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PRIMAVERA 2014
Nº 290 – R$ 10,00
ISSN 2318-7107
Para o rosacruz, o Natal simboliza a vinda
da Consciência Crística; é o arquétipo da
verdadeira experiência. Sua belíssima história
brota da esperança eterna. A história do Natal
cria fé e desperta amor na consciência do Ser
Humano, que colhe da fonte interior da alma a
força do amor do próprio Deus.
Do mesmo modo que Maria guardava em
seu coração as palavras e as experiências do
Menino Jesus, assim também devemos guardar
em pureza e sinceridade os nossos momentos
mais sublimes de exaltação, amor e iluminação.
O nascimento do Cristo no coração
ocorre no silêncio da eternidade da alma – a
profunda quietude em que todas as faculdades
da natureza humana acham-se equilibradas e
em harmonia com a divindade. Esse momento
é o objetivo de todo o empenho místico.
A consciência do silêncio é produzida pela
quietude da mente que está receptiva a vinda
do Espírito Santo, o Espírito de Deus, que irá
penetrar no coração do Homem e, no ventre
da alma, produzir a Consciência Crística.
Inauguração do Estúdio
Édith Piaf e entrevista
com o Imperator para o
programa Presença
e Harmonia
Inauguração da sede
da OGG – Ordem
Guias do Graal, sala de
recepção, escritório e
Grande Templo
n MENSAGEM
Sincera e Fraternalmente!
AMORC-GLP
06 Tudo melhorou!
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC – Imperator da AMORC
12
OUTUBRO 2014
24 O que é Microfisioterapia?
Por FRANCINE MAYURI SANO
26
34 Gibran, essa voz do Líbano…
Por ATTAR AL-HAFFAR
41 Liberdade!
Por VICTOR HUGO
nossa capa
O Cristograma, também chamado de Lábaro (labarum), é um
monograma de Jesus Cristo. Formado em diversas maneiras a partir
Rua Nicarágua 2620 – Bacacheri das letras gregas Chi (X) e Ró (P), iniciais da palavra Cristo em grego,
82515-260 Curitiba, PR – Brasil
Tel (41) 3351-3000 / Fax (41) 3351-3065
o Cristograma é também um símbolo esotérico para a Consciência
www.amorc.org.br Crística no interior do homem.
Tudo
melhorou!
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC
Imperator da AMORC
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“
nas diferentes funções que exerci,
fui levado a ler milhares de car-
tas e a reencontrar milhares de
homens e mulheres, membros
Sejamos homens
da fraternidade rosacruz ou
não, e dividi com eles dúvi-
e mulheres de boa
das e sofrimentos, mas tam- vontade, para que
bém momentos de alegria e
de esperança. possamos dizer, enfim,
Não sei se tudo isso
me tornou sábio, porque um dia, em toda a
imagino que se eu fosse
sábio minhas reações
verdade, sem cinismo
seriam diferentes face os e sem ironia: ‘Tudo
acontecimentos da vida. Eu
sem dúvida saberia relativizar as melhorou!’
”
provas e olhar o mundo com mais
desprendimento. Este, infelizmente,
não é o caso, pois sempre fui muito
sensibilizado pelo infortúnio dos outros e
pela visão frequentemente apocalíptica das
tragédias das quais são vítimas muitos dos
meus irmãos e irmãs humanos. Os serviços de nossos Estados e de nossas
Um sociólogo afirmou que a época que administrações estão à disposição e a serviço
atravessamos é tão importante, em matéria do povo? Como despertar as consciências e
de mudança de ética, de política, de men- fazer nascer o amor e a coragem no coração
talidade, de cultura etc., quanto aquela que dos homens?
a Europa conheceu no fim da Antiguidade Você tem certamente suas próprias res-
e através do Renascimento. A diferença é postas a essas legítimas indagações que
que agora nosso planeta ficou “pequenino” formulamos enquanto cidadãos do mundo.
e que todos os países e todos os seres hu- Eu nada tenho de um contestador. Sou sim-
manos são afetados. Se as boas invenções se plesmente um militante do direito à vida, ao
propagam rapidamente, o mesmo acontece respeito, à liberdade, à verdadeira justiça e
com as más, e estas não afetam mais um à paz. Então, quem quer que você seja, onde
país ou um povo por vez, mas o conjunto quer que esteja, trabalhe pelo bem de acordo
dos cidadãos do mundo. com suas competências. Trabalhe material-
Ainda há, sobre a Terra, um refúgio mente, fisicamente, moralmente e espiritual
de paz? Por certo, alguns lugares são mais mente onde o “acaso” lhe colocar.
aprazíveis de habitar do que outros, mas por Sejamos homens e mulheres de boa
quanto tempo ainda? Existe um governo no vontade, para que possamos dizer, enfim, um
qual não impere nenhuma forma de corrup- dia, em toda a verdade, sem cinismo e sem
ção? A justiça dos homens é, de fato, justa? ironia: “Tudo melhorou!”. 4
Q
uando Heráclito disse, “Busquei nho que isso aconteça porque eles escreveram
por mim mesmo”, ele produziu há tanto tempo que, pela própria antiguidade,
uma das mais férteis máximas seus ensinamentos parecem ter pouca aplica-
e, no que concerne ao místico, ção para os dias atuais, já que as pessoas estão
uma diretiva para todos os tempos, pois hipnotizadas pelas descobertas e experiências
estudante algum da Senda está totalmente da ciência em todo o campo da vida exotérica.
desperto para o significado dessa busca até Quanto a nós, contemplamos esses pri-
que chega à decisão de buscar por si mesmo. meiros pioneiros do pensamento com reve-
Não importa que ensinamentos sejam rência. E aqueles que atingiram certo estágio
colocados em suas mãos ou que professores em nossos estudos sabem que tudo vem de
ele possa ter tido, vai acabar se deparando lá. Não que maiores ensinamentos e ajuda
exatamente com essa mesma injunção do invisível sejam negados a eles, mas um aspi-
filósofo grego de 500 a.C. rante tem que se voltar para si mesmo para
É surpreendente pensar o quanto os anti- colocar em prática a instrução que recebeu;
gos nos deixaram da verdade interna da vida e e ele acaba percebendo que isso significa
do eu, e quão pouco as gerações que se segui- procurar dentro de si mesmo o caminho do
ram parecem ter-se beneficiado disso. Supo- Mestre, pois existem estágios definidos do
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É possível a
paz na Terra?
Por SERGE TOUSSAINT, FRC – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Francesa
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A Bandeira da Paz
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tos e de guerras. Via de regra esses conflitos
e essas guerras tiveram e ainda têm origem
em interesses econômicos, políticos ou reli-
giosos: apropriar-se dos bens de uma nação;
impor uma outra sua maneira de governar;
converter ao seu Deus uma outra ainda…
Nota-se também que, se as guerras são feitas
geralmente pelos militares ou por pessoas do
povo, são mais frequentemente decididas e
estimuladas por aqueles que justamente diri-
gem o mundo econômico, político ou religio-
so, ficando entendido que muito raramente
eles são vistos no meio dos combates e menos
ainda no front. Mas quer se trate daqueles
que decidem as guerras ou daqueles que as
fazem, todos são seres humanos. São eles en-
tão que são responsáveis pelos horrores que
elas acarretam e não a fatalidade e menos ain-
da o próprio Deus. No entanto, muitas delas
foram realizadas e ainda o são em Seu nome,
o que mostra a que ponto o mero fato de se
crer Nele absolutamente não é um critério de
inteligência e de sabedoria. Todos os fanatis-
“ Admitindo-se
mos e integrismos religiosos são infelizmente
provas disto. Isto posto, a História mostra
também que numerosos conflitos foram e
ainda são causados por ideologias políticas.
que a guerra resulta
Como são os seres humanos que decidem
as guerras e as fazem, pode-se perguntar se o
fundamentalmente
próprio ser humano é um ser agressivo, con-
flituoso e guerreiro. Infelizmente, acho que é
da imperfeição dos
este realmente o caso, pelo menos enquanto
ele age sob a impulsão dos aspectos mais ne-
seres humanos,
gativos do seu ego, os quais correspondem às deduz-se que a
necessidades de possuir, dominar, convencer,
subjugar etc. É verdade que existem fatores paz só pode ser
“exteriores” que favorecem os conflitos, sendo
a pobreza provavelmente o mais importante. o fruto do seu
”
Dito isto, muitas nações pobres não são no
entanto belicosas e, ao contrário, aspiram a aperfeiçoamento.
U
m ancestral é definido como uma exemplos são muitos e variados e seu impac-
pessoa da qual se descende, por seu to depende das crenças e dos preconceitos do
pai ou sua mãe, e a qual é anterior meio. Há coisas que outrora não se faziam e
aos pais ou aos avós. Denomina que era preciso esconder vergonhosamente,
também todos aqueles que nos precederam, mesmo no seio da própria família.
qualquer que seja sua etnia, assim como ain- O passado não pode ser modificado, é
da uma pessoa idosa da dita “terceira idade”. verdade, mas a compreensão daquilo que se
“Não é preciso viver no passado. A verda- passou pode evoluir, com o tempo, e pode
deira vida é no presente!”. Exprimida assim, libertar a consciência no presente. Em certos
essa proposição parece incontestável, pois é casos, uma justa reparação poderá completar
bem no instante presente que se age e é ape- este processo. Aqueles que não puderam levar
nas no presente que se pode criar o futuro, esse trabalho a cabo se viram muitas vezes
tirando-se partido do passado. Todavia, na obrigados a guardar em segredo aquilo que
vida as coisas nem sempre são tão simples. viveram, e não poucos levaram isso consigo
As vítimas de estresse pós-traumático, por “para o túmulo”. É dessa forma que nasce a
exemplo, são duplamente impactadas: uma maioria dos segredos de família. O problema,
primeira vez por ocasião do acidente, de qual- ao que parece, é que o passado delas não pas-
quer natureza que seja, e uma segunda vez no sa! Tudo acontece “como se” a memória do
presente, que não pode mais ser vivido nor-
malmente. Esse tipo de estresse, se hoje é cada
vez mais e melhor cuidado, não o era quase
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estátua ou tabuleta que o representava era
então simplesmente retirada do altar e co-
locada numa caixa prevista para essa finali-
dade. Dizia-se que o ancestral trazia saúde,
prosperidade e sorte à família, ou à cidade,
conforme sua situação. Em nossos dias, seu
culto continua a ser praticado em muitas
regiões ao sul do rio Yangtzé.
Em Madagascar, muitas vezes chama-
da de “ilha dos Ancestrais”, espera-se que
eles abençoem seus descendentes e que
intervenham favoravelmente em suas vidas
cotidianas. Após a morte, o ancestral per-
feitamente integrado ao mundo invisível se
Túmulo tradicional do
s malgaxes torna um novo ser espiritual e eterno. Ele
passa a contar então com um poder sobre-
natural. Liberto do mundo material, ele viaja
finado tentasse se expiar, de diversas maneiras no espaço e tem o dever de visitar os vivos e
e muitas vezes sem que nos demos conta dis- abençoá-los. O ancestral é necessário, pois
so, por meio dos seus descendentes, diretos ou presta serviço aos vivos:
indiretos, em nossa vida cotidiana. A questão
é digna do nosso interesse e nos convida a “Uma criança que não brinca,
olhar ao nosso redor e em outras culturas. Que ele a conduza à classe dos jovens.
Na China, por exemplo, o culto dos an- Um jovem que não se diverte,
cestrais estava tão profundamente implan- Que ele o leve até os velhos.
tado nas famílias que a Revolução Cultural Um velho que não quer falar,
não conseguiu fazer com que desaparecesse. Que ele o recolha para junto dos ancestrais.
Pode-se escrever que esse culto, da Antigui- Um ancestral que não quer abençoar,
dade aos nossos dias, era talvez a única ver- Que o faça produzir batatas!”
dadeira religião chinesa. É preciso distinguir
o culto feito nos campos, cuja organização Há menos de um século, etnólogos pu-
era outrora mais matriarcal, daquele das ci- deram filmar as cerimônias malgaxes com
dades, patriarcais e organizados ao redor do seus cantos e danças bastante complexos, os
senhor considerado como um herói. No pri- quais acompanhavam o erguimento de me-
meiro caso, o respeito aos mortos não che- nires e a construção de túmulos destinados
gava necessariamente a constituir um culto a honrar os defuntos. É tentador estabelecer
a eles. É com o herói, protetor da cidade, que um elo com nossos menires, dolmens e ou-
esse culto se desenvolveu de verdade. tros túmulos que apenas tardiamente ser-
Eram necessários três anos para que viram como sepulturas, tendo inicialmente
um defunto valoroso atingisse o status de sido concebidos como templos.
ancestral pleno e, salvo exceção, ele conser- Na África negra, sobretudo entre os Do-
vava esse status apenas entre uma e quatro gons do Mali, as coisas são diferentes: os
gerações. Depois, tornava a ser um defunto defuntos precisam dos vivos para renascer
ordinário aguardando a reencarnação. A no outro mundo. Há portanto duas cerimô-
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bloqueado num mundo intermediário…
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Esse período transitório faz pensar no
Purgatório das sociedades ocidentais cris-
tianizadas. Algumas famílias mandam rezar
Altar para o Dia dos
missas para seus mortos: depois de uma se- Mortos mexicano
mana, por exemplo, depois de quarenta dias,
um ano etc. Houve mesmo, até o final do
século XX, uma comunidade religiosa única no mundo que rezava pelas almas do Purga-
tório. Ela estava sediada em Notre-Dame-de-
-Montligeon, na Normandia.
Os cultos dos ancestrais era uma prática
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suas comunas e paróquias e editam listas de
nascimento, batismo, casamento e mesmo
de falecimento em atenção dos pesquisado-
res, que são cada vez mais numerosos. Para
melhor se comunicar, elas organizam salões
em que se pode consultar livrarias especia-
lizadas e editores de árvores genealógicas…
Lá se encontram também heraldistas, cartó-
filos, rendeiras, filatelistas e colecionadores
de tudo aquilo que pode ajudar a revalorizar
nossos ancestrais no âmbito daquilo que foi
suas vidas. É nosso jeito moderno de nos
apropriarmos novamente de nossos ances-
trais, sem cultos e nem ritos, de modo bas-
tante prosaico e laico.
Para os Antigos, a residência dos mortos era Uma nova categoria de terapeutas, os
sobre a Terra, daí o uso de túmulos e cavernas… psicogenealogistas, se incumbiu da missão
de ajudar a encontrar, na árvore genealógica,
o ancestral que legou, sem que o saibamos, o
Os homens pré-históricos tinham uma “segredo de família” cuja memória nos inter-
compreensão da morte que nos é difícil de pela. Após haver identificado de qual falecido
apreender com nossos meios de hoje. Pode- se trata, será necessário tentar descobrir seu
mos apenas constatar, desde o Homem de segredo e revelá-lo. Somente assim, através
Neandertal, a existência de sepulturas e de da tomada de consciência em nosso presen-
práticas funerárias elaboradas. O sítio pré- te, que a reparação poderá se produzir. Por
-histórico de Regourdou, por exemplo, vizi- vezes, um rito simbólico a ser imaginado e
nho imediato das cavernas de Lascaux, reve- realizado especificamente ajudará na conse-
lou uma interessante sepultura em forma de cução desse processo.
caixa datando de 70.000 anos. O crânio está Esse verdadeiro inquérito é regido por
ausente e os dois fêmures foram substituídos regras precisas:
pelos de um urso. Seria preciso ver, nesses
ritos antigos, uma maneira de honrar um – O segredo deve ser desconhecido para
membro do clã que era tido como um herói, os descendentes em questão, senão está
ou então a tentativa de se religar (do latim inativo para eles;
religare) graças a ele ao mundo desconhecido
para onde ele teria ido? O uso de cavernas ou – A repetição, de geração em geração, de
de túmulos nos lembra que, para os Antigos, datas de aniversário de nascimento, de
a residência dos mortos era sob a Terra – no acidentes e de mortes é importante e deve
Inferno. Mais tarde, o paradigma cristão os ser pesquisada sistematicamente;
abrigou no Céu.
Há algumas dezenas de anos, a gene- – O mesmo se aplica a acontecimentos no-
alogia se tornou moda, e uma moda que táveis que se produzem numa mesma ida-
dura. Muitas associações, familiares ou não, de de uma geração para outra: nascimento
foram criadas. Elas compilam registros de do primeiro filho, doença, morte etc.
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A consulta a ascendentes, se ainda houver,
pode indicar o bom caminho. Alguns podem
conhecer fragmentos do segredo, circunstân-
cias ou índices que podem nos dar alguma
pista. As verificações cruzadas e as intuições
são importantes… Uma vez que o segredo
é captado, a tomada de consciência libera a
memória ferida ou lesada e libera toda a fa-
mília desse tipo de trabalho inacabado…
É um verdadeiro trabalho de reconhecimento.
À margem de todas essas constatações,
é legítimo formular algumas indagações.
Como compreender ou apenas situar essas
“memórias” que chegam até nós? Esse fenô-
meno parece não ter ligação com a reencar-
nação, uma vez que todos os descendentes de
um determinado ramo podem estar relacio-
nados a ele. Uma personalidade-alma reen-
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Noutra pers- cultura, além disso,
pectiva, alguns elas muitas vezes ne-
místicos puderam cessitam ser confor-
experienciar a tadas em sua impres-
consciência atem- são antes de serem
poral – um estado verdadeiramente
de consciência no reconfortadas pela
qual o passado, o mensagem, tamanho
presente e o futuro é o desconhecimento
se fundem num e a repulsa a esse tipo
eterno presente. O de experiência. A
mesmo se aplica mensagem, em geral
àqueles que foram curta e bem simples,
suficientemente lon- pode ser completada
ge numa experiên- ou substituída por
cia de quase-morte uma impressão sen-
(EQM ou NDE sorial particular que
– abreviação ingle- lhe dá mais credibi-
sa para near-death lidade do que a voz
experience). Eles nos ouvida “em nossa ca-
relatam ter dessa forma beça”. O perfume de uma flor
podido conhecer os futuros possíveis para de que o finado gostava é um grande clássico
si próprios e para seus próximos. e pode se renovar de tempos em tempos.
Por conseguinte, se aquilo que resta da Temos ciência também de casos mais
consciência dos nossos ancestrais se encontra complexos, como aquele contado por Marie
fora do corpo e fora do tempo, é mais fácil Metrailler em La Poudre de Sourire, obra
imaginar que suas lembranças, positivas ou escrita a conselho de Marguerite Yourcenar
negativas, podem causar impressões à cons- e prefaciado por ela. Esse livro, que conta a
ciência de seus descendentes. Naturalmente, vida difícil dos montanheses nos Alpes, fala
isso depende da sensibilidade psíquica destes também das relações de boa vizinhança entre
e, necessariamente, da existência de um elo os aldeões e o “povo pequeno” das fadas, não
harmônico além das gerações, numa mesma mais altas do que os cogumelos, e os gno-
família. Em alguns casos, pessoas estranhas a mos, mas também com os mortos. Ele relata
essas famílias que se propõem a ouvir um dos notadamente a aventura de um jovem pastor
descendentes podem ajudar na compreensão que entabula uma conversa com um ancião
daquilo que ocorre e na solução do problema. sentado à orla de um bosque. Este lhe pede
Outra questão se impõe e é comum a to- que transmita uma informação muito impor-
das as grandes culturas que evocamos: existe tante a uma habitante da aldeia. De regresso
mesmo um modo de comunicação, de qual- à sua casa, o jovem pastor comenta o assunto
quer tipo que seja, entre nossos ancestrais e com sua mãe e eles decidem ir ambos ao en-
nós? Alguns testemunhos permitem pensar contro daquela habitante, uma viúva. Forte-
que sim. Diversas pessoas dizem ter recebi- mente emocionada pela descrição das vestes
do uma mensagem tranquilizadora do pai do ancião, ela confessa com vergonha que o
amado que acabaram de perder. Em nossa havia enterrado com suas velhas roupas usa-
A
Microfisioterapia é uma técni- Tendo conhecimento disso, Benini e
ca criada em 1983 por Patrice Grosjean desenvolveram mapas corporais
Benini e Daniel Grosjean, dois (similares aos meridianos da Medicina
osteopatas franceses que tinham Oriental) que, associados a micropalpações
conhecimentos em embriologia e filogênese e por gestos manuais específicos e suaves em
que, através desses estudos, perceberam que cada camada do corpo, vão permitir a iden-
o corpo tem a capacidade de armazenar nas tificação da causa primária de uma doença
células tudo aquilo que vivenciamos, conse- ou disfunção podendo ter origem em fase
guindo dessa forma se adaptar, se defender e intrauterina, na infância, na adolescência ou
corrigir os agentes traumáticos, emocionais, até mesmo na fase adulta.
tóxicos, microbianos ou ambientais que pos- Através dessa identificação da origem dos
sam vir a afetá-lo. traumas, é possível o desbloqueio dos mesmos
Contudo, existem agressões que são maio- também pelas palpações, que dão ao corpo a
res do que as defesas do nosso organismo. informação de que ele não precisa mais conter
Em consequência disso, os tecidos corporais aquele trauma em determinada memória celu-
são prejudicados, havendo assim a memori- lar. Assim, o próprio corpo automaticamente
zação dessa agressão nas células. A vitalidade entra em processo de liberação (reações), o
do corpo então diminui, gerando desse modo corpo se livra do que deve ser descartado.
doenças que o corpo não consegue eliminar. Consequentemente, o organismo inicia o pro-
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J
á foi dito que há um sermão nas pedras. meio para a sua germinação. Muito antes
Há também histórias nas flores. destas características físicas serem compre-
Os contos que as flores narram são endidas, as flores eram uma fonte de grati-
aqueles que foram primordialmente ficação para os sentidos da visão e do olfato
concebidos pelo homem. Esses contos vie- do homem. O agradável perfume das flores
ram refletir os mais profundos pensamentos representa uma das duas qualidades gerais
e mais transcendentes ideais do homem. do sentido do olfato. As flores, por isto,
Em botânica, uma flor pode ser apenas uma tornaram-se o ideal físico do sentido olfativo
planta, a florescência de uma planta ou o e símbolos de sua satisfação. Um estado har-
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ca (hagadah) segundo a qual a rosa não pos-
suía espinhos antes da queda do Homem.
Nessa mesma lenda, a juventude era descrita
como uma coroa de rosas e a velhice como
uma coroa de espinhos. Conta-se que a
rosa fazia parte da coroa do noivo na antiga
Jerusalém. De acordo com as leis rabínicas
(halakha), o óleo da rosa era extraído e usa-
do pelas classes mais altas, ao invés do óleo
comum. A água de rosas por muito tempo
foi o perfume favorito do Oriente.
No Sepher Har Zohar (Livro da Cabala),
Rosa a rosa representa a comunidade de Israel. Sua
cor, que é vermelha ou branca, faz referência
à severidade e à misericórdia que se alternam
Rosa
na vida de Israel. Suas cinco pétalas aludem
aos cinco caminhos da salvação, bem como
aos cinco portais da graça. Conta-se também
que Maimônides, famoso erudito judeu me-
dieval, usava um preparado de rosas em sua
A Rosa dieta e o recomendava a outros.
Finalmente, os hebreus atribuíam à rosa
Segundo a tradição, os antigos egípcios o simbolismo do Paraíso. O alvorecer é o
usavam a rosa como um símbolo em seus reflexo da rosa do Paraíso, assim como o pôr
ritos e a ela atribuíam uma função sagrada. do sol reflete as chamas do inferno. Uma
Sustenta-se que a rosa era consagrada a Ísis, antiga tradição hebraica diz que oitocentas
a deusa da mãe-natureza, e era um símbolo dessas flores adornam a tenda de cada ho-
de regeneração. Nada há porém, nas inscri- mem piedoso no Céu.
ções antigas, que confirme esta tradição. Haja
vista que, como veremos, o Egito influenciou
fortemente o simbolismo das flores, conside
raremos muito daquilo que hoje se fala sobre
a rosa como se lá tivesse origem.
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”
tação de dança ante os deuses.
Os romanos reverenciavam a rosa dando, seus espinhos.
em sua homenagem, seu nome a um festival
estadual. Rosalia, ou o Festival da Rosa, era
realizado em memória dos mortos. As cata- rosas era suspensa no teto das salas de banque-
cumbas de Roma tornaram-se símbolo da tes, em reuniões secretas, como um lembrete
esperança da bem aventurança futura porque para não se divulgar o que fosse conversado
os que estavam ali sepultados abrigavam tais em nenhum lugar. Talvez a rosa tenha se tor-
ideias quando em vida. Subsequentemente, o nado símbolo do silêncio porque ela encerra
desenho de rosas nos túmulos veio a repre- dentro de suas pétalas a fonte de sua fragrância
sentar o Paraíso ou a vida futura. e alguns de seus mais belos matizes, mostrando
Entre os muitos títulos dados à Virgem assim que a virtude e as nobres intenções de-
Maria nos tempos medievais, encontramos vem ser cuidadosamente protegidas.
o de Santa Maria della Rosa. Por estar a rosa Michael Maier, Grande Mestre da Ordem
consagrada a ela, tornou-se na Idade Média o Rosacruz da Alemanha no século dezesseis,
símbolo da virgindade. Dante escreveu: dava grande valor ao significado místico da
“Aqui está a rosa, onde a Palavra Divina rosa. Ele falava da rosa como a mais bela e
se fez encarnada”. mais perfeita flor, protegida, como uma vir-
O Naometria, publicado em 1614 por gem, por seus espinhos. Também dizia que
Simon Studion, um rosacruz, era uma crôni- ela existia em grande quantidade no Jardim
ca do primeiro conclave da Militia Crucífera da Filosofia, sendo isto um “nome poético
Evangélica, levado a efeito em 27 de julho de para a Ordem da Rosa-Cruz”. Afirmava que,
1586. Esse conclave era formado principalmen- assim como a rosa natural é encantadora e
te por rosacruzes para proteger a cruz e para perfumada, assim a rosa filosófica inebria o
evitar que ela se transformasse num instru- coração e dá força ao cérebro. Assim como
mento para a perseguição daqueles que não se a rosa real se volta na direção do Sol, ou se
conformavam com o catolicismo romano. O revigora com a chuva, assim a rosa metafísica
Naometria faz referência ao significado místico se nutre da luz até alcançar a perfeição.
da rosa. De fato, na página 271 do livro há uma Os alquimistas rosacruzes frequente-
ilustração da “Junção da Rosa com a Cruz”. mente associavam a palavra rosa com o
Acompanhando essa ilustração há a frase latina orvalho, uma vez que a palavra latina rosa
“Hierichuntis Rosa ex quotuor ins Partes”. é semelhante à palavra rocio, que significa
A expressão sub rosa (sob a rosa) vem do orvalho. A rosa colocada no centro da cruz,
fato que a rosa foi por muito tempo símbolo que representava para os alquimistas as qua-
do silêncio entre as escolas místicas da Idade tro principais manifestações da natureza (ou
Média. Nos primeiros séculos, após o advento seja: ar, terra, fogo e água) tornou-se o sím-
do Cristianismo na Alemanha, uma coroa de bolo da regeneração.
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Criação
ras. No Atharva-Veda, o coração humano simbolizava nascimento sobre-humano
é comparado ao lótus. É mencionado em ou divino. Não podemos deixar de notar a
outro lugar como “a flor nascida da luz das semelhança no simbolismo da flor do lótus
constelações”. na Índia e no Egito. Embora os arianos,
em sua migração para o sul, da Europa e
“ Eu sou o lírio
tibetana há referência a três divindades do
lótus. “A ordem das deidades do lótus re-
presenta os princípios deificados de certas
funções dentro de nós”. Em outras palavras,
puro, proveniente do
as deidades do lótus são somente símbolos Lírio da Luz. Eu sou a
esotéricos de certas faculdades humanas.
No Dhammapada (O Caminho da Lei) há fonte da iluminação
um capítulo sobre o simbolismo das flores
e sua relação com as virtudes e fraquezas e transmito o sopro
de imortal beleza.
”
humanas. Não existe, no entanto, qualquer
referência especial ao lótus.
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N
a longa Saga Rosacruz mui-
tos foram e são escolhidos
pelo Cósmico para ocupar
as primeiras posições – a li-
nha de frente da Ordem. Tais posições
de destaque não constituem, como se
pode pensar a priori, algo repleto ex-
clusivamente de felicidade, mas acar-
retam frequentemente (e talvez mais
do que frequentemente) dor, sacrifício
e, em alguns casos, até injustiça. Sem-
pre foi assim, em todos os tempos,
com aqueles que aceitaram empunhar
o archote da Luz Esotérica.
Com estas linhas queremos prestar
nossa reverência a um desses vence-
dores da Rosa+Cruz, recentemente
elevado ao Cósmico pela Grande Ini-
ciação após toda uma vida de luta pelo
Ideal amado: o Frater Charles Vega
Parucker. Alguém que tudo fez, arris-
cou e sacrificou pela missão que lhe foi
confiada, beneficiando por 26 anos de
Inauguração da Morada do Silêncio Frater Charles e o Imperator numa Convenção da Ordem Juvenil
Espaço de Arte Francis Bacon (1997), da Frater Charles foi ainda Grande Mestre
Escola Rosacruz de Educação Integrada- da Grande Loja de Língua Hispana para
-ERCI (2000), a reforma e a ampliação das as Américas e seu Diretor-Presidente, au-
instalações da Grande Loja (gráfica, prédio xiliando e orientando a sua estruturação
administrativo e Auditório H. Spencer até que a mesma pudesse ter um Grande
Lewis), a aquisição de um terreno em área Mestre próprio.
urbana para futura expansão e aproveita- Desde a assunção do Frater Christian
mento das atividades da GLP, e aquela que é Bernard como Imperator da AMORC, em
considerada a sua maior obra – o seu maior 1990, este confiou muito na experiência
legado à AMORC: a Morada do Silêncio – exitosa e na lealdade do Frater Charles,
Chaminé da Serra, em Quatro Barras-PR delegando-lhe diversas missões e honran-
(1995), única do gênero e que em 2015 com- do-o com sua estreita amizade pessoal.
pletará 20 anos. Graças a seus inúmeros talentos, Frater
Frater Charles também organizou e Charles assumiu, diversas vezes, o cargo
acompanhou diversas viagens místico- de Vice-Presidente mundial da AMORC,
-iniciáticas ao Egito, Europa e Peru e foi deixando-o em 2013.
na sua gestão que o Martinismo templário Admirado em vários países e respeitado
foi introduzido no Brasil, com a instalação dentro e fora da AMORC por suas capa-
da Grande Heptada de Língua Portuguesa cidades profissionais e atuação altruística,
em 1993, tornando-se rapidamente a maior Frater Charles recebeu inúmeras honrarias
Grande Heptada do mundo em número de durante sua vida, entre elas a de Cidadão
Organismos Afiliados. Honorário da Cidade de Curitiba, em 24
Frater Charles Vega Parucker foi também de abril de 2008. Foi laureado perante uma
um grande incentivador das atividades da audiência de aproximadamente 220 pes-
Ordem Rosacruz Juvenil e sob sua supervisão soas, rosacruzes e amigos de várias partes
muitas Convenções Nacionais dessa Ordem do Brasil, toda a diretoria da Grande Loja e
ocorreram, propiciando congraçamento, alegria personalidades dos setores público e priva-
e enlevo aos jovens rosacruzes. Também surgiu do da cidade. Sempre recebeu todos esses
sob sua gestão o Centro Cultural AMORC, em títulos em nome da AMORC e do serviço
1991, objetivando reunir um feixe contínuo de que nela prestava.
atividades de âmbito místico, filosófico, cien- Frater Charles escreveu três livros, hoje
tífico e artístico, de modo a contribuir com o disponíveis na Biblioteca Rosacruz: “Você
embelezamento do espírito humano. Mudou?”, “Momentos de Reflexão” (com
Pelos laços
Frater Charles Vega da Ordem
Parucker será sempre
lembrado por todos Por MERCEDES PALMA PARUCKER, SRC
aqueles que o conhece-
ram como um infatigável
U
e fiel lutador do Ideal m laço branco foi selado por uma chama, unindo
Rosacruz, cumprindo duas vidas e fazendo de dois caminhos um só. Era
seus deveres de forma um casamento e um compromisso rosacruz marcando
irretorquível, com muita o início de um serviço que decidimos levar avante jun-
competência e exatidão. tos. E assim se fez.
Seu trabalho em prol Nosso convívio
da AMORC está inde- foi um permanente
levelmente registrado aprendizado, um
nos anais cósmicos e companheirismo
terrenos, perpetuando-se que ultrapassou os
na egrégora rosacruz. A interesses pessoais
Grande Loja de Língua em favor do rosacru-
Portuguesa permanece cianismo. Fizemos do
Servir um ideal único
como um reflexo tangível
que nos fortaleceu e
do seu brilhante trabalho. encorajou, dando-nos
Logo que assumiu o o necessário ânimo
cargo de Grande Mestre, para prosseguir até a
o Imperator da AMORC, conclusão da tarefa.
Ralph M. Lewis, fez- Concluída sua
-lhe um pedido: “Frater missão, Charles foi gradativa e conscientemente en-
Charles, cuide bem da trando num tranquilo silêncio e apaziguando sua men-
nossa Ordem.” E assim te. Passou os últimos anos de sua vida buscando trans-
ele fez, até seu último cender a superficialidade da matéria, sempre almejan-
dia de serviço. do encontrar valores místicos ainda mais elevados.
Obrigado, Frater Numa calma e ensolarada manhã de Primavera, ele
Charles, por tudo o que foi chamado a partilhar a Paz Profunda junto a tantos
fez pela nossa amada outros que o precederam na Pátria dos Bem-Aventu-
Ordem! Parabéns pela rados. A Rosa de sua grande Alma deixou a Cruz e foi
sua dedicação, fidelidade morar no Jardim Cósmico.
e pelo exemplo que deu Como legado deixou o exemplo de uma vida ínte-
gra, de seu modo transparente de ser, de sua total de-
a todos nós! Possa sua
dicação ao próximo e à família. Também pelo exemplo
alma descansar nas esfe-
ensinou que a beleza está contida na simplicidade e
ras de luz, preparando- que a vida consiste em nascer, servir e partir.
-se para sua próxima Que sua carinhosa lembrança possa guiar nossos
missão, pois esta, a que passos para que a Rosa de cada um de nós continue a
recentemente terminou, desabrochar com o mesmo frescor que o animou du-
foi uma Missão Cósmi- rante os 54 anos de afiliação rosacruz.
ca Cumprida! Que sua alma, Charles, permaneça na plena Luz e
Assim Seja! que agora, na nova e abençoada Morada, você encon-
tre a sua merecida recompensa.
Que Assim Seja! 4
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Por que privas da vida esses seres viventes?
Homem, tu crês que Deus, o Pai, faria nascer
Asas p’ra que à janela as fosses suspender?
César, personagem
do filme O Planeta dos
Macacos: O Confronto –
Copyright 20th Century Fox
OUmaAnimal
consciência
silenciosa
Por JEAN-GUY RIANT, FRC
A
dificuldade em saber se o animal podendo existir senão se comparado com o
possui de fato uma consciência outro, o que levou certos autores a escrever
é uma questão tão antiga quanto que “sem os animais, o mundo não seria
a própria humanidade. O ho- humano”. Essa dicotomia profunda entre
mem jamais gastou tanta energia e jamais humanidade e animalidade tem sua fonte
demonstrou tanta vontade quanto para se naquela época. Procura-se diferenciar de
soltar de sua hipotética condição animal e, maneira absoluta o homem da besta, a civili-
paradoxalmente, jamais conseguiu se sepa- zação da barbárie e a “humanidade” daquilo
rar daquele que foi o companheiro de toda a que chamaremos de “animalidade”.
a civilização humana. Esse elo ancestral que As religiões monoteístas acentuarão por
fascina pensadores de todos os tipos, sejam sua vez essa tendência sacralizando o homem
eles filósofos, cientistas ou até mesmo teó- sem levar em conta por vezes a Criação. Ne-
logos, legou uma literatura abundante, por nhum versículo, a não ser o do Gênese bíbli-
vezes milenar, sobre o assunto da consciência co (Gn 1, 28), proporcionou tantas desculpas
animal, ponto principal que nos preocupa para os comportamentos mais inumanos
aqui. O animal sofre? Ele pensa? Pode refle- para com os animais. Lá está dito de fato que
tir? Pode sentir emoções? Está consciente da “Deus os abençoou [Adão e Eva] e lhes disse:
morte – ou de sua morte? sede fecundos e prolíficos, cobri a terra e a do-
Entre os povos primitivos – no sentido minai; subjugai os peixes no mar, os pássaros
de “primeiros”, e não de “subdesenvolvidos” no céu e todos os animais que se movem sobre
– o animal possui, se não uma alma, ao a terra”. Porém, muitas outras passagens
menos uma mente. É algo inconcebível para insistem na sabedoria animal. Nessa concep-
esses povos que o animal não seja um ser ção de sabedoria, a inteligência é absoluta: o
pensante. Estes seres misteriosos de pelos, animal nasce perfeito? Sim, de acordo com
penas ou escamas dão prova de tal inteli- os jesuítas, que inventaram a expressão “de
gência e tanto fascinam por suas aptidões instinto”, para não dizer que o animal era
que perturbam o homem em sua natureza inteligente, ou – suprema blasfêmia – cons-
mais interior e mais sagrada num magnífi- ciente. E sim também de acordo com René
co elo místico por natureza. Descartes, rosacruz que, querendo devolver
Entre os gregos antigos, essa questão da ao homem seu justo lugar numa Europa in-
consciência fascinava e animava os debates quietante e inquisitória, tentou mais uma vez
filosóficos, causando até mesmo repercussões efetuar a comparação, desta vez de ordem
sociais. Logo, era necessário definir o ani- metafísica: o homem é o pensamento, origi-
mal para saber quem era o homem, um não nando a palavra articulada.
primatologista célebre mundialmente, fez Foi observado que, muitas vezes, gazelas se
nos anos 1980 a seguinte observação, que ela amontoavam, arriscando suas próprias vidas,
hesitou em tornar pública, tamanha a pertur- parecendo fascinadas em contemplar um
bação que ela lhe provocou: leão devorando uma de sua espécie.
Todavia, a percepção da morte como mu-
Chimpanzés patrulhavam e velavam cio- dança de estado existe entre muitos animais,
samente pelo território de sua colônia. Um e especificamos mais uma vez que isso não
dia, um casal de chimpanzés estranhos ocorre unicamente entre os mais evoluídos.
à comunidade, tendo penetrado na zona As formigas, por exemplo, possuem no formi-
proibida, foi violentamente agredido. A gueiro uma câmara especial na qual deposi-
fêmea conseguiu escapar, refugiando-se no tam os cadáveres de suas congêneres. Não há
alto de uma árvore. O macho foi morto sem cultos observáveis, mas qual seria portanto o
cerimônias. Esta foi a primeira vez em que interesse evolutivo de se conservar os cadá-
o homem constatou no meio animal uma veres? Por que não se livrar deles no exterior
“deformidade” das especificidades “huma- do formigueiro? Os elefantes acompanham
nas”: o assassinato. E para perfazer a situa- seus mortos e conhecem um ritual fúnebre
ção, atraído pelo ruído do tumulto, o macho particularmente emocionante. Os macacos
dominante, vendo a fêmea, manifestou-se também fazem rituais e cobrem o corpo com
ruidosamente. Esta, descendo da árvore, fez galhos. As baleias ajudam até o último suspiro
o gesto de amizade e de submissão e ten- as suas congêneres no fim da vida e as man-
tou um abraço de reconciliação. O macho têm na superfície. Destacamos assim a grande
dominante se afastou violentamente dela e, emoção sentida pelos animais sabendo da
tomando uma folha de árvore, raspou pre- morte de seu mestre, indo até a tumba e por
cisamente o local em que havia sido tocado vezes mesmo deixando-se morrer também.
pela fêmea desconhecida… Uma primeira Tratamos até esse momento da morte do
forma de hostilidade? A fêmea porém, após outro. Mas poderia o animal ser consciente
diversas tentativas, foi finalmente admitida de sua própria morte? Para responder essa
no clã e não foi morta. Quando a consciên- pergunta seria necessário que penetrássemos
cia se afina, como no caso dos macacos, a a mente de um animal. Isso é materialmente
escolha se impõe a nós. impossível, contudo através da linguagem
isso poderia ser concebível. No momento, os
Terminaremos esse estudo com a consci- únicos animais capazes de se comunicar com
ência da morte entre os animais e o possível
nascimento do sagrado entre eles. Por muito
tempo também, e porque o homem honra
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Este não é o único caso espontâneo conhe- Essa proximidade emocional partilhada
cido que possa deixar presumir a consciência com os animais nos conduz irremediavel-
da morte num animal: é também conhecido mente à questão do sagrado. É bastante
agora o do gorila-de-dorso-prateado Michael, extraordinário ver que certos animais, como
órfão que foi criado com Koko. Perguntado os ursos por exemplo, ou os grandes símios,
sobre sua mãe, ele evocou a lembrança que permanecem por horas diante de um pôr-
tinha do seu massacre por caçadores na flo- -do-sol ou de uma belíssima paisagem,
resta africana quando era bebê, explicando: igualmente hipnotizante para o homem.
“desordem-[para]-carne-gorila, fazer careta- Esses animais possuiriam uma noção de
-batalha, gritar-de-dor, tumulto-ruidoso, estética? Essa contemplação produziria na
terror-mágoa-enfrentar-fazendo careta, cortar- consciência animal uma intensa emoção de
-o-pescoço, boca-mãe-[ficar]-aberta” (tradução beleza? Esse breve momento de harmonia
aproximada da ASL – Linguagem Americana exterior convocaria a harmonia da consci-
de Sinais). Relata-se por outro lado que quan- ência interior a se manifestar?
do os caçadores africanos penetram uma flo- Muitos pontos diferentes foram aborda-
resta e se deparam com uma mãe chimpanzé dos nesse texto, porém há outros que merece-
com seu filhote, caso o homem esteja armado, riam ser ditos ou salientados. Muitos de nós
ela coloca espontaneamente o pequeno à sua certamente vivenciamos momentos intensos
frente: estaria ela consciente do perigo de sua com os animais e deles temos compreensões
morte e, caso estivesse, esperaria a compaixão distintas. Cada qual é livre para formar suas
do caçador? Se for este efetivamente o caso, opiniões a esse respeito. 4
então as emoções que ela evoca são as mes-
mas no chimpanzé e no homem. Tradução: Raul Passos, FRC
“Olha teu cão nos olhos e não poderás afirmar que ele não tem alma”.
– Victor Hugo
A história de
Hermann Hesse
Por DAVID KARIUKI, FRC
Q
personagem de um dos primeiros livros de
uem são aqueles que viajam Hesse – Sidarta. Uma ramificação do grupo
para o Oriente? Onde começa parte numa peregrinação ao “Oriente” em
sua jornada? Por que eles fa- busca da “Verdade”. O narrador fala de via-
zem essa viagem e qual o seu gem através do tempo e do espaço por uma
objetivo? Essas perguntas irão se impor ao geografia imaginária e real.
longo da leitura daquele livro. O próprio Embora num primeiro momento alegre e
Hesse disse que, entre outras coisas, ele trata esclarecedora, a Viagem entra em crise numa
do isolamento e da aflição sentidos por um profunda garganta de montanha chamada
espiritualista. É sobre a ânsia de servir e o Morbio Inferiore quando Leo, aparentemente
pertencimento a uma comunidade. Outro um simples servo, desaparece, fazendo com
motivo central é a busca árdua pela matu- que o grupo descambe em ansiedade e dis-
ridade moral e espiritual. O estudante rosa- cussão. Leo é descrito como sendo feliz, sim-
cruz encontrará temas familiares a si a partir pático, bonito, amado por todos e tendo uma
de sua própria jornada ao longo da senda. relação com os animais. Para um leitor escru-
Aqueles que já foram mais adiante na puloso, ele parece uma figura mais importan-
senda encontrarão similaridades entre a te do que um simples servo, porém ninguém
viagem ao Oriente do livro de Hesse e a na peregrinação, inclusive o narrador, parece
simbólica jornada interior encontrada no perceber isso. Tampouco ninguém parece se
Fama Fraternitatis, o primeiro dos diversos perguntar por que o grupo se dissolve em
Manifestos Rosacruzes que apareceram na discórdia e picuinhas após o desaparecimen-
Europa a partir de 1614. Hesse menciona a to de Leo. Ao contrário, eles acusam Leo
Terra Santa, Damasco, a África, a princesa de ter levado consigo diversos objetos que
Fatima e a tumba do Profeta, ao passo que aparentemente estão faltando, todos os quais
no Fama encontramos menções a Damasco reaparecendo mais tarde. Eles inicialmente
e à tumba do Frater C. R. Todavia, a própria consideram esses itens como muito impor-
história parece se desenrolar fora do tempo
e do espaço e é focada no empenho humano
por transformação espiritual.
Alguns dos membros da “Confraria”, seita religiosa presente na obra de Hermann Hesse
geográfico. Era também o lar e a juventude da Mágico de Stocklin; fomos hóspedes do Templo
alma. Estava em toda parte e em parte nenhu- Chinês, com seus vasos de incenso reluzindo
ma. Era o conjunto de todas as eras. Contudo, sob a Maja de bronze, onde o rei negro tocava
sentia-me assim por breves instantes, daí o docemente sua flauta no tom vibrante do gon-
motivo de minha enorme felicidade então. go do templo. Encontramos, no sopé das Mon-
Mais tarde, quando a perdi, compreendi cla- tanhas do Dol, Suon Mali, uma colônia do Rei
ramente tais ligações, sem delas tirar o menor do Sião, onde, por entre os Budas de pedra e
proveito ou satisfação. Quando perdemos algo bronze, oferecemos libações e incenso em agra-
precioso e irrecuperável, temos a sensação de decimento à hospedagem.
haver despertado de um sonho. E isto se deu, Uma das mais belas experiências ocor-
em meu caso, de maneira estranhamente pre- reu durante as celebrações da Confraria em
cisa, pois na verdade minha felicidade nasceu Bremgarten; o círculo de magia cercou-nos
do mesmo segredo da felicidade dos sonhos; então de maneira envolvente. Recebidos por
nasceu da liberdade de experimentar simul- Max e Tilli, os senhores do castelo, ouvimos
taneamente tudo que imaginava, viver no Othmar executando Mozart no grandioso
mundo interior e exterior, manipular Tempo e piano do imenso salão. Os jardins estavam
Espaço como os cenários de uma peça teatral. povoados de papagaios e outros pássaros
À medida que nós, membros da Confraria, falantes. A fada Armida cantava à beira da
percorríamos o mundo sem automóveis e na- fonte. Com os fartos cabelos anelados, a cabe-
vios, conquistando os países arrasados pela ça do astrólogo Longus inclinava-se ao lado
guerra com a nossa fé, transformando-os em da amada figura de Henry de Ofterdingen.
paraíso, transportávamos o passado, o futuro e Os pavões faziam-se ouvir no jardim e Luís
o irreal para o momento presente. conversava em espanhol com o Gato de Botas.
Encontrávamos com frequência, na Suábia, Hans Resom, agitado após espreitar no jogo
em Bodensee, na Suíça, por toda parte, pessoas de cabra-cega da vida, jurava fazer uma pere-
que nos compreendiam ou que, de certo modo, grinação ao túmulo de Carlos, o Grande. Este
sentiam-se gratas pela existência da Confra- foi um dos períodos de ouro de nossa viagem;
ria, de nós e de nossa Viagem ao Oriente. Por acompanhava-nos um fluxo de magia que
entre as linhas férreas e ladeiras de Zurique tudo purificava. Os habitantes ajoelhavam-
encontramos a Arca de Noé, guardada por -se para adorar a beleza e o senhor do castelo
velhos cães que atendiam todos pelo mesmo recitou um poema que narrava nossos feitos
nome e que foram conduzidos sobre as águas do dia precedente. Os animais da floresta
rasas de um calmo período por Hans C. até o rondavam o muro do castelo e peixes cintila-
descendente de Noé, o amigo das artes. Segui- vam nas águas do rio, em cardumes agitados,
mos para Winterthur, penetrando no Armário alimentando-se de bolos e vinho.
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res detalhes e acrescentariam os seus, ainda
mais belos. Jamais esquecerei o brilho mortiço A Arca de Noé
da cauda dos pavões sob o luar, surgindo en-
tre as árvores altaneiras, nem as sereias que
emergiam cintilantes, com o corpo prateado,
nas margens sombrias, por entre as rochas. haver passado meses sob aquelas profundezas
Dom Quixote, de pé sob a castanheira ao lado cintilantes; contudo, ao subir à tona e nadar
da fonte, em sua primeira vigília noturna, para a margem, inteiramente revigorado,
enquanto as derradeiras velas romanas do ainda podia ouvir Pablo tocando o órgão no
espetáculo pirotécnico caíam suavemente sob jardim e a lua ainda brilhava alta no céu. Vi
as torres do castelo, e meu companheiro Pablo, Leo que brincava com dois poodles brancos, o
ornado de rosas, tocava o órgão persa para as rosto infantil irradiando felicidade. Encontrei
donzelas. Mas – ah! – quem poderia imaginar Longus sentado no bosque. Escrevia caracteres
que o círculo de magia seria rompido tão cedo? gregos e hebraicos em um livro que colocara
Que todos nós – e também eu, até eu – nos sobre os joelhos; das letras pareciam saltar
perderíamos nos insondáveis desertos da rea- dragões e serpentes coloridas. Ele não me fi-
lidade planejada, exatamente como os funcio- tou; continuou pintando, absorto na escrita
nários e ajudantes de lojas que, após uma festa serpeante. Permaneci longo tempo observando
ou um passeio dominical, voltam à rotina de o livro por sobre seus ombros curvados. Vi as
mais um dia de trabalho. serpentes e os dragões que nasciam de suas
Nenhum de nós abrigava tais pensamentos mãos turbilhonar e desaparecer em silêncio,
àquela época. O aroma dos lilases nas torres na direção do escuro bosque. – Longus, meu
do castelo de Bremgarten penetrava em meu prezado amigo! – murmurei. Mas ele não me
quarto. Podia ouvir o rio correndo por sob as ouviu, tão distante estava seu mundo do meu.
árvores. Saltei a janela e penetrei na noite, Um pouco além, sob as árvores iluminadas
embriagado de felicidade e ternura. Passei fur- pelo luar, Anselmo passeava com uma íris nas
tivamente pelo cavaleiro de guarda e os con- mãos; fitava, sorrindo, absorto em seus pensa-
vivas do banquete, alcançando a borda do rio mentos, o purpúreo cálice da flor.
com suas mansas águas, e as alvas e reluzentes Voltei a impressionar-me de maneira um
sereias. Fui por elas transportado à sua fria, tanto dolorosa com um fato que observara di-
enluarada e cristalina morada, onde brinca-
vam languidamente com coroas e correntes
douradas de seu tesouro. Tive a sensação de
versas vezes durante a viagem, sem que pudes- amamentá-los e torná-los belos e fortes, elas
se refletir profundamente a respeito, nos dias próprias passam à insignificância e ninguém
que passamos em Bremgarten. Havia entre mais por elas se inquieta.
nós muitos artistas, pintores, músicos e poetas. – Mas isto é muito triste – disse eu, sem
O ardente Klingsor, o irrequieto Hugo Wolf, refletir profundamente sobre o fato.
o taciturno Lauscher e o alegre Brentano lá – Não creio que seja mais triste que tudo o
estavam – mas, apesar de pessoas agradáveis mais – retrucou Leo. – Talvez seja triste e ao
e entusiasmadas, notei que, sem exceção, seus mesmo tempo belo. A lei assim o determina.
personagens imaginários eram mais vivazes, – A lei? – indaguei, curioso. – De que lei
belos, felizes e por certo mais perfeitos e reais está falando, Leo?
do que os poetas e seus próprios criadores. – A lei de servir. Quem desejar viver muito
Pablo irradiava inocência e contentamento deve servir, mas aquele que desejar governar
com sua flauta, mas seu poeta desvaneceu-se não viverá por longo tempo.
como uma sombra na direção do rio, quase – Então por que tantas pessoas lutam para
transparente sob o luar, buscando a solidão. governar?
Hoffman, cambaleante em virtude da bebida, – É que elas não compreendem. São poucos
corria por entre os convidados, falando muito, os que nascem para governar: estes vivem
com sua figura pequena e travessa, também sempre felizes e saudáveis. Todos os demais
me parecendo, como os demais, um tanto irre- que se tornam senhores através do esforço
al, quase ausente, como se não fosse palpável morrem sem nada.
e verdadeiro. O arquivista Lindhorst, simu- – Como nada, Leo?
lando uma luta com os dragões, lançava fogo – Em um hospital, por exemplo.
pelas narinas, como uma máquina a vapor. Não consegui compreendê-lo muito bem,
Indaguei a Leo, o criado, por que os artistas mas suas palavras ficaram-me na lembrança
geralmente pareciam semi-existir, ao passo e me fizeram julgar que Leo sabia todas as
que suas obras permaneciam tão incontesta- coisas, talvez mais do que nós, ostensivamente
velmente vivas. Leo fitou-me com surpresa, seus senhores.4
Deixou então escapar-lhe das mãos o cãozinho
Nota: 1. Excerto extraído de HESSE, Hermann – Viagem ao
com que brincava e respondeu: – Acontece o Oriente; tradução de Leda Maria Gonçalves Maia. 4ª edição.
mesmo com as mães. Ao gerarem os filhos, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.
“Você sabe muito bem, lá dentro de si, que existe apenas uma única magia,
um único poder e uma única salvação, e que se chama Amor”
– Herman Hesse
S.I.
Fonte: Revista “O Pantáculo”, ano XI, nº 11 – edição 2003.
A
humanidade recebe de tempos em tempos personalidades-alma
que são “divisoras de águas”, ou seja, o mundo é um antes delas e
outro após elas.
Como verdadeiros mensageiros de Luz a serviço da humanidade, esses
seres receberam do Cósmico a missão de causar uma forte influência na
sociedade em que estavam inseridos, recebendo postumamente o reconhe-
cimento de sua visão, liderança e iluminação que abrangeram todo o nosso
mundo. Vieram para mudar, romper paradigmas e deixar os seus pensa-
mentos, palavras e ações como exemplos de seres humanos especiais.
Esta capa da revista “O Rosacruz” é dedicada a estes Seres de Luz
que, como Mestres, nos ensinaram o Sentido da Vida.
“Há um caminho, íngreme e espinhoso, envolto em perigos de toda espécie, mas ainda assim um
caminho, e que leva ao próprio coração do Universo. Para aqueles que prosseguem vitoriosos há
uma recompensa indescritível – o poder de abençoar e salvar a humanidade; para aqueles que
falham, há outras vidas na quais o sucesso pode vir.”
– H. P. Blavatsky