O mito fundador: Brasil – Mito fundador e sociedade
autoritária, 2000.
“O mito fundador”, objeto desse resumo, é um importante capítulo do livro
“Brasil – Mito fundador e sociedade autoritária”, escrito pela filósofa brasileira Marilena Chauí que teve sua primeira edição lançada no ano de 2000, ano em que se comemoravam os 500 anos de descobrimento do Brasil. Além desse, o livro possuí outros quatro capítulos, que passam por questões profundas a respeito de nossa formação sociopolítica enquanto brasileiros.
O capítulo é iniciado com uma reflexão sobre um engano na fala do filósofo
francês Merleau-Ponty, que compara o aparecimento de novas ideias filosóficas e a descoberta da América e com essa comparação é levado a dizer que uma nova ideia não pode ser descoberta porque não estava esperando que alguém a achasse como a América estava à espera de colombo, uma nova ideia é inventada ou construída. Como a autora aponta, a América não estava à espera de Colombo, sem dúvida havia uma terra desconhecida, mas a América, ou mesmo o Brasil, são criações dos conquistadores europeus, construções culturais e são essas construções que ela designa como mito fundador.
Logo após essa introdução do capítulo, a autora apresenta três elementos
que surgiram para a construção de um mito fundador no período de colonização da América e do Brasil e apareceram na forma de três operações divinas para responderem pelo Brasil no mito fundador, sendo eles: a obra de Deus, isto é a Natureza, a palavra de Deus, isto é, a história e a vontade de Deus, isto é, o estado, formando um conceito de poder que o filósofo Baruch Espinosa designou como teológico-político. Esses três pilares são utilizados pela autora para dividir o capítulo em três partes, “A sagração da natureza”, “A sagração da história” e a “A sagração do governante”.
Em “A sagração da natureza”, Chauí explica sobre como os escritos da época
das grandes navegações e viagens de descoberta, descrevem as terras encontradas como um paraíso, uma terra afortunada, um lugar abençoado, criando mitos não só a respeito do local encontrado, como também das pessoas que já o habitavam. Esses escritos, presentes em correspondência e diário de bordo dos navegantes, trazem a palavra Oriente como um símbolo que significa impérios com os quais se pretende uma relação diplomática e uma possível dominação militar e também é o símbolo do Jardim do Éden e um símbolo para terras descritas na bíblia como paraíso terrestre. Nesse ponto a autora apresenta as características principais de uma terra perfeita descrita nos diários de bordo das navegações de descobrimento do Brasil e o como essas características ajudaram a construir as figuras míticas presentes em obras de Rocha Pita e Afonso Conde, em poesias como de Olavo Bilac, no Hino Nacional, na explicação sobre a bandeira brasileira, dentre outros.
Em terras descritas como um paraíso, como justificar a escravidão? Essa é
uma questão que a autora também levanta no capítulo e que foi justificada na época com teorias desenvolvidas por teólogos que partem da ideia de Deus como legislador supremo e afirma que há uma ordem jurídica natural criada por Ele que ordena hierarquicamente os seres segundo sua perfeição e grau de poder, determinando suas obrigações, quem manda e quem deve obediência. E assim índios e negros foram considerados inferiores e sujeitos a subordinação a seres que se consideravam superiores, seja por sua etnia ou por acreditarem ter mais discernimento do que os outros.
Na segunda parte, “A sagração da história”, a autora discorre sobre o
segundo elemento do mito fundador, o responsável por lançar-nos na história, tratando-se da história teológica (como realização do plano de Deus) ou providencialista (vontade divina). Nesse tópico estão descritas as concepções de tempo segundo a Antiguidade e concepções bíblicas e filosóficas a respeito do assunto. Nele também estão relacionados os pensamentos judaico-cristão a respeito da história providencial, teofania, epifania, profética, salvívica, apocalíptica, universal e completa. Para a compreensão deste elemento, a autora traz livros de profetas e obras de outros filósofos e pensadores.
O Brasil, segundo a autora, entra na história pela porta providencial, versão
na qual nossa história já está escrita, estando essa versão presente na abertura do nosso Hino Nacional quando, instantaneamente, surge um povo heroico, figurado pelo herdeiro da Coroa portuguesa, que num ato soberano funda a pátria e completa a história. Além disso, o Brasil também entra pela porta milenarista, versão em que nossa história está prometida, mas por fazer, devendo ser construída pela comunidade dos santos e dos justos. A autora finaliza esse tópico dizendo que tanto em uma, quanto em outra porta, somos agentes da vontade de Deus e o nosso tempo é o tempo da sagração do tempo, sendo a história parte da teologia.
Na ultima parte do capítulo, intitulada “A sagração do governante” é
apresentado um cenário em que o poder está representado como transcendente, reproduz os dois princípios da sagração do poder, sendo eles a vontade de Deus como lei acima de todas as outras e o direito natural ao poder segundo a hierarquia do direito natural objetivo. Para chegar a esse cenário são apresentados elementos históricos e teológicos que embasam essas concepções a respeito de poder e que deixam rastros em nossa sociedade até os dias de hoje.
Apresentados os elementos históricos e teológicos a respeito das relações de
poder em nosso país desde o momento do descobrimento, ou achamento, do Brasil, a autora diz que uma vez que não acompanhamos a formação histórica da política brasileira, não saberíamos seguir as transformações que ocorreram na passassem da Colônia ao Império e depois a República, nem a chegada das ideias liberais, positivistas, socialistas, dentre outras, e então aponta alguns exemplos nos quais se podem notar os efeitos deixados pela sagração do poder sendo eles: Tiradentes, uma figura crítica, como o símbolo escolhido pela República para representa-la, sem que fosse contestada a adequação dessa imagem à realidade histórica da Inconfidência; O modo socialmente diferenciado que o mito fundador opera do lado dos dominantes e dos dominados, gerando uma visão messiânica da politica que possui como parâmetro o núcleo milenarista como embate entre luz e treva, bem e mal, em que o governante ou é sacralizado ou satanizado; A maneira como se realiza a representação política no Brasil, em que o rei representa Deus e quem recebe os favores são os governados, colocando os governantes eleitos como representantes do Estado e não do povo, que se dirige até hoje aos seus representantes para solicitar favores, ou privilégios, mostrando que a representação democrática não acontece na realidade e a relação entre o representante eleito e o representado é de favor e não de obrigação do representante eleito com quem o elegeu, sendo isso que se manifesta na força do populismo na política brasileira. O capítulo é finalizado com a explicação resumida abaixo, dividida em 5 tópicos, sobre o que é de fato o populismo:
1. Um poder que busca uma relação direta entre governantes e governados,
sem recorrer a mediações políticas institucionais; 2. Um poder articulado e realizado na forma de favor e tutela, que coloca o governado como desprovido de saber social e a respeito da lei e o governante como detentor desse saber, capaz de exercer tutela, gerando uma relação de clientela como governado; 3. Um poder que opera com a transcendência e a imanência simultaneamente, isto é, em que o governante se apresenta como se estivesse fora e acima da sociedade, transcendendo-a a medida que detém o poder e o saber da lei, mas só consegue realizar sua ação se fizer parte do todo social já que não opera através de mediações institucionais; 4. O lugar do poder ocupado total e plenamente pelo governante, que o preenche com sua pessoa, encarnando e incorporando poder, sem que possa ser separado ou distinguido dele, já que esse poder não se funda em instituições públicas e nem se realiza por meio de mediação sociopolítica, mas sim pelo saber e favores do governante; 5. Um poder autocrata, que dependerá da força de cada governante o ser, mas se mantem no exercício do poder e na forma do governo. Nos dias de hoje esse aspecto é favorecido pela ideologia neoliberal, que opera com o marketing político e a indústria para enfatizar o narcisismo, personalismo e intimismo oferecendo a pessoa privada de um político como pessoa pública.