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Distância e Conexão
Insularidade, relações culturais e sentido de lugar
no espaço da Macaronésia
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A Macaronésia no Atlântico
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Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
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Entre essas organizações de lobby, cito, a título de exemplo, a Comissão das Ilhas da
Conferência das Regiões Marítimas Periféricas (CRMP), ou a Rede das Câmaras de
Comércio e Indústria Insulares da União Europeia (INSULEUR). A última, instituída
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Nota de abertura: insularidade e nissologia
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Nota de abertura: insularidade e nissologia
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Creio que a primeira referência à nissologia nestes termos, ou seja, como projecto
científico de ruptura de paradigma, apareceu pela primeira vez proposta em G.
McCall (1994).
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1. O espaço da Macaronésia
Posição e composição
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De makariôn, que significa «felicidade» (ou fortuna), e nesôi, que quer dizer «ilhas».
Este sufixo aparece na designação de numerosos grupos de arquipélagos, sobretudo
no hemisfério oriental (Indonésia, Melanésia, Micronésia, Polinésia, etc.).
2
A obra de W. H. Babcock (1922) é um clássico sobre este tema. Ainda sobre este
assunto, mas bastante mais acessível, temos P. Pereira (2004, 34 e sgg.) e P. Pereira
(2005, 175 e sgg.).
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Uma apresentação bastante circunstanciada do mito da Atlântida, inclusive com
uma tradução dos fragmentos dos Diálogos de Platão que se lhe referem, pode ser
encontrada em P. Pereira (2005).
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Nat. Hist.: IV, 36 e VI, 37. Julga-se que seja a essa população canina (canis) que se
deve o nome do arquipélago das Canárias. Já os canários (Serinus canaria) são aves
endémicas da Macaronésia, cujo nome comum advém precisamente dessa origem
geográfica. A citada referência de Plínio, o Velho, às aves tem muito provavelmente
que ver com a presença destes pássaros de canto exuberante.
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Pode conhecer-se mais sobre essa literatura – os immrama – e a forma como os espaços
insulares aparecem nela representados em C. Van Duzer (2006).
6
Seguimos aqui as datas de referência de Van Duzer (2006, 146). Mas há outras datas
que se referem por vezes; em P. Pereira (2005, 44), por exemplo, São Brandão é colo-
cado no séc. XI.
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1. O espaço da Macaronésia
Quer na cartografia cristã medieval quer nas obras dos grandes geó-
grafos árabes coevos, como Edrisi (séc. XII), as Ilhas Afortunadas parecem
coincidir sempre com as Canárias, ou com parte delas (cf. Babcock, 1922,
38 e sgg). Hoje o termo Macaronésia designa – como já disse – uma área
muito mais vasta. Estende-se para sul, mas também para norte e noroeste,
incluindo ao todo cinco arquipélagos: os Açores, a Madeira, as Canárias,
Cabo Verde, e ainda o minúsculo e despovoado arquipélago português
das Ilhas Selvagens, que integra a Região Autónoma da Madeira e
depende administrativamente do concelho do Funchal7. Corresponde
portanto ao que na Geografia portuguesa também se designa de Ilhas
Atlântidas, ou Atlânticas8, isto é, um extenso domínio geográfico que
em latitude vai dos 15º aos 40º N, sensivelmente, e em longitude dos 13º
aos 30º W. Ao todo inclui 29 ilhas, onde habitam um pouco mais de 2,6
milhões de pessoas, a que se juntam algumas dezenas de ilhéus, estes
últimos sem ou praticamente sem população permanente9.
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Convém advertir que as Ilhas Selvagens nem sempre são classificadas como um
arquipélago autónomo. Muito embora encontremos essa opinião em «mestres» da
Geografia portuguesa, como O. Ribeiro (1990, 29) ou C. A. Medeiros (2005, 19), no
Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território (PNPOT), aprovado
pela Lei n.º 58/2007, de 4 de Setembro, as Ilhas Selvagens aparecem referidas como
subgrupo do arquipélago da Madeira. Mostra-se com isto que o agrupamento das
ilhas em arquipélagos contém a sua dose de ambiguidade. Além de critérios mais
objectivos ou constantes, de ordem geométrica, que têm que ver com o jogo das dis-
tâncias entre pontos à superfície da terra, parecem pesar também nessas estratégias
de agrupamento critérios de ordem política ou administrativa.
8
Esta designação aparece abundantemente na obra de Orlando Ribeiro e nas dos seus
discípulos dos anos 50, mais até do que o termo Macaronésia (cf., e. g., Ribeiro, 1990).
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Talvez não seja tão fácil quanto se pense saber quantas ilhas e ilhéus compõem a
Macaronésia. A dificuldade está na definição de «ilha», que não é taxativa. A tradi-
cional descrição da ilha como porção de terra rodeada por água está longe de ser
suficiente, como aliás muito bem mostra S. Royle (2006). Para o EUROSTAT, por
exemplo, as «ilhas» ligadas ao continente por pontes ou túneis não são incluídas nas
estatísticas dos territórios insulares (não são consideradas «ilhas», portanto). Depois,
há dificuldades que se prendem com a arbitrariedade dos limiares de dimensão e
de população. Normalmente considera-se que acima dos 2,175 milhões de km2 – a
superfície da Gronelândia – falamos não de ilhas, e sim de continentes, mas mesmo
isto não é aceite pacificamente por todos (há o problema da Austrália, cujo estatuto
levanta polémica). O caso é depois muito mais complicado quando se trata de definir
os limiares inferiores e de diferenciar «ilhas» de «ilhéus» (e mais ainda, quando se trata
de destrinçar entre estes últimos e simples «rochedos»). Os critérios não são uniformes
nem constantes. A distinção não passa apenas pela dimensão. Para a mesma ordem
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de tamanho, pode falar-se umas vezes de «ilha» e outras de «ilhéu» consoante o grau
de afastamento ao continente, ou ainda consoante o referido território se encontre ou
não povoado. Espaços insulares da mesma dimensão tanto podem ser considerados
«ilhas», se estiverem bem isolados no mar, como «ilhéus», se se situarem perto da
costa, ou próximo de uma ilha maior. Para superar esta ambiguidade, e no caso
europeu, o EUROSTAT convencionou que uma «ilha» tem de ter uma população
permanente de pelo menos 50 habitantes e distar no mínimo 1 km do continente.
Nesta contabilização das ilhas da Macaronésia assumimos outro critério: considerá-
mos como «ilhas» todos os territórios insulares com superfície superior ao da mais
pequena ilha habitada da Macaronésia – o Corvo (17,1 km2). Isso fez-nos excluir a
Selvagem Grande e a Pequena (obviamente), mas incluir a ilha desabitada de Santa
Luzia (Cabo Verde) e a Graciosa das Canárias, pertencente aos Ilhéus Chinijo.
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Na linguagem da marinha, barlavento significa o lado de onde sopra o vento.
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Por oposição a barlavento, sotavento é o lado abrigado ou contra o vento.
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1. O espaço da Macaronésia
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Os números divulgados pela autoridade estatística cabo-verdiana (INE-CV) indicam
que a cidade da Praia terá aumentado, só entre 1990 e 2000, em mais de 30.000 habi-
tantes, o que correspondeu a um crescimento de 53%. Tendo como referência 1960,
há hoje na Praia 8 a 9 vezes mais gente. A maior parte desse crescimento urbano
fez-se de forma não programada, e até à margem de qualquer regulação. Bairros de
lata e grandes extensões de casas de auto-construção, semi-acabadas, proliferam nos
planaltos (as chamadas achadas) em redor do centro da cidade. As ruas estão muitas
vezes por asfaltar e não há nesses bairros abastecimento público de água nem sis-
tema de recolha de esgotos. Falta além disso um adequado tratamento dos espaços
públicos. É por isso que se diz por vezes que a Praia é a mais «africana» de todas
as cidades cabo-verdianas. Em Santiago, justamente por causa deste crescimento
urbano desordenado, os níveis de atendimento da população em electricidade e
água, e os indicadores de conforto da habitação, são ainda mais baixos que a média
do país, que já de si é baixa: em 2000, só 17,2% da população da ilha tinha acesso
a água da rede pública (24,8% no total de Cabo Verde), 33,3% a casa de banho com
retrete (38,7% no país) e 43,1% a electricidade (50% no país) – isto segundo dados
do INE-CV.
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Em Português, a tradição aconselha esta grafia em vez do uso de Fuerteventura e de
Lanzarote, como no castelhano original. Porém, tende a ser cada vez mais comum
ver as duas ilhas designadas também desta maneira.
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1. O espaço da Macaronésia
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A Graciosa (Canárias) é muitas vezes considerada apenas um ilhéu. Vd. nota anterior,
onde se discute o conceito de ilha.
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As plataformas continentais, que correspondem às margens submersas adjacentes aos
continentes até aos -200 m de profundidade, são os espaços do oceano mais ricos em
recursos piscícolas. Para além da luz solar penetrar nestas águas em profundidade,
beneficiam frequentemente de upwellings que trazem à superfície nutrientes acumulados
nos fundos marinhos. Estes dois factos concorrem para que haja abundante produção
de fitoplâncton e, com isso, recursos para as espécies pelágicas que alimentam as
populações humanas – para um aprofundamento desta matéria, consulte-se A. R.
Longhurst (1998).
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A hipótese dos hot spots, ou «pontos quentes» (também, às vezes, chamadas «plumas
térmicas»), foi desenvolvida em complemento da teoria da tectónica de placas, para
suprir a incapacidade desta na explicação dos vulcões situados no meio das placas.
De acordo com esta teoria, há longe das margens das placas, pontualmente, locais
onde se atingem temperaturas excepcionalmente elevadas no manto, por razões
desconhecidas, o que provoca a fusão do material rochoso das camadas litosféricas
mais profundas. Sendo esse material menos denso que as rochas sólidas à volta,
tende a subir à superfície (donde a imagem do «penacho» ou da «pluma»), gerando
fenómenos vulcânicos.
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O alinhamento este-oeste da Grã-Canária, Tenerife, Gomeira, Palma e Hierro, pra-
ticamente à mesma latitude, parece corroborar a hipótese de um «ponto quente».
Contudo, esta não é uma explicação suficiente para o que se passa nas Canárias. Os
fenómenos vulcânicos recentes nas ilhas mais orientais, nomeadamente em Lançarote,
escapam a esta lógica e têm gerado controvérsia – cf. F. García-Talavera (1999).
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A fonte dos dados estatísticos que aqui se citam para as Ilhas Canárias é o Instituto
Canário de Estadística (ISTAC).
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1. O espaço da Macaronésia
países com nível de vida mais elevado no mundo. Essa «pobreza» das
Canárias corresponde portanto a uma situação muito relativa e que
está perfeitamente dentro dos parâmetros europeus19. Mesmo as ilhas
canarinas ocidentais – Gomeira, Palma e Hierro20 – que são de menor
dimensão, mais pobres, e onde o relevo montanhoso e as costas agrestes
contribuíram para preservar nelas um cunho mais «selvagem» (ficaram
um pouco à margem da modernização induzida pela urbanização e
pelo turismo), estão numa situação que não se pode comparar à de
Cabo Verde21.
Uns 150 km a norte das Canárias e cerca de 300 km a sudeste da
Madeira encontramos o pequeno arquipélago português das Selvagens,
que administrativamente pertence à Região Autónoma da Madeira. É
composto por dois ilhéus maiores – a Selvagem Grande e a Selvagem
Pequena – distantes entre si pouco mais de uma dúzia de quilómetros,
e por uma dezena de ilhéus menores e rochedos adjacentes. A Selvagem
Grande, apenas habitada por vigilantes da natureza do governo madei-
rense que ali permanecem por turnos de três semanas, corresponde a um
ilhéu de 2,5 km2, levantado em escarpa sobre as águas do mar algumas
dezenas de metros, e que atinge a altitude máxima de 163 m. A Selva-
gem Pequena, muito menor (sensivelmente 1 km por 0,5 km) e mais
baixa (cota média de 10 m), não tem sequer presença humana regular.
O arquipélago da Madeira, que constitui no quadro da república
portuguesa uma região autónoma, com governo e parlamento regional
próprios, é formado por duas ilhas maiores – Madeira e Porto Santo –
localizadas entre os 32º 38’ e os 33º7’ N (ou seja, aproximadamente à
19
Segundo o EUROSTAT, o rendimento per capita das Canárias situava-se, em 2006, em
92,6% da média da UE.
20
Em português, deve preferir-se a designação de Gomeira a La Gomera, por existir
vocábulo toponímico consagrado pela tradição para esta ilha, e pode usar-se para
designar a ilha que em espanhol se chama de La Palma simplesmente Palma (é aliás
uma forma de evitar confusões com a cidade de Las Palmas). A ilha de Hierro, pelo
contrário, é normalmente designada como em espanhol.
21
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que todos
os anos hierarquiza os países em função do seu índice de desenvolvimento humano
(IDH), situava a Espanha no 16º lugar mundial em 2006. Cabo Verde encontrava-se
no 118º lugar. Se considerássemos o PIB per capita, Espanha apareceria como sendo
cerca de dez vezes mais rica do que Cabo Verde: enquanto Espanha tinha em 2006
um PIB per capita de 29.908 US$ (em PPC), em Cabo Verde o valor homólogo era de
apenas 2.833 US$.
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Os dados de população referentes às ilhas portuguesas provêm do Instituto Nacional
de Estatística (INE).
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1. O espaço da Macaronésia
apontam para mais uns dois milhares em 2007), o que a coloca entre as
mais populosas ilhas macaronésias (a quarta, apenas atrás de Tenerife, da
Grã-Canária e de Santiago). É além disso uma população com padrões
de vida que estão entre os mais elevados da Macaronésia23. Toda a ilha
apresenta hoje modernas infra-estruturas de transporte rodoviário, uma
boa rede de equipamentos colectivos, e níveis de conforto das habita-
ções muito satisfatórios. A elegante cidade do Funchal, para além de
ser o principal aglomerado da ilha e a capital da região autónoma, é
um pólo urbano importante também no contexto das Ilhas Atlântidas:
a cidade propriamente dita concentra uns 100.000 habitantes, e mais de
120.000 pessoas vivem no conjunto da pequena área metropolitana que a
cidade comanda e que se estende, na forma de uma urbanização difusa,
maioritariamente de edifícios unifamiliares, aos municípios vizinhos de
Câmara de Lobos e Santa Cruz.
As ilhas dos Açores formam o último dos cinco arquipélagos maca-
ronésios. Falamos não só do mais setentrional, senão também do que
mais distante se encontra de qualquer massa continental. Situado entre
os 36º 55’ e os 39º 43’ N de latitude, e entre os 25º e os 31º 16’ W de
longitude, está praticamente a meio do Atlântico, a mais de 1.500 km
do continente europeu. Assim, contrariamente ao que sucede com os
outros arquipélagos macaronésios, todos em posição intraplaca e, logo,
associados a «pontos quentes», os Açores configuram uma outra rea-
lidade. A sua génese parece ter muito mais que ver com a da Islândia
ou com a de algumas ilhas do Atlântico Sul, como Tristão da Cunha e
Santa Helena, do que com a dos restantes arquipélagos macaronésios.
Como aquelas, os Açores encontram-se próximos do rift do Atlântico,
por onde o material das camadas interiores da Terra sobe à superfície e
onde se faz, desde há 180 milhões de anos, a abertura do oceano. Mas
o seu contexto geotectónico é ainda mais complexo que isso. Os Açores
situam-se também na fronteira entre as placas africana e eurasiática,
definindo assim o ponto de junção de três grandes unidades litoesféricas
23
A Região Autónoma da Madeira pode ficar um pouco aquém da Comunidade Autó-
noma das Canárias na maior parte dos indicadores sociais (por exemplo, número de
médicos por 1000 habitantes, taxa de cobertura por água de rede pública, taxa de
acesso à Internet, etc.), mas essas diferenças são, em todo o caso, sempre mínimas, de
um ou dois pontos percentuais. Já considerando o PIB per capita, a Madeira suplanta
as Canárias: em 2006, segundo o EUROSTAT, situava-se praticamente na média da
UE (97,7%), sendo portanto, em toda a Macaronésia, a região mais convergente.
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Uma exposição sucinta da complexa situação geotectónica dos Açores e da polémica
científica de que ainda está envolta a sua compreensão, pode ser encontrada em A.
Brum Ferreira (2005, 121 e sg).
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Vários exemplos destas formações, com uma adequada explicação da sua origem,
são citados em A. Brum Ferreira (2005, 121-147).
27
Podem aprofundar-se os paralelismos vulcanológicos das ilhas macaronésias consul-
tando M. Báez e L. Sánchez-Pinto (1983).
28
Passado o período de maior actividade de um vulcão, com o recesso do magma às
profundidades, é comum a cúpula da câmara magmática colapsar. «Caldeira» é o
termo que se dá à cratera resultante desse abatimento.
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Nos Açores, na Madeira e em Cabo Verde, «fajã» é a designação popular dada a uma
superfície aplanada à beira-mar, formando um terraço que pode ser mais ou menos
inclinado, mas que invariavelmente fica entalado entre o mar e uma arriba de declive
acentuado. A geomorfologia adoptou o termo. Para além das fajãs de erosão, que são
as formadas por materiais de desabamentos, o termo é também por vezes empregue
para designar formas de relevo semelhantes mas originadas por derrames de lava.
A elevada fertilidade do solo das fajãs levou a que historicamente as populações
humanas tivessem privilegiado a ocupação e utilização destes locais, nomeadamente
para a agricultura. O acesso às fajãs a partir do interior das ilhas é por norma difícil,
e nalguns casos praticamente impossível, de modo que muitas são apenas acessíveis
pelo lado do mar, por barco.
30
Calheta provém de «cala», que pertence à sinonímia de «baía».
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1. O espaço da Macaronésia
31
O trabalho citado, onde são explicados os referidos mecanismos termodinâmicos,
reporta-se às ilhas portuguesas, mas os aspectos essenciais dos processos descritos
podem ser generalizados às Canárias (com mais prudência, também ao arquipélago
de Cabo Verde).
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O esquema que a seguir se apresenta é essencialmente uma generalização do que se
observa no Pico Ruivo (Madeira) e na montanha do Pico (Açores), ambos descritos
em M. E. Moreira e C. S. Neto (2005, 465 e sgg.).
33
Os limites apontados para o andar florestal procuram conciliar os valores apresentados
em M. E. Moreira e C. S. Neto (2005), para os casos da Madeira e dos Açores, e de
F. García-Talavera (1999), para as Canárias, que obviamente não são os mesmos. No
que se refere especificamente ao andar da floresta subtropical, os valores de referência
citados correspondem aos limites altitudinais inferior e superior do anel de nuvens
e nevoeiros, que flutuam ao longo do ano e variam consoante os arquipélagos. Mas
nada disto se pode aplicar directamente às ilhas de Cabo Verde. Devido à secura,
nunca existiu neste arquipélago um verdadeiro andar florestal ecológico. Embora se
admita que a aridez extrema do andar basal tenha que ver em parte com o sobre-
pastoreio a que as ilhas foram sujeitas nos primeiros séculos de colonização, não é
crível que alguma vez tenham existido nestas ilhas formações florestais tão densas
como nas outras Ilhas Atlântidas, pelo menos nos tempos históricos.
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1. O espaço da Macaronésia
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Os testemunhos mais valiosos desta floresta endémica estão protegidos, como sucede
nos Parques Nacionais de Garajonay (Gomeira) e da Caldeira de Taburiente (Palma);
para um melhor conhecimento da laurissilva das Canárias e, em particular, do valor
ambiental e paisagístico destas duas referidas áreas protegidas (a primeira das quais
integra inclusive a lista do Património Natural da Humanidade da UNESCO desde
1986), cf. J. J. Bacallado (1999).
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O exótico dragoeiro (Dracaena drago), com os seus caules de espique formando um
gigantesco buquê, é talvez o mais acabado exemplo dessa originalidade florística
macaronésia. De aparência vistosa e invulgar, tem sido adoptado como um ícone
das Ilhas Atlântidas.
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1. O espaço da Macaronésia
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Irifi é o termo que se usa para designar, nas costas marroquinas e mauritanas, um
vento muito quente e seco, vindo dos quadrantes entre leste e sul, que está associado
às tempestades de areia do Sara, e que é mais comum nos equinócios. O harmattan,
com o qual por vezes é confundido visto também ter uma trajectória continental e
transportar poeiras do Sara, é um vento de nordeste, que sopra a latitudes mais baixas
(normalmente a sul da Mauritânia), como esclarece o glossário de ventos incluído
em A. M. Gonçalves (2003, 51 e sgg.).
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A tragédia cíclica da lestada em Cabo Verde é o tema de um romance de Manuel
Lopes, de 1959, chamado os Flagelados do Vento de Leste, que ocupa um lugar de des-
taque na literatura nacional(ista) cabo-verdiana. A acção passa-se na ilha de Santo
Antão e conta, no registo moderno neo-realista dos autores que nos anos 40 e 50 se
congregaram em torno da revista literária Claridade, o drama, humano e social, da
população cabo-verdiana diante da chuva que não chega.
38
O mar a sul de Cabo Verde está relacionado com a formação dos grandes ciclones
do Atlântico Norte. É uma área fortemente ciclogenética, onde se geram depressões
que podem ser integradas na circulação atmosférica equatorial, de sentido este-oeste,
e alcançar o Golfo do México, onde, se isso suceder, chegarão já na forma de vio-
lentos furacões. Este fenómeno, que os meteorologistas conhecem desde há muito,
e que, para preverem eventuais calamidades, os leva a monitorizar com atenção as
depressões formadas nesta região, surge descrito em I. Amaral (1964, 67 e sg.).
41
2. Encontros e hibridismos
na colonização das ilhas
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1
«Mar das Éguas» é a designação medieval para a antecâmara atlântica do Mediter-
râneo, uma área um pouco mais ampla que o Golfo de Cádiz, enquadrada a norte
pela fachada meridional da Península Ibérica, a sul pela costa de Marrocos, e que a
oeste pode ser delimitada, grosso modo, pelo arquipélago da Madeira.
2
O argumento de que a Madeira e os Açores já seriam conhecidos na Europa antes da
sua «descoberta» pelos portugueses aparece invocado na obra já clássica de W. H.
Babcock (1922), partindo precisamente da evidência dada pela cartografia, e desde
então tem sido repetido em muitos outros estudos sobre o conhecimento do Atlântico
na Idade Média (caso de Cassidy, 1968). Relatos de descobertas «arqueológicas» (não
comprovadas), que tanto azo têm dado a polémicas, como a da intrigante estátua
equestre supostamente encontrada no Corvo, poderão constituir outros indícios
de uma presença humana prévia aos portugueses, que na maior parte dos casos é
associada aos fenícios, às vezes a víquingues, mas que até a chineses já foi atribuída
– estes e outros «enigmas» (tentados tratar tão cientificamente quanto possível) são
aflorados em P. Pereira (2005, 200 e sg.).
44
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
3
Vd. Cap. 1, onde já referi este facto. Alguns historiadores «africanistas» defendem
que as ilhas de Cabo Verde também teriam conhecido presença humana prévia à
chegada de portugueses (é crível, mas não nos parece que isto esteja plena ou sequer
suficientemente documentado), argumentando que as ilhas seriam frequentadas por
lebus, felupes, e outros homens da foz do Senegal, que aqui vinham à pesca e em
busca do sal – cf., e. g., E. Silva Andrade (1997).
4
Não é pacífico que a sua aparência fosse na verdade «europeia» – quer dizer, gente
de pele e olhos claros – muito embora essa seja a ideia mais veiculada. F. Fernández-
Armesto (1982) diz que não há documentação histórica que permita assegurar qual
seria o aspecto físico do povo guanche; a maior parte dos cronistas, segundo explica,
é omisso em relação a estas questões, o que talvez indicie que não haveria nada de
«exótico» na sua aparência, mas não esconde que há também fontes que aludem à
«pele escura» destes homens e mulheres. O que isso significaria em concreto não se
sabe (população negra? gente de pele tisnada pelo sol?).
5
Muitas teorias foram aventadas depois do séc. XIX por naturalistas, antropólogos
e historiadores a este respeito. A hipótese de que os guanches seriam um ramo dos
homens de Cro-Magnon que teria migrado da Europa para África, e depois para as
Canárias, durante o último período glaciar, é uma delas; segundo esta tese, tratar-
se-iam de «parentes» afastados dos primeiros povos da Península Ibérica, restos de
uma «raça atlântica» de que também teriam feito parte os iberos e os bascos. Outra
hipótese, cara aos antropólogos alemães do séc. XIX, e aos germanófilos em geral, era
a de que se tratariam de descendentes dos vândalos que desceram até ao norte de
África aquando da queda do Império Romano (daí as referências, algo mistificadas,
ao cabelo louro e aos olhos azuis dos guanches), e que o isolamento insular teria
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feito regredir para um estádio primitivo. A terceira hipótese – hoje a mais aceite, até
porque se encontrada sustentada pela etnolinguística – é a que vê os guanches sim-
plesmente como um grupo insular dos povos berberes; fica todavia por saber como
terão chegado às Canárias (de barco? a pé, por exemplo no último período glaciar?),
ou quem os conduziu até lá e para que fim (fenícios? cartagineses? romanos?), umas
vez que parece pouco crível que no passado tivessem dominado as técnicas de nave-
gação e delas se houvessem esquecido. Para um conhecimento rápido destas várias
teses, pode consultar-se o estudo clássico de H. Wendt (1960).
6
A expressão, que aliás se celebrizou, é o título de um capítulo de V. Magalhães Godi-
nho (1962).
7
Os marinheiros terão descoberto então que podiam usar estas ilhas para se abastece-
rem de carne e de leite de cabra (um animal que os guanches tinham domesticado),
e depois também para aí capturarem escravos, o que decerto motivou incursões cada
vez mais frequentes. Aliás, sabe-se que havia escravos guanches a serem traficados
nos portos portugueses pelo menos desde o segundo quartel do séc. XIV, ou seja,
quase um século antes da tomada de Ceuta e do «descobrimento» da Madeira –
cf. I. L. de S. e Silva (2006).
46
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
sem continuidade. Como esclarece Eduardo Aznar (1986, 196), não era
ainda em rigor uma colonização que se tentava nesses tempos anteriores
ao séc. XV, mas tão-só uma mera «penetração» ou «pré-colonização»,
dado que nenhum projecto claro e firme de substituição das estruturas
aborígenes por novas formas de organização societal e económica e de
ocupação do território parece ter sido tentado implementar.
É o século de quatrocentos que vem alterar esse estado de coisas.
Diante da ausência de uma soberania clara de qualquer potência sobre
as Canárias, dois cavaleiros franco-normandos – João de Bethéncourt e
Gadifer de La Salle – lançam em 1402 uma expedição decidida a subju-
gar as ilhas, empresa que a início se faz sem qualquer vínculo político,
numa base privada, um pouco na velha tradição cavaleiresca, mas
que depois acabou por ter o respaldo da coroa castelhana, passando a
realizar-se sob o seu patrocínio8. A reacção dos guanches a esse avanço
revelar-se-ia todavia muito mais dura do que os invasores imaginavam.
Os aborígenes resistiram tanto quanto puderam e as lutas pela conquista
do arquipélago prolongaram-se por quase todo o séc. XV, envolvendo
espanhóis e portugueses9. Apenas em 1495, com a conquista definitiva
8
Em 1403, as ilhas de Lançarote, Forteventura e Hierro já se encontram sob suserania
do monarca castelhano, e em 1404 é instituído naquela primeira ilha um bispado. De
qualquer modo, aznar (1986, 200), distingue duas fases no processo quatrocentista
de colonização das Canárias, um que designa de «normando», até 1418, e outro de
«castelhano-andaluz», a partir daquele ano. A primeira etapa caracterizou-se por uma
administração exercida pelo barão francês com grande grau de autonomia em relação
ao monarca castelhano, na tradição do modelo feudal que foi comum além-Pirinéus
mas não na Península; Béthencourt chegou a arrogar-se o direito ao uso do título de
Rei das Canárias, invocando a bula que havia instituído o principado das Ilhas da
Fortuna, oferecido a La Cerda. A segunda fase pode ser descrita como o período de
«normalização» da soberania do monarca castelhano sobre o território.
9
As primeiras pretensões da coroa portuguesa sobre as Canárias remontam ao reinado
de D. Afonso IV, que terá organizado uma ou duas expedições ao arquipélago pelos
anos 30 do séc. XIV. Porém, «o arquipélago só irá ser motivo de rivalidade, quando
os verdadeiros rumos da expansão sobre o norte e costa ocidental de África, se
começarem a delinear, contexto dentro do qual ocupa uma posição estratégica entre
Marrocos e a Guiné», segundo refere I. L. de S. e Silva (2006, 97). É por isso que iremos
encontrar o Infante D. Henrique tão fortemente envolvido na disputa das Canárias
a partir de 1415 ou 1416, enviando, por diversas ocasiões, frotas ao arquipélago. É
célebre a que organizou em 1424 para conquistar a Grã-Canária, envolvendo 2.500
homens sob comando de D. Fernando de Castro, e que fracassou. Depois da morte
de João de Bethéncourt, comprou ao seu sobrinho os direitos que este herdara sobre
47
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
as ilhas. Portugal só viria a abdicar dos interesses sobre o arquipélago em 1479, com
o Tratado de Alcáçovas.
10
João de Bethéncourt e os seus homens apenas conquistaram as ilhas de Forteventura
e Lançarote, mais áridas (e por isso, certamente, menos povoadas), e de Hierro, a
mais pequena. O resto do arquipélago teve uma conquista muito mais complexa e
demorada. Em Gomeira, como se tratou de uma ocupação negociada, foi apesar de
tudo um processo pacífico. Nas outras ilhas envolveu batalhas que só se resolveram
no último quartel do século: na Grã-Canária, a campanha que definitivamente levaria
à derrota indígena decorreu entre 1478 e 1483; a ilha de Palma só foi tomada em 1493
e Tenerife dois anos depois, sob comando de D. Alonso Fernandéz de Lugo.
11
Também V. Magalhães Godinho (1962) alude a muitas dessas viagens prévias à che-
gada dos portugueses.
48
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
12
A expressão, tomada da historiografia francesa, é usada por C. G. Riley (1998, 139)
para designar um espaço marítimo intermédio depois do Mediterrâneo correspon-
dente aos «limites da primeira zona de navegação oceânica no Atlântico», e que
compreende justamente o mar da Macaronésia.
13
Esta ideia do expansionismo ibérico como prolongamento ultramarino das conquistas
territoriais iniciadas no espaço peninsular foi uma tese que começou por ser defen-
dida pela historiografia anglo-saxónica nos anos 60, e que hoje é amplamente aceite,
segundo diz C. G. Riley (1998).
49
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
50
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
14
Socorro-me aqui bastante da excelente síntese da história do açúcar que pode ser
encontrada em J. H. Galloway (1989).
51
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
15
A plantação da cana-de-açúcar faz-se por estaca, demorando cerca de um ano a ano
e meio até que a cana virgem amadureça e fique em condições de poder ser colhida.
Depois da colheita, que consiste em cortar os caules rente ao solo, despindo-os das
folhas e plumas, voltam a rebentar novos caules. Quanto às canas cortadas, são
transportadas para um moinho (ou lagar) a fim de serem esmagadas, podendo este
ser movido tanto pela força humana, como por animais, ou até por energia hidráu-
lica. O suco que com isso se produz é seguidamente coado, dando origem aos ditos
«meles de açúcar». A fase final do processo de refinação consiste na concentração e
cristalização desse suco purificado, o que se faz induzindo a evaporação do xarope
através de cozedura.
16
Uma obra clássica e ainda hoje fundamental para conhecer os grandes focos de
domesticação de plantas no mundo e a sua difusão é C. O. Sauer (1952). Estou a
segui-la aqui e voltarei a ela outras vezes ao longo deste capítulo.
17
Foi aliás por isso que as cozinhas indochinesa e chinesa se tornaram tão sábias no
explorar das contradições agridoces.
52
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
18
Como nesta obra se mostra, do reino de Granada não se exportava apenas açúcar já
refinado, senão também «meles» por cozer, que depois eram refinados nos portos de
destino. Génova e Bruges, por exemplo, foram cidades onde, apesar de não haver
produção de cana, havia capitalistas com capacidade para investir em refinarias,
razão pela qual se desenvolveu uma indústria próspera de cozedura dos «meles de
açúcar» importados do Mediterrâneo.
53
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
54
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
19
A história da colonização espanhola das Canárias cai claramente no que se designa
de «etnocídio», porquanto significou um rápido e quase total desmantelamento da
cultura aborígene às mãos da potência colonizadora. Porque se estava em face de
uma população numericamente muito inferior e sem os recursos culturais de que
dispunham, por exemplo, os quíchuas da América andina, os efeitos da colonização
sobre o desaparecimento da cultura canarina indígena foram muito mais drásticos.
Isto porém não deve ser confundido com genocídio. A população guanche não foi
dizimada. Uma parte terá sido dispersa através do tráfego esclavagista. A outra foi
integrada na nova sociedade que se formou nas ilhas, processo que terá começado
pela sua subjugação ao exercício dos trabalhos mais pesados, nomeadamente como
escravos, mas que a prazo acabou por conhecer também os seus casos bem sucedidos
de mobilidade social. É por isso que há notícias de guanches livres desempenhando
funções de alcaides e outras em Tenerife nos inícios do séc. XVII, como se dá conta
em F. García-Talavera (s.d., em linha).
55
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
20
Qualquer entreposto esclavagista, de que as ilhas de Cabo Verde foram um exemplo,
tinha sempre associada essa função de «ladinização». Na linguagem e na lógica do
esclavagismo, distinguiam-se os escravos boçais dos escravos ladinos. O boçal era
o escravo recém-capturado que ainda não havia sido disciplinado nem preparado
para o trabalho. O ladino era o escravo já familiarizado com a língua dos senhores,
já eventualmente cristianizado, com noções mínimas dos hábitos sociais «civiliza-
dos», e que estava disciplinado para o trabalho. Antes de chegarem ao seu destino
final, os escravos passavam por um período que podia ser mais ou menos longo em
entrepostos esclavagistas para perderem essa «boçalidade» que se suponha «natural».
O escravo ladino tinha obviamente um valor comercial muito superior ao do boçal.
56
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
21
São numerosos os italianos (genoveses, venezianos, sicilianos) que vamos encontrar
envolvidos no povoamento inicial dos arquipélagos da Madeira e das Canárias, quase
todos com ligações ao negócio do açúcar. Um dos genros de Tristão Vaz Teixeira era
genovês. Bartolomeu Perestrelo era ele próprio filho de um comerciante genovês
e aparentemente sogro de um outro – nada mais, nada menos do que Cristóvão
Colombo, que terá casado com uma filha sua de nome Filipa.
57
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
22
O declínio do «ciclo açucareiro» começa na Madeira e nas Canárias em finais do
séc. XVI, com a crescente concorrência dos novos centros açucareiros da Baía e do
Caribe, onde, contrariamente ao que aqui sucedia, a cana conseguia crescer sem
rega e se conseguiam obter por isso produções muito mais abundantes e menos
custosas. Embora nunca chegando a ser inteiramente erradicado das ilhas, o cultivo
da cana-de-açúcar regrediu então bastante, passando a manter-se apenas numa base
camponesa, destinada ao mercado insular e a alimentar uma pequena fileira indus-
trial associada ao açúcar, como a confeitaria e a destilação. É por isso aliás que as
aguardentes de cana – como o grogue cabo-verdiano, o ponche madeirense e o rum
canarino – continuam a ser produções típicas das ilhas macaronésias (à excepção dos
Açores), largamente consumidas pelas suas populações e com um lugar importante
nas sociabilidades populares e nas festividades. A indústria de destilarias de rum nas
Canárias é a que permanece mais próspera, sendo mesmo afamada fora das ilhas.
23
As bananeiras são originárias da Indonésia e das Filipinas e foram introduzidas na
Macaronésia no séc. XVI. Desde então, nunca terá deixado de ser cultivada numa
base doméstica, com vista ao consumo familiar. No séc. XIX, com o crescimento das
classes médias urbanas na Europa e a difusão dos barcos a vapor, que vieram encur-
tar as distâncias-tempo e facilitar a importação de produtos alimentares exóticos, a
exportação da banana começou a ganhar importância, primeiro nas Canárias, e mais
tarde também na Madeira.
24
A cochonilha (Dactylopius coccus) é um pequeno insecto da família das cigarras ori-
ginário da América Central, do qual se extrai um pigmento – o carmim – que teve
grande procura durante o boom da indústria têxtil nos tempos da Revolução Industrial,
e até ao desenvolvimento dos pigmentos artificiais. A cochonilha, que prefere climas
quentes e se alimenta sobretudo de cactos e de outras plantas carnudas, mas que pode
58
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
constituir uma praga, foi criada intensivamente durante a primeira metade do séc.
XIX em certas regiões do México, Honduras e Guatemala (com vista à exportação do
carmim para o mercado norte-americano) e nas Canárias (com destino à Inglaterra).
59
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
25
A presença italiana também foi importante nas ilhas de Cabo Verde – veja-se o
interessante estudo sobre os italianos em Cabo Verde e em São Tomé de I. Castro
Henriques (2004, 129-156).
26
Todos estes – Brum, Bruges e Dutra, Utra ou Horta – são apelidos amplamente difun-
didos nos Açores e que atestam essa abertura histórica do espaço açoriano a gentes do
Mar do Norte. Outros nomes frequentes neste arquipélago e que também decorrem
do aportuguesamento de apelidos provenientes de latitudes mais elevadas da Europa
são, por exemplo, Dulmo (do flamengo van Olm) ou Canto (do inglês Kent).
60
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
61
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
62
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
29
O algodão, que compreende várias cultivares do género Gossypium, pode ter sido
«domesticado» autonomamente em vários pontos diferentes da África e do Médio
Oriente, uma vez que parece ter uma distribuição «ecológica» muito extensa.
63
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
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2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
65
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
30
Diz A. Correia e Silva (2002, 4) que em 1731, em Santo Antão, só 15% da população
era escrava, valor que descia para 11% em S. Nicolau e menos de 6% na Brava. A
maior parte dos habitantes, embora negros, correspondiam a pequenos camponeses
66
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
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Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
68
2. Encontros e hibridismos na colonização das ilhas
69
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
(por exemplo, 1994, 11-33) – foram porém os que se deram com a intro-
dução de espécies alimentares oriundas da América tropical e subtropical,
altamente nutritivas, em primeiro lugar o milho grosso ou de maçaroca,
mas também o feijão e diversos tubérculos, como a mandioca e a batata-
-doce – todos ingredientes ainda hoje comuns nas diversas cozinhas
das Ilhas Atlântidas.
Talvez não se tenha noção de como a introdução destas plantas
representou então uma ruptura profunda com toda a tradição agrícola
europeia e mediterrânea. Não era apenas o facto de serem espécies estra-
nhas ao património florístico do «Velho Mundo» que estava em causa.
Bem mais importante do que isso foi o facto de todas elas dispensarem
do seu cultivo o uso do arado e de a isso preferirem técnicas baseadas
no emprego de alfaias simples derivadas do uso de varapaus, como as
enxadas e os sachos. Isto significou a ruptura com uma longuíssima
tradição de «agricultura de sementes» de mais de 9.000 anos de história,
comum ao mundo eurasiático, e o perfilhar numa outra tradição agrícola
bem diferente, comum a quase todo o mundo tropical, da Papuásia à
América andina e à Africa negra: a da «agricultura de raízes».
Sinais óbvios da «tropicalização» dos arquipélagos macaronésios
encontram-se ainda, por exemplo, no cultivo de plantas de fruto. São
de facto muito numerosas e diversas as espécies que se trouxeram dos
trópicos para serem introduzidas nas Ilhas Atlântidas e que entretanto
se tornaram parte integrantes das suas paisagens. Há produção de
tâmaras, cajus e mangas em Cabo Verde, de papaias nas Canárias, de
maracujás na Madeira, de ananases nos Açores, quer numa base fami-
liar, nos pequenos quintais anexos às casas, para fins de autoconsumo,
quer também (se bem que mais raramente) no quadro de explorações
de certa dimensão destinadas a escoar para o mercado. Esse colorido
exótico prolonga-se depois ainda nas espécies arbustivas e florísticas que
adornam os jardins das ilhas, quer privados quer públicos: as palmeiras,
que aparecem um pouco por todo o lado, emprestando às paisagens
uma beleza tropical que remete para o imaginário colonial brasileiro
e das Antilhas; as estrelícias, as proteas, os antúrios, os hibiscos e as
buganvílias, a sugerirem ilhas remotas do Índico e do Pacífio; ou então,
nos Açores, outras plantas, como a araucária, as hortenses e o cedro-
do-japão, ou o próprio chá, às quais se devem inusitadas ressonâncias
meio orientais meio alpinas.
70
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
71
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
1
Como se sabe, Alfred R. Wallace desenvolveu em simultâneo e independentemente de
Darwin estudos que o levaram a conclusões muito semelhantes. Foi o conhecimento
por parte de Darwin dos trabalhos que estavam a ser desenvolvidos por aquele outro
naturalista inglês que o fizeram apressar a publicação da teoria sobre a origem das
espécies. Wallace publicaria em 1902 um trabalho especificamente sobre a vida insular
e o papel das ilhas nos processos de especiação, em que, tomando como base as suas
próprias observações, pôde aprofundar alguns dos aspectos primeiro abordados nos
trabalhos de Charles Darwin.
72
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
73
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
74
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
2
Para conhecer melhor as condições de circulação em Portugal antes da «revolução
dos transportes» e o modo como decorreu a modernização dessa rede no séc. XIX, é
útil consultar M. F. Alegria (1990).
3
A tela, de grandes dimensões, intitula-se Rain, Steam and Speed – The Great Western
Railway e está patente na National Gallery, em Londres. A Great Western Railway era
uma das companhias de caminho-de-ferro privadas que operaram na Inglaterra do
séc. XIX; a sua primeira linha ligou Bristol a Londres.
75
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
efeito que ela teve no redesenhar dos mapas mentais que a tal ideia da
ilha como paradigma do lugar isolado foi buscar parte da sua força.
Um elemento em favor da associação que aqui estamos a estabelecer
entre a Modernidade e a ideia da insularidade como metáfora do isola-
mento é o facto de antes do séc. XIX a visão da ilha não ter exactamente
os contornos e as qualidades que a caracterizam hoje em dia. É verdade
que a etimologia denuncia uma relação antiga entre isolamento e ilha. Foi
de insula que se gerou isola. Todavia, estar «isolado», «ilhado» ou «insu-
lado» – tudo termos que a língua portuguesa conhece como sinónimos
– não significa nos nossos dias exactamente o mesmo que no passado.
Isso que hoje designa essencialmente um estado relacional que tem que
ver com uma privação de comunicação, começou por descrever tão-só
uma forma de estar no espaço, ou seja, o simples facto de se existir numa
ilha. O estar-se separado pelo mar, embora definindo um «limiar» entre
o «cá» e o «lá», não significa necessariamente uma «barreira», e por isso
nunca obrigou a que as ilhas fossem percebidas como lugares isolados,
no sentido que isto actualmente toma para nós. Implicou, isso sim, que
a ilha tivesse sido recorrentemente vista ao longo da história como algo
que está do «do outro lado», e que, neste sentido, se assumisse como o
lugar da alteridade par excellence, o «estrangeiro» absoluto, e até a con-
cretização da própria ideia de «além». Por isso houve sempre uma tão
estreita associação das ilhas aos espaços do sagrado e do fantástico. É
muito sintomático que na mitologia helénica três quartos das divindades
do Olimpo tivessem nascimentos atribuídos a ilhas (Peyras, 1995, 28), ou
que o islamismo medieval situasse o Paraíso algures no Índico (talvez no
Ceilão), dando com isso continuidade a toda uma tradição de «edeniza-
ção» dos espaços insulares – ou de «insularização do paraíso», segundo
outra perspectiva (a de Dubost, 1995, 51) – que vinha da Antiguidade
clássica (caso da Ilha dos Bem-Aventurados, por exemplo). Prova não
menos expressiva dessa ligação recorrente da insularidade ao sentido
de «além», que em certa medida se traduz numa ligação estreita da ilha
ao universo do sonho e do desejo, é o facto de também terem sido por
norma ilhas os lugares imaginados pela literatura utópica dos sécs. XVI
e XVII, desde a Utopia de São Tomás More (1516), que inaugurou este
género literário, à Cidade do Sol de Tomás Campanella (1623) ou à Nova
Atlântida de Francis Bacon (1627) – é isto aliás que dá sentido ao que se
já chamou a «insularidade congenital da utopia» (Minerva, 1995, 52).
76
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
4
Amazona era o nome da fragata a bordo da qual foram deportadas as vítimas da
Setembrizada (10 de Setembro de 1810). Quase meia centena de abastados negocian-
tes, intelectuais e militares foram presos sob acusação de jacobinismo, de pertença à
franco-maçonaria e de simpatia para com as tropas napoleónicas, e depois deporta-
dos para a Terceira. Nomes de primeira linha da sociedade lisboeta da época, como
Jácome Ratton, Alexandre António Vandelli, Domingos Pellegrini, Bento Dufourcq
e o conde de Alpedrinha, integraram esse grupo. Muitos destes presos políticos
acabaram por se fixar na Terceira e ser integrados na sociedade local, tornando-se
no gérmen do liberalismo terceirense que mais tarde permitiu organizar nesta ilha a
resistência pedrista ao governo de D. Miguel.
77
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
que Cabo Verde ou os Açores5. Daí que se possa ou até talvez se deva
concluir que mais do que uma decorrência «natural» da insularidade, essa
tendência para o uso das ilhas como espaços de exclusão e banimento
seja sobretudo uma consequência da perificidade. E insularidade e peri-
ficidade estão longe de ser sinónimos, como aliás muito bem mostram
exemplos vários na história, espalhados do Mediterrâneo ao Báltico6.
Os conceitos de perificidade e de isolamento, que às vezes, erra-
damente, tendem a ser confundidos, não se referem a qualidades dos
lugares que se possam considerar fixas ou imutáveis no tempo. Não
constituem atributos que devamos considerar «naturais». Tendo que
ver ambos com a posição relativa que os lugares ocupam no espaço,
acabam por ser qualidades circunstanciais, inconstantes, que variam
não só em função do ponto a partir de onde são perspectivados, mas
também das condições técnicas de transporte e de comunicação de que
a cada momento se dispõe.
Uma definição clássica de posição relativa é considerá-la como «uma
qualidade abstracta, que consiste na relação de um ponto ou de uma
área com os pontos e áreas vizinhos, ou na relação das várias partes de
uma dada área com o todo» (White e Renner, 1936, 629). É neste quadro
e apenas nele que faz sentido falar de perificidade. Só se é «periférico»
se houver um outro que se possa considerar «central». Tudo depende
5
Para perceber o papel dos degredados na colonização do Brasil, pode consultar-se G.
Pieroni (2000). O estudo chama a atenção para a importância que os «banidos» tive-
ram na ocupação europeia do Brasil nos sécs. XVI e XVII, mostrando que se tratava
sobretudo de gente associada a delitos de natureza religiosa e moral. A deportação
acabava assim por cumprir simultaneamente objectivos de ordem moral (expiação
das faltas), social (segregar para evitar a «contaminação»), e político-administrativos
(assegurar a ocupação do território, como aliás já na Idade Média se havia feito com
os homiziados nas áreas de fronteira da Península).
6
Creta foi a sede de uma das mais precoces e misteriosas civilizações do Mediterrâneo
antigo, desempenhando o papel de centro de onde irradiaram influências culturais
para todo o espaço marítimo em redor. A Zelândia, uma grande ilha com posição
central no Báltico, onde se situa a cidade de Copenhaga, foi na Idade Média o centro
de comando de um vasto reino circuntalássico que incluía todas as ilhas menores e
as penínsulas circundantes da Jutlândia (Dinamarca) e da Escandinávia (Noruega e
Suécia). A chamada União de Calmar ficou a dever-se bastante a essa posição insu-
lar central da sede de poder, que garantia proximidade às suas várias componentes
territoriais e dava coerência à unidade política. Mesmo depois de autonomizado o
reino da Suécia, a Dinamarca manteve até ao séc. XIX o poderio sobre a Noruega.
78
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
7
É claro que a centralidade tem que ver sempre com uma posição dominante num
território que se organiza sob uma lógica focal ou radioconcêntrica. As razões que
levam a que um dado lugar assuma essa posição topológica central não são todavia,
por norma, geográficas. Não é tanto o ponto que o lugar ocupa no espaço que lhe
confere centralidade, mas mais as características que o lugar desenvolveu. A centra-
lidade resulta assim sobretudo da combinação de vantagens que têm que ver com
a massa demográfica, o poderio económico, o comando político e a capacidade de
inovar e de influenciar culturalmente outros locais.
8
Pode encontrar-se uma excelente exposição destes temas em P. Haggett (2001).
9
Têm sido tentados diversos métodos de medição e classificação do grau de isolamento
insular. As propostas vão desde a simples ponderação da superfície dos arquipélagos
pela superfície da respectiva Zona Económica Exclusiva (ZEE) – que no fundo é uma
79
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
80
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
10
A definição clássica de focalidade na teoria da Geografia refere-se à vantagem locativa
que se produz nos lugares «onde duas ou mais rotas de comércio e viagem convergem
ou se cruzam» (White e Renner, 1936, 636).
11
A tese de C. G. Riley (1995) é a de que a ilha do Corvo, pela sua «excentricidade» face
aos centros de poderes estabelecidos na Península Ibérica e mesmo no arquipélago,
e ao mesmo tempo pela sua posição de limite entre uma área de navegação mais
frequentada e apoiada por ilhas a oriente (aquilo que aparece por vezes designado por
«Mediterrâneo atlântico»), e uma outra mais «desabrigada» a ocidente, foi uma área
privilegiada para actividade «marginais» ligadas ao corso e à pirataria. Da leitura deste
artigo fica a ideia de que, como estratégia de sobrevivência, as populações corvinas
estabeleceram cumplicidades com esses corsários (sobretudo corsários ingleses) que
81
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
estacionavam nas imediações da ilha, esperando pela passagem das naus que vinham
das Antilhas e do Brasil. O autor cita documentos que sugerem essa proximidade e
até o apoio da comunidade insular a esses visitantes. Outra actividade que o autor
refere como importante para a vida da comunidade, e que se terá mantido até ao
séc. XIX, foi o que designa por «actividade económica recolectora» das mercadorias
perdidas nos naufrágios (p. 67), que terão sido numerosos, uma vez que era elevado
o trânsito de embarcações nas proximidade do Corvo. C. G. Riley argumenta que a
recolha dessas mercadorias, quer para consumo próprio, quer para revenda, terá tido
muito provavelmente grande importância para a economia local, dada a sua diminuta
dimensão. O autor chega a aventar a hipótese de nem todos esses naufrágios terem
sido involuntários: de facto, sabe-se que noutras «finisterras» europeias (Cornualha
e Bretanha, nomeadamente) era comum as populações «acenderem fachos na orla
costeira com o fito de iludir a navegação nocturna e assim provocar o naufrágio das
embarcações cuja carga era depois metodicamente saqueada» (Riley, 1995, 68).
82
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
litoralidade eram bastantes superiores aos riscos que ela envolvia. Daí
que as três localidades tivessem acabado por perder essa capitalidade
inicial em favor de outras de posição litoral (respectivamente, Arrecife,
Puerto del Rosário e Santa Cruz de Tenerife), passando então todos ou
praticamente todos os núcleos macaronésios com dimensão e qualidade
urbana a corresponder a portos marítimos12.
Em toda as Ilhas Atlântidas, dos Açores a Cabo Verde, não obstante
as diferenças de ambiente, há um certo «ar de família» que se respira nas
cidades e nas vilas de feição urbana, segundo José Manuel Fernandes
(1996). Deve-se isso, ainda mais do que ao desenho arquitectónico e às
soluções de construção (que também pesam), aos aspectos que se pren-
dem com a estrutura e a morfologia dos núcleos edificados e com a sua
própria situação geográfica. Uma constante nos aglomerados urbanos
e proto-urbanos de toda a Macaronésia é a preferência pelas enseadas
na escolha dos sítios para a sua fundação (Fernandes, 1996); sobretudo
calhetas abrigadas, circundadas por colinas, onde desembocam pequenos
ribeiros. Nesta preferência e na opção pelas vertentes das ilhas voltadas
a sul (preferência que se atenua nas Canárias e em Cabo Verde, onde o
agravamento das condições de secura faz preferir uma exposição mais
aberta aos alísios), julgou-se já poder ver-se a marca de uma tradição
urbanística lusa ou ibérica, que teria tentado replicar no Atlântico um
modo de fazer cidade aperfeiçoado primeiro na Península (ibid.). Con-
tudo, há outras razões que justificam a opção por fundar povoados
nesses sítios. A referida posição litorânea dos principais povoados das
Atlântidas foi ditada pela vontade de encontrar condições favoráveis para
a actividade portuária e para a vida de relação que ela propicia. Locais
na costa com condições de abrigo (e ademais com fontes de água doce,
para aguada) não são comuns nas Ilhas Atlântidas. O que predomina
são, como vimos antes13, as costas altas e rochosas, pouco acessíveis.
12
Assomada, no interior da ilha de Santiago, é uma das raras excepções. A cidade, cuja
população ultrapassará um pouco os 10.000 habitantes, funciona como um centro
rural, onde os agricultores das montanhas de Santiago vêm trocar os seus produtos
e abastecerem-se dos bens e serviços de que necessitam. O mercado central, com
uma belíssima estrutura em betão do período colonial (anos 30 do séc. XX), é um dos
melhores abastecidos e mais concorridos da ilha. No centro da cidade encontram-se
ainda alguns outros interessantes edifícios modernistas, nomeadamente um pequeno
cinema.
13
Vd. Cap. 1.
83
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
Não admira pois que esses locais raros tenham sido aproveitados quase
todos para núcleos de povoamento.
A extraversão histórica das economias macaronésias a que me referi
no capítulo anterior comprova que estas ilhas sempre dependeram muito
daquilo que chamaria uma «economia da circulação». Para as ilhas, os
portos sempre foram «portas»: portas de saída, através das quais se esco-
avam para o mercado externo as produções locais, quer fosse a urzela
ou o pastel, o açúcar ou o vinho, a banana ou a laranja; mas também
– o que não é menos importante – portas de entrada para mercadorias
e para influências culturais muito diversas.
Contrariamente ao que dizem os mitos que se repetem sobre as ilhas e
as suas populações, não é nada seguro que as sociedades insulanas vivam
ensimesmadas ou que estejam por natureza prisioneiras de um espírito de
desconfiança em relação ao que é novo ou ao que vem de «fora»14. Não
menos errado é julgar que há nas ilhas um conservadorismo imanente.
Todos estes são estereótipos que uma análise mais cuidada e exigente da
realidade aconselharia a recusar. Leite de Vasconcelos, quando chegou
ao Corvo para investigar os arcaísmos da linguagem e das tradições da
ilha, em 1924, foi interpelado logo num dos seus primeiros contacto por
uma mulher local que lhe perguntou a cotação do dólar, e esse cosmo-
politismo, que provavelmente esperaria encontrar em todo o lado menos
ali, desconcertou-o15. É claro que as coisas se passam de forma muito
diversa consoante estamos a falar de uma ilha menor ou maior, mais
ou menos afastada de outras ilhas ou terras emersas. Em todo o caso,
por razões de escala, por motivos que se prendem com a escassez dos
recursos e com a pequenez dos mercados locais (poucos capitais, pouca
mão-de-obra, poucos consumidores), as ilhas são em regra incapazes de
assegurar uma oferta local de bens e serviços em quantidade e quali-
dade suficientes para suprir as suas necessidades internas. A não ser no
campo da utopia, onde a idealização da ilha como paraíso que se basta a
si mesmo é um tema recorrente, não há espaços insulares que consigam
sobreviver nesse estádio de autarcia meio-idílico. As sociedades insulanas
sabem que necessitam do que vem de «fora» para sobreviverem, e isso,
em vez de ensimesmamento, pode conformar precisamente o contrário,
14
Estes e outros mitos foram analisados por A. Meisterheim (2006).
15
C. G. Riley (1995, 64) cita este episódio, que Leite de Vasconcelos deixou inicialmente
registado numa comunicação que fez à Academia das Ciências.
84
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
16
A morabeza é apresentada na retórica do nacionalismo cabo-verdiano como uma
qualidade própria da «cabo-verdianidade», sintetizando ao mesmo tempo um estado
de espírito e um estilo de vida. A morabeza refere-se a uma suposta cordialidade e
hospitalidade «natural» do povo cabo-verdiano, que teria que ver, à luz da ideologia
do nacionalismo crioulo cabo-verdiano, com uma capacidade especial de abertura ao
mundo e de tolerância à diferença e à diversidade que adviria da condição duplamente
mestiça e insular de Cabo Verde. – Cf., a este respeito, J. C. G. dos Anjos (2003).
85
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
86
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
87
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
17
Cidade-jardim (garden-city) é a designação de uma proposta urbanística de «cidade
alternativa» desenvolvida por Ebenezer Howard nos finais do séc. XIX no Reino
Unido. Integra-se numa longa série de modelos de cidade mais ou menos utópicos
que o urbanismo moderno procura produzir na sequência da Revolução Industrial
como resposta aos novos problemas que a industrialização veio gerar nas cidades. O
modelo da cidade-jardim procurava reconciliar a cidade com a natureza e encontrar
uma nova forma de povoamento que pudessem combinar as vantagens da urbani-
dade e da ruralidade. A proposta de Ebenezer Howard foi concretizada em 1903 em
Letchworth.
88
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
18
São dados apresentados em G. Almeida (2003, 244), embora sem referência à fonte.
89
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
90
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
especialmente relevante foi exercido mais uma vez pela Horta. A baía
serviu de porto de amaragem logo na primeira travessia do Atlântico
que se fez em hidroavião (em 1919) e, a partir dos anos 30, quando a Pan
American iniciou as suas carreiras comerciais para a Europa, tornou-se
numa escala obrigatória para os clippers que passam a unir numa base
regular as duas margens do Atlântico Norte, numa viagem que então
levava de Londes a Nova Iorque quase 48 horas. Com a obsolescência
dos hidroaviões após a II Guerra Mundial sucederiam ao Faial nessa
função de escalas do Atlântico Norte duas outras ilhas: Santa Maria e
Terceira; duas ilhas que de resto haviam desenvolvido a sua vocação
aeroportuária no quadro da Guerra19. A utilização dos Açores pelas forças
dos Aliados faz-se no âmbito de um entendimento bastante sui generis
de «neutralidade», como explica António José Tello (2007). Assim, as
primeiras facilidades são concedidas aos ingleses, que a partir de 1943
passam a poder usar um aeródromo nas Lajes (Ilha Terceira) para patru-
lharem os mares em busca de submarinos alemães. No ano seguinte,
como contrapartida da ajuda norte-americana à libertação de Timor Leste,
ocupada pelos japoneses, concede-se o direito de construção de uma
outra base aérea em Santa Maria. A base viria a ficar operacional já só
após o término da Guerra, em 1945. Nunca chegou a ter portanto uma
utilização militar que se possa considerar efectiva. Em contrapartida, logo
em 1946, os norte-americanos negoceiam com as autoridades portuguesas
a abertura do aeroporto de Santa Maria à aviação comercial, contra a
possibilidade de uma permanência de mais longo termo nas Lajes. Isto
acabaria por definir a sorte da ilha nas décadas que se seguiram: para
além de se ter tornado num «ponto de escala obrigatória em voos no
Atlântico Norte, Santa Maria foi também transformada num importante
centro de telecomunicações internacionais», como conta José Medeiros
Ferreira (2007, 86), devendo-se essa especialização aos «equipamentos
deixados pelos norte-americanos e cuja potência rádio permitia atingir
os continentes europeu e americano»20.
19
A história dos Açores durante a II Guerra Mundial (e das Atlântidas em geral) é
apaixonante e está ainda insuficientemente divulgada. Para que se tenha uma ideia
da importância que os Açores tiveram na Batalha do Atlântico, em cujo quadro as
ilhas da Macaronésia chegaram a ser objecto de intenção de ocupação por parte das
várias potências beligerantes, vale a pena consultar A. J. Tello (2007).
20
Foi nos anos 50 que o aeroporto de Santa Maria conheceu o seu apogeu, numa altura
em que «Companhias como a Pan-American, T.W.A., B.O.A.C., K.L.M., Air France,
91
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
Ibéria, Swissair, Cubana e Aerovias México, faziam passar por aí os seus voos regula-
res transatlânticos e tinham até escritórios de representação no aeroporto» (Medeiros
Ferreira, 2007, 86 e sg.). Depois dos anos 60, a importância deste aeroporto foi decaindo
por causa de um conjunto de inovações aeronáuticas que fizeram aumentar a auto-
nomia dos aviões, e da abertura de vários aeroportos potencialmente concorrentes
noutras ilhas mais urbanizadas do arquipélago, nomeadamente em Ponta Delgada
(1969) e na Horta (1971).
92
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
93
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
21
Estou a usar os conceitos a partir de J. Baggioni (dir., 2002, 33).
94
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
95
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
22
Os números que uso são do Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE). Salvo
indicação contrária, é essa a fonte que uso sempre que me refiro às ilhas portuguesas.
23
Os números referentes a Cabo Verde são os disponibilizados pelo Instituto Nacional
de Estatística deste país (INE-CV).
96
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
24
As fontes são as já referidas, excepto para o arquipélago das Canárias, que corres-
pondem a números fornecidos pelo Instituto Canário de Estadística (ISTAC).
97
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
98
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
99
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
25
Vd. notas anteriores a respeito das fontes dos dados. A desproporção entre os valo-
res das Canárias e da Madeira deve-se essencialmente ao facto de alguns cruzeiros
aportarem em várias ilhas das Canárias e de os mesmos passageiros serem por isso
várias vezes contabilizados nas estatísticas de trânsito. Na verdade, as Canárias e a
Madeira participam essencialmente nas mesmas rotas de cruzeiros, com percursos
centrados nesta área que corresponde ao velho Mar das Éguas (golfo de Cádiz, costa
atlântica de Marrocos, Canárias e Madeira), ou que juntam o Mediterrâneo ocidental
(Baleares, Valência, Gibraltar) a esta área.
100
3. Circulação, vida de relação e urbanidade
101
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
quais não só não há ligações directas a partir de «fora», como nem sequer
voos tão frequentes a partir dos hubs regionais, observam-se também nos
outros arquipélagos. É certo que se deram nos últimos decénios grandes
progressos em termos de facilitação dos transportes e das comunicações
que vieram beneficiar as ilhas menores26, mas ainda hoje há ilhas que
não possuem sequer ligações aéreas regulares, como é o caso da Gra-
ciosa e São Jorge, nos Açores, ou de São Nicolau e a Brava, em Cabo
Verde. Daqui se deverá concluir portanto que, não sendo a insularidade
imperiosamente sinónimo de isolamento, há contudo, nas ilhas de menor
dimensão, desvantagens que decorrem justamente da falta de «escala»
destes territórios e que acabam por dificultar a sua acessibilidade ao
«exterior». Na bibliografia, este fenómeno aparece por vezes designado
por «dupla insularidade»27, mas, para sermos rigorosos, talvez fosse mais
conveniente falar antes de uma «hiperperiferização» das ilhas menores
pelas modernas formas de organização dos transportes.
26
Vale a pena reler M. J. Roseira (1988), para uma avaliação das condições em que se
encontrava a ilha de Porto Santo nos inícios dos anos 80.
27
O conceito aparece, por exemplo, em Planistat Europe & Bradley Dunbar Ass.
(2003, 49).
102
4. Êxodos e diásporas
Uma ideia que se generalizou a respeito das ilhas – das ilhas em geral,
e não apenas das Atlântidas – é a de que se tratam de lugares com uma
especial propensão para produzirem emigração. Exemplos como o da
Irlanda, Sicília ou Malta, que ao longo dos dois últimos séculos tiveram
importantes surtos emigratórios, e que com isso viram a sua população
dispersar-se pelo mundo, desde os EUA à África do Sul ou à Austrália,
contribuíram bastante para a formação desta ideia. Uma ideia que de
resto não é totalmente falsa: se olharmos para o que ocorreu noutras
regiões insulares, como as ilhas gregas e turcas do Egeu, as ilhas das cos-
tas da Noruega e da Escócia, ou as das províncias atlânticas do Canadá,
em todas verificamos que a emigração constituiu uma tendência forte
dos últimos cento e cinquenta anos, com efeitos num despovoamento
acentuado das pequenas ilhas e numa concentração da população nas
ilhas maiores e, sobretudo, nos continentes próximos1.
Algo de semelhante se pode dizer a respeito da Macaronésia. Todos
os quatro arquipélagos povoados tiveram histórias demográficas em
que a emigração sempre pesou bastante. Embora qualquer processo de
colonização implique que numa fase inicial, que poderá ser mais ou
menos prolongada, os saldos migratórios sejam positivos, a verdade
é que abundam as notícias que apontam para uma tendência histórica
antiga de recrutamento de emigrantes nas Ilhas Atlântidas (cf. Medeiros,
2005-b, 25 e sgg.; ou Soeiro de Brito, 1997, 38 e sgg.).
Sobre a emigração histórica gerada na Madeira e nos Açores, sabe-se
que ela terá existido logo desde o séc. XVI, o que é dizer praticamente
1
Diversos casos concretos são analisados em S. A. Royle (2001, 87 e sgg.). Mais suma-
riamente, há informação sobre isto também em R. King (1993).
103
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
104
4. Êxodos e diásporas
3
Cf. M. Hernández Gonzalez (s.d., em linha). Depois de várias décadas de disputa
entre franceses e espanhóis, a Hispaniola foi repartida em 1697, ficando a coroa fran-
cesa na posse do terço ocidental da ilha, e a espanhola com o domínio dos restantes
dois terços. Na parte francesa, a colonização apoiou-se essencialmente no trabalho
escravo africano. Em 1791, muito por influência da Revolução Francesa, essas massas
populares negras iniciaram uma sublevação violenta que levou à invasão da parte
oriental da ilha e culminou na proclamação da independência do reino do Haiti, em
1804. Sucede porém que na parte da ilha de fala espanhola, a população, constituída
mais por camponeses brancos e mestiços do que propriamente por escravos negros,
nunca se reviu em pleno na causa dos insurrectos, e por isso nunca aceitou ficar
sob o poder dos haitianos e do seu auto-proclamado monarca negro. Esse pequeno
campesinato dominante no interior da ilha acabou por se aliar às elites instruídas de
Santo Domingo, iniciando uma luta que viria a resultar na emancipação da República
Dominicana em 1844.
105
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
4
A Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão foi criada em 1755, com
capitais de comerciantes portugueses que o Marquês de Pombal conseguiu aliciar
para a sua constituição. A companhia estava incumbida da exploração das plantações
do Brasil e, por forma a reunir as melhores condições para o exercício da sua activi-
dade, foi-lhe concedido o monopólio da importação de escravos e do comércio nas
ilhas de Cabo Verde e nas costas da Guiné enquanto vigorou, até 1777. O controlo
monopolista dos portos de Cabo Verde e do comércio que neles se fazia destruiu a
burguesia local. Por outro lado, como era prioridade da Companhia que os escravos
fossem para as plantações brasileiras, a venda de escravos nas ilhas passou a fazer-se
a preços exageradamente elevados, gerando com isso uma carência de mão-de-obra
que afectou a economia local.
106
4. Êxodos e diásporas
107
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
5
Exemplo disso é a apresentação da Madeira por O. Ribeiro (1985, 116), como «um
desses países produtores de homens que, apesar das crises dos países de imigração,
necessita de exportar o excedente da sua população» (sublinhado meu).
6
V. Cap. 1.
108
4. Êxodos e diásporas
109
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
7
A população das ilhas de Forteventura e Lançarote foi sendo «dizimada secularmente
por fomes», como se lê em J. F. Martín Ruiz (1981, 13). Uma dessas últimas grandes
crises de mortalidade associadas à fome ocorreu em 1847, e também afectou a ilha
da Madeira.
110
4. Êxodos e diásporas
8
O que não significa que não reconheça que todas estas sociedades insulanas, desde
os Açores a Cabo Verde, foram sempre muitíssimo mais agricultoras que pescadoras.
111
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
112
4. Êxodos e diásporas
9
A noção de diáspora já não é hoje usada apenas para descrever a condição dos povos
«expulsos» ou que se viram privados da sua terra natal, como sucedia a início, quando
se falava da diáspora judaica e arménia. O termo é hoje empregado num sentido
mais lato, para designar as comunidades que emigraram, mas que continuam a ter
laços de lealdade e sentimentos de pertença com o seu território ancestral (isto é,
que continuam a entendê-lo como «pátria»), e que se sentem ligadas às populações
que aí permaneceram, mantendo em relação a elas uma ideia de co-etnicidade que
se traduz no uso de uma língua comum e na perseverança de um certo número de
rituais e costumes – cf. R. Cohen (1997).
113
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
10
A. Vieira (1990, 47), afirma que a Guiana Britânica e as colónias inglesas das Índias
Ocidentais foram o eldorado para a população da Madeira em meados do séc. XIX,
captando só a Guiana cerca de 70% da emigração madeirense nessa época.
114
4. Êxodos e diásporas
11
Os luso-descendentes, quase todos madeirenses, totalizam ainda hoje o equivalente a
4% da população do Havai. Os japoneses são a principal minoria deste que é um dos
mais multiétnicos estados dos EUA, correspondendo a mais de 16% da população.
115
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
embora apenas liminar, junto à costa, e sem nunca terem esclarecido bem
entre si a posse da colónia. Só em 1816 as Guianas foram repartidas por
entre essas três potências com interesse na região, o que abriu caminho a
uma ocupação mais efectiva do espaço, com o arroteamento de trechos
da floresta virgem e de mangais para plantações de cana-de-açúcar e de
arroz. Pouco tempo depois deu-se a abolição da escravatura (na Guiana
Britânica, em 1838), e isso obrigou a que as autoridades administrado-
ras tivessem de procurar fontes de mão-de-obra alternativas. A solução
encontrada foi o recrutamento massivo de trabalhadores em outras
regiões onde os franceses, holandeses e ingleses estavam presentes, ou
onde possuíam interesses, donde a chegada de madeirenses, a par com
gente de várias outras origens, sobretudo chineses e indianos, à Guiana
Britânica nesta época12.
Uma parte deste primeiro ciclo de aspersão de gente que decorreu no
séc. XIX inscreveu-se ainda muito na lógica daquilo que Robin Cohen
(1997, 57 e sgg.) designou de «diásporas imperiais», isto é, movimentos
de população gerados pelo imperialismo. Essas migrações originadas pelo
sistema colonial foram de resto um dos grandes factores de unificação
do espaço do Atlântico, ou de criação daquilo a que John R. Gillis (2004,
86) chama a «Oceânia atlântica» e onde inclui a Macaronésia, as ilhas
do Golfo da Guiné e as Antilhas13. Verdade, porém, é que uma grande
12
As Guianas representam um enclave de população asiática na América do Sul. Na
Guiana, mais de metade da população actual é descendente de indianos. No Suriname
(antiga Guiana Holandesa), para além de indianos, que correspondem a um terço da
população, há muitos descendentes de javaneses. A presença dos madeirenses explicou
que tivessem chegado a ser publicados na Guiana jornais de língua portuguesa em
finais do séc. XIX e princípios do séc. XX.
13
O autor insiste nas analogias deste espaço oceânico com o do Pacífico, denotando que
também aqui se está diante de um vasto espaço multi-arquipelágico com afinidades de
cultura e de paisagem que resultam de uma história de fluxos de circulação intensos
no seu seio. Essa unidade chega a planos que podem parecer inesperados, como o
da língua. Há na verdade grande similitude nos crioulos de Cabo Verde, São Tomé
e das Antilhas Holandesas (o chamado papiamento de Aruba e Curaçao), que hoje se
acha que são todos evoluções de uma mesma língua franca que os povos africanos
pertencentes a diferentes etnias e apanhados pelo trato negreiro teriam desenvolvido
para se entenderem entre si – cf. E. F. Martinus (1996). O recente desenvolvimento
dos meios de comunicação de massa e das indústrias culturais, que ajudaram à
formação do pan-africanismo, é um outro factor que tem contribuído para o reforço
de algumas dessas afinidades atlânticas, ajudando por exemplo a que muitos jovens
cabo-verdianos tenham adoptado um aspecto e um estilo jamaicano, ou a que o zouk
116
4. Êxodos e diásporas
se haja tornado quase tão popular nas festas de Santiago, do Fogo, e de São Vicente,
como entre os seus «vizinhos» das Antilhas.
117
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
118
4. Êxodos e diásporas
119
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
14
A história da emigração cabo-verdiana para a Holanda e Itália e as estratégias da
integração laboral destes trabalhadores nas regiões de destino foi objecto de um estudo
aprofundado em P. Góis (2006). A emigração feminina para Itália, concretamente, que
não deixa de ser à primeira vista um fenómeno algo intrigante, parece estar relacio-
nada com a acção dos capuchinhos italianos de São Nicolau (daí ser mais incidente
nas ilhas de Barlavento); os frades, empenhados em resolver situações de pobreza
nas ilhas, terão começado a recrutar raparigas e a arranjar famílias italianas que as
recebessem como empregadas domésticas, dando com isso início a uma corrente
migratória especializada.
15
A fonte dos dados que aqui aparecem citados é o Instituto Nacional de Estatística
de Cabo Verde (INE-CV).
120
4. Êxodos e diásporas
16
Os números são do Instituto Canário de Estadística (ISTAC).
121
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
122
4. Êxodos e diásporas
«dentro» das ilhas para «fora», como de «fora» para «dentro». Do mesmo
modo que houve aspectos da vida das ilhas que através da emigração
ressoaram para outros locais, modelando as formas de organização des-
sas sociedades e o aspecto das suas paisagens, houve igualmente muita
influência externa que chegou às ilhas pelos emigrantes e que por essa
via acabou por conformar a vida local.
As populações que se estabeleceram na diáspora levaram consigo muito
do seu património imaterial, traduzido na forma de saberes e gostos, de
hábitos e convenções, transpondo para os lugares novos onde se fixaram
uma parte do universo de referências característico da maneira de viver
nas terras de origem. Isso mesmo observou por exemplo Carlos Alberto
Medeiros (1976, 222) no estudo que dedicou aos primórdios da coloniza-
ção das Terras Altas da Huíla, ao afirmar que foi «nítida a influência de
diversos aspectos da vida rural da ilha da Madeira» nos modos como se
processou essa ocupação. Sobretudo nos casos em que o solo foi repartido
por propriedades mais pequenas e os colonos madeirenses tiveram de se
adequar a uma estrutura fundiária mais conforme à da terra de origem,
quase replicaram nesse ambiente as culturas a que estavam habituados
e o seu modus operandi. «A colonização madeirense», dizia Carlos Alberto
Medeiros (1976, 364), «assentou numa agricultura minuciosa […], com
largo emprego da rega e produções muito variadas que permitem falar,
com plena justificação, num regime de policultura», e que desse modo
acabou por recriar em pleno continente africano uma parte do colorido
da ilha de origem. O açúcar e o inhame, este último vindo da América
e primeiro introduzido na Madeira, onde se tornou num tubérculo ali-
mentar muito apreciado, são dois exemplos de produtos introduzidos
nesta região de Angola pelos colonos madeirenses.
Nas Américas encontram-se vários outros exemplos de heranças
deixadas pela diáspora macaronésia, nomeadamente no património
imaterial. A forma peculiar dos cubanos pronunciarem o castelhano
parece ser uma herança canarina, tal como é seguramente canarina a
origem da difusão do culto da Nossa Senhora da Candelária em todo o
Caribe, de Cuba a Venezuela17. As Festas do Divino (Espírito Santo), que
17
O culto da Nossa Senhora da Candelária (ou das Candeias) está fortemente implantado
nas Canárias, onde parece ter surgido no séc. XV, na sequência de um acontecimento
miraculoso ocorrido numa gruta da ilha de Tenerife. Algumas interpretações desta
veneração sugerem que se trata de uma reinterpretação cristã de antigos cultos
guanches.
123
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
18
O pensamento joaquimita baseava-se numa visão apocalíptica e escatológica da
História, e acabou por derivar numa heresia milenarista. Advogava esta doutrina,
desenhada na segunda metade do séc. XII, que tal como a Encarnação do Verbo
significara a transição de um primeiro tempo de governo de Deus Pai (a Primeira
Pessoa da Santíssima Trindade) para um tempo novo de domínio do Deus Filho (a
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade), haveria de chegar a era da Terceira Pessoa,
ou «Império do Divino Espírito Santo», e que esse tempo de graça plena estaria pró-
ximo. O Império do Divino Espírito Santo corresponderia ao apogeu da história, um
tempo final de perfeição e alegria, de abundância e sabedoria, que seria marcado pela
difusão generalizada dos dons do espírito, e onde, por consequência, todos seriam
iguais. O pensamento milenarista de Joaquim de Flora, não obstante a reprovação
da hierarquia da Igreja, logrou uma considerável influência na cultura ocidental,
popular e erudita, sendo a ele que se deve em Portugal, por exemplo, a inspiração
do Quinto Império. Sobre o pensamento de Joaquim de Flora e a sua ressonância na
cultura europeia, com destaque para o séc. XX português, deve ler-se J. E. Franco e
J. A. Mourão (2005).
19
O culto à deusa Ceres na Roma Antiga, concretizado na forma de festivais de vários
dias que decorriam na Primavera, é um exemplo dessas festas pagãs de celebração
das colheitas.
124
4. Êxodos e diásporas
20
Os impérios são pequenos edifícios de alvenaria (originariamente, simples palanques
de madeira) construídas pelas irmandades do Divino Espírito Santo para guardar os
vários adereços envolvidos nas celebrações, assim como os mantimentos necessários
para as festividades. A maioria foi edificada em finais do séc. XIX e nas primeiras
décadas do séc. XX, num estilo neo-romântico relativamente simples e ingénuo,
coincidindo esse ciclo de construção mais intensa com a prosperidade gerada pela
emigração.
21
O bodo decorre no sétimo domingo após a Páscoa (o dia de Pentecostes propriamente
dito) e faz-se por norma defronte ou junto do império, no espaço público. As esmolas,
compostas por uma porção de carne de vaca (normalmente um bezerro abatido para
o efeito), pão de massa sovada (um pão doce, enriquecida com ovo) e por «vinho de
cheiro», são expostas em bancos corridos ou em carros de toldo puxados por bois
e delas se podem servir todas as pessoas que pretendam. Já a função é uma refeição
colectiva para convivas composta de sopa de pão, cozido de carne ou alcatra, massa
sovada e arroz doce.
125
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
fielmente, de forma até quase exacta, o que se passa nos Açores. Os açoria-
nos de Toronto fazem funções como as que se realizam na Terceira e em São
Miguel e usam instrumentalmente isso como oportunidade para congregar
compatriotas e manter ou até reforçar a coesão do grupo. Na Califórnia
(no vale de São Joaquim), onde a comunidade açoriana se especializou no
trabalho agrícola e na pecuária, as Festas do Divino puderam manter o
colorido rural que têm nas ilhas, incluindo os aparatosos desfiles dos carros
do bodo puxados pelos bois, e isso fez com que se tivessem até tornado numa
atracção turística. No Brasil, onde o estabelecimento da população açoriana
começou primeiro e conheceu diversas vagas de emigração, a situação é
mais díspar. As Festas do Divino fazem-se um pouco por todo o país, mas
há regiões em que são heranças de festividades mais antigas, introduzi-
das pelas primeiras vagas de colonos, logo no séc. XVII, e que por isso se
afastam já bastante do paradigma dos festejos nas ilhas, e outras regiões
em que o culto continuou a ser alimentado pelas vagas de imigrantes do
sécs. XIX e XX, e desse modo puderam manter uma maior conformidade
com os festejos que se fazem nos Açores, no Canadá ou nos EUA22.
Por via da emigração têm chegado também às ilhas muitas influên-
cias vindas de «fora», com repercussão aos mais variados níveis, desde
o económico ao cultural e ao político. Um dos exemplos talvez mais
inesperados dessa influência reside na própria formação das modernas
identidades nacionais e/ou regionais, que em todos os arquipélagos
da Macaronésia foram parcialmente produzidas a partir de «fora», por
gente que, sob formas diversas, viveu a experiência da diáspora e nela
pode desenvolver um outro olhar e fazer uma outra interpretação da sua
própria condição. No caso de Cabo Verde, a formação dessa identidade
22
Em São Luis do Maranhão e nas cidades histórias de Goiás e Minas Gerais, que tiveram
influxos importantes de gente açoriana nos sécs. XVII e XVIII ligados à colonização
e ao surto do ouro, mas que depois disso deixaram de ser regiões de imigração,
têm Festas do Divino que hoje se poderiam considerar já mais «tropicalizadas», no
sentido em que foram entretanto muito contaminadas por elementos pagãos afro-
brasileiros e derivaram para formas relativamente originais. Em Goiás, por exemplo,
as Festas do Divino «carnavalizaram-se», incluindo mascaradas. Em São Luís, um dos
elementos fortes dos festejos são as caixeiras, mulheres negras que acompanham as
procissões tocando instrumentos de percussão e que dão à celebração um evidente
toque africano. No Rio de Janeiro, em contrapartida, onde continuou a chegar muita
imigração açoriana até ao séc. XX, as Festas do Divino estão associadas aos bairros e
aos subúrbios onde essa comunidade se fixou mais intensamente e continuam a ser
dominadas por ela – v. sobre esta matéria M. Moraes Filho (1999).
126
4. Êxodos e diásporas
23
São designados por «claridosos» os escritores neo-realistas de Cabo Verde que entre os
anos 30 e 50 estiveram ligados à edição da revista literária Claridade. Incluem-se nesse
grupo nomes como Baltasar Lopes da Silva (poeticamente, Osvaldo Alcântara), Jorge
Barbosa e António Aurélio Gonçalves. Já me referi parcialmente a isto no Cap. 1.
127
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
por parte dos conterrâneos que nunca partiram, que zombam dos seus
modos estrangeirados e algo artificiais, mas ao mesmo tempo invejam
a prosperidade por ele alcançada. A emigração e o emigrante são aliás
temas recorrentes nas literaturas produzidas nestas ilhas. É sobre isso
que fala por exemplo o clássico Chiquinho de Baltasar Lopes da Silva
(1947), «monumento» da dita geração «claridosa», ou o celebrado Gente
Feliz com Lágrimas de João de Melo (1989); e esse mesmo é ainda um
tema que, embora já sem dramatismo, antes colorido pela luminosidade
da ironia, atravessa grande parte da obra do cabo-verdiano Germano
Almeida. No seu recente O Mar na Lajinha (2004), por exemplo, de entre
os amigos banhistas aposentados que diariamente se juntam na praia do
Mindelo, são poucos aqueles por cujas vidas não passaram, directa ou
indirectamente, histórias de migrações. Maribel, a vendedora de pão de
traça e grogue da Lajinha, é um personagem que cresce em São Tomé,
para onde a mãe tinha ido como «contratada»; Pantcha é alguém que
Germano Almeida imagina a trabalhar e a fazer fortuna nos cabarés
de Dacar; depois há Oceano, ex-funcionário público em Angola, a Tia
Lú e o seu noivo nunca regressado da América, o Chico que vai para
a Europa clandestinamente e passa a viver como «guarda-costas» de
uma holandesa, ou Dida, a femme fatale que consegue manter uma vida
ostentosa graças à pensão do seu falecido marido emigrado.
Poder-se-ia talvez pensar que a influência do emigrante e da emi-
gração na vida destas ilhas fosse hoje já menor do foi que no passado,
uma vez que se vive presentemente num cenário de taxas de emigração
muito mais baixas. Não é porém assim. E não é assim por dois motivos:
primeiro, porque em todos estes arquipélagos o retorno dos emigrantes
tem sido nos últimos decénios bastante significativo24; e depois, porque
24
Os arquipélagos da Madeira e dos Açores estão entre as regiões portuguesas que nos
anos 80 e 90 tiveram, em termos relativos, maior impacto do regresso de emigrantes,
com um volume global que equivaleu a alguns milhares de chegadas. Nas Canárias,
o fenómeno tem sido ainda mais expressivo; começou nos anos 80, mas acentuou-se
bastante na segunda metade dos anos 90, após as alterações do Código Civil que
permitiram a cidadãos sul-americanos adquirirem a nacionalidade espanhola mediante
a comprovação dessa nacionalidade por parte dos seus pais ou avós (Leis 29/1995,
de 2 de Novembro, e 36/2002, de 8 de Outubro). Muita gente que assim pôde aceder
ao estatuto de emigrante de segunda ou terceira geração tentou escapar às dificul-
dades económicas vividas nos países sul-americanos, migrando para as Canárias;
só entre 2000 e 2005, segundo notícia no El Dia (2 de Fevereiro de 2005), chegaram
ao arquipélago nestas circunstâncias cerca de 35.000 pessoas, vindas sobretudo da
128
4. Êxodos e diásporas
129
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
25
Pamarejo, a leste da Praia, é um exemplo dessas extensões modernas em que há forte
aplicação das poupanças da diáspora.
130
5. As ilhas redescobertas:
turistas e novos imigrantes
1
V. Cap 3.
131
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
2
A lenda do monge Trezenzónio, que teria vivido pelo séc. VIII, e que aparece fixada
num códice latino ibérico do séc. IX intitulado Trezenzonii de Solistitionis Insula Magna,
ressoa aspectos da história de São Brandão. Inscreve-se portanto na mesma tradição
literária de carácter épico e hagiográfico característico da Baixa Idade Média, de
origem céltica, mas que se difundiu um pouco por todo o «arco Atlântico» europeu,
atingindo também a Península Ibérica.
132
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
por entre a fragância das flores e das árvores de fruto» (apud Almeida
Lucas, 1991, 76). Produzida num contexto cristão, esta representação
medieval da insula paradisiaca perde as conotações eróticas do passado.
Desaparecem dela os coros femininos de ninfas sedutoras. Surgem em
seu lugar os cantos das aves, que vêm desempenhar a mesma função
na construção de uma paisagem sonora ridente e harmoniosa. Como
ideal do locus amenus que é, a Grande Ilha do Solstício não conhece nem
Invernos rigorosos nem Verões escaldantes, mas sim uma «Primavera
eterna» que ignora a noite «dado que a luz das estrelas sempre mantém
uma claridade que afasta as trevas» (ibid.).
A insula paradisiaca aparece depois de novo, e ainda mais esplendo-
rosamente, n’Os Lusíadas, no Canto IX, concretizada na imagem da Ilha
dos Amores que Vénus dá de prémio aos marinheiros portugueses pelos
seus trabalhos, e que é em si o retrato acabado da paisagem perfeita:
suaves outeiros de erva viçosa, fontes límpidas onde nascem rios sussur-
rantes, lagos calmos, bosques de ulmeiros em cujos troncos se enroscam
videiras, e pomares de ramos pendentes sobre as águas de tão pesados
que estão de «pomos odoríferos e belos» e de limões que lembram os
seios de virgens (Os Lusíadas, IX, 55). A sugestão de um ar perfumado é
reforçada ainda pela presença das flores, que são copiosas na descrição
camoniana da insula paradisiaca, e diversas, entre narcisos e lírios, rosas
e violetas, açucenas e jacintos. Depois, não menos importante para a
caracterização do ambiente deste éden insulano, é a sua paisagem sonora,
na qual, retomando um velho tema da Antiguidade, vamos encontrar de
novo os coros de ninfas a tocarem «harpas e sonoras flautas» (Lus., IX,
64), agora acompanhados pelo canto de cisnes e rouxinóis. Finalmente,
como último traço desta representação renascentista do eliseu insulano
aparece a dimensão erótica, exuberantemente exposta no episódio em
que as ninfas são surpreendidas no banho pelos marinheiros e fogem,
até que finalmente se rendem nos braços dos seus perseguidores no
meio dos bosques, por entre as árvores, em «famintos beijos», em «afa-
gos suaves», e num «mimoso choro» que logo «em risinhos alegres se
tornava» (Lus., IX, 83).
Se é certo que a imagem da insula paradisiaca tem já em Camões lai-
vos de uma certa exuberância tropical, tal marca tornar-se-á mais forte
e impressiva depois do séc. XVIII, quando a exploração do Pacífico vier
finalmente fixar a imagem das ilhas dos «mares do sul» como referencial
do éden terrestre. O conhecimento da Oceânia foi na verdade funda-
133
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
3
As sociedades geográficas são instituições de iniciativa privada surgidas na Europa
do séc. XIX com o objectivo de desenvolver o conhecimento científico dos territórios
ultramarinos. A composição destas sociedades era por regra bastante eclética, reunindo
membros das várias componentes da elite do liberalismo oitocentista, de naturalistas e
académicos a industriais e banqueiros, de políticos a oficiais do exército. Para além de
financiarem e organizarem expedições, as sociedades geográficas tinham por missão
difundir o conhecimento geográfico sobre os territórios explorados e as novidades
científicas em geral, através dos seus museus, das exposições que realizavam, das
memórias e dos boletins que publicavam. A primeira sociedade geográfica fundada
na Europa foi a de Paris, que apareceu em 1821, e que acompanhou Bonaparte na
expedição ao Egipto. A Royal Geographical Society, de Londres, é de 1830.
134
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
4
O conceito de «geografia imaginária» é aqui recuperado directamente de E. Said (2004)
para designar as representações que o pensamento ocidental moderno, imperialista,
faz dos espaços e dos habitantes que vê como «outros».
135
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
apresentar como modelos do paraíso terrestre, e que por essa via aca-
bam por ir mantendo vivo e operativo o velho mito do eliseu insulano5.
Há a par desta visão ridente da ilha uma outra imagem que se con-
solida no séc. XIX e que, por mais inesperado ou até irónico que possa
parecer, também contribuiu favoravelmente para a imagem forte que
os espaços insulares adquiriram nas geografias mentais do turismo:
referimo-nos à ideia da ilha como local isolado e distante a que já
anteriormente aludimos6, e que então apresentámos como possível con-
sequência das mudanças de perspectiva trazidas pela «revolução dos
transportes» oitocentista e pela melhoria das acessibilidades terrestres.
É curioso pensar que as mesmas razões que no plano das representa-
ções levaram à desvalorização das ilhas enquanto territórios de vida
quotidiana tenham contribuído igualmente para a sua valorização como
territórios de excepção e de evasão, ou seja, como espaços privilegia-
dos do anti-quotidiano. A ideia da ilha solitária, isolada, remota, não
deixa de ter o seu encanto. Percebeu isso logo a mesma sensibilidade
romântica do séc. XIX que a produziu. O Romantismo, em todo o seu
egotismo, subjectivismo, melancolia e propensão para a depressão (o
famoso mal du siècle), viu no escapismo, isto é, numa espécie de desejo
sempre insatisfeito de escape ou fuga do mundo, e na contemplação
do abismo, do «sublime», e das paisagens que em geral remetem para
o infinito – o mar, uma noite enluarada, o deserto – um prazer que se
podia assemelhar, como dizia Henri Peyre (1995, 107), a uma «volúpia
na solidão». A ilha, à luz desta sensibilidade, entendida como lugar
solitário e distante, ganhava o valor de um refúgio do mundo e dos seus
males, transformava-se num doce «ninho» onde o homem moderno se
podia recolher, talvez «não necessariamente para estar sozinho nele»,
como dizia D. H. Lawrence em The Man Who Loved Islands7, «mas para
5
Para se fazer uma ideia da incidência da procura turística nas ilhas basta ver que
entre as regiões do mundo mais dependentes do turismo estão precisamente espaços
insulares. As Caraíbas e as ilhas do Pacífico Sul encontram-se nessa categoria, como
se documenta, por exemplo, em Y. Agostolopoulos e D. J. Gayle (2002, 4).
6
V. Cap 3.
7
Usei a edição electrónica que se encontra acessível no URL: <http://www.islomania.
com/resources/ebooks/lawrence/themanwho.html>. O conto The Man Who Loved
Islands deve ter sido escrito por D. H. Lawrence em 1926, mas teve a sua primeira
edição já postumamente. O controverso autor de O Amante de Lady Chatterley conta
nesta breve história as desventuras de um homem que desbarata a fortuna a construir
refúgios em ilhas desertas. O escapismo e a vida campestre são os temas essenciais
136
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
desta história, pela qual perpassa, à semelhança do que sucede noutras obras do
mesmo escritor, um sentimento crítico e de decepção em relação à artificialidade e
desumanidade da sociedade moderna.
137
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
8
A. Corbain (2001, 67) chama «aerismo» a esta atenção pela qualidade do ar e ao
conjunto de convicções que se gera a seu respeito nos sécs. XVIII e XIX. Diz ele que
é isso, por exemplo, que «explica o urbanismo desse tempo, o gosto pelas grandes
esplanadas, as largas avenidas», para depois acrescentar ainda que «Um tal sistema
138
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
139
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
10
As Canárias, em particular, juntavam à imagem da tropicalidade insular a ideia de
um certo exotismo com ressonâncias «orientalizantes», dado pela proximidade do
norte de África. Os palmares e os dromedários, introduzidos pelos europeus nas ilhas
logo no início da sua ocupação, e que eram usados correntemente como animais de
trabalho e de transporte na Grã-Canária, em Tenerife e em Lançarote, marcando pre-
sença na vida quotidiana, ajudavam a construir essa imagem. O dromedário é aliás
um tema frequente em postais e fotografias antigas das Ilhas Canárias (v. o arquivo
fotográfico digital no URL: <http://www.fotosantiguascanarias/org/>).
11
Notícias da passagem destas e doutras figuras da sociedade internacional pela
Madeira ao longo do séc. XIX e até finais do primeiro quartel do séc. XX podem ser
encontradas em F. A. da Silva e C. Azevedo de Meneses (1940-46).
140
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
141
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
Fora destas três ilhas, o turismo, nessa sua fase oitocentista, não teve
quase expressão. O arquipélago de Cabo Verde, pela aridez e pelo calor,
estava longe de poder corresponder às necessidades do climatismo, ou
sequer à imagem verdejante do clássico eliseu insulano. Nos Açores, houve
vontade de promover o turismo, mas o sucesso das medidas desenvol-
vidas com esse fim foi limitado. A criação da Sociedade Propagadora de
Notícias Micaelense em 1899, de iniciativa privada, que juntava na sua
missão objectivos culturais e de promoção turística, editando panfletos,
guias e postais de São Miguel, não foi suficiente para que os Açores se
afirmassem como um destino turístico com significado. Em 1924, por
iniciativa dos autonomistas, financiaram-se missões de intelectuais às
ilhas com o intuito de promover o arquipélago, mas também isso gorou
os objectivos12. O clima dos Açores era visto como menos benigno que
o da Madeira ou das Canárias. Depois havia a distância, o afastamento
do arquipélago em relação aos grandes focos emissores de turistas,
que penalizava os Açores e os impedia de se tornarem num destino de
turismo popular. Contra isso pouco podia o facto de escritores e articu-
listas exaltarem a beleza telúrica destas ilhas, a harmonia melancólica
das cores coadas pela luz húmida do Atlântico, ou que, voltando uma
vez mais aos velhos temas clássicos, recheassem a descrição das ilhas
de referências pastoris, insistindo na imagem dos prados viçosos e do
gado a pastar livremente nos campos.
Nos Açores, precisamente pelo que disse, não há muitos lugares que
tenham nascido do surto de turismo oitocentista, ou que tenham tido
nele um factor de impulso importante. As Furnas, em São Miguel, cons-
tituem praticamente o único exemplo disso, embora com uma génese
que aparece ligada, não ao climatismo, mas ao termalismo, e com uma
procura que de início era essencialmente interna, composta quase só
pelas classes possidentes de São Miguel e de outras ilhas do arquipélago.
A descoberta da caldeira das Furnas como local de vilegiatura deveu-se
a Thomas Hickling, negociante e mais tarde cônsul norte-americano em
São Miguel, que no último quartel do séc. XVIII fundou nesse local uma
12
Foi na sequência dessas missões que se produziu, por exemplo, As Ilhas Desconhecidas
de Raul Brandão (1926), hoje considerada uma das maiores obras de literatura de
viagens de língua portuguesa. O livro, que teve grande divulgação, foi importante
para cristalizar, tanto interna como externamente, uma imagem marítimo-pastoril dos
Açores e uma identidade açoriana muito assente na ideia da agrura do ambiente e
da solidão insular.
142
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
13
Os Bensaúde (Bin Saud) são uma família de judeus marroquinos que se estabeleceram
nos Açores nas primeiras décadas do séc. XIX, atraídos pela prosperidade do «ciclo
da laranja». Houve então várias outras famílias hebraicas originárias de Marrocos que
também imigraram para os Açores, mas esta foi a que logrou maior sucesso. A sua
actividade começou por estar ligada ao comércio ambulante de tecidos, mas, graças a
uma estratégia agressiva baseada em baixas margens de lucro, depressa conseguiram
destruir a concorrência local e evoluir para uma posição de destaque tanto no comér-
cio retalhista como por grosso, passando a dominar praticamente toda a importação
de fazendas no arquipélago. As relações com a diáspora hebraica em Gibraltar e na
Inglaterra contribuíram certamente para o seu sucesso. É esta ligação matricial dos
Bensaúde ao comércio internacional que justifica depois o alargamento da sua área de
negócio ao sector dos transportes e, mais tarde ainda, ao turismo. Os Bensaúde esti-
veram ligados, por exemplo, à Empresa Insulana de Navegações, que durante muito
tempo foi a única a assegurar as ligações ao Continente por vapores, e também da
própria SATA (Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos). Em menos de um século, os
Bensaúde transformaram-se numa das famílias burguesas mais ricas e poderosas dos
Açores, e mesmo do país, com uma posição firmada num largo espectro de actividades,
incluindo na banca e no sector dos seguros (Banco Comercial dos Açores, Companhia
de Seguros Açoreana), e com uma descendência de personalidades ilustres ligadas às
ciências, à engenheira e às artes. – Para um maior desenvolvimento deste tópico, v.,
e. g., F. Sequeira Dias (s.d., em linha), ou também F. Sequeira Dias (1996).
143
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
14
Como vimos anteriormente (Cap. 1), as maiores e «melhores» praias de areia
encontram-se nas ilhas a oriente, especialmente em Forteventura. Na Grã-Canária,
as praias de areia resumem-se a pequenas enseadas, havendo a destacar um único
grande areal de areia dourada na área de Maspalomas. Em Tenerife, o cenário não
difere significativamente, agravado pelo facto das praias serem de areia mais escura.
Para assegurar uma maior conformidade da oferta local aos padrões de exigência
do moderno «balneotropismo», que prefere as praias de areia clara, importam-se
todos os anos do Sara toneladas de areia para despejar sobre os areais escuros de
Tenerife – isto diz até onde pode chegar a artificialização da paisagem por influência
do turismo.
144
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
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Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
15
O conceito de «urbanização turística» foi desenvolvido e trabalhado por P. Mullins
(1991), muito baseado na sua experiência da Austrália. A tese essencial é a de que, tal
como a era industrial teve o seu processo de urbanização próprio, de que o paradigma
foi a metrópole urbano-industrial, com as fábricas e os portos de mercadorias, a era
pós-industrial estaria também a produzir as suas formas de urbanização, tendo por
centro já não a produção mas sim o consumo. A esta nova forma de produzir espaço
urbano e ao tipo de «cidade» dela resultante – uma cidade dispersa e fragmentada,
polinucleada, de comércio e de lazeres – chamava o autor de «urbanização turística».
Os exemplos mais acabados disto encontram-se, no caso de Tenerife, na chamada
Costa Adeje (praias de Fuñabé, Los Cristianos, Las Américas,…) e na Grã-Canária,
nas áreas de Puerto Rico e Maspalomas.
16
Os números referidos para as Canárias são do Instituto Estadístico de Canárias
(ISTAC).
146
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
17
Os números são das Contas Satélites de Turismo, também do ISTAC.
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5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
hotel e três modestas pensões. Nas duas últimas décadas, porém, com a
melhoria das acessibilidades externas, sobretudo por via da banalização
do transporte aéreo, e com os avanços tecnológicos na dessalinização
das águas, que permitiram embaratecer bastante os custos desse trata-
mento, Porto Santo pode começar a abrir-se ao turismo, estando a ser
actualmente destino de importantes investimentos nesse sector, com
uma forte componente de capital internacional.
Num estado também mais incipiente de desenvolvimento do que o
das Canárias ou da Madeira, embora a viver um rápido crescimento,
está o turismo em Cabo Verde. De facto, foi já depois da independên-
cia, e mais destacadamente ainda após 1990, com o fim da governação
de orientação marxista, a transição para o sistema democrático multi-
partidarista e a liberalização económica, que se assistiu ao take off do
turismo no arquipélago. Claro que já havia infra-estruturas turísticas
em Cabo Verde antes de 1990, porém foi só na última década do século,
na sequência das referidas alterações políticas, que o turismo passou a
ser equacionado pelas autoridades como um instrumento crucial para
o desenvolvimento do país, e que se lançaram os primeiros pacotes
de medidas para a sua promoção. Em resultado destas medidas, que
combinaram investimentos públicos directos, medidas de estímulo ao
empreendedorismo interno, e grandes facilidades para o investimento
estrangeiro, a oferta hoteleira do país subiu para cerca de 12.000 camas
e a procura aumentou, entre 1990 e 2000, de menos de 25.000 turistas
por ano para mais de 83.000, continuando depois sempre em crescendo
até atingir cerca de 333.500 turistas em 2008, a que corresponderam 1,8
milhões de dormidas (23% produzidas por turistas britânicos, 19% por
italianos e 15% por portugueses)20.
Mesmo tratando-se de números de procura e de oferta muito inferio-
res aos das Canárias ou da Madeira, a verdade é que para a economia
cabo-verdiana estes valores não deixam de significar bastante. O turismo
representa actualmente à volta de 21% do PIB e é o principal destino do
investimento directo estrangeiro no país21. As assimetrias entre as ilhas
são todavia grandes. Uma ilha apenas – Sal – concentra mais de metade
20
Os números que aqui se citam são os fornecidos pela Câmara de Comércio, Indústria
e Turismo Portugal-Cabo Verde, acessíveis no URL: <http://portugalcaboverde.
com/>.
21
A fonte destes dados é a anteriormente citada.
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Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
22
Em 2006, os estabelecimentos hoteleiros do Sal receberam 59,6% dos hóspedes regis-
tados em Cabo Verde, cabendo-lhes 69,1% das dormidas (INE-CV).
23
O povoamento humano numa base permanente só se fez na ilha do Sal depois de
1830, com o início da exploração «industrial» dos recursos salíferos, sobretudo para
exportação para a América do Norte e para o Brasil. Com isso, a ilha transformou-
se por algum tempo numa espécie de grande mina ao ar livre, chegando a acolher
milhar e meio de habitantes por meados do séc. XIX, na sua maioria homens, e quase
todos ligados à actividade extractiva. Mas a ilha não tinha outra produção senão o
sal, tudo o que era preciso à vida humana vinha de fora, desde a água, aos alimen-
tos e ao vestuário, e isso explica que a vulnerabilidade às crises fosse grande e que,
portanto, não se tivesse prolongado por muito tempo esse período de prosperidade.
150
5. As ilhas redescobertas: turistas e novos imigrantes
gráfico registou nos dois últimos decénios e uma das que observou
progressos mais notáveis nos indicadores socioeconómicos, e tudo por
causa dos investimentos e das novas oportunidades de emprego geradas
pelo turismo.
Não deixa de ser irónico que as ilhas rasas, as mais «azaradas» de Cabo
Verde no passado por causa das suas condições naturais, pareçam ser
hoje, precisamente pelas mesmas razões, as mais bafejadas pela sorte.
Sal e Boavista, graças aos seus extensos litorais de areia branca, têm sido
até agora as privilegiadas quer pelos investidores privados, quer pelas
próprias autoridades. Maio também tem vindo a ser objecto de uma
crescente atenção. Aliás, um dos projectos de desenvolvimento mais
ambiciosos que Cabo Verde tem em curso relaciona-se justamente com
o turismo na Boavista e no Maio, para o qual foi criada uma sociedade
de capitais públicos responsável pela gestão de quase 7.000 hectares
distribuídos entre as duas ilhas24. Das três ilhas, contudo, o Sal foi a que
mais se antecipou nesse caminho por ter beneficiado da localização do
primeiro aeroporto internacional do arquipélago. A construção desse
aeroporto remonta aos finais dos anos 30 e, confirmando uma vez mais a
estreita ligação histórica de Itália a Cabo Verde (que afinal podemos fazer
recuar a António da Noli…), deveu-se a capitais italianos. A intenção
era fazer da ilha um ponto de apoio ao correio aéreo entre a Itália e a
diáspora italiana na América do Sul. Mas o eclodir da II Guerra Mundial
não chegou a permitir que essa missão se cumprisse. O aeroporto fez-se,
mas permaneceu pouco utilizado, até que por fim nos anos 60, já em
posse das autoridades portuguesas, passou a funcionar como aeroporto
24
A Sociedade de Desenvolvimento Turístico das Ilhas da Boavista e Maio foi criada
com o objectivo de assegurar a gestão e administração das «zonas de desenvolvi-
mento turístico integrado» (ZDTI) daquelas duas ilhas. A instituição da figura das
ZTDI aparece fundamentada pela necessidade de assegurar um desenvolvimento
turístico sustentável em Cabo Verde. Na verdade, as ZTDI acabam por funcionar
como «enclaves», ao surgirem regidas por lógicas e critérios próprios de ocupação e
organização do espaço, muitas vezes em tudo diversos dos territórios envolventes.
As áreas designadas como ZTDI ficam exceptuadas da observância das normativas
gerais e dos procedimentos administrativos vulgares no licenciamento de novas
obras. Em contrapartida, estão obrigadas a produzir os seus planos directores espe-
cíficos, com cenários e metas económicas, propostas de desenho urbano, e medidas
de conservação do ambiente. No caso concreto das Ilhas da Boavista e Maio, o plano
aponta para a criação de 60.000 postos de trabalho num horizonte de 15 anos, dos
quais, directos, serão 14.300 na Boavista e 4.300 no Maio.
151
Distância e Conexão. Insularidade, relações culturais e sentido de lugar no espaço da Macaronésia
25
O conceito de «turismo alternativo» define-se por oposição ao «turismo de massas»
convencional e pretende descrever novos produtos e actividades que respondem a
perfis turísticos mais alocêntricos, a maiores preocupações com a autenticidade das
experiências e dos lugares turísticos, e a formas de viagem menos penetradas por
relações comerciais, mais independentes, mais respeitadoras das culturas locais, e
com uma imbricação mais plena e difusa na vida das comunidades, como se explica
em D. Weaver (2006, 38 e sgg.). Os «turismos de nicho», que correspondem a formas
de turismo motivadas por temas particulares, não têm de corresponder exactamente
a um «turismo alternativo» (podem usar, por exemplo, as facilidades de viagem e de
alojamento do «turismo de massas» convencional), mas integram-se neste na maior
parte dos casos.
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Os dados agora citados e seguintes são do ISTAC.
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De 7 a 10 de Junho de 2006, esteve nas Canárias uma delegação do Parlamento Euro-
peu (Comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Europeus) encarregada de
analisar o problema da imigração clandestina no arquipélago e a situação em que se
encontravam os imigrantes detidos nos «campos de detenção temporária». O relatório
da missão, publicado oficialmente em 6 de Julho de 2006, com Jean Lambert como
relatora, é um documento impressionante e ao mesmo tempo muito esclarecedor
sobre a forma como se processa a imigração clandestina para as Canárias. O relató-
rio pode ser lido no URL: <http://www.europarl.europa.eu/meetdocs/2004_2009/
documents/pv/623/632483/623483pt. pdf>.
30
Os dados foram recolhidos no INE, a partir de informação original do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras.
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V. Cap. 2.
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Epílogo:
a «era informacional» e o futuro da Macaronésia
Pretendi mostrar ao longo das páginas que ficaram para trás que é
injusto e desadequado considerar as ilhas, e em concreto as da Maca-
ronésia, como paradigmas do lugar isolado. A «perificidade» que nor-
malmente se reconhece às regiões insulares, e que no caso das Ilhas
Atlântidas chega inclusive à fórmula superlativa, oficialmente consagrada,
da «ultraperificidade», presta-se a esse equívoco, ao sugerir a ideia de
uma posição remota e marginal, inibidora de hipóteses de interacção
espacial, propiciadora de imobilidade e de imobilismos. A verdade é
que as Ilhas Atlântidas se encontram nos antípodas disso. Há – não
se pode negar – o problema da distância. Depois da grande evolução
registada nas acessibilidades terrestres nos dois últimos séculos, que fez
«encolher» muito as distâncias em contexto continental, as ilhas ficaram
numa situação comparativamente desvantajosa, e isso levou, em muitos
aspectos, ao surgimento de novos factores de marginalização. Creio
porém que terá ficado demonstrado que a marca destes lugares está no
facto de se terem construído e reconstruído ao longo da história sempre
numa base de abertura intensa ao «exterior» e de conexão forte com o
mundo, estando tudo isso bem plasmado nas suas paisagens.
O «sentido global do local» de que falava Doreen Massey (1994, 146
e sgg.) é patente no espaço da Macaronésia e tem que ver directamente
com o que acabei de dizer. Não são apenas as condições específicas de
cada sítio, o ambiente físico e a população que nele está presente, que
modelam as realidades sociais concretas que encontramos nas ilhas des-
tes arquipélagos. No que se refere às Ilhas Atlântidas, Doreen Massey
parece ter total razão. Essa concepção, de que a autora é profundamente
crítica, do lugar como entidade socioterritorial homogénea, «fechada»,
unitária, com um «dentro» e um «fora» bem definidos, e uma identi-
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Epílogo: a «era informacional» e o futuro da Macaronésia
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172
Índice
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1. O espaço da Macaronésia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Posição e composição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Afinidades do quadro biofísico e diversidade de ambientes . . . . . . . . . 31