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Filomena Santos
Resumo: Este artigo apresenta os principais resultados de uma investigação que teve como
objectivo a análise das representações de homens e mulheres sobre a infidelidade conjugal e a relação do
casal em diferentes grupos sociais. Analisam-se os resultados de dois estudos: o primeiro, baseado na
associação livre de palavras, utilizou, na análise das representações, uma perspectiva teórica que relaciona
modelos ou tipos de conjugalidade com classes sociais e género; o segundo, que teve como suporte
empírico 24 casos ou histórias narradas, coloca o enfoque na assimetria dos juízos avaliativos e processos
de atribuição de causas aos comportamentos de infidelidade, perspectivados em função das
representações, amplamente consensuais, que os homens e as mulheres têm do masculino e do feminino, e
da sua adequação à própria identidade sexual e social, em termos de classe, dos indivíduos. A análise das
diferenças entre os sexos, é orientada segundo a hipótese da dominância simbólica do género masculino.
Conclui-se pela necessidade de articulação dos conceitos de género e classe social, isto é, para a
necessidade de considerar o efeito acumulado das representações associadas a diferentes contextos de
pertença.
1. INTRODUÇÃO
poderá constituir um forte indicador das transformações nos valores, atitudes e padrões
de comportamento face ao casamento e face aos papeis sexuais e, a um nível mais geral,
Apresentam-se neste texto, alguns resultados de uma investigação que teve como
relação do casal.
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Em termos teórico-metodológicos, a pesquisa abrangeu dois estudos.
família, o maior apego a valores como a fidelidade do casal e a valorização dos seus
avaliativa ou moral dos juízos sobre a infidelidade, bem como a atribuição de causas ao
em termos de uma assimetria nos recursos simbólicos que os homens e as mulheres têm
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limites da «feminilidade», definida em função da reprodução biológica e das relações
afectivas. Considerou-se ainda para efeitos deste estudo, que diferentes identidades
mulheres julgam adequados ao seu sexo, quer através das imagens que transmitem de si
próprios nas interacções sociais, os quais contribuem, por sua vez, para actualizar as
feminino.
População e Método
escolaridade.
Foi usado um protocolo que para além dos elementos de caracterização dos
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/ infidelidade conjugal ) o que é que lhe vem à ideia ? ». Pedia-se às pessoas para
grupo social, sexo, e grupo social x sexo, utilizando o programa informático SPAD
(Texto) para o tratamento dos dados. A representação gráfica dos campos semânticos
definidos pelos eixos factoriais relativamente ao cruzamento das variáveis grupo social
e sexo, que sintetiza os resultados obtidos para cada um dos estímulos, encontra-se no
Resultados
aqueles que dão mais importância aos aspectos institucionais (casamento) da união
neste contexto específico, uma componente fundamental desse investimento, à volta dos
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se ao « nós-casal » na construção da identidade dos indivíduos operários, afastando-os
assim dos modelos de conjugalidade idealizados pelos outros grupos, onde a orientação
dominante.
conjugal é orientada não apenas numa perspectiva de sobrevivência dos indivíduos mas
mobilidade social, muito embora ela possa representar também uma forma deste grupo
partilha ainda com este grupo, embora em menor grau, as dimensões instrumentais do
funcionamento conjugal. Neste grupo intermédio, a relação do casal é orientada por uma
forte normatividade social que inclui a dimensão fidelidade; a P.B. Assalariada defende
amor-romântico que tende a ser adoptado pelos dois grupos com mais baixos recursos,
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A inclusão da variável sexo na AFC mostrou uma clara oposição entre as
dessas diferenças, que se traduzem na saliência dada, por parte dos homens, aos
aspectos instrumentais ( casa, dinheiro ) e aos valores e normas que orientam a relação
das mulheres, dos aspectos afectivos, emocionais e da relação com o outro (amor,
O cruzamento da variável grupo social com a variável sexo ( ver figura 1 ), veio
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A análise incluindo a pertença dos sujeitos em termos de classe social fez surgir
uma vez mais uma forte oposição entre os Operários e a P.B.Intelectual. O que mais
que distingue os licenciados dos outros grupos é a saliência dada à dimensão hedonista.
contornos menos definidos, já que se aproxima dos licenciados, ainda que não
extraconjugais mostra também aqui uma diferenciação nítida entre homens e mulheres.
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O universo simbólico masculino caracteriza-se pela saliência dada, por um lado, às
dimensão erótica das relações extraconjugais ( aventura, sexo ), enquanto que o universo
infelicidade ).
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família (Kellerhals, 1987; Roussel, 1989 ), dir-se-ía que o grupo dos operários apresenta
fusão conjugal e o grupo dos licenciados na autonomia dos seus membros. A coesão de
tipo fusional no primeiro e no segundo grupo, surge associada a uma ideia de amor-
menos exigente face à fidelidade, que é neste caso vivida já não como uma norma ou
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dever conjugal mas como a consequência “natural” dos sentimentos e da prioridade
característica dos outros dois grupos. Nos operários, a dimensão das normas e dos
valores que orientam a relação do casal, incluindo a dimensão fidelidade, surge menos
fidelidade versus infidelidade, é mais forte nos grupos com mais fracos capitais
fundamental enquanto fonte de realização e identidade, ou seja, nos grupos que adoptam
Inversamente, é nos grupos mais favorecidos, em particular nas classes médias dotadas
que vamos encontrar a crença mais acentuada na autonomia do indivíduo face aos
fidelidade conjugal.
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A P.B.Assalariada tem uma posição intermédia e ao mesmo tempo ambivalente.
Parece, de facto, existir uma tensão entre a defesa dos valores e normas de conduta
infidelidade das mulheres, como pudemos verificar a partir do segundo estudo. É, aliás,
em relação aos indivíduos do sexo masculino deste grupo que parece ser maior a
mostraram, com efeito, que o masculino está mais associado à cultura e à internalização
feminino reune traços mais consistentemente orientados para os outros, seja em termos
A análise mais atenta das articulações entre a variável sexo e grupo social, veio
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dimensões instrumentais e normativas do grupo dos Operários e da P.B. Assalariada que
estratégias identitárias das mulheres dos grupos mais desfavorecidos revelam uma
classe, e por outro à sua identidade sexual, que se reflecte na escassez de traços
apresentados. Para as mulheres destes grupos, parece existir uma oposição entre as
diálogo).
com a sua identidade de género quando salientam a moralidade social dominante, que é
também a sua, no que diz respeito ao funcionamento conjugal, ao passo que as mulheres
universo masculino.
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A análise cruzada dos universos semânticos associados à infidelidade conjugal
por sexo e grupo social, indica uma inversão de posições relativamente aos resultados
associados à relação do casal. Com efeito, nas representações sobre a infidelidade, são
que vivida por sua própria iniciativa. No entanto, constatamos que, de uma maneira
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2. Juízos Avaliativos e Causas da Infidelidade
Estudo 2 : As Entrevistas
População e Método
Mantivemos por isso, como variáveis independentes, a classe social e o sexo dos
sujeitos.
anteriormente estudadas e residentes mais uma vez na Covilhã, a quem foi pedido para
contar uma história de infidelidade com um protagonista masculino e uma história com
Em termos etários, o grupo dos operários tem uma média de 42 anos, o grupo
também controlar o efeito da variável situação conjugal, tendo como critério a não
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conteúdo temático e simultaneamente à estrutura da narração normalmente empregue
Resultados
todos os grupos sociais, e principalmente no meio operário onde o peso das relações de
mais facilmente do domínio público e alvo de sanções morais - a mulher ganha “fama” e
o homem não.
grupos toleram melhor a infidelidade masculina por razões sexuais do que a infidelidade
feminilidade. A infidelidade da mulher parece ser vista neste caso como a expressão de
uma sexualidade não tipicamente feminina, e julgada, por isso, de forma mais negativa,
uma vez que implica uma certa autonomia e iniciativa que ultrapassam as fronteiras
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significado da feminilidade depende de um contexto e de uma função específicos, que
mais negativos no caso das mulheres do que no caso dos homens (Amâncio, 1992 ).
juízos avaliativos emitidos em relação aos homens e às mulheres são influenciados pelas
que a sexualidade das mulheres é vista como uma sexualidade de exposição ( espera-se
que as mulheres sejam o mais atractivas possível sem serem sexualmente activas ), e um
avaliação no que diz respeito à infidelidade das mulheres. Quando se atribuem razões
fazendo-se nestes casos uma separação entre sexo e emoções que deveriam, pensa-se,
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discursos ao mesmo tempo que justifica a maior tolerância em relação à infidelidade dos
homens em geral que deste modo não atinge nem põe em causa a relação conjugal.
maneira geral a procura do prazer e da realização pessoal, que estão sobretudo do lado
sentimentos, que estão sobretudo do lado feminino, revelam uma orientação de tipo
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3. Considerações Finais
Uma das preocupações com que começámos este trabalho referia-se à questão de
saber como é que os homens e as mulheres gerem ou negoceiam na esfera privada a sua
Pensamos que da forma como os indivíduos resolvem ou jogam na sua vertente privada
estilos de conjugalidade.
conjugalidade ( em que o divórcio é visto ainda com uma certa reprovação mas existe
feminina que é condenada socialmente), está bastante vincada na P.B. Assalariada que,
encontra-se igualmente nos operários. A diferença entre estes últimos dois grupos, é que
comportamento legítimo, dadas as consequências graves que pode ter para a família,
enquanto que no estrato social intermédio ela parece constituir um direito de liberdade
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Nos licenciados, esse duplo padrão tende a diminuir de intensidade. No entanto,
ambos os sexos continuam a tolerar melhor a liberdade sexual dos homens casados,
desde que não afecte a qualidade da relação conjugal, do que das mulheres casadas,
que as mulheres dos outros grupos para decidir se querem continuar ou não a relação
conjugal face a eventuais infidelidades dos maridos. As mais radicais tendem a defender
infidelidade são, neste caso, tomados como sintomas de que algo não vai bem na
relação. Os homens já não pensam tanto desta maneira, porque, à semelhança dos
necessariamente ligadas.
mais provável que a infidelidade feminina conduza à ruptura da relação do casal do que
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a infidelidade masculina. Os homens deste grupo, embora reagindo de forma menos
ambas as partes, está longe de ter a aderência dos indivíduos que foram objecto do
Quanto à P.B. Assalarida, este grupo ocupa uma posição intermédia na escala
social, que se traduziu também, na maior parte das vezes, numa posição intermédia ou
outros dois grupos. Os resultados revelaram que os homens deste grupo, e até certo
ponto também as mulheres, são mais parecidos com a generalidade dos indivíduos do
mesmo sexo, já que recorrem mais às dimensões estereotipadas das representações sobre
o masculino e o feminino.
relações de género, explica que os homens em geral sejam mais normativos no seu
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discurso e menos no seu comportamento, como aliás, se pode inferir a partir da análise
sexo masculino estariam mais inclinados, opor-se-ia uma ética relacional mais
valorizada pelas mulheres. Sendo assim, as mulheres seriam fiéis « mais por amor » e
dos actores, constitui uma dimensão central a incluir na definição dos conteúdos
articulam de forma diferente consoante o sexo, ou seja, a forma como elas se articulam
social a que pertencem, porque o universo simbólico feminino é mais reduzido do que o
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A masculinidade parece estar simbolicamente comprometida com todas as
género masculino traduz-se na extensão dos seus significados para além do grupo
importantes, como é o caso das mulheres da P.B. Intelectual e Científica. De facto, tal
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A investigação realizada na Suiça pela equipa de sociólogos dirigida por
devia fundamentalmente aos “capitais” das mulheres ( Kellerhals et al., 1982 ). No que
diz respeito ao nosso estudo, parece poder concluir-se que apenas quando os “capitais”
das mulheres são elevados, eles se tornam realmente importantes na diferenciação das
base nos resultados obtidos nesta investigação, parece-nos que deverá, apesar de tudo,
ser relativizada.
mulheres, o que poderá constituir uma fonte de tensão para a construção da identidade
dos indivíduos do sexo masculino deste grupo. São as mulheres da P.B. Intelectual que
contribuem, mais que os homens deste grupo, para a configuração das representações
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maiores ou menores tensões e conflitos, as dimensões expressivas, características das
outros trabalhos ( Amâncio, 1994 ), mas vêm também chamar a atenção para a
NOTAS
1. Os resultados empíricos analisados neste artigo têm por base uma investigação com o
mesmo título, realizada no âmbito de uma dissertação do mestrado em sociologia, da
família, do ISCTE ( 1993 / 95 ), orientada pela Prof ª. Dra Lígia Amâncio.
BIBLIOGRAFIA
23
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Identidade”, Revista Crítica de Ciências Sociais, (32) : 217-231.
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