RESUMO
Este artigo traz alguns apontamentos referentes à iluminação cênica, no que diz respeito
à sua concepção criativa no processo de montagem de um espetáculo, e apresenta uma
pesquisa de alguns estilos de linguagem no campo da iluminação cênica com o objetivo
de dar apoio à concepção artística do trabalho prático desenvolvido Vem Virar Travesti
- espetáculo inspirado no filme The Rocky Horror Picture Show de 1975, e no primeiro
espetáculo homônimo do grupo de teatro Dzi Croquetes, que se caracteriza por um
hibridismo de linguagens e estéticas.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - Montagem da peça The Sound and the Fury de William Faulkner .............8
FIGURA 3 - Montagem do musical The Black Rider: The Casting of the Magic Bullets
de William S. Burroughs .........................................................................10
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Foi a partir da apropriação da luz elétrica pelo teatro, no final do século XIX, que a
iluminação passou a ser vista como uma linguagem da arte teatral, interferindo
diretamente na sintaxe da encenação. Ao longo do século XX, aparece a função de
iluminador que, aos poucos, foi ganhando maior importância nos processos de criação e
montagem teatrais.
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Não existe uma fórmula exata para a criação de uma luz, o conhecimento técnico é de
extrema importância a fim de avaliar os melhores equipamentos e angulações para criar
determinados efeitos. Mas só o conhecimento técnico não é suficiente para a concepção
de uma iluminação. Cada processo de montagem de um espetáculo tem características
únicas, cuja base é a concepção autoral de seus criadores que trazem opções estéticas
particulares para os diferentes processos criativos.
Embora cada montagem tenha suas próprias intenções estéticas, pode-se reconhecer, ao
longo do século XX, correntes estilísticas que vão influenciar visual e conceitualmente a
criação dos artistas, alinhando-os em diferentes linguagens e estilos. Determinadas
estéticas teatrais têm iluminações características que as diferenciam entre si e as
caracterizam como tal. Autores e encenadores como Grotowski, Brecht e Appia
definiram iluminações especificas para seus estilos teatrais.
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iluminador dessa estética teatral. Na FIG. 1 podemos perceber que o iluminador utiliza
vários abajures espalhados na cenografia para “justificar” o nível de claridade presente
na cena. Podemos notar também que se trata de uma cena que se passa à noite, não só
pelos abajures acesos, mas também pela luz na parte superior das portas, que imita a
iluminação de um poste ou de um corredor. Já na FIG. 2 podemos notar que a ação
acontece durante o dia, uma vez que o iluminador tenta retratar ao fundo do cenário o
que seria a sombra da luz solar entrando por uma janela. Em ambas as imagens, a
iluminação, juntamente com a cenografia e os demais signos teatrais, causam um efeito
ilusionista da realidade, que é a principal função desta estética.
FIGURA 1 - Montagem da peça The Sound and the Fury de William Faulkner
Fonte: www.variety.com/review/VE1117936948.
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O teatro simbolista, segundo Laura Figueiredo (2007, p. 38), foi responsável pelo maior
avanço nas pesquisas de equipamentos cênicos ao longo da história do teatro,
juntamente com a aproximação das artes plásticas, o que permitiu uma liberdade maior
na criação de ambientações cênicas. O iluminador no teatro simbolista não ficou mais
preso a reproduzir uma luz verossímil ao natural. Não existia mais a pretensão de criar
um efeito mimético, a luz agora poderia aparecer de todos os ângulos e cores, de uma
forma mais abstrata. O mais importante na estética simbolista é que iluminação também
podia abarcar as atmosferas e sentidos produzidos pelo texto ou pela encenação.
Além disso, a iluminação no teatro expressionista também utiliza uma grande gama de
cores vivas, a fim de criar um contraste com o excesso de preto e branco causado pelo
efeito de luz e sombra. Porém, as cores da iluminação expressionista não buscavam
necessariamente expor um sentido semiológico como na estética simbolista - a cor aqui
tem uma função mais decorativa, cujo objetivo é “embelezar” e dar plasticidade à cena.
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FIGURA 3 - Montagem do musical The Black Rider: The Casting of the Magic Bullets
por Bob Wilson. Fonte: www.act-sf.org/press/black_rider.html
O Teatro épico, em particular o proposto por Bertolt Brecht, teve grande influência da
estética expressionista, principalmente no que diz respeito ao distanciamento da
estrutura naturalista. Mas no quesito iluminação, Brecht propõe especificações próprias
para seu tipo de teatro. Como o teatro épico não tem a função ilusionista e o seu público
não duvida de que se trata sempre de uma representação teatral, Brecht se absteve da
utilização de bambolinas1 e bastidores2 em seus espetáculos, deixando aparente todo o
aparato técnico do teatro.
A iluminação épica é formada basicamente por uma geral3 de luz branca, como explica
Laura Figueiredo:
1 Tapadeiras horizontais instaladas acima da área de encenação com o objetivo de esconder os aparatos
técnicos do palco.
2 Tapadeiras verticais instaladas nas laterais da área de encenação, delimitando o quadro visual.
3 A iluminação geral é a iluminação uniforme sobre a área de encenação sem a incorporação de qualquer
efeito visual diferenciado.
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O Teatro de Sombras é um dos mais antigos estilos teatrais, pode-se dizer que ele é o
estilo que mais assimilou a importância da luz no teatro, uma vez que essa arte só é
possível de ser realizada a partir de uma iluminação especifica. Ele é também um dos
mais simples em relação a estilos de iluminação. Sua concepção básica de luz para a
criação do efeito de sombra é uma contra luz que projeta as siluetas de objetos ou
pessoas sobre uma tela, geralmente branca, como vemos nas FIG 4 e FIG 5.
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Teatros Musicais e Shows de Música são duas linguagens diferentes, mas, do ponto de
vista da concepção de luz, podemos nos ater às várias semelhanças existentes nestes
dois estilos, começando pelos equipamentos de iluminação utilizados. No teatro
dramático, os iluminadores geralmente optam por refletores do tipo Plano Convexo,
Fresnel e Elipsoidal, que são relativamente comuns nas casas de teatro e que são
responsáveis pelos cortes mais precisos de uma área de cena. Os iluminadores de
Musicais e Shows têm preferência por utilizar os refletores de lâmpada PAR, que
possuem maior brilho em sua luminosidade e abrangem uma maior área de cena.
Podemos notar a quantidade de refletores tipo PAR, necessários para criação de
efeitos de luz FIG 6, que mostra a iluminação criada por Woodroffe para a Turnê “The
Works Tour” da banda de rock Queen.
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linguagem. Podemos notar, por exemplo, que a maior parte dos refletores são utilizados
para efeitos de contra luz6, de modo a ressaltar a qualidade plástica do conjunto em
detrimento à valorização de detalhes das expressões faciais. Nota-se também que não se
busca esconder estes aparatos da visão do público como em algumas estéticas teatrais.
Pelo contrário, aqui os equipamentos técnicos ficam à mostra em complemento à
cenografia do palco.
As noções em cada estilo teatral podem servir de base para a concepção da iluminação
de diversos espetáculos, cabendo ao responsável pela criação do desenho de luz de cada
montagem pesquisar, filtrar, adequar e até mesmo modificar essas noções para que elas
abranjam as propostas cênicas.
Inspirado no filme The Rocky Horror Picture Show de 1975 e no primeiro espetáculo
homônimo do grupo de teatro Dzi Croquetes, o espetáculo Vem Virar Travesti pode ser
considerado híbrido em sua concepção por não se manter em um só estilo de
representação, podendo tanto ser considerado como um musical, um Teatro Musicado,
ou um Ato Performático. Contém elementos do Teatro Burlesco e de Revista, e efeitos
da ordem do Expressionismo e Teatro de Sombras. Sua dramaturgia abarca estruturas
dramáticas e épicas, e ainda os conceitos do Metateatro, um “Teatro cuja problemática é
centrada no teatro que fala, portanto, de si mesmo, se auto-representa. (PAVIS, 1999, p.
240)
O Metateatro torna-se uma das bases da pesquisa de iluminação para esse espetáculo.
Como o texto e a encenação se propõem a recriar um “teatro dentro de um teatro”, todos
os aparatos cênicos podem estar à mostra, descartando-se os procedimentos ilusionistas
tradicionais. Além disso, o conceito fundamental que norteia a concepção da luz apoia-
se no caráter híbrido do espetáculo. Propõe-se, assim, experimentar os diversos estilos
de iluminação presentes nas estéticas teatrais, sem que a iluminação pareça deslocada
ou virtuosa demais em relação ao espetáculo.
6 luz projetada a partir do fundo da área de cena cuja a finalidade é dar contorno à figura iluminada,
provocando a sensação de volume e de profundidade.
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A noção de estilos de iluminação em cada estética teatral serve apenas para nortear a
concepção de luz para o espetáculo, não havendo a intenção de se aplicar essas noções
como uma regra ou fórmula. Cabe também ressaltar que o iluminador deve sempre se
preocupar com a harmonia da luz no espetáculo e, para isso, é imprescindível tomar
cuidado com os excessos, como alerta Laura Figueiredo:
A concepção criativa da iluminação para o espetáculo Vem Virar Travesti é muito mais
abrangente que o próprio resultado de sua luz final, porque nem sempre a luz pretendida
no processo de criação materializa-se efetivamente no ato da montagem. Tudo depende
do espaço de apresentação, dos equipamentos disponíveis e de diversos outros fatores
que podem alterar a concepção da luz definitiva da montagem. Mesmo sofrendo estas
mudanças, o resultado final não altera as possíveis intenções estéticas do iluminador, já
que a concepção criativa também serve para auxiliar o iluminador nessas mudanças sem
que haja alteração nos “sentidos” presentes em sua luz.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS:
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PALMER, Richard H. The Lighting Art: The Aesthetics of Stage Lighting Design.
Disponível em:<
www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/C%EAnica/Pesquisa/Richard%20H%20Palmer.pdf.> Acesso
em 20 mai. 2012.
SERRAT, Barbara Suassuna Bent Valeixo Mont. Iluminação Cênica como Elemento
Modificador Dos Espetáculos: Seus efeitos sobre os objetos de cena. 2006. 93 f.,
Dissertação (Mestrado em Arquitetura ).Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Programa de Pós Graduação em Arquitetura , Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:
<www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/C%EAnica/Pesquisa/ilumina%E7%E3o%20c%EAnica
%20espetaculos.pdf>. Acesso em 20 mai. 2012.
WOODROFFE, Patrick. Luz, mais luz!. Revista Luz & Cena. v. XI n. 143, p. 18-23,
[2011]. Rio de Janeiro. Musica & Tecnologia, 2011. Entrevista concedida a Rodrigo
Sabatinelli.
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