relembrar que a concepção materialista da história, exposta em
trabalhos antigos como A ideologia alemã, não nega o papel da consciência na vida humana.
Ao contrário, procura combater a indiferença da consciência pela produção social. Marx e
Engels não condenam o idealismo por levar a sério o pensamento e a língua, mas por lhes dar
uma existência independente: “A língua é a realidade imediata do pensamento. Da mesma
maneira que deram ao pensamento uma existência independente, os filósofos foram
obrigados a transformar a língua em um campo independente”.
Seres humanos, Marx e Engels insistem, produzem ideias como parte da produção da
totalidade de suas condições de vida. A produção das ideias e conceitos, portanto, “está
diretamente entrelaçada com a atividade e o intercâmbio materiais” entre pessoas. Eles
sugerem que isso é “a linguagem da vida real”. Um aspecto definidor da vida humana é o
trabalho social, a maneira como organizamos as atividades produtivas interligadas dos
indivíduos, a fim de nos reproduzirmos materialmente. Assim como pressupõe consciência, o
trabalho humano requer comunicação entre indivíduos. A língua é o meio para tal
comunicação, é o próprio material de que é constituída a consciência humana. A língua é a
forma de consciência especificamente humana, a consciência de seres singularmente sociais.
Segue-se que “a língua é tão antiga quanto à consciência, é a consciência prática, real, que
existe também para outros homens”.
Mesmo que seja apenas esboçada, esta é uma descrição indispensável a qualquer opinião que
queira levar a língua a sério, sem separá-la da totalidade da atividade humana. Marx e Engels
não oferecem mais que um arcabouço para a compreensão da língua. Por sorte, autores
posteriores desenvolveram e ampliaram a explicação, deixando-nos de posse de uma teoria
materialista sobre a língua bastante enriquecida.
Entre esses esforços, um dos mais importantes é a obra pioneira Marxismo e filosofia da
linguagem publicada na Rússia em 1929, assinada por V. N. Voloshinov, e posteriormente
atribuída a Mikhail Bakhtin. Não são claras as razões efetivas que teriam levado Bakhtin a
escolher o nome de um de seus amigos e discípulos para subscrever a autoria do livro. O fato é
que o leitor encontrará nessa obra vários pontos em comum com A Poiética de Dostoievki e
Rabelais e a cultura popular, ambas escritas por Bakhtin.
Três proposições são fundamentais para Bakhtin sobre a língua. Em primeiro lugar, todos os
signos – de palavras a sinais de trânsito – são materiais, corporificados em uma ou outra forma
física. Em segundo, eles são de natureza social, existem nas fronteiras entre indivíduos e não
têm significado fora da interação comunicativa. Em terceiro, uma vez que os signos são sociais,
toda abordagem abrangente da língua terá que se concentrar na fala, no meio através do qual
ocorre a maior parte da interação linguística. Fora da fala, a língua é morta, é um conjunto de
meios de comunicação sem o ato de comunicação em si, uma forma sem substância. A vida da
língua, seu próprio dinamismo, portanto, reside na fala, na interação verbal entre os
indivíduos.
A interação social, no entanto, não é simplesmente discursiva. A fala não é um campo com
“existência independente”, mas um aspecto de um nexo multifacetado de relações sociais.
Segue-se que os signos estão imersos nas relações que prevalecem entre os seres humanos.
“As formas dos signos”, Bakhtin escreve, “são condicionadas, acima de tudo, pela organização
social dos participantes envolvidos”. Grupos diferentes tentam marcar palavras de maneira
que expressem sua experiência de interação social e suas aspirações sociais. Isso se verifica em
especial, mas de modo algum exclusivamente, em relações entre indivíduos de classes
diferentes. Como resultado, “o signo torna-se uma arena de luta de classes”.
O que, porém, não significa que as palavras (ou os signos em geral) têm significados
inteiramente diferentes para membros de classes sociais diferentes. Palavras, Bakhtin insiste,
têm significados razoavelmente constantes e abstratos, como o que encontramos no
dicionário. A fala é que implica intenções e temas. Temas têm a ver com entonações e ênfases
que membros de grupos sociais específicos tentam dar às palavras, a fim de transmitir suas
experiências. Em contextos diferentes, indivíduos participam de “gêneros de fala” diferentes,
que possuem melodias, normas, vocabulários, dialetos e assim por diante.
A classe dominante, porém, por mais que tente, não pode reprimir tentativas de marcar os
signos de formas diferentes da do discurso oficial. Os signos não são monolíticos. Pelo
contrário, transbordam de acentos contraditórios. “Nas condições comuns da vida”, Bakhtin
argumenta, “a contradição encerrada em todo signo ideológico não pode emergir
plenamente”. Mas em ocasiões de crise ou sublevação revolucionária, quando a legitimidade
das classes dominantes está sendo atacada, essas contradições são contestadas por indivíduos
que exigem cada vez mais espaço público para discursos alternativos e de oposição.
Bibliografia
Bakhtin, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. 6ª ed. São Paulo: Hucitec,
1992.
Marx, Karl; Engels, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007