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INTRODUÇÃO
Neste artigo, parto do pressuposto que, no Brasil pós-Constituinte, qualquer que seja
a extração ideológica de um governante, a ele se colocarão os mesmos desafios, com
pequena margem de manobra no que se refere às soluções propugnadas. Assim, em
primeiro lugar, ao governante se imporá, em um mundo globalizado, o ajuste da
economia e a reforma do Estado em crise.
Nesse cenário, a partir dos anos 80, os governantes passam a se haver com
crescente desequilíbrio fiscal, desordem das contas públicas e inflação galopante.
Seguem-se as várias e conhecidas tentativas de estabilização da economia, com a
série de Planos a que a população é submetida, mais ou menos ortodoxos, mais ou
menos heterodoxos, em uma longa seqüência de ensaios e erros. Finalmente, impõe-
se um modelo de ajuste da economia dentro do marco neoliberal, que produz, em um
mundo globalizado, agendas governamentais com pequena flexibilidade. Esses
problemas de governo, além do mais, têm de ser enfrentados em um contexto de
redemocratização e rompimento com a ordem social pregressa.
Sendo esse o caso, pode-se dizer que, enquanto a primeira fase da política de ajuste,
isto é, a estabilização da economia, tem sido considerada bem-sucedida com o Plano
Real, as reformas estruturais, como a da previdência, da administração, e tributária e
fiscal, têm enfrentado, do ponto de vista do governo, grandes dificuldades. Anota-se,
neste ponto, para posteriores comentários, que enquanto o processo de estabilização
da economia é calcado em políticas formuladas, em grande parte, ao largo do
Congresso, as reformas estruturais citadas, ao contrário, necessitam da sua
aprovação, o que tem impedido que o processo de ajuste da economia se complete.
Quanto às novas funções do Estado, pode-se dizer que atualmente se arma consenso
em torno da construção de um Estado que não é mais mínimo como sugeriam as
primeiras visões simplistas de inspiração neoliberal, e que, portanto, não perdeu sua
importância estratégica. Na verdade, o Estado deve ser minimamente complexo para
atender aos desafios do capitalismo contemporâneo4. Dessa forma, restringe sua
atuação como produtor direto de bens e serviços, reforça sua atividade de regulação
das políticas públicas, enfatiza seu papel de coordenação entre as várias agências
governamentais e os três níveis de governo e entre a esfera pública e a privada, e
reorienta suas funções de controle.
Este artigo, embora não pretenda proceder a uma revisão da literatura sobre os
conceitos de governabilidade e governança, fará algumas considerações sobre o
tratamento desses conceitos, sugerindo, para propósitos analíticos, o termo"
capacidade governativa". Pressupondo o contexto democrático, destacará como um
dos elementos essenciais da capacidade governativa as características do processo
de tomada de decisão das políticas públicas, com destaque para a fase de formulação
e as relações Executivo-Legislativo. Discutirá a literatura brasileira recente sobre
esses pontos, entendidos como" gargalos" da capacidade governativa do Estado,
contrapondo achados de pesquisa empírica coordenada pela autora. Finalmente, a
título provocativo, fará algumas especulações acerca dos dilemas dos governantes,
comprometidos com a governabilidade democrática vis-à-vis as características do
processo decisório, e dos padrões de interação dos dois Poderes.
No Brasil, destacam-se os trabalhos de Melo (1995) e Diniz (1995; 1996) que, a partir
de uma revisão extensiva da literatura, analisam vários dos pontos indicados acima.
Segue-se, tendo como referência os estudos desses autores, uma rápida
apresentação da gênese desses conceitos e de sua definição atual, entremeadas por
meus comentários.
Assim, para o Banco Mundial, a definição geral de governance "is the exercise of
authority, control, management, power of government." Ou, dizendo ainda melhor, "is
the manner in which power is exercised in the management of a countrys economic
and social resources for development."10 A noção de good governance encontra-se
intrinsecamente associada à capacidade governativa, "[good] governance is central to
creating and sustaining an environment which fosters strong equitable development,
and it is an essential complement to sound economic policies" (World Bank, 1992:1).
Dessa forma, good governance passa a ser requisito indispensável para um
desenvolvimento sustentado, que incorpora ao crescimento econômico eqüidade
social e também direitos humanos.11
Reis, embora use o termo governabilidade, adverte-nos contra essa simplificação, que
reduz a capacidade estatal de governar a características da máquina do Estado, tal
como o tamanho certo do Estado, mecanismos operacionais ágeis nas funções
reconhecidas como próprias dele etc. Mas, continua o autor," há a sociedade [...] ¾ e
há a política. E o desafio crucial reside na obtenção daquela forma específica de
articulação do Estado com a sociedade na qual se reconheça que o problema da
administração eficiente não pode ser dissociado do problema político, ou seja, do
problema de garantir também a operação democrática do Estado" (Reis, 1995:41).
Com a ampliação do conceito de governance fica cada vez mais imprecisa sua
distinção daquele de governabilidade. Melo e Diniz, contudo, preferem reter este
último conceito para se referirem às condições sistêmicas e institucionais sob as quais
se dá o exercício do poder, tais como as características do sistema político, a forma
de governo, as relações entre os Poderes, o sistema de intermediação de
interesses.14 Martins (1995) expressa-se de forma semelhante em relação ao termo
governabilidade ¾ ao qual se refere como arquitetura institucional ¾ e o distingue de
governança, basicamente ligada à performance dos atores e sua capacidade no
exercício da autoridade política. Parece-me ter pouco sentido analítico tentar reter um
conceito, por assim dizer, tão esvaziado como o de governabilidade ¾ a não ser como
uma homenagem histórica, e, neste caso, o termo estará intrinsecamente ligado à
ingovernabilidade por sobrecarga de demandas e excesso participativo. Outros
autores,15 contudo, continuam a utilizar o termo governabilidade de forma mais ampla
e já referido ao moderno contexto das políticas de ajuste e reforma do Estado,
pressupondo a ambiência democrática. Na verdade, é pouco relevante, a meu ver, no
contexto atual, tentar distinguir os conceitos de governance e governabilidade. Sugiro,
então, para se fugir a essa discussão aparentemente interminável, que se adote
simplesmente, para fins analíticos, o termo capacidade governativa.
Para propósitos analíticos, pode-se desagregar esta definição nos seguintes termos.
Diz-se que um sistema político é dotado de capacidade governativa se for capaz de:
(i) identificar problemas da sociedade e formular políticas públicas, isto é, oferecer
soluções; e (ii) implementar as políticas formuladas, mobilizando para isso meios e
recursos políticos, organizacionais e financeiros necessários.
Essa definição geral de capacidade governativa serve bem aos nossos propósitos.
Por um lado, engloba tanto características operacionais do Estado ¾ analisando-se aí
a eficiência de sua máquina administrativa, novas formas de gestão pública,
mecanismos de regulação e controle ¾ , como sua dimensão político-institucional, as
investigações podendo incluir, neste caso, desde as características das coalizões de
sustentação do governo, do processo decisório, das formas mais ou menos
tradicionais de representação de interesses, das relações Executivo-Legislativo, do
sistema partidário e eleitoral, passando pelas relações entre os três níveis de governo
e a forma e o grau de interação do público com o privado na definição e condução das
políticas governamentais, até a pouca analisada atuação do Judiciário como ator
político e a capacidade de liderança e coordenação do governo.
Segundo Frischtak: "To the extent that the problem area of structural adjustment is
increasingly identified as one of implementation, concern is shifting from the substance
of policies ¾ on which, incidentally, there is growing technical consensus ¾ to the
policy environment itself" (1994:1). No mesmo veio, Diniz afirma que a
ingovernabilidade não pode ser atribuída à paralisia decisória. Existe, ao contrário,
conforme a autora, uma hiperatividade decisória concentrada nos altos escalões
insulados da burocracia governamental, com a exclusão da instância parlamentar-
partidária. Reforça seu argumento recorrendo a dados sobre o número de Decretos-
leis e Medidas Provisórias produzidos pelo Executivo desde o governo Sarney e aos
trabalhos de Figueiredo e Limongi, os quais afirmam que devido aos poderes
legislativos que o Executivo possui, este comanda o processo legislativo, deixando
margem muito estreita de autonomia para o Congresso. Esses dois autores contestam
explicitamente a visão de que o Executivo só vê seus projetos aprovados após
extenuantes e custosas negociações, com maiorias formadas caso a caso na base da
troca clientelista individual. Na verdade, dizem eles, o Legislativo exibe um
comportamento antes cooperativo do que conflituoso para com as iniciativas do
Executivo (Figueiredo e Limongi, 1995a). Sendo assim, conclui Diniz (1995:395 et
passim), o gargalo das políticas de ajuste está no processo de implementação.
As críticas a essas teses serão feitas a partir de achados empíricos de pesquisa por
mim coordenada, que investiga as características do processo decisório no Brasil pós-
Constituinte, com ênfase nas relações Executivo-Legislativo, mediante dois estudos
de caso de políticas estratégicas da agenda governamental ¾ a política salarial no
governo Collor e as políticas tributária e fiscal nos governos Collor e Itamar (cf. Castro
Santos, Rua e Costa Filho, 1992; Castro Santos et alii, 1994; e Castro Santos, Rua e
Machado, 1994) ¾ , além de analisar o processo orçamentário da União. É dos dois
primeiros que derivam os achados relevantes para os propósitos deste artigo,18 que
podem ser resumidos como se segue.19
Figura 1
Figura 2
Dessa forma, mesmo o governo Fernando Henrique Cardoso que, diferentemente dos
anteriores, chega ao poder apoiado em sólida coalizão partidário-eleitoral, é
freqüentemente obrigado a negociar seus projetos arduamente. Em primeiro lugar,
porque alianças eleitorais são diferentes de alianças de sustentação. Nesse caso,
como os partidos que compuseram a aliança eleitoral que levou Cardoso ao poder
(PSDB-PFL-PTB) não chegam a formar maioria no Congresso, a base de sustentação
do governo é ampliada, passando a incorporar o PMDB. Em segundo lugar, a coalizão
de sustentação do governo compõe-se de partidos que, conforme sugiro aqui, exibem
comportamentos parlamentares marcadamente distintos. Assim, não só o Executivo é
obrigado a negociar com sua própria base de sustentação para manter seu apoio,
como tem de fazê-lo utilizando moedas distintas. Dessa forma, enquanto na maioria
das vezes a moeda de troca do PFL, do PTB e de parte do PMDB é a típica das
arenas distributivas de Lowi (cargos, benesses), no que se refere à parte "não
fisiológica" do PMDB, as negociações geralmente se dão em torno das questões
(issues) colocadas em pauta, em movimento característico das arenas regulatórias e
pluralistas. Ao PSDB, partido do presidente, não resta muita autonomia no que se
refere às negociações das questões em pauta. A construção de maiorias estáveis no
Parlamento, essencial para a recuperação da capacidade de governar, é portanto,
nesse cenário político-partidário, de difícil consecução.
A proposta de reforma tributária e fiscal do governo Itamar Franco, por sua vez,
concentra-se no aumento da receita tributária mediante a criação de novos impostos
(Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira ¾ IPMF, Contribuição sobre
Valor Agregado ¾ CVA, que incidiria sobre produtos e serviços, Imposto Seletivo
sobre combustíveis, telecomunicações, energia elétrica, automóveis, fumo e bebidas
e Imposto sobre Ativos Financeiros); no combate à sonegação fiscal, principalmente
com a quebra do sigilo bancário; no resgate da dívida pública, proibindo estados e
municípios de emitirem novos títulos da dívida pública e permitindo que empresas
públicas pedissem falência ou concordata; e no controle das decisões judiciais,
instituindo a ação declaratória de constitucionalidade, a ação de interpretação do
Distrito Federal e a Justiça Tributária. Desse projeto inicial, o governo consegue
aprovar apenas a criação do IPMF, a destinação de 20% dos recursos arrecadados
com ele para o financiamento de programas de habitação popular e 18% para a
educação, a proibição da emissão de títulos da dívida pública pelos bancos estaduais
e a ação declaratória de constitucionalidade. As negociações em torno do IPMF
seriam longas e intensas, envolvendo interesses extracongressuais poderosos, como
os dos empresários e banqueiros, sem que se formassem claras alianças entre os
partidos, assistindo-se, em vez disso, a negociações pontuais de distintos partidos ou
segmentos de partidos com o governo.30 O Projeto de Lei Complementar,
regulamentando o IPMF, foi aprovado em julho de 1993, seis meses após o início do
ano fiscal, não contribuindo, portanto, como as demais medidas emergenciais de final
de ano, para a garantia de recursos orçamentários para o ano seguinte. Este fato, por
si só, é indicador das difíceis negociações entre os dois Poderes.
A que atribuir, então, a diferença desses achados com relação às teses dos autores
mencionados? Para explicar o diagnóstico do gargalo da capacidade governativa do
Estado localizado unicamente na fase de implementação das políticas
governamentais recorro, mais uma vez, à hipótese central do trabalho clássico de
Lowi, "American Business, Public Policy, Case-Studies, and Political Theory" (1964),
que relaciona o tipo de política com o tipo de arena decisória. No caso, importa pouco
diferenciar se as políticas são distributivas, regulatórias ou redistributivas. A maioria é
regulatória e, no limite, já que ligadas à percepção de escassez de recursos dos
atores, todas são redistributivas. Relevante aqui é distinguir as decisões de políticas
que passam pelo Congresso e as que se encapsulam nas burocracias. Esse
encapsulamento, é bom lembrar, é sempre relativo, já que mesmo nos períodos mais
autoritários as burocracias do Estado, feitas arenas decisórias, são penetradas, formal
ou informalmente, por interesses privados.31
No caso das políticas de ajuste, parte passa pelo Congresso e parte não. A política
cambial e grande número dos instrumentos de política monetária, essenciais na fase
de estabilização, não passam, assim como também não passam as políticas de
crédito e de comércio exterior. O Banco Central e as burocracias fazendárias
produzem, em clausura relativa, sem controle social mais amplo,32 uma grande
quantidade de instrumentos legais, caracterizando o que Diniz (1995; 1996) chama de
"hiperatividade decisória da cúpula governamental". A formulação da política industrial
também tem passado ao largo do Congresso Nacional.33 Já as políticas de reforma
estrutural (previdência, privatização, administrativa, tributária e fiscal) passam,
necessariamente, pelo crivo do Legislativo, até porque dependem, em grande medida,
de reforma da Constituição. Anota-se, nesse caso, as grandes dificuldades do
Executivo, a partir da administração Collor, em aprovar no Congresso suas propostas
de reforma previdenciária,34 e reforma tributária e fiscal,35 incluindo-se, no caso do
governo Fernado Henrique, as árduas negociações com líderes parlamentares no que
se refere à reforma administrativa. A política de privatização apresenta grau menor de
conflito quanto à atuação do Legislativo, embora seu arcabouço legal tenha sido todo
discutido e negociado no Congresso (cf. Almeida, 1996).
Minha explicação para a tese que descarta a importância das características da fase
de formulação de políticas para a capacidade governativa do Estado é a de que os
autores que a endossam ¾ não é o caso de Figueiredo e Limongi ¾ têm focalizado,
em seu trabalho, políticas de ajuste que prescindem do Congresso.
Fica faltando ainda à análise institucionalista dos dois autores, baseada no estudo do
marco legal criado pela Constituição de 1988 e nas características da produção legal,
a explicação do comportamento dos atores parlamentares. Figueiredo e Limongi
deixam de considerar, assim, o que leva os parlamentares a votar contra ou a favor do
governo, a que induções seletivas são sensíveis etc. Interessante e importante, por
exemplo, seria a análise por issue areas dos dados desses autores combinada a um
modelo de comportamento parlamentar.
"Na década de 90, a América Latina será o cenário da criatividade política, na medida
em que esses países busquem reconciliar os impulsos contraditórios que os sacodem.
O resultado mais provável será o surgimento de novos regimes híbridos, nos quais os
elementos de estilo autoritário de política serão fundidos com processos eleitorais
democráticos. Nesses híbridos, a questão crucial será a de como as expressões
organizadas da sociedade civil serão ou não integradas ao processo de governo e de
elaboração de políticas públicas, e qual o papel que os partidos políticos
desempenharão enquanto mediadores desse tipo de articulação" (1993:126).
ODonnell (1993; 1994; 1996), igualmente preocupado com as novas poliarquias,
propõe, tomando como referencial empírico a América Latina, o termo "democracia
delegativa" para caracterizar um novo tipo de democracia, que se distingue das
democracias representativas mais antigas. As democracias delegativas, sugere o
autor, pressupõem a concepção cesarista e plebiscitária de um presidente eleito que
se percebe investido do poder de governar o país da forma como lhe aprouver,
constrangido apenas pelas relações de poder existentes e o tempo
constitucionalmente limitado de seu mandato. Nas novas poliarquias latino-
americanas, continua o autor, não há ausência de institucionalização. Na verdade,
essas poliarquias combinam eleições livres, competitivas e formalmente
institucionalizadas com instituições políticas não formalizadas, com destaque para o
clientelismo e, de forma mais ampla, o particularismo (no qual não há distinção
comportamental, legal e normativa entre as esferas pública e privada). As afinidades
eletivas entre o particularismo, a reduzida "prestação de contas horizontal" (entre as
agências públicas), a pouca transparência dos processos de tomada de decisão das
políticas governamentais, a grande distância entre as normas formais e o
funcionamento efetivo da maioria das instituições políticas e as concepções e práticas
delegativas e não representativas de autoridade política terminam por reviver e
acentuar características do antigo autoritarismo.
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ABSTRACT
The article first offers some considerations regarding the concepts governability and
government as used in the recent literature and, for analytical purposes, suggests the
term governing capacity. In a context of economic reforms and democratization,
Executive-Legislative relations form one of the key elements of governing capacity.
Contesting Brazilian literature on this topic, the article grounds itself in basic policies
on the agendas of the Collor and Itamar Franco administrations to argue that if there is
a deficit in the implementation of a good share of economic stabilization policies and
policies to open up trade, produced within relatively insulated bureaucracies, at the
same time the structural reform policies submitted to Congress (social welfare,
privatization, administration, taxation) have fallen short not just in the realm of
implementation but in the realm of formulation as well. Underscoring the complexity of
the policy-making phase, the text cites some causes, such as problems the
government encounters in building stable majorities within Congress. Given this
difficulty, the Executive must often engage in tough negotiations to get governmental
policies approved, and it ends up entering into a pattern of conflict in its interactions
with the Legislative branch. As a consequence, government leaders are tempted to
favor the relatively insulated arena of bureaucracies over the parliament, with
foreseeable consequences for the process of democratization within Brazil. Based on
this scenario, the article asks what type of democracy Brazil can or is willing to build.
RÉSUMÉ
Dans cet article on confronte tout dabord les concepts de gouvernabilité et détat de
gouvernance selon lusage quen fait la littérature actuelle, tout en suggérant aux
chercheurs demployer la formule" capacité à gouverner". Compte tenu du contexte
des réformes économiques et de démocratisation, lun des éléments essentiels de
cette capacité à gouverner consiste dans létablissement de bons rapports entre le
pouvoir exécutif et le législatif. A partir de létude des politiques de fond des
gouvernements Collor et Itamar Franco, lauteur se démarque de la littérature
brésilienne sur le sujet pour affirmer que si, dun côté, la plupart des politiques de
stabilisation et de libéralisation économique- produit de burocraties relativement
isolées - sont insuffisamment appliquées, dautre côté les politiques de réforme
structurelle (sécurité sociale, privatisations, réformes administrative et fiscale)
soumises au Congrès présentent des défauts de formulation et de mise en place. On
relève la complexité du stade de formulation de ces politiques, tout en montrant les
causes, parmi lesquelles la difficulté du gouvernement de construire une majorité
stable au Congrès. Ce fait mène souvent le pouvoir exécutif à des négociations
difficiles en vue de faire approuver sa politique et, par conséquent, à des niveaux
déchange conflictuels avec le pouvoir législatif. Les gouvernants sont donc tentés de
privilégier le camp relativement restreint des burocraties au détriment du parlement, ce
qui a de claires conséquences sur le processus de démocratisation du pays. Cest à
partir de ce cadre que se pose la question de savoir quel type de démocratie nous
pouvons ou nous sommes prêts à construire.
NOTAS:
*
A primeira versão deste artigo foi apresentada no XX Encontro Anual da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - Anpocs, Caxambu,
MG, 22-26 de outubro de 1996 e no I Congreso Interamericano del Centro
Latinoamericano de Administración para el Desarrollo - CLAD, Rio de Janeiro, 7-9 de
novembro de 1996. Parte do trabalho foi preparada para a Escola Nacional de
Administração Pública - ENAP. Agradeço a Carlos Pio por seus ouvidos atentos e
suas sugestões sempre pertinentes. As idéias aqui expostas são, contudo, de minha
inteira responsabilidade.
1. Ver, por exemplo, entre outros, os trabalhos de Santos (1993); Reis (1989a; 1989b;
1994; 1995); Fiori (1993); Diniz (1995); Sola (1993; 1995).
3. Eduardo Viola (1996), por exemplo, considera que a possibilidade de uma coalizão
estatista-nacionalista se esgotou após a derrota do candidato do PT nas eleições
presidenciais de 1989.
5. Por exemplo, o episódio da matança dos sem-terra em Eldorado dos Carajás tem
sido atribuído ou a uma perversa inversão de prioridades na agenda governamental
ou ao mau sentido de timing dos governantes, que teriam subestimado o potencial
desestabilizador da questão da terra.
11. Esses pressupostos estão claramente indicados, por exemplo, nos trabalhos de
Edgardo Boeninger (1992) e Edmundo Jarquin (1992).
12. Robert Packenham (1973), analisando as doutrinas e teorias por trás dos
programas de assistência técnica e econômica ao Terceiro Mundo, mostra os
pressupostos normativos que conectam desenvolvimento econômico e democracia.
Huntington (1968) critica esses pressupostos, baseado em seu argumento do gap
institucional dos países em desenvolvimento. Ambos reportam-se, extensivamente, ao
trabalho de Louis Hartz (1955), que chama a atenção para o fato de que políticos e
acadêmicos americanos, "handicapped by their happy history" (seu país nasceu com
governo e instituições políticas importadas da Inglaterra do século XVII, com idéias de
igualdade e liberdade individual já bem enraizadas, acreditando que a autoridade
deve ser limitada e o poder descentralizado, em vez de acumulado), são prisioneiros
da tradição liberal. São as seguintes as crenças sobre desenvolvimento político e
econômico, conforme moldadas pela" história feliz" americana e norteadoras da
política de ajuda externa das décadas de 50 e 60: "(1) change and development are
easy; (2) all good things go together; (3) radicalism and revolution are bad; (4)
distributing power is more important than accumulating power" (Packenham, 1973:20).
15. Ver, dentre outros, os trabalhos de Fábio Wanderley Reis (1989a; 1989b; 1994;
1995).
16. No início da década, o Journal of Democracy publica um vivo debate sobre essas
questões envolvendo os atores mencionados. Os artigos estão compilados em
Diamond e Plattner (1996).
17. Bolívar Lamounier, Olavo Brasil de Lima Junior, Renato Lessa, José Antônio
Giusti Tavares, Argelina C. Figueiredo, José Serra, Jairo Marconi Nicolau, Marcus
Figueiredo, Fábio Wanderley Reis estão entre os autores que trataram desses temas.
Embora de grande interesse para a questão da construção da capacidade governativa
democrática no Brasil, o vivo debate que mobilizou o meio acadêmico sobre tipo de
governo, sistema partidário e eleitoral transcende o escopo deste artigo.
18. Embora o orçamento seja, como se sabe, crucial para a viabilização de toda e
qualquer política governamental e o processo orçamentário ilumine muitos aspectos
relevantes das relações Executivo-Legislativo, ele tem características específicas que
o distinguem das demais políticas públicas, na medida em que é sujeito à delimitação
formal de prazos e à utilização de instrumentos e arenas decisórias estabelecidos por
dispositivos constitucionais legais. Criam-se, assim, padrões peculiares de interação
do Executivo com o Legislativo, o que, portanto, não oferece boa base para uma
análise comparativa.
19. O texto a seguir baseia-se, extensamente, em Castro Santos, Rua e Costa Filho
(1992); Castro Santos et alii (1994); e Castro Santos, Rua e Machado (1994).
20. A Constituição de 1988 (art. 103) estabelece quem pode propor Ação Direta de
Inconstitucionalidade: o presidente da República; as mesas do Senado, da Câmara
dos Deputados e das Assembléias Legislativas; governadores de estado; o
procurador-geral da República; a Ordem dos Advogados do Brasil; partidos políticos;
e sindicatos.
23. Embora sem preocupação específica com relação à instabilidade das coalizões de
suporte governamentais, Nicolau (1993; 1996) examina cuidadosamente, na
experiência democrática brasileira pós-1985, as características dos sistemas eleitoral
e partidário brasileiros, procurando avaliar sua relação com a fragmentação singular
deste último. Para o autor, a alta fragmentação partidária, inevitavelmente, leva a
governos de coalizões, até aqui minoritárias, e obriga o Executivo a atrair deputados
ou bancadas de outros partidos para garantir a aprovação de seus projetos.
24. Para maiores detalhes desses episódios, ver Castro Santos, Rua e Costa Filho
(1992) e Castro Santos et alii (1994).
27. Trata-se, basicamente, da hipótese central de Lowi (1964), que relaciona tipo de
política com tipo de arena decisória. Parece, por outro lado, que, por acaso, os dois
estudos de caso selecionados apresentam complexidades extremas quanto à
configuração político-institucional do processo decisório, representando a política
salarial o padrão mais simples, cujo núcleo se repetiria no padrão mais complexo da
política tributária e fiscal, que agrega número muito maior de atores. Uma hipótese
tentativa é a de que o processo decisório das políticas governamentais no Brasil pós-
Constituinte apresentaria padrões de interação entre os poderes constituídos e destes
com os atores sociais cuja complexidade variaria do mais simples (semelhante ao da
política salarial) ao mais complexo (semelhante ao da política fiscal e tributária).
28. Ver Castro Santos, Rua e Costa Filho (1992) para uma análise detalhada desse
assunto.
29. Foram rejeitadas as seguintes MPs: MP 280, que estabelece incentivos fiscais
para a capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária; MP 283, que dispõe
sobre o tratamento tributário aplicável aos Fundos, Sociedades e Carteiras de
Investimentos de que participem, exclusivamente, não-residentes no Brasil; MP 285,
que dispõe sobre a concessão de medidas liminares contra atos do poder público; MP
287, que restabelece alguns incentivos fiscais e retira outros; e MP 289, que propõe
modificação no cálculo, cobrança e sistemática do Imposto Territorial Rural.
30. Ver Castro Santos et alii (1994) para análise detalhada desses aspectos.
31. Existe uma significativa literatura sobre o processo decisório do Estado autoritário
pós-64 que demonstra bem esse ponto. Ver, entre outros, Abranches (1978), Castro
Santos (1993), Paixão e Castro Santos (1988), Martins (1985), Guimarães e Vianna
(1987).
32. Rua (1997) aponta forte vinculação entre os dirigentes do Banco Central e o setor
privado, especialmente o financeiro. Do mesmo modo, as burocracias fazendárias
encarregadas da política de comércio exterior têm se aberto, de forma mais ou menos
institucionalizada, à influência do setor privado, permanecendo, contudo, isoladas da
pressão e controle do processo político pluralista, aí incluídos os checks and balances
do Legislativo.
33. Rua e Aguiar (1995), estudando a política industrial durante os governos Sarney e
Collor, mostram bem o elevado grau de autonomia dos burocratas no que se refere ao
processo decisório dessa política, do qual os políticos são excluídos.