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GRANDE DO SUL
Ijuí (RS)
2014
2
Ijuí (RS)
2014
Dedico este trabalho à minha mãe e à minha
irmã, por todo apoio e incentivo recebido ao
longo desses anos. Ao meu amor, por confiar
em minha capacidade, me encorajando a
buscar sempre o melhor de mim.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, quero agradecer à Deus. Os motivos? Inúmeros. Mas Ele sabe quais
são.
À minha mãe que é a grande pessoa por trás de tudo isso. Minha base. Sempre a
postos para me ajudar. Lembro-me que, ainda quando eu estava na escola, todas as noites era
o momento que, em que pese estar cansada de ter passado o dia inteiro em uma sala de aula,
ensinando e corrigindo inúmeros trabalhos e provas, ela pegava meus cadernos, com sua
sempre caneta vermelha, e começava corrigir meus erros – pena que isso não possa acontecer
na vida... Confesso que na época não gostava, mas hoje me dou conta de como a sua
preocupação com o meu futuro foi e é muito importante. A pessoa que me tornei é graças a
você. Saiba que não haverá palavras no mundo que poderei usar para lhe agradecer. Nunca
esqueça que "de dez vidas, onze eu lhe daria". Eu te amo, mãe, muito e eternamente.
Ao Alvaro, por me fazer entender que as nossas vitórias e conquistas importam, na
verdade, só para nós mesmos, de modo que não necessitamos esperar o reconhecimento por
elas. Elas nos pertencem e isso basta.
À grande e maravilhosa equipe da Primeira Vara Criminal da Comarca de Ijuí pelo
acolhimento, conhecimento e grandes amizades. Foi com vocês que descobri o tipo de
profissional que quero ser.
À equipe da Defensoria Pública de Ijuí, em especial, ao Doutor André Castanho
Girotto, grande profissional, do qual orgulho-me de ter trabalhado, que fez com que eu
tomasse gosto pela Execução Criminal. Só assim consegui enxergar as coisas de uma nova
maneira.
Ao meu orientador, professor Doutor Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, por sua
dedicação, disponibilidade e notável conhecimento desse e tantos outros assuntos, fazendo
com que fosse possível a realização deste trabalho.
“Não existe fracasso, apenas resultados. Mesmo se
as coisas não aconteceram do jeito que você
esperava, não desanime ou desista. Lembre-se do
que você é capaz e siga em frente. Aquele que
continua a avançar um passo de cada vez vai
ganhar no final. A vitória é um processo que ocorre
com pequenos passos, decisões e ações que
gradualmente constroem uma realidade diferente.”
Autor Desconhecido
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise sobre a teoria do Direito
Penal do Inimigo, criada pelo jurista alemão Günther Jakobs, estudando os seus fundamentos.
Analisa essa teoria relacionando-a com as novas formas assumidas pela criminalidade, tais
como, o crime organizado e o terrorismo. Aborda, desse modo, o Direito Penal do Inimigo
como uma resposta, meramente simbólica, à megacriminalidade. Estuda a antecipação da
intervenção do Direito Penal em razão do pavor causado pelo terrorismo. Busca compreender a
expansão do Direito Penal contemporâneo tendo como categoria central o terrorismo. Investiga
as medidas punitivas implementadas pós-11 de setembro. Faz uma análise sobre a
criminalização do terrorismo no Brasil, bem como a influência da teoria de Jakobs, o Direito
Penal do Inimigo, sobre o nosso legislador. Finaliza concluindo que a teoria do Direito Penal
do Inimigo não pode ser aplicada no contexto jurídico, haja vista que a mesma rechaça a
dignidade da pessoa humana ao proceder na distinção entre pessoas – cidadãos, e não-pessoas
– inimigos, os quais devem ser combatidos sem nenhuma garantia.
This present work of course completion makes an analysis about the theory of
Criminal Law of the Enemy, created by german jurist Günther Jakobs, studying its
foundations. Examines this theory relating it to the new forms assumed by criminality, such
as, the organized crime and the terrorism. Discusses, thus, the Criminal Law of the Enemy as
an answer, merely symbolic, to mega criminality. Studies the anticipation of the intervention
of Criminal Law by reason of the dread caused by terrorismSeeks to understand the expansion
of Contemporary Criminal Law having as central category the terrorism.Investigates the
punishment measures implemented after September 11. Makes an analysis about the
criminalization of terrorism in Brazil, as well as the influence of theory by Jakobs, the
Criminal Law of the Enemy, over our legislator. Finalizes concluding that the theory of the
Criminal Law of the Enemy can't be applied in the legal context, has seen that the same
rejects the dignity of the human person to proceed in the distinction between people - citizens,
and non-people - enemies, who must be fought without any assurance.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 42
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 44
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INTRODUÇÃO
Desse modo, para os inimigos não há garantias penais e processuais penais, tanto que
o princípio da legalidade é flexível e nem se observa os princípios da proporcionalidade e
ofensividade. Ainda, existe um endurecimento na execução penal, inclusive com regime de
cumprimento de pena diferenciado.
O problema abordado foi como é possível, em um Estado Democrático de Direitos, a
aplicação dessa teoria, ainda que voltada à megacriminalidade, que neste trabalho é
representado pelo terrorismo?
Quanto à metodologia a ser utilizada, o estudo foi do tipo exploratório. Foi utilizado
no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e
na rede de computadores. Na sua realização foi utilizado o método de abordagem hipotético-
dedutivo, observando os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos
afins à temática e em meios físicos e na internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para
construir um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo; b) leitura e fichamento do
material selecionado; c) reflexão crítica sobre o material selecionado; d) exposição dos
resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.
O desenvolvimento do tema se deu em dois capítulos. No primeiro momento, foi
abordado o tema do Direito Penal do Inimigo como resposta à megacriminalidade na
sociedade do risco, os fundamentos da proposta teórica do Direito Penal do Inimigo, de
Günther Jakobs, e, por fim, a antecipação da intervenção do Direito Penal e o Terrorismo.
Já no segundo capítulo, foi abordada a questão do terrorismo como categoria central
para a compreensão da expansão do direito penal contemporâneo, sendo estudadas quais
foram as medidas punitivas implementadas no período posterior aos ataques de 11 de
setembro de 2001, em Nova Iorque, bem ainda o estado d´arte da questão da criminalização
do terrorismo no Brasil: influências do Direito Penal do Inimigo sobre o legislador pátrio.
11
Para Manuel Monteiro Guedes Valente (2010, p. 14) o Direito Penal, que tutela os
bens jurídicos e protege os indivíduos dos excessos do ius puniendi, corre grande risco de
desaparecer em razão das novas tendências penalistas:
[…] o Direito Penal assume o centro dos debates, notadamente no que diz
respeito à necessidade de expansão do seu raio de intervenção, bem como da
importância de se relegarem a segundo plano princípios e garantias que
davam sustentação à teorização liberal do direito punitivo, em nome de uma
maior eficiência no combate à macrocriminalidade. Quer dizer, passa-se a
sustentar a tese de que o endurecimento das leis e medidas punitivas é
13
Ainda sobre o Direito Penal simbólico, Wermuth (2010, p. 9) refere que “é possível
verificar que a ideia que permeia a produção do Direito Penal simbólico é a de eficiência, ou
14
seja, de fazer crer de forma contundente que “algo está sendo feito” como resposta às
pressões populares por mais segurança”.
Para Valente (2010, p. 16):
O Direito Penal do Inimigo estabelece uma divisão entre “pessoas” e “não pessoas”,
de modo que há dois meios de intervenção punitiva para estes tipos de indivíduos. O primeiro
é o modelo a ser aplicado para os cidadãos, com todas as garantias penais tradicionais. O
segundo é o modelo a ser aplicado para os inimigos que, baseado na lógica da guerra, tem a
função de eliminar os perigos que eles representam para a sociedade.
Desse modo, para os inimigos não há garantias penais e processuais penais, tanto que
o princípio da legalidade é flexível e nem se observa os princípios da proporcionalidade e
ofensividade. Ainda, existe um endurecimento na execução penal, inclusive com regime de
cumprimento de pena diferenciado.
Wermuth (2010, p. 18) sobre o Direito Penal do Inimigo:
[…] é flagrante o fato de que tal espécie de Direito Penal não é passível de
legitimação, pois nega a dignidade humana aos indivíduos considerados
15
Desse modo, Jakobs, ao desenvolver a sua tese, propõe a adoção de dois tipos de
Direito Penal, o “Direito Penal do cidadão” e o “Direito Penal do Inimigo”, modelos estes
totalmente distintos de intervenção punitiva, que devem levar em conta, no momento da sua
aplicação, a diferença entre cidadãos e inimigos.
Sobre o conceito de Direito Penal do Inimigo, Meliá (2009, p. 74) refere que:
Luigi Ferrajoli (2007, p. 8) aduz que “El esquema del derecho penal del enemigo no es
otra cosa que el viejo esquema del “enemigo del pueblo” de estaliniana memoria y, por otra
parte, el modelo penal nazi del “tipo normativo de autor” (Tätertyp).”
No entanto, para Jakobs (2009, p. 47) “um Direito Penal do inimigo, claramente
delimitado, é menos perigoso, desde a perspectiva do Estado de Direito, que entrelaçar todo o
Direito Penal com fragmentos de regulações próprias do Direito Penal do inimigo”.
Quanto ao modo de tratar os indivíduos que cometerem algum tipo de delito, Jakobs
(2009, p. 40) leciona que:
[…] o Estado pode proceder de dois modos com os delinquentes: pode vê-
los como pessoas que delinquem, pessoas que tenham cometido um erro, ou
indivíduos que devem ser impedidos de destruir o ordenamento jurídico,
mediante coação […] quem não presta uma segurança cognitiva suficiente
de um comportamento pessoal não só não pode esperar ser tratado ainda
como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que do
contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.
Diniz (2012, p. 117), lecionando sobre o tema, refere que “o inimigo deve ser
guerreado pela reação penal”. Essa ação se torna legítima, notadamente porque “toma
emprestado o sentido de proteção dos direitos do cidadão para operacionalizar essa guerra ao
inimigo, para “excluir” aquele que não mais possui o status personae por perturbar a
estabilidade das relações sociáveis mediante seu comportamento perigoso.”
Eugenio Raúl Zaffaroni (2006, p. 4) afirma que:
Ainda, para Ferrajoli (2007, p. 13) o inimigo deve ser punido pelo que ele é, e não
pelo que faz. Assim, “El presupuesto de la pena no es la realización de un delito, sino una
cualidad personal determinada en cada ocasión con criterios puramente potestativos como los
de 'sospechoso' o 'peligroso'.”
Sobre a diferenciação entre inimigo e pessoa formulada por Jakobs, Diniz (2012, p.
97) refere que:
Qualquer que seja o caso, para Jakobs o conceito de pena esteve sempre
atrelado à ordem. Toda ordem delineia um conjunto de normas, que devem
conservar certa estabilidade para permitir a realização das interações sociais
livre de perturbações. O problema da pena aporta em Jakobs como um
problema de natureza normativa, que se dirige à reposição da ordem
perturbadora. A pena demonstra a medida necessária à preservação da
estabilidade normativa afetada, o que permite conceituá-la “reação à quebra
da norma”. (Grifos do autor)
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Uma expectativa normativa dirigida para uma determinada pessoa perde sua
capacidade de orientação quando carece do apoio cognitivo prestado por
parte desta pessoa. Neste caso […] a expectativa normativa é substituída
pela orientação cognitiva, o que significa que a pessoa – a destinatária das
expectativas normativas – muda para converter-se em fonte de perigo, em
um problema de segurança que deve abordar-se de modo cognitivo.
(JAKOBS, 2009, p. 57).
Para Jakobs (2009, p. 51-52) as leis que tratam sobre o combate ao terrorismo, na
verdade
Nesse sentido, sobre o Direito Penal aplicado aos terroristas, Jakobs (2009, p. 60-62)
afirma que:
No que diz respeito a sanção aplicada aos terroristas, Diniz (2012, p. 123), citando
Jakobs, refere que “[…] a punição dos terroristas é apenas um objetivo intermediário, e não a
preocupação principal do legislador; é evidente que por meio da punição dos terroristas é o
terrorismo como um todo que deve ser combatido.”
Diniz (2012, p. 124) prossegue referindo que:
merece ser tratado con los instrumentos del derecho ni con los de la política.
Es el vehículo de una nueva antropología de la desigualdad, marcada por el
carácter tipológicamente criminal, demencial e inhumano, associado al
enemigo, y, de este modo, también de una nueva y radical asimetría entre
“nosotros” y “ellos”.
Após vários atentados terroristas no mundo todo, os legisladores, a fim de dar uma
resposta à essa megacriminalidade, bem como com o objetivo de tranquilizar a sociedade
frente a essa nova forma de criminalidade, acabaram por expandir o Direito Penal ao criarem
novas normas penais, ou, até mesmo enrijecer as penas das normas já existentes, atendendo os
anseios da sociedade por segurança.
Nos ensinamentos de Wermuth (2014, p. 29-30):
[…] o terrorismo pode ser visto como um dos “novos riscos” que mais
obrigou o Estado a se reinvestir nas suas funções eminentemente estatais,
inclusive com limitações consideráveis ao exercício de determinadas
liberdades públicas pelos cidadãos, por ocasião da colocação da segurança
como uma das prioridades da agenda política. Ocorre que, paradoxalmente, o
terrorismo também foi o responsável por ressaltar as falhas dos sistemas de
proteção existentes e ampliar, consequentemente, o sentimento de
insegurança em âmbito global.
Nesse sentido, Paulo César Busato (2006), citando Jakobs, sobre a expansão do
Direito Penal, refere que:
Por essas razões, em prol do bem-estar social e por uma falsa sensação de segurança, a
sociedade passa a exigir do Estado uma resposta imediata para o fenômeno das novas formas
de criminalidade, em especial, ao terrorismo. Ocorre, assim, a expansão do Direito Penal.
Valente (2010, p. 24) leciona que:
Assim, surge o inimigo, aquele que deve ser combatido com todos os tipos de armas,
que deve ser retirados seus direitos e garantias penais e processuais penais, em prol da
(in)segurança da sociedade.
Nesse sentido, Valente (2010, p. 64) leciona que:
Com o inimigo declarado, o mesmo deve ser combatido, através da lógica de guerra.
Sem direitos. Sem garantias. Apenas combatido. Afinal, ele não apresenta garantias às normas
penais, de modo que não possui mais o seu status de pessoa, não devendo ser tratado como
uma.
Valente (2010, p. 75) assevera, que, do ponto de vista do Direito Penal do Inimigo, os
conceitos de segurança e perigosidade “implicam a inocuização ou neutralização daquele em
um momento prévio à lesão efetiva ou à efetividade do perigo de lesão a qualquer bem
jurídico”.
É em decorrência disso que, para Valente (2010, p. 65) não há que se falar em
aplicação do Direito Penal do Inimigo, visto que:
Por tais razões, Valente (2010, p. 71), em sua obra, faz dura crítica ao Direito penal e
ao legislador:
Valente (2010, p. 82-83) segue afirmando que “o Direito penal não é nem deve ser um
Direito de necessidade, mas um Direito de liberdade.” Desse modo, essa afirmação, para o
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Ainda sobre a função do Direito penal, Valente (2010, p. 85-86) segue lecionando que:
existência do outro e se auto estigmatizam.” É por isso que, para o autor, o Direito Penal do
Inimigo “é uma construção de deslegitimação jurídica e sociológica”.
Partindo-se dessas premissas da função do Direito Penal, resta evidente que ela não
tem vez na dogmática, formulada por Jakobs, do Direito Penal do Inimigo, a qual é
personificada nos terroristas, traficantes de drogas, traficantes de seres humanos, corruptos,
exploradores sexuais, enfim, por todos aqueles estigmatizados pelo sistema.
Nesse sentido, vem à baila a teoria do Direito Penal do Inimigo que ganhou forças,
como já referido, após os episódios ocorridos em Nova Iorque, em 11 setembro de 2001,
conforme leciona Valente (2010, p. 63):
Com relação aos atentados de 11 de setembro de 2001, Zaffaroni refere que (2006, p.
22):
Wermuth (2014, p. 31) leciona, ainda, que as “consequências destes eventos terroristas
na seara jurídico-penal, a tragédia envolvendo as torres gêmeas em Nova Iorque pode ser vista
como o estopim de uma nova doxa punitiva, pautada pela noção de guerra.”
31
Referindo-se a Jakobs, que defende uma guerra contra o terrorismo, com a aplicação
da sua teoria do Direito Penal do Inimigo, Valente (2010, p. 92) leciona que:
Desse modo, passa-se a defender a aplicação do Direito Penal do Inimigo aos, em tese,
terroristas, haja vista que é necessário apenas suspeitas de que um indivíduo possa ser ou faça
parte de uma organização terrorista. Havendo, desse modo, meras suspeitas, esse indivíduo
recebe tratamento diferenciado, visto que não possui mais o status de pessoa, tampouco o de
sujeito de direitos.
Para Wermuth (2014, p. 79) “a categoria “Direito Penal do Inimigo” cunhada por
Jakobs talvez seja a melhor ferramenta conceitual para a compreensão da nova doxa punitiva
que surge como decorrência do estado de guerra global.
Sobre o tratamento que é dado aos terroristas, Valente (2010, p. 63) aduz que:
[…] o suposto terrorista fica preso por tempo indeterminado sem objeto
criminal identificado ou determinado processualmente, sem direito de
defesa, sem direito a habeas corpus, sem direito a qualquer garantia
processual penal, sem direito ao respeito pelos direitos mínimos da
personalidade, sem direito a ser julgado por um tribunal subordinado ao juiz
natural […]
Nos Estados Unidos da América, como ensina Valente (2010, p. 99), após os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2011,
Necessário se faz referir que USA Patriot Act, trata-se de uma lei criada logo após os
atentatos terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, pelos Estados Unidos da
América, com o intuito de combater o terrorismo, que levou a assinatura do então presidente
na época, George W. Bush.
O USA Patriot Act, nas palavras de Wermuth (2014, p. 93), trata-se de um “modelo
emblemático de um modelo de Direito Penal assentado na lógica na inimizade”, notadamente
porque “é cada vez maior utilização da tortura com o objetivo de obter confissões por parte
dos denominados 'inimigos combatentes' e, reflexamente, criar intimidação geral”.
Sobre o USA Patriot Act, cabe salientar ainda que, como leciona Wermuth (2014, p. 37):
Nesse sentido, Valente (2010, p. 100), sobre a guerra ao terrorismo, refere que:
No mesmo sentido, Wermuth (2014, p. 32) assevera que “ao declarar “guerra ao
terrorismo”, os Estados Unidos não fizeram outra coisa senão negar de forma absoluta a sua
vulnerabilidade, exposta pelos atentados.
Em razão disso, Valente (2010, p. 54) segue defendendo que:
A esse respeito, Valente (2010, p. 55) leciona que a punição aos terroristas “não pode
ser um ato de vingança, mas antes um ato de justiça, praticado de acordo com as regras e
procedimentos do direito” (Grifos do autor).
Valente (2010, p. 100) afirma que:
Verifica-se, pelo que foi aqui exposto, que os atentados terroristas ocorridos no
mundo, em especial, o atentando contra as Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, em
Nova Iorque, foram considerados o estopim para o início da “guerra” contra o terrorismo, de
modo que o Direito Penal do Inimigo passou a ganhar mais evidencia, ao lecionar o trato aos
inimigos, neste caso, os terroristas.
34
Valente (2010, p. 93) afirma que “a construção do Direito penal do inimigo não se
esgota na concepção material do Direito penal, mas reflete-se no Direito processual penal e no
Direito penitenciário”.
Nesse sentido, Valente (2010, p. 93-94) sobre a influência da teoria do Direito Penal
do Inimigo, refere que:
Nesse sentido, após a onda das novas formas assumidas pela criminalidade, restou
nítida a influência, ainda que mascarada, do Direito Penal do Inimigo sobre o nosso legislador
brasileiro, notadamente porque houve a criação e até mesmo o endurecimento de várias
normas penais.
Um exemplo da influência do Direito Penal do Inimigo em nosso ordenamento
jurídico é a Lei n.º 10.792, de 01 de dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execuções Penais
(Lei n.º 7.210/1984) e o Código de Processo Penal, criando, na execução da pena, um Regime
Disciplinar Diferenciado, o RDD. A partir dessa nova Lei, o artigo 52 da Lei de Execuções
Penais passou a vigorar dessa maneira, in verbis:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e,
quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso
provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime
disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da
sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da
pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração
de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1° O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos
provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem
alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade.
§ 2° Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o
preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas
de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações
criminosas, quadrilha ou bando. (Grifei)
Busato (2006), sobre a alteração na Lei de Execuções Penais (LEP), assevera que:
[…] fato de que apareça uma alteração da Lei de Execuções Penais com
características pouco garantistas tem raízes que vão muito além da intenção
de controlar a disciplina dentro do cárcere e representam, isto sim, a
obediência a um modelo político-criminal violador não só dos direitos
fundamentais do homem (em especial do homem que cumpre pena), mas
também capaz de prescindir da própria consideração do criminoso como ser
humano e inclusive capaz de substituir um modelo de Direito penal de fato
por um modelo de Direito penal de autor.
36
Assim, é impossível não relacionar essas situações com a teoria do Direito Penal do
Inimigo, notadamente porque, nesses casos, punem-se os condenados não pelo o que eles
fizeram, mas sim pelo o que eles são. Nesse sentido, Busato (2006) afirma que:
[…] todas estas restrições não estão dirigidas a fatos e sim a determinada
classe de autores. Busca-se claramente dificultar a vida destes condenados
no interior do cárcere, mas não porque cometeram um delito, e sim porque
segundo o julgamento dos responsáveis pelas instâncias de controle
penitenciário, representam um risco social e/ou administrativo ou são
“suspeitas” de participação em bandos ou organizações criminosas. Esta
iniciativa conduz, portanto, a um perigoso Direito penal de autor, onde “não
importa o que se faz ou omite (o fato) e sim quem – personalidade, registros
e características do autor – faz ou omite (a pessoa do autor).
Conforme assevera Diego Alan Shöfer Albrecht (2008, p. 41), a origem do Regime
Disciplinar Diferenciado nacional “deriva de regramentos estaduais equivocadamente
implantados no Rio de Janeiro e em São Paulo, com vistas a minimizar as consequências de
revoltas manifestações praticadas por supostas organizações criminosas”.
37
Para Busato (2006), a origem da criação da Lei n.º 10.7920/2003, que alterou a Lei de
Execuções Penais, pode ser facilmente identificada. Isso porque,
Também nesse sentido, Valente (2010, p. 97) afirma que o Regime Disciplinar
Diferenciado faz parte do Direito penitenciário do inimigo, visto que:
Por tais razões, Busato (2006) faz dura crítica à influência do Direito Penal do Inimigo
no ordenamento jurídico, notadamente àquela que diz respeito ao Regime Disciplinar
Diferenciado. Isso porque,
Em razão de tudo o que já foi exposto é que o Regime Disciplinar Diferenciado, objeto
da Lei n.° 10.792/2003, tem gerado grande discussão jurídico-dogmática sobre a
constitucionalidade da sua aplicação nos presídios brasileiros.
Ainda, como um exemplo de Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico
brasileiro, podemos citar a Lei dos Crimes Hediondos, Lei n.° 8.072 de 25 de julho de 1990,
que prevê em seu artigo 2º, incisos I e II, que os condenados por crimes hediondos, como
tortura, tráfico ilícito de entorpecentes de drogas e afins e de terrorismo não serão
beneficiados com fiança, anistia, graça ou indulto, in verbis:
Nesse mesmo sentido, este artigo prevê que condenados por crimes hediondos deverão
cumprir suas reprimendas em regime inicial fechado. Deverão, ainda, em casos de progressão
de regime, cumprir 2/5 (dois quintos) da pena, se os reeducandos forem primários, e 3/5 (três
quintos) se reincidentes. Há modificações dos delitos comuns também no que diz respeito à
prisão temporária que, nos casos dos crimes hediondos, tem prazo de 30 dias, prorrogável por
mais 30 dias, in verbis:
39
Nesse diapasão, sobre o artigo 2° da Lei dos Crimes Hediondos, Valente (2010, p. 95)
afirma que:
Wermuth (2010, p. 75-76), nos apresenta mais influências do Direito Penal do Inimigo
sobre o nosso legislador, citando as seguintes leis: a) Lei n°. 7.492 de 16 de junho de 1986,
que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências; b) Lei n.°
9.034 de 03 de maio de 1995, revogada pela Lei n.° 12.850, de 02 de agosto de 2013, que
dispõe sobre organização criminosa e sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da
prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal e dá outras providências; c) Lei
n.° 9.613 de 03 de março de 1998, dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens,
direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências; d) Lei n.° 10.826 de 22
de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e
munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras
providências.
Ademais, além das influências já citadas anteriormente, tivemos, recentemente, em
nosso país a questão dos movimentos sociais, que geraram grande discussão, bem como a
tentativa de criminalizá-los. Nessa temática, percebe-se mais uma vez a tentativa da aplicação
do Direito Penal do Inimigo, visto que não se pretende punir alguém pelo o que ele fez, mas
sim pelo que ele poderá fazer, ao estar vestido, ou usando algum adereço característico dos
grupos pertencentes ao movimento.
Sobre o tema, Valente (2010, p. 96) leciona que:
CONCLUSÃO
Diante do estudo proposto neste trabalho, pode-se concluir que cada vez mais a
sociedade, influenciada pelo discurso midiático, busca e cobra uma resposta do Estado, no
que tange ao Direito Penal, em razão das novas formas assumidas pela megacriminalidade,
principalmente aquelas representadas pelo terrorismo e pelas organizações criminosas.
É a partir disso que, aquelas pessoas que não pensam o Direito Penal de uma maneira
racional passam a defender a aplicação da teoria do Direito Penal do Inimigo, de autoria do
professor alemão Günther Jakobs, como uma possibilidade de resposta, no entanto, como se
sabe, meramente simbólica, frente as novas formas de criminalidade.
Dessa forma, analisando os fundamentos da proposta teórica de Jakobs, bem ainda a
antecipação da intervenção do Direito Penal relacionada com o terrorismo, observa-se um
processo de expansão do Direito Penal, o qual passa a punir de uma maneira preventiva e
mais severamente condutas que poderão acontecer.
Essas providências, conforme já estudado, são utilizadas para aumentar a segurança e
confiança da população no poder do Estado frente as novas formas de criminalidade, fazendo
com que pareça que o Estado possui total controle da situação.
Verifica-se, ainda, que após os atentados terroristas ocorridos no mundo todo,
principalmente o ataque às Torres Gêmeas, em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001,
deixou o mundo todo em alerta, de modo que os legisladores, a fim de mostrar à população
“quem é que manda”, acabaram criando leis, bem como endurecendo as já existentes,
deixando, totalmente de lado, os direitos e as garantias penais e processuais penais do
indivíduos.
Nesse sentido, percebe-se que o agir dos legisladores sofreu, e sofre, influências da
proposta teórica de Jakobs, notadamente porque acabam por iniciar a luta contra a
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BRASIL. Lei n.° 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro
nacional, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l7492.htm>. Acesso em: 20 de nov. de 2014.
______. Lei n.° 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe
sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o
procedimento criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
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nov. de 2014.
______. Lei n.° 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e
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