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A EMERGÊNCIA DA AVALIAÇÃO EXTERNA COMO ORGANIZADORA DA

POLÍTICA EDUCACIONAL

João Luiz Horta Neto - Inep e Grupo TEDis


joao.horta@inep.gov.br
Silvia Cristina Yannoulas - UnB e Grupo TEDis
silviayannoulas@unb.br

A elaboração e apresentação desse trabalho contou com apoio da CAPES,


através do Programa Observatório da Educação (Edital 038/2010/CAPES-INEP)

EIXO DE DISCUSSÃO I – AVALIAÇÃO EDUCACIONAL

RESUMO: O texto discute a emergência da avaliação educacional externa, procurando


destacar alguns períodos críticos desse processo. Para isso, aponta três fases decisivas
nessa trajetória: a era da preocupação social, a era da qualidade e a era do
accountability. Cada uma dessas fases é caracterizada por iniciativas que
paulatinamente contribuem para que o conceito clássico da avaliação, centrado na
preocupação com a aprendizagem dos alunos se transforme em ações vinculadas à
regulação das atividades das escolas e dos professores. Para caracterizar melhor a era
do accountability, discute-se o conceito de Estado Avaliador, buscando suas origens
teóricas e apresentando uma pesquisa para compreender a utilização desse conceito na
produção sobre políticas educacionais no Brasil.

PALAVRAS CHAVES: avaliação externa, estado avaliador, políticas educacionais

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A Emergência da Avaliação Externa como Organizadora da Política Educacional1
João Luiz Horta Neto - Inep e Grupo TEDis
joao.horta@inep.gov.br
Silvia Cristina Yannoulas - UnB e Grupo TEDis
silviayannoulas@unb.br

Palavras chaves: avaliação externa, estado avaliador, políticas educacionais

Introdução

A avaliação é uma atividade muito “cara” para o processo educacional, em duplo


sentido: pela importância outorgada à atividade, e pelo montante de recursos
necessários para sua realização. Muito se tem escrito sobre ela. Nos cursos de formação
docente é um tema bastante discutido, enfatizando sua importância para aprimorar o
aprendizado e melhorar as políticas educacionais. Em outros cursos de graduação que
discutem as políticas públicas, como o de Serviço Social, é debatida a função da
avaliação externa como norteadora de políticas que assegurem direitos sociais.

Ocasionalmente confunde-se a avaliação com os instrumentos de medida utilizados,


uma das partes de qualquer processo avaliativo (Horta Neto, 2010). O processo
avaliativo pode ser dividido em três etapas. Na primeira, desenvolvem-se instrumentos,
de caráter quantitativo ou qualitativo, com o objetivo de medir como está o
desenvolvimento do aluno em determinada fase de seu processo de aprendizagem. Na
segunda, esses dados coletados transformam-se em informações indicando as fraquezas
e virtudes do processo medido. Por fim, com base nas informações e nos referenciais
estabelecidos a priori, tomam-se decisões que consolidem o que já está bom ou que
modifiquem situações não desejadas. Por isso, avaliar é muito mais do que medir: é agir
sobre as informações obtidas após uma cuidadosa medição, tendo por base referencias
estabelecidas.

A elaboração de testes para medir o desenvolvimento cognitivo dos alunos, a análise

1 A elaboração e apresentação deste trabalho contou com o apoio da CAPES, através do


Programa Observatório da Educação (Edital 038/2010/CAPES-INEP).

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dessas medidas e o julgamento de valor a partir dessa análise é um processo corriqueiro
em qualquer instituição educacional. No entanto, no Brasil, usam-se as expressões
avaliar e fazer teste como se fossem sinônimas. No caso da língua inglesa, é feita uma
diferenciação utilizando-se o termo “assessment” para referir-se à etapa da medida (a
realização da prova) e “evaluation” que indica a etapa de julgamento de valor e de
propostas para a ação.

Apesar de a avaliação ser um processo tradicional em qualquer instituição educacional,


o que é relativamente novo é a realização de avaliações externas. Nesse caso as fases do
processo são as mesmas, a diferença fundamental está no fato de que os instrumentos de
medida, a coleta e análise dos dados são realizados por uma equipe externa à instituição
educacional. Esses instrumentos são estandardizados de forma a permitir a
comparabilidade de resultados. As ações planejadas com base nesses resultados e com o
objetivo de aprimorar os processos educacionais podem ser tomadas tanto pela equipe
educacional quanto podem ensejar o desenvolvimento de novas políticas pelos níveis
decisores externos. Como na maior parte das vezes o processo daquilo que é chamado
de avaliação externa se encerra com a divulgação dos resultados dos testes aplicados, e
não se realizam ou negociam as ações capazes de modificar ou aprimorar os resultados
das medidas efetuadas, utilizaremos o termo teste avaliativo para indicar essas
avaliações externas que se interrompem sem que as outras fases se realizem. Caso todas
as três fases se realizem, utilizar-se-á o termo avaliação externa.

O amadurecimento dos testes avaliativos passaram por diversas fases até ganharem o
destaque que possuem nas políticas educacionais atualmente utilizadas em diversos
países. Elaboramos uma periodização em três fases que, como todo processo de
classificação, poderá ser questionada e aprimorada: a era da preocupação social, a era
da qualidade e a era do accountability. Nessa última fase tem destaque o papel do
Estado na avaliação, tema que será aprofundado nesse texto.

A era da preocupação social.

Os primeiros surveys2 que se tem notícia na área educacional, ocorreram nos Estados

2 Os testes avaliativos, ao coletar informações sobre o processo educacional, podem ser


equiparados a surveys onde as perguntas aos pesquisados são os itens utilizados para medir o

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Unidos nos anos 1930. As preocupações de ranqueamento das instituições educacionais
não faziam parte do horizonte dos pesquisadores e formuladores de políticas dessa
época. A preocupação tinha um objetivo social claro: pesquisar como as denominadas
“minorias” estavam sendo preparadas pela escola, e se a elas eram dadas as mesmas
oportunidades de aprender que as dadas à considerada “maioria”.

O período foi marcado pela grande depressão mundial, que reduziu drasticamente as
oportunidades de emprego. Nessa época amplia-se significativamente a matrícula na
high school, o equivalente às nossas escolas de ensino médio. Nessa época, Tyler
coordena um estudo longitudinal denominado Eight Years Study, no estado de Ohio,
com o objetivo de verificar como as escolas estavam lidando com o grande contingente
de pessoas que passam a frequentá-la. Segundo Tyler (2005), o ensino médio não fazia
parte dos planos dos jovens daquela época, mas passa a ser a única alternativa para a
sua ocupação pois o desemprego atingia 100% da juventude.

O estudo acompanhou o desenvolvimento cognitivo dos alunos de 30 escolas e


envolveu um grande número de pesquisadores, e foi caracterizado como um “projeto
demonstrativo piloto” (Kridel e Bullough, 2007). Foram propostas diversas adaptações
aos currículos, visando melhorar o desempenho dos alunos medido por testes
avaliativos. Por ser um estudo de caráter longitudinal, os alunos dessas escolas foram
acompanhados durante 8 anos, portanto por período superior à conclusão da high
school, com o objetivo de verificar o impacto da escolarização na vida dos alunos. A
partir desse estudo Tyler lidera uma série de inovações na construção de testes
avaliativos. É atribuído a esse autor a autoria do termo evaluation, no sentido discutido
nesse texto.

Koretz (2008) afirma que nos EUA dos anos 1950 muitos distritos escolares
compravam testes de empresas comerciais e os aplicavam anualmente. Esses testes
eram originalmente desenhados para ajudar professores e administradores a identificar
as forças e fraquezas no interior das escolas e dos distritos escolares, no intuito de
aprimorar os processos de ensino. Nessa época a maior parte dos testes era referenciado

desenvolvimento cognitivo dos alunos. Esses itens, que na maior parte das vezes assumem o formato de
itens de múltipla escolha, podem ter a forma de uma pergunta ou de uma frase incompleta.

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à norma, ou seja indicava o desempenho dos alunos quando comparados com outros
grupos de alunos, sem que houvesse uma referencia definida a priori.

Nos anos 1960 um grupo de pesquisadores comandados por Coleman produziu, sob
encomenda do congresso norte-americano, o estudo Equality of Educational
Opportunity, conhecido como Relatório Coleman (Coleman, 1966). O objetivo dessa
pesquisa foi identificar como a lei dos Direito Civis aprovada em 1964 estava
repercutindo nas escolas americanas, e se os negros estavam obtendo um
desenvolvimento cognitivo comparável com o dos brancos. O estudo foi aplicado a uma
amostra nacional de escolas e era composto por testes aplicados aos estudantes dos
primeiros, terceiros, sextos, nonos e décimo segundos anos de escolaridade, e por
questionários aplicados aos professores e diretores de escola. Os testes aplicados a
900.000 estudantes mediram o desempenho nas áreas de habilidades verbais,
associações não verbais, compreensão leitora e matemática. Os questionários
investigaram, entre outros temas, o background socioeconômico e as atitudes dos
professores com relação às raças.

Esse relatório teve um forte impacto na época, já que uma de suas conclusões indicou
que a instituição educacional agregava muito pouco ao desenvolvimento cognitivo, e
que o fator determinante era a sua origem social e econômica. Como consequência, não
importava qual a instituição educacional frequentada, apesar das aparentes diferenças
qualitativas entre elas (Brooke e Soares, 2008). Essas descobertas contrariavam todas as
ideias liberais da instituição educacional como promotora de igualdade de
oportunidades entre os indivíduos. Nos anos 70 a descoberta da importância da origem
social e econômica do aluno para a definição do sucesso escolar seria também
sustentada pela teoria reprodutivista desenvolvida através dos estudos liderados por
Boudieu e Passeron, Bowles e Gintis, e Baudelot e Establet. A teoria reafirmou de certo
modo que a instituição educacional não fazia grande diferença no destino educacional e
ocupacional dos estudantes.

Anos mais tarde os dados da pesquisa de Coleman foram reanalisados utilizando-se


para isso novas técnicas estatísticas. Essas novas análises evidenciaram falhas nas
análises anteriores, que mascararam o fato de que a instituição educacional fazia sim
diferença, principalmente entre os mais pobres, na medida em que esses estudantes

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apresentavam maiores ganhos nos desempenhos medidos pelos testes. Mesmo assim, é
importante destacar que, sob o impacto dos resultados do Relatório Coleman,
desenvolveu-se o primeiro sistema nacional de avaliação externa, o americano National
Assessment of Educational Progress, NAEP, com o objetivo de acompanhar o gap
existente entre os que aprendiam e os que não o faziam.

Um outro survey, conhecido como Relatório Plowden, dessa vez sob encomenda do
governo inglês, acontece em 1967. Seu objetivo foi verificar a relação entre o papel
desempenhado pela família e as condições da escola no desenvolvimento cognitivo dos
alunos. Apesar de ser um estudo muito menor que o americano, indicou três fatores
importantes para garantir o sucesso dos alunos: o interesse da família no desempenho
dos filhos, as condições dos domicílios e as condições das escolas (Booke e Soares,
2008). Novamente são os fatores externos à escola os considerados mais importantes
para o desempenho dos alunos.

Outro momento histórico importante foi a fundação em 1958 do IEA, International


Association for the Evaluation of Educational Achievement. Essa associação, cuja sede
atual encontra-se na Holanda, é uma organização independente financiada por 70 países
membros - entre eles o Brasil. Seu primeiro estudo foi realizado em 1960 e ficou
conhecido como Pilot Twelve-Country Study. Tinha como objetivo testar a
possibilidade de conduzir testes avaliativos internacionais em larga escala, e envolveu
alunos de 13 anos em 12 países. As áreas testadas foram Matemática, compreensão
leitora, Geografia, Ciências e competências não-verbais. Quatro anos mais tarde
realizou o First International Mathematics Study, envolvendo também aqueles alunos
que estavam concluindo o ensino secundário. Não se observam nos relatórios desses
estudos qualquer preocupação classificatória.

A era da qualidade

Em meados dos anos 1960 Shultz começa a desenvolver uma nova linha de pesquisa
conhecida como Economia da Educação. O objetivo era verificar os impactos da
educação no desenvolvimento econômico das nações. Surge a Teoria do Capital
Humano, apontando o fator humano como um dos mais importantes para o
desenvolvimento, pudendo explicar os ganhos de produção quando diversos outros

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fatores eram mantidos constantes. A educação é tida como pressuposto para o
desenvolvimento econômico e para o desenvolvimento do indivíduo. Essa teoria teve
um forte impacto e estimulou vários cientistas a pesquisarem as possíveis relações entre
a educação e o desenvolvimento econômico.

Na época já existia tecnologia para o desenvolvimento de testes cada vez mais


sofisticados e a experiência dos primeiros estudos internacionais desenvolvidos pela
IEA. Assim, desde 1970 inúmeros estudos tentam correlacionar o desempenho dos
alunos e seu impacto no desenvolvimento dos países. Fica em evidência a necessidade
de definir o que seria “qualidade educacional”, ou seja uma referência do que seria
desejável, e percebe-se o decorrente esforço dos governos em buscar diferentes
estratégias para alcançá-la. A preocupação deixa de ser se os alunos estavam
aprendendo ou não, mas sim o quanto do que era desejável estava sendo aprendido.

Pode-se dizer que a Teoria do Capital Humano foi a raiz dos estudos internacionais com
o objetivo de comparar e ranquear diferentes países. Surgem o Trends in International
Mathematics and Science Study, TIMMS, Progress in International Reading Literacy
Study, PIRLS, o Programme for International Student Assessment, PISA e os estudos
latino-americanos produzidos pelo Laboratório Latino-americano de Avaliação da
Qualidade da Educação. No Brasil em fins dos anos 1980 é criado o Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Básica, SAEB. Além dele, diversos outros testes são
desenvolvidos pelo INEP: em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio, ENEM; em
1999 o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos; em 2008
a Provinha Brasil.

A era do accountability

Nos anos 1980 começam a ser implementadas em larga escala as políticas neoliberais,
com a consequente privatização progressiva dos serviços públicos, mantendo a provisão
pelo Estado (mínimo) de apenas daqueles serviços consideramos essenciais. Além
disso, os agentes públicos passam a ser fortemente responsabilizados pelos serviços
prestados à população. Nesse contexto, os testes avaliativos ganham uma centralidade
sem precedentes nas políticas educacionais. A preocupação das políticas
definitivamente deixa de ser com o aprendizado e passa a estar fortemente focada no

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desempenho dos alunos nos testes. Parte-se do princípio de que matemática e leitura são
áreas essenciais para a vida em sociedade, e que um bom resultado dos alunos dessas
áreas é um excelente preditivo para a formação de cidadãos e garantia de
desenvolvimento econômico.

Inicia-se o ranqueamento de instituições educacionais, primeiro para identificar as


escolas de qualidade e segundo para que as famílias pressionem por mudanças junto à
equipe escolar ou até mesmo para que matriculem seus filhos em instituições com
melhor desempenho. Além disso, espera-se também que a competição entre instituições
incentive a mobilização das equipes escolares na busca da excelência. Esses três fatores
já deveriam garantir uma mudança significativa das instituições. O ranqueamento passa
a ser obsessão e leva os governos utilizem os testes avaliativos de forma indiscriminada.
Nos EUA, com o No Child Left Behind durante o governo Busch, os estados federados
passam a desenvolver testes avaliativos locais aplicando-os todas as suas escolas.
Durante o governo Obama, como o Race to the Top, os estados entram em uma
competição por fundos educacionais com base no cumprimento de metas acordadas
com o governo federal. Mas o governo federal ainda mantém o NAEP, de caráter
censitário.

No caso brasileiro, o governo federal cria a partir de 2005 a Prova Brasil, aplicada de
forma quase censitária em todas as escolas públicas. Mesmo assim, cerca de 17 estados
da federação montam sistemas próprios de avaliação, muitas vezes aplicados nos
mesmos anos escolares que o teste avaliativo federal. Além deles, muitos municípios,
individualmente ou consorciados com outros, também desenvolvem seus testes (Horta
Neto, 2007). Como cada um dos instrumentos necessita que os itens que os compõem
sejam pré-testados antes de comporem os testes, não é incomum que em determinados
anos os alunos respondam a mais de quatro testes por ano. Com os resultados da Prova
Brasil o governo federal orienta o repasse de recursos, o mesmo acontecendo com os
governos locais com os resultados das suas avaliações. Outra consequência é o
aparecimento do IDEB em 2007, um indicador de grande apelo junto aos gestores
educacionais.

Surge inclusive a proposta do sistema de voucher, como o existente no Chile e na


Inglaterra, ancorada na suposta capacidade de escolha das famílias. Também surgem

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proposts de fechar instituições com baixo desempenho, como vem acontecendo na
Inglaterra e nos EUA. Ou ainda, o arrendamento de escolas públicas para a iniciativa
privada, que receberia financiamento do estado em troca da garantia de elevação do
desempenho dos alunos (escolas Charters), como vem acontecendo nos Estados
Unidos. As mais novas iniciativas nos EUA propõem outorgar um bônus por
desempenho aos professores individualmente, ou às equipes escolares, com base no
desempenho dos alunos nos testes avaliativos.

Existe um debate acalorado defendendo e criticando essas políticas. O estudo de Carnoy


e Loeb (2004) indica que no caso dos EUA a responsabilização por resultados resultou
em melhorias de desempenho dos alunos. Do outro lado, Ravitch (2010) defende que a
responsabilização tem levado à praticas escolares de treinar para o teste e fraude na
apuração dos resultados. Mas o que queremos destacar é que a accoutability tem levado
ao distanciamento da função principal da avaliação: um instrumento para auxiliar na
aprendizagem dos alunos.

O Estado Avaliador

Na era do accountability, a avaliação externa constitui o mecanismo mais importante


para controle e regulação da reestruturação do Estado em matéria educacional. Através
da avaliação externa são reorientadas as práticas desenvolvidas pelas instituições
educacionais, as quais tentam se adaptar à nova lógica imperante, pois a não adaptação
coloca em questão sua própria sobrevivência em tempos de focalização dos
investimentos em políticas sociais e regulação estatal do desempenho institucional
(YANNOULAS, SOUZA e ASSIS, 2009).

O interesse na questão da avaliação de políticas demonstrado pelos governos


neoconservadores e neoliberais de países centrais começou a ser traduzido no final da
década de 80 pela expressão “Estado Avaliador”. Neave (1988), foi quem pela primeira
vez utilizou a expressão. O artigo sobre a emergência do Estado Avaliador analisa a
mudança da relação estabelecida entre o Estado e as instituições de educação superior
europeias ocidentais, e foi muito bem acolhido pela comunidade científica. O Estado
Avaliador consistiria numa racionalização e uma redistribuição geral das funções (e dos
poderes) entre o centro e a periferia, de maneira tal que o centro conservaria o controle

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estratégico global através de mecanismos políticos menores em número, porém mais
precisos, constituídos pela definição de metas para o sistema e o estabelecimento de
critérios e processos de controle de qualidade do produto. Poucas áreas de atuação do
Estado escapam ao controle exercido pelo Estado Avaliador, pois o resultado da
avaliação é utilizado para distribuir os recursos humanos e financeiros entre as
instituições que oferecem um serviço (educacional, de saúde, etc.). O conceito está de
acordo com um modelo de gestão pública que se orienta por resultados atingidos pela
instituição potencialmente beneficiária dos recursos financeiros. O foco do controle por
parte do Estado Avaliador não está nos processos pedagógicos, mas nos seus resultados.

Elliot (2002) analisou as transformações no Reino Unido, constatando um Estado que


abandonou progressivamente seu papel de provedor de serviços públicos para erigir-se
como o ente regulador do mercado educacional privatizado. Isso significará o abandono
do conceito de educação como bem público, necessário para o desenvolvimento e a
perpetuação de uma ordem social justa e democrática. As instituições educacionais
passam a ser vistas como prestadoras de serviços, e os cidadãos são transformados em
consumidores. A relação entre o Estado e essas entidades fundamenta-se no princípio
da responsabilidade contratual, e são criadas instâncias visando o exercício dos
procedimentos de auditoria e avaliação externa.

Brunner (1990) transferiu o conceito de Estado Avaliador de origem europeia para a


análise da educação superior latino-americana. Os desafios enfrentados pelos nossos
países aumentaram após reinstauração das democracias, pois os sistemas de educação
superior se massificaram e se diversificaram num contexto de restrições orçamentárias
próprias dos tempos neoliberais. Essa situação teria causado a crise dos antigos modelos
de relacionamento entre Estado e sociedade civil em matéria de educação superior. O
Estado abandonou suas antigas funções educacionais e passou a regular a totalidade do
sistema através de avaliações periódicas, alterando as distorções e injustiças que uma
evolução totalmente autônoma produziria, e outorgando financiamento público
negociado segundo metas e objetivos a serem atingidos. O Estado Avaliador na
América Latina surge associado ao controle de gastos e resultados, pretendendo
assegurar mais eficiência e manutenção do controle sobre aquilo que considera
qualidade superior e competitividade.

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Uma influência marcante na produção brasileira sobre o conceito de Estado Avaliador
é o autor português Afonso (1999). Para esse autor a discussão recente sobre avaliação
externa estaria centrada na redefinição do papel do Estado com vistas à revalorização da
ideologia do mercado, através de uma avaliação estandardizada com publicização dos
resultados, em contraposição à uma perspectiva menos reguladora e mais
emancipatória, dada pela avaliação formativa. Com a crise do Estado Provedor,
assistimos o surgimento do Estado Avaliador associado ao neo-conservadorismo, que
propõe uma intervenção mais forte do Estado no controle da oferta de serviços e o
surgimento do Mercado Avaliador associado ao neoliberalismo, que propõe a regulação
dos serviços pelo mercado e menos intervenção do Estado. Para Afonso a emergência
do “Estado Avaliativo” não se constitui num fenômeno que pode ser atribuído
exclusivamente às modificações do final do século XX. A avaliação se faz sempre
presente onde se opera algum controle público sobre as instituições públicas,
propiciando verificações administrativas (supervisões de rotinas) e controles formais,
estando frequentemente contida em minuciosos instrumentos legais prescritos. Assim,
as ações avaliativas são constantes em todos os momentos da evolução do ensino;
sendo, muitas vezes, pouco perceptível, pois deve-se à acumulação de pequenas
respostas às circunstâncias de diversa índole: algumas econômicas, outras ideológicas.

Recentemente realizamos uma pesquisa específica para verificar a utilização do


conceito de Estado Avaliador na produção científica recente3. A utilização do conceito
é marcada pela introdução de mecanismos de mercado, no qual o controle sobre os
resultados das instituições educacionais é subordinado a uma mera lógica burocrática,
tecnicista e economicista. Pode-se observar ainda, que as práticas avaliativas exercidas
pelo Estado brasileiro, de acordo com as teses e dissertações analisadas, estão
conformadas pelas orientações dos organismos internacionais, principalmente pelo
Banco Mundial, que é citado em 86% dessas produções. Essas orientações estabelecem
critérios de avaliação voltados para produtividade, rentabilidade e menor custo. É na
análise das políticas de educação superior que o conceito tem se expandido. No caso

3 Foi realizada uma procura intensiva em bases abertas visando localizar produções acadêmicas
que utilizem o conceito de Estado Avaliador. Para os artigos a procura foi realizada na Scielo, e
complementarmente Google Acadêmico. No caso de dissertações e teses a procura foi realizada na
BDTD. O período considerado foi 1990-2009, e a delimitação geográfica foi o Brasil. Foram analisadas
em profundidade 48 produções científicas, sendo 10 teses, 5 dissertações e 33 artigos. Os
principais resultados foram publicados em: YANNOULAS, SOUZA e ASSIS (2009).

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dos artigos científicos, grande parte concentra sua análise na relação entre o Estado e as
Instituições de Educação Superior (51% dos artigos analisados). Uma considerável
quantidade dos artigos fazem referência ao sistema educacional como um todo (39%
dos artigos considerados), e apenas 03 artigos analisa outra esfera do sistema (estadual
ou municipal). No caso das teses e dissertações, o maior percentual concentra-se na
análise da relação entre o Estado e as Instituições de Educação Superior (60% das teses
e dissertações). A outra parte das teses e dissertações considera outra esfera do sistema
(estadual ou municipal), e nenhuma faz referência ao sistema educacional como um
todo.

Entendemos que o Estado se relaciona de diversas maneiras com as políticas


educacionais: financia (total ou parcialmente segundo os níveis do sistema
educacional) as políticas educacionais através de diversos programas (por exemplo,
merenda escolar, transporte escolar, salários dos docentes universitários, entre outros);
regula o mercado educacional (por exemplo, credenciamento e recredenciamento de
instituições privadas de educação superior através da SESU); e finalmente avalia o
desempenho institucional (por exemplo, as avaliações da CAPES sobre a criação e
funcionamento de programas de pós-graduação no Brasil, entre outros mecanismos).

Em linhas gerais, as produções localizadas destacam o fortalecimento da regulação e da


avaliação (segunda e terceira maneira de relação indicadas), em detrimento da
participação relativa do Estado financiamento (primeira). As produções apontam para a
instauração de um Estado mínimo no que diz respeito à responsabilidade pela promoção
e manutenção de políticas educacionais, e a paralela instauração de um Estado máximo
no que se refere ao controle e à avaliação do desempenho institucional - repare-se: do
desempenho institucional, e não o desempenho da política educacional como um todo.
Por isso, com maior facilidade o foco da discussão se distancia dos pontos centrais dos
planos de educação ou de governo, como, por exemplo, a diminuição da desigualdade
social, que não é considerada ao avaliar as instituições. As instituições são avaliadas a
partir do princípio meritocrático que impera na educação, na ciência e na tecnologia, e
não de outros princípios fundamentais à democracia, quais sejam os de justiça social e
equidade.

Conclusões

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Procuramos com esta comunicação recuperar a história dos processos de avaliação
educacional, e apontar seus desdobramentos quanto ao direto social à educação e às
políticas educacionais. Nesse sentido, salientamos as nuances próprias de cada um dos
três períodos, para logo depois aprofundar no último deles.

Acreditamos na potencialidade do conceito de Estado Avaliador para uma abordagem


contemporânea das metamorfoses do Estado e a centralidade da avaliação externa na
definição das políticas educacionais. Podemos dizer que o processo de emergência do
Estado Avaliador na era do accountability traduz-se como um momento histórico
fundamental à compreensão da configuração atual das políticas educacionais, no que
concerne tanto à sua formulação quanto à sua implementação.

Quando sua origem, Neave captou a emergência do Estado Avaliador com a utilização
do método comparado, estudando comparativamente as diferenças que assumia a
função avaliadora do Estado em países europeus com tradições muito diferentes quanto
a relação entre Sociedade Civil e Estado em matéria educacional (por exemplo, França
e Inglaterra). Entretanto, não foi objetivo do autor aprofundar nas nuances que poderia
diferenciar a presença do Estado Avaliador em diferentes níveis do sistema educacional
(escola fundamental, ensino médio, ensino superior), matéria que deverá ser ponderada
sob pena de desconhecer que a educação básica é direito social garantido
constitucionalmente (e, consequentemente, o Estado deverá accionar os poderes
públicos envolvidos para garantir sua realização), e que a educação superior ocupa um
papel preponderante na inserção ocupacional e profissional dos cidadãos.

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