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ARTIGO 63
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Arte
Arte e Ensaios
vol. 26, n. 40,
jul./dez. 2020
Resumo
Palavras-chave
Identidade; Performatividade; A arte da performance;
Visibilidade; Resistência
Abstract
This article analyzes the notions of performativity by giving a brief overview of the emergence
* Professor adjunto na
of black artistic performance in the United States from the 1970s on, problematizing the
área de Artes Cênicas do
Departamento de Artes autobiographical aesthetic experiences in order to show certain experiments that
Cênicas da Universidade contributed to the consolidation of new thoughts about black identity in contemporary
Federal de Ouro Preto.
times. Of course, this work does not seek to draw conclusive results, but rather to
broaden possible discussions about the research object.
PPGAV/EBA/UFRJ Keywords
Rio de Janeiro, Brasil
ISSN: 2448-3338
Identity; Performativity; Artistic performance;
DOI: 10.37235/ae.n40.5 Visibility; Resistance
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Sobre o aspecto das afetações, Cohen (2002) vem defender que a arte
da performance desequilibrou as relações de distanciamento físico e de certo
“conforto” que o espectador possuía em muitas apresentações artísticas tradi-
cionais, forçando o mesmo a repensar o seu lugar perante a arte, a partir do
desconforto das obras que se colocavam à sua frente. Neste sentido, a arte da
performance começou a ser entendida como uma linguagem experimental que
ressignificaria parte da identidade artística do século XX e, por conseguinte, do
século XXI. Desse modo, a arte da performance nasceu da emergência dos
artistas de criarem uma linguagem detonadora de múltiplas sensações, resistindo
aos modelos de artes oficiais. Cohen (2002) salienta que, em seu surgimento a
arte da performance pretendeu atingir o espectador pelo viés visual, descrito por
ele como caráter “não-verbal”, compondo uma obra a partir do discurso corporal
dos performers, em suas diferentes entonações e modos de interagir com
o espectador. Ainda segundo o autor, ao contrariar o teatro tradicional a arte
da performance se estruturou de fragmentos interpostos, dando um caráter de
collage, de arte fragmentada, caminhando além da “linha narrativa”.
Ainda sobre este assunto, a arte da performance foi responsável por
despontar muitos artistas, cujas intencionalidades significaram explorar a
corporeidade imediata, as nuances de seus discursos imagéticos, os limites
físicos, entre outros riscos que impulsionaram diversos artistas/performers.
Desse modo, pode-se dizer que a arte da performance reconfigurou o jogo entre
artista e público, criando novas possibilidades frente à noção clássica e sacramen-
tada de arte, esquematizando uma inter-relação entre o corpo do performer em
cena e a sua identidade, sem seguir os rígidos parâmetros aristotélicos acerca
da noção de personagem (FÉRAL, 2015). Com isto, pode-se ressaltar também
que a arte da performance hipervalorizou a plasticidade das obras em processo
diante do público, visando seduzir o espectador a partir dos subtextos presentes
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Performance e visibilidade
Segundo Marvin Carlson (2010), a partir dos anos 70 surge nos Estados
Unidos e também na Europa, uma ideia de performance com preceitos artísticos
pautados na busca de visibilidade étnico-racial, visando mostrar ao mundo
ocidental as lutas das minorias que resistiram diante do poder hegemônico. Tal
poder era embasado, por sua vez, na ideia de superioridade entre os sujeitos,
baseada, entre outros aspectos, na cor da pele e na inferioridade social de
qualquer menção à ancestralidade africana.
Carlson (2010) define este tipo de performance como “lugar de resis-
tência” do povo afrodescendente em relação à supremacia branca que segregava
as pessoas negras em espaços periféricos, negando até mesmo os direitos civis.
Concomitante a este pensamento, Erik Mac Donald (1993) sugere que a arte
da performance possibilitou dar voz aos sujeitos que, muitas vezes, apareciam
às margens do âmbito social, problematizando e compartilhando as suas dores
que, até então, eram silenciadas por uma soberania patriarcal e branca. A luta
pelos direitos trabalhistas que englobava a luta pela equiparação aos salários
dos “homens brancos”, o descontentamento dos cargos subalternos, geralmente
incumbidos aos povos negros e demais minorias étnicas, além do direito de “ir e
vir” sem o policiamento diário, como também melhores condições de moradias,
e o fim de diversas segregações, foram os principais motivos da inserção de tal
“performance de resistência” no âmbito artístico, refletindo, assim, o desconten-
tamento dos cidadãos.
Inserido neste contexto histórico, o ato de “performar”, possibilitou então,
maior tomada de consciência dos sujeitos sociais exauridos das formas de explo-
ração ocidental que atravessavam os séculos, desde a escravidão até à moderni-
dade. Lembrando que “ter voz” é uma forma de ter “poder” (mesmo que de forma
efêmera) mediante a sociedade (Foucault, 2008), pode-se dizer que os atores
sociais afrodescendentes compuseram desde os anos 70, um encadeamento das
múltiplas falas na sociedade, influenciando a construção discursiva do pensa-
mento ocidental. Neste sentido, Michel Foucault (2008) descreve que a:
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montá-lo. Diante disso, o sentido único de uma obra artística cede espaço para
uma experiência difusa, imediata e urgente.
Desse modo, as obras performativas se apresentam como formas de
escrituras cênicas em constante processo, pois elas não se estancam, ou seja,
as artes de cunho performativo não chegam a um lugar específico, não se
prestam a um fim e rejeitam os desfechos formalistas de uma obra. O que ocorre
fora dos esquemas estruturalistas, o que aparece como lugar instável durante
a ação do performer e o que simplesmente “acontece” em cena passa(m) a ser
valorizado(s) pela performatividade, potencializando a capacidade de percepção
do performer que deseja oferecer ao espectador uma experiência do real. Como
experiência do real compreende-se uma complexidade de ações realizadas pelo
performer que caminham no limite tênue entre a interpretação e a presença
pura do mesmo em cena, na proposição de um jogo com o espectador. Um jogo
repleto de tensões, de incertezas e de lacunas que obscurecem os elementos
próprios do âmbito da teatralidade e da esfera do real, sendo importante
elemento usado por artistas ativistas.
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a atuar como resistência não apenas para o status quo vigente, mas também
entre o próprio meio artístico em que ela estava inserida. Sendo assim, colocar o
sujeito negro como figura central de uma obra, sendo analisado por ele mesmo,
permitiu ampliar a noção deste sobre ser “ativo” dos processos de construção
cênicos, tornando-se objeto de estudo de si mesmo, e não apenas visto como
um ser “folclórico”, “exótico” pelos olhares externos da época. Desta forma, tal
multiplicidade de olhares do sujeito negro sobre si e sobre o mundo contrastava-se
com o lugar da estereotipia dada a ele, interagindo com o público e, assim,
explorando novas possibilidades de discussões acerca das diferentes identidades
que não se afeiçoavam com as construções etnocêntricas apresentadas pela
sociedade:
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Artista off Broadway, participante da Emerson College, Performance Studies.
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Considerações finais
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Referências
DONALD, ERIC. Theatre at the margins: text and pos-strutured stage. Ann Arbor:
University of Michigan, 1993.
FÉRAL, Josette. Além dos limites: teoria e prática do teatro. São Paulo:
Perspectiva, 2015.
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NYMANN, ANN E. Sally’s Rape: Robbie McCauley’s Survival Art. In: African
American Review, New York City: New York University. Disponível em: http://
www.thefreelibrary.com/Sally%27s+Rape%3A+Robbie+McCauley%27s+-
Survival+Art.-a059024879. Acessado em 04 mar. 2020.
Como citar:
GASPERI, Marcelo Eduardo Rocco de. Identidade e resistência: um olhar acerca
da genealogia da arte da performance negra. Arte e Ensaios, Rio de Janeiro,
PPGAV-UFRJ, vol. 26, n. 40, p. 63-75, jul./dez. 2020. ISSN-2448-3338. DOI:
https://doi.org/10.37235/ae.n40.5. Disponível em:<http://revistas.ufrj.br/index.
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