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CEJUR - Direito Penal

Aula do dia 22/11/2000 – 41ª aula


Professor Décio Mota
Crimes Contra a Administração Pública

Dentro do desenvolvimento da administração


pública tem alguns interesses, alguns itens que se procura tutelar, que se
procura preservar. Assim, temos a tutela da probidade administrativa, da
dignidade da função pública, do prestígio dessa função pública e assim
sucessivamente. Da fidelidade do servidor público em relação a
administração pública, pela probidade, pela moralidade, pela fidelidade,
pela dignidade, pelo prestígio da função pública. Todos estes fatores é
que se busca tutelar quando se trata dos crimes contra a administração
pública.

Secundariamente, esta é a tutela imediata dos


crimes contra a administração pública, em alguns tipos penais, e nós
vamos ver depois, há, também, a tutela dos interesses do particular.
Assim, por exemplo, no crime de peculato de forma mediata se procura
tutelar o patrimônio do particular que se encontra sob a guarda e
responsabilidade da administração pública. Lá, no art. 339 do CP, crime
de denunciação caluniosa, a tutela mediata nada mais é do que a honra
do particular. No crime de concussão a tutela mediata não é só o seu
patrimônio, mais também a liberdade do particular, a medida em que o
particular é induzido, é coagido a entregar uma vantagem ao funcionário
público. Então, a tutela imediata é o normal desenvolvimento da
administração pública, e a tutela mediata é a regulamentação de
determinados interesses do particular.

Nos crimes contra a administração pública nós


temos crimes materiais, como é o caso do peculato, e temos crimes
formais. Podemos dizer, também, considerando a objetividade jurídica
destes crimes, que os crimes contra a administração pública são crimes
de dano, na medida em que se exige a ofensa a estes objetos jurídicos
que nós aqui referimos. O Código Penal, no seu Título XI, faz a divisão
dos capítulos em: Dos Crimes praticados pelos Funcionários contra a
Administração em geral, capítulo I; Dos Crimes praticados pelos
Particulares contra a Administração, no capítulo II; e Dos Crimes
praticados contra a Administração da Justiça, no capítulo III. Ficando
bem claro, então, neste capítulo III quando trata dos crimes contra a
administração da justiça, aquele sentido amplo que se deve ter para a
expressão administração pública, a medida que aqui se procura tutelar
interesses ligados a atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário.

No capítulo I, que vai dos artigos 312 ao 326 do


Código Penal, temos os crimes praticados pelos funcionários contra a
administração em geral. Nós temos aí os chamados crimes funcionais. O
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que são crimes funcionais? São aqueles crimes praticados por
funcionários públicos no exercício de suas funções. Estes crimes
funcionais, podem ser classificados como crimes funcionais próprios e
crimes funcionais impróprios.

Crimes funcionais próprios são aqueles crimes


funcionais que se retirarmos a elementar essencial de ser o agente
funcionário público, ficaremos diante de uma atipicidade absoluta.
Significa dizer que só existe o crime se o agente tiver a qualidade de
funcionário público, se retirarmos esta qualidade não temos mais
nenhum fato típico, é por isto que ficamos diante de uma atipicidade
absoluta. Exemplo de crime funcional próprio: crime de prevaricação,
quem prevarica é o funcionário público, se nós retirarmos esta condição,
não subsiste nenhum outro crime.

Crimes funcionais impróprios, por sua vez, são


aqueles que se nós retirarmos a condição de funcionário público nós
ficaremos diante de uma atipicidade relativa (estas expressões
atipicidade absoluta e relativa são usadas comumente pelo Damásio de
Jesus). Atipicidade relativa significa que se retirarmos a elementar
funcionário público desaparece o crime contra a administração pública,
desaparece aquele crime que nós estamos tratando até o momento, mas
pode subsistir um outro delito, podemos ficar diante de um outro tipo
penal. Exemplo: crime de peculato, se nós retirarmos do agente a
qualidade de funcionário público, subsiste a apropriação indébita.

Os crimes funcionais são crimes próprios, ou


seja, exigem uma condição pessoal do agente, uma condição especial.
Esta condição pode ser jurídica, natural ou social, como no caso do
funcionário público. Então, os crimes funcionais são crimes próprios.
Muito embora sejam crimes próprios, nada impede que um particular
venha a responder por um crime contra a administração pública, e isto
vai se dar no concurso de pessoas. Embora se tratando de um crime
próprio, os crimes funcionais admitem o concurso pessoas e aí vocês
vão aplicar a regra do art. 30 do Código Penal, ou seja, se o particular
tiver conhecimento da condição de funcionário público, que é uma
condição pessoal. E sendo funcionário público uma elementar do tipo, o
particular vai responder em concurso de pessoas pelo mesmo crime que
o funcionário público.

Vocês se recordam e certamente viram isto em


processo penal, que o art. 513 do CPP prevê um rito especial para os
crimes praticados pelos funcionários públicos, ou seja, quando um
funcionário público é denunciado por um crime funcional nós vamos
aplicar este rito especial previsto pelo art. 513. Este rito determina que o
Juiz antes de receber a denúncia, antes de fazer o juízo preliminar da
denúncia, faz uma notificação para que o funcionário público apresente
uma defesa preliminar por escrito. A intenção disto é resguardar o
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funcionário público daquelas acusações levianas que, eventualmente, lhe
são assacadas. Só então, tendo esta defesa preliminar é que o juiz vai
ou não receber a denúncia. Por que estou falando isto? Porque este rito
especial do CPP se aplica única e exclusivamente aos crimes funcionais
típicos, ou seja, estes crimes dos artigos 312 a 326 do CP.

Recentemente, na última prova da OAB caiu


uma questão perguntando se este rito do CPP se aplicaria naquele caso
onde a condição de funcionário público aparece não como uma
elementar do tipo, mas como uma qualificadora ou uma majorante. Por
exemplo, na Lei do Porte de Armas existe uma circunstância de aumento
de pena quando o crime de porte de arma for praticado por funcionário
público. E a pergunta na prova era se este rito especial do CPP era
aplicável? A resposta é negativa porque este rito só se aplica aos crimes
funcionais típicos, dos artigos 312 a 326 do CPP.

Recentes decisões dos Tribunais Superiores,


embora hajam divergências, têm considerado que a inobservância deste
rito constituiu meramente nulidade relativa, que fica na dependência da
demonstração de prejuízo. Este não é o entendimento majoritário,
pacífico na nossa jurisprudência. Mas decisões mais recentes dos
nossos Tribunais, principalmente do STJ têm considerado que se trata de
mera nulidade relativa e não absoluta.

Outra consideração importante sobre o rito é que


o art. 513 do CPP diz o seguinte:

Art. 513 Nos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo


processo e julgamento competirão aos juizes de direito, a queixa ou a
denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam
presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da
impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.

Então, vejam, que o artigo diz que no caso da


denúncia ser instruída com documentos ou justificação. Porque se a
denúncia oferecida se baseia tão-somente nestes documentos ou nesta
justificação de que trata o art. 513, vamos ter que seguir
obrigatoriamente o rito especial: notificar o funcionário público para que
ele apresente a sua defesa preliminar no prazo legal. Este entendimento
é majoritário. Todavia, se a denúncia tiver embasamento em Inquérito
Policial não há necessidade de se seguir o rito especial. Porque aqui a
denúncia está amparada no IP, numa coleta de provas e indícios maiores
que vão embasá-la. Então, o entendimento majoritário é que aqui não há
necessidade de se seguir o rito especial do CPP.

Outra noção introdutória importante quando se


trata dos crimes contra a administração é o conceito de funcionário
público, está no art. 327 do CP.
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Art. 327 Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem
embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego
ou função pública.

A partir de uma rápida leitura do art. 327,


podemos observar uma tendência, uma intenção do nosso legislador
penal de dar um conceito amplo de funcionário público. E fez isto por
quê? Porque se procura fugir de todas aquelas divergências no âmbito
do direito administrativo sobre o conceito de funcionário público. E
observamos que no direito administrativo temos um conceito bem mais
restrito. No direito administrativo funcionário público pressupõe a
titularidade de um cargo criado por lei, com denominação própria, com
numeração específica, e com o funcionário sendo remunerado pela
aquela entidade estatal, pela qual ele presta seu serviço. No direito penal
é diferente, e vejam que chama atenção no artigo 327: aquele que
transitoriamente e sem remuneração. Então, mesmo que não haja a
remuneração nós podemos ter um funcionário público. Eu me lembro
aqui do jurado, que tem até expressa disposição no art. 438, onde está
escrito que o jurado pode ser responsabilizado pelos crimes de
concussão, corrupção passiva e prevaricação. E o jurado exerce uma
atividade pública transitória e sem remuneração. Assim, também temos
aqueles que atuam na época das eleições: os mesários. Estes também
são considerados funcionários públicos para efeitos penais.

Vejam que o artigo 327 fala: considera-se


funcionário público para efeitos penais. Isto quer dizer que o conceito do
art. 327 vai abranger não só as disposições contidas no Código, mas,
também, toda a legislação extravagante. Então, este conceito do art. 327
vai se aplicar de forma ampla quando se trata de direito penal. Não
analisando só os crimes tipificados no CP, mas todos os outros crimes
previstos na legislação extravagante. Embora na Lei das Licitações (n.º
8666), no art. 84, parágrafo único, tenhamos um outro conceito de
funcionário público, falaremos adiante quando tecer comentários sobre
esta questão. Portanto, quando se fala para efeitos penais imaginem que
é para todo o CP, bem como para toda a legislação extravagante.

O art. 327 fala também em cargo público, e este


precisa preencher certos requisitos. E aí existe uma aproximação com
aquela denominação de funcionário público do direito administrativo,
sendo aquele que é titular de cargo criado por lei, com específica
denominação, número certo e onde o funcionário recebe remuneração
dos cofres públicos. Esta é uma noção mais restrita: cargo público.
Emprego público é aquele que se caracteriza pela realização de um
serviço temporário. Sempre que se falar em emprego público façam a
associação de que se refere a um serviço temporário, onde a relação
entre a pessoa e a entidade estatal se dá por um regime especial ou pela
CLT. Exemplo de emprego público: os diaristas, os mensalistas e os
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contratados em geral pela administração pública. Por exemplo, o
município de São Lourenço contrata um determinado n.º de pessoas
para fazerem a limpeza da praia nos meses de veraneio. Estas pessoas
têm um emprego público, e não um cargo público, pois foram contratadas
para um serviço temporário.

Em seguida, o art. 327 fala na noção de função


pública, e esta, eu diria para vocês, é a mais importante e a mais
abrangente. Os nossos penalistas costumam conceituar função pública
como sendo toda aquela gama de atividades que o Estado impõe aos
seus servidores para a realização de serviços na órbita do executivo, do
judiciário, do legislativo e dos demais entes públicos. Função pública é
toda aquela atividade realizada para atingir os fins do próprio Estado.
Então, vejam que pode ser gratuito, remunerado, de forma duradoura, de
forma transitória, enfim não interessa e aqui, como nós temos esta noção
de função pública, o que interessa na hora de se verificar se alguém é ou
não funcionário público, é em última análise verificar se esta pessoa
exerce função pública. É o conceito mais abrangente. Se verificarmos
que esta pessoa exerce função pública, não interessa a qualidade desta
pessoa, não conta muito a qualidade do sujeito, o que conta é a natureza
da função. Se ele exerce uma função pública ele é para fins penais
funcionário público.

Recentemente, em maio deste ano, saiu uma


decisão do STJ considerando que o que caracteriza alguém como
funcionário público, para o direito penal, é o exercício de função pública.
Que caso era este?? Se considerou que uma secretária que trabalhava
para uma empresa prestadora de serviços, e ela exercia a função de
secretária no núcleo de passaportes de uma DP Federal. Então, o STJ
levou em consideração o fato de que ela estava vinculada a uma
empresa prestadora de serviços. Considerou ser ela funcionária pública
pelo fato de exercer uma função pública na DP Federal. E, portanto,
negou o habeas corpus, onde se procurava trancar uma ação penal, que
tinha sido intentada contra um determinado sujeito por Ter desacatado
esta secretária. A intenção do habeas corpus era dizer que na verdade
aquela secretária não era funcionária pública, e que, portanto, não havia
crime de desacato. O STJ afirmou, que embora sua condição, ela exercia
uma função pública e, portanto, era sim vítima de um desacato.

Então, quando vocês se depararem com um


caso concreto, o importante é verificar o efetivo exercício de uma função
pública. Porque a função pública abrange o cargo e o emprego público.
Este conceito vale tanto para a consideração do sujeito ativo do crime
como também para a consideração do sujeito passivo. Neste caso da
secretária, decidido pelo STJ ela foi considerada sujeito passivo do crime
de desacato.

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Até aqui tendo esta noção, temos o conceito de
funcionário público, onde a nossa doutrina e a jurisprudência não têm
muita divergência. É claro que existe, e isto verificamos seguidamente
nas decisões judiciais. Existe uma certa dificuldade em não saber se o
agente é funcionário público ou não, mas não de saber se aquela função
desempenhada é uma função pública ou não. Assim, temos que fazer
valer todas as conceituações e as noções do direito administrativo.

O grande problema e onde há uma certa


celeuma e onde há uma certa divergência na nossa doutrina está no
conceito de funcionário público por equiparação. No “caput” do art. 327
temos o conceito de funcionário público, e no § 1º o conceito de
funcionário público por equiparação.

§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou


função em entidade paraestatal.

Aqui temos duas correntes na nossa doutrina


sobre o que se deve entender por funcionário público por equiparação. A
primeira corrente, que é defendida, entre outros, pelo Damásio de Jesus,
pelo Paulo José da Costa Júnior, é uma corrente restritiva e tem o
seguinte posicionamento: funcionário público por equiparação é aquele
que exerce cargo, emprego ou função em autarquias. Para esta primeira
corrente o §1º do artigo 327 se refere única e exclusivamente às
autarquias. Por que as autarquias? As autarquias são pessoas jurídicas
de direito público e têm como fim executar obras, serviços e atividades
típicas do Estado. Embora, a autarquia tenha sua autonomia, seja
descentralizada, ela tem por escopo realizar aqueles fins próprios típicos
do Estado. E, portanto, segundo estes autores é as autarquias que se
refere o conceito de funcionário público por equiparação.

Uma outra corrente (mudança de lado da fita)...


O §1º fala claramente em entidade paraestatal, e entidade paraestatal
não se confunde com autarquia. Diz Mirabete: “que se deve fazer uma
interpretação literal deste §1º, ou seja, entidade paraestatal, além das
fundações, são as empresas públicas, as sociedades de economia mista,
e aí enquadramos, também, as fundações instituídas pelo poder público”.
E diz mais: “que o legislador procurou aplicar a entidade paraestatal no
seu sentido jurídico próprio”. Então, são funcionários públicos por
equiparação, conforme esta segunda corrente, ampliativa, não só os
funcionários da administração direta e os funcionários das autarquias,
mas também todos aqueles funcionários das empresas públicas, das
sociedades de economia mista, das fundações instituídas pelo poder
público.

E vai além o Mirabete no seu raciocínio, e neste


passo é acompanhado por Rui Stocco, tanto assim que depois foi
acrescentado um §2º no artigo 327, que veio encerrar qualquer celeuma
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que pudesse existir sobre o assunto. E veio corroborar com este
entendimento de que se deve interpretar literalmente o §1º. Vejam, o §2º
fala numa causa de aumento de pena para aqueles que exercem cargos
em comissão, função de direção ou de acessoramento, em empresa
pública, sociedade de economia mista e fundação instituída pelo poder
público. Então, o §2º de acordo com o Mirabete, e esta corrente
ampliativa, veio corroborar no entendimento de que se deve fazer uma
interpretação literal do §1º. Porque no §2º se disse com todas as letras,
se falou em empresa pública, sociedade de economia mista e fundação
instituída pelo poder público. O Rui Stocco diz que o legislador tomou,
aqui, o cuidado, para evitar uma nova discussão, de não mais utilizar a
expressão entidade paraestatal, dizendo com todas as letras: empresa
pública, sociedade de economia mista e fundação instituída pelo poder
público. Desta forma, esta corrente ampliativa considera funcionário
público por equiparação todos os funcionários da administração direta,
das autarquias e destas entidades paraestatais. E, segundo esta
corrente, a causa de aumento de pena do §2º vai se aplicar única e
exclusivamente as pessoas ali mencionadas, ou seja, aqueles que
exercem cargos em comissão, função de direção ou de acessoramento
nestas entidades paraestatais. Funcionário público por equiparação são
todos os funcionários destas entidades, mas a causa de aumento de
pena só vale para as pessoas expressamente mencionadas no §2º,

A causa de aumento de pena vale para todos os


crimes funcionais típicos. Sempre que o crime funcional for praticado por
uma das pessoas mencionadas no §2º, a causa de aumento de pena vai
incidir. Diante do §2º que não utiliza mais a expressão entidade
paraestatal, que menciona expressamente empresa pública, sociedade
de economia mista e fundação instituída pelo poder público, como os
defensores da corrente restritiva, que sustentam a aplicação do §1º
apenas aos funcionários das autarquias, interpretam o §2º? Aqui o
raciocínio é feito por Damásio de Jesus e Paulo José da Costa Júnior,
dentre outros, sendo o seguinte: no §1º funcionário público por
equiparação vale para as autarquias. No §2º não temos apenas uma
causa de aumento de pena, para a corrente restritiva, o §2º traz uma
nova equiparação apartir do momento que também considera funcionário
público por equiparação as pessoas ali mencionadas.

O acréscimo feito ao §1º considerando


funcionário público por equiparação aquele que trabalha em empresa
prestadora de serviço ou conveniada, nos traz uma tendência de se ter
uma noção ampla do que seja funcionário público por equiparação. Esta
tendência já existe também na Lei de Licitações, artigo 84, parágrafo
único, onde temos o conceito de servidor público para fins desta lei, e
aqui se considera servidor público aquele que exerce cargo, emprego ou
função em entidade paraestatal. E aí vem uma tese para dirimir qualquer
dúvida, se considera entidade paraestatal: empresa pública, sociedade
de economia mista e fundação instituída pelo poder público. Então, já a
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Lei de Licitações de 1993, dava uma tendência de se considerar o
conceito amplo de funcionário público por equiparação. Vindo ao
encontro da corrente ampliativa.

Embora ambas as correntes sejam defensáveis,


há uma tendência legislativa, principalmente em razão do momento que
estamos vivendo de se procurar uma ampla moralidade administrativa,
de se adotar este conceito amplo de funcionário público por equiparação.

Existe outra divergência sobre o conceito


funcionário público por equiparação. O conceito de funcionário público do
“caput” do artigo 327 diz respeito tanto a noção de sujeito passivo quanto
a noção de sujeito ativo dos delitos contra a administração pública. A
divergência existe no tocante a extensão do conceito de funcionário
público por equiparação ao sujeito passivo do crime. A maioria dos
doutrinadores pátrios (Damásio de Jesus, Paulo José da Costa Júnior e
Rui Stocco, que neste passo diverge do Mirabete) entendem que a noção
de funcionário público por equiparação vale exclusivamente para a
conceituação do sujeito ativo do crime, se excluindo desta noção a
conceituação do sujeito passivo da infração penal.

O Mirabete, dentro da sua linha de raciocínio,


entende que não se pode distinguir onde a lei não distinguiu. A lei fala
em efeitos penais. Então, para o Mirabete, o conceito de funcionário
público por equiparação vale tanto na consideração do sujeito ativo,
como na consideração do sujeito passivo. Mas outros autores
consideram o conceito de funcionário público por equiparação apenas
para o sujeito ativo do crime. Inclusive se valem da expressão descrita no
§2º: quando os autores dos crimes. O fato de o §2º descrever “os autores
do crime”, segundo aqueles que defendem equiparação apenas para o
sujeito ativo, é um elemento que colabora com o entendimento que
defendem. Uma das consequências deste conceito, por exemplo, é que
quem trabalha numa autarquia não será sujeito passivo de um desacato,
mas sim de uma injúria.

Em linhas gerais, este é o conceito de


funcionário público. No §1º temos o conceito de funcionário público por
equiparação, temos que observar, também, o conceito do artigo 84,
parágrafo único, da Lei de Licitações. As divergências que mencionamos
são os problemas que enfrentamos na hora de conceituar funcionário
público. Falamos em crimes funcionais, e não custa fazer menção ao
Decreto Lei n.º 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade dos
prefeitos municipais. E hoje os prefeitos são julgados pela 4ª Câmara,
tendo condenações seguidamente.

Comentando, brevemente, o Decreto, ali temos


no artigo 1º os crimes funcionais praticados por prefeitos municipais. O
prefeito municipal pode ser responsabilizado por crimes funcionais
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previstos no artigo 1º do Decreto, e, também, por crimes funcionais
previstos no Código Penal (artigos 312 a 326). Agora, se analisarmos o
artigo 1º do Decreto e os tipos penais do CP constataremos que a
grande maioria são semelhantes, havendo algumas exceções, por
exemplo, o peculato culposo que é previsto no CP, não está previsto no
Decreto, assim também a corrupção passiva. Deste modo, sempre que
as condutas tidas como crimes funcionais estiverem previstas no artigo
1º do Decreto Lei 201/67, pela aplicação do princípio da especialidade, o
Decreto é que vai incidir. Se eventualmente uma conduta não estiver
prevista no Decreto vamos aplicar o CP. Em ambos estes casos os
prefeitos serão julgados pelo Poder Judiciário, ao contrário do que ocorre
com as infrações do artigo 4º deste Decreto Lei, onde temos as infrações
políticos administrativas. Estas infrações são crimes de responsabilidade
propriamente ditos, e aqui o julgamento vai se dar na Câmara Municipal.
Desta forma, o prefeito municipal pode ser responsabilizado pelos crimes
funcionais ou crimes de responsabilidade impróprios, que são previstos
no artigo 1º do Decreto. Também, o prefeito pode ser responsabilizado
na forma da legislação comum, pelos crimes previstos nos artigos 312 a
326 do CP, quando não houver previsão no Decreto Lei 201/67.

CRIMES EM ESPÉCIE

Procurei selecionar os principais crimes, aqueles


que são questionados com mais frequência nos concursos.

Peculato:

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer


outro bem móvel, público ou particular, de quem tem a posse em razão
do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.

O crime de peculato, grosso modo, nada mais é


do que o crime de apropriação indébita praticado pelo funcionário público
em razão do seu cargo. De uma maneira bastante singela podemos
traçar algumas diferenças básicas entre o crime de peculato e o crime de
apropriação indébita.

Primeira delas é a qualidade do sujeito ativo, o


peculato é um crime próprio, outra distintiva é que no peculato há uma
previsão de duas modalidades típicas: o apropriar-se ou desviar.
Enquanto que na apropriação indébita temos apenas o “apropriar-se”. O
objeto material é também distinto, na medida em que no peculato é
objeto de apropriação ou de desvio somente aquela coisa em que o
funcionário tenha posse em razão do cargo. Também é uma distinção a
previsão da modalidade culposa no crime de peculato, que não há na
apropriação indébita.

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No peculato se busca a tutela de um interesse
patrimonial da administração pública. E isto nada mais é do que a
preservação do erário público. Na lei da tutela patrimonial da
administração pública há também a intenção de tutelar um interesse,
digamos, moral da administração pública. Este interesse consiste na
fidelidade e probidade do funcionário que exerce a função pública.

O sujeito ativo do peculato é o funcionário


público. Tem um detalhe referido pelo Paulo José da Costa Júnior, que
inclui também aquele funcionário público que teve uma nomeação
irregular. Se ele, embora nomeado de forma irregular, tiver a posse em
razão do cargo do objeto material do peculato, ele vai praticar este crime.
Porque esta nomeação só vai deixar de surtir efeitos quando for
desconstituída.

O sujeito passivo é a administração pública em


linhas gerais e subsidiariamente, de forma mediata o particular, caso o
objeto material da apropriação ou desvio lhe pertença e esteja sob a
guarda e responsabilidade da administração pública.

O peculato tem alguns pressupostos. Em


primeiro lugar a posse do objeto material. A noção que se deve ter desta
posse não é restrita, ou seja, não é apenas o poder de disposição
material que o funcionário público exerce sobre a coisa. Deve se
entender posse não apenas como poder material de disposição da coisa,
não é só aquele funcionário encarregado de ter consigo a coisa, mas
também a disponibilidade jurídica que aquele funcionário exerce sobre a
coisa, em razão do cargo por ele exercido... (troca de fita)

...Em segundo lugar, esta posse deve ser em


razão do cargo, ou seja, deve haver uma relação de causa e efeito entre
a posse e o cargo desempenhado pelo funcionário público. Exemplo: no
fórum de POA, o serventuário da justiça, que trabalha na contadoria e
distribuição, recebe o advogado que vai protocolar uma petição de uma
cautelar de busca e apreensão, e faz o recolhimento da busca. O
serventuário recebe o dinheiro e não recolhe este dinheiro aos cofres
públicos, se apropriando. Neste caso, o serventuário recebeu o dinheiro
em razão do seu cargo, é um ato de ofício receber o dinheiro, desta
forma ele tinha a posse em razão do cargo.

Existe uma decisão judicial onde houve o


afastamento do crime de peculato, por não estar caracterizada a posse
em razão do cargo. O caso foi de uma pequena comunidade, onde dois
particulares tinham uma desavença de crédito. Resolveram fazer o
acordo, e um para pagar o outro deixou a quantia com o Juiz de Paz
daquela cidade. Neste caso, embora o Juiz de Paz fosse funcionário
público, tivesse a posse da coisa, ele não tinha esta posse em razão do
cargo. Porque não se encontravam dentre as atribuições do Juiz de Paz
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receber quantias e repassá-las, no caso de desavença entre particulares.
Ele não tinha a posse em razão do cargo. Por falta deste pressuposto se
afasta o peculato e o Juiz de Paz vai responder por apropriação indébita.

Se o sujeito não tiver a posse, ele não vai


responder por peculato, ele vai responder por furto ou por peculato/furto.
Posse do objeto material: é pressuposto do peculato que esta posse seja
em razão do cargo, dentro das atribuições do funcionário. Se, aqui, ele
não tem a posse ele vai responder por furto ou peculato/furto. Se, aqui,
ele não tem a posse em razão do cargo ele vai responder por
apropriação indébita.

Por fim, é preciso que esta posse seja legal,


lícita e legítima. É aquela que advém da própria lei, ou seja, a própria lei
determina que o funcionário, por exercer determinado cargo, vai ter a
posse de determinado bem. Então, esta posse legal, lícita e legítima
decorre da lei, de algum regulamento ou, ainda, de um costume não
contrário a lei. Costume não contrário a lei são aquelas praxes que vão
ocorrendo dentro da administração pública. Se a posse derivar de fraude
o funcionário não vai mais responder por peculato.

Aqui há a possibilidade de que o sujeito tenha


recebido a coisa por erro. Se for por erro ele não vai responder pelo
peculato, mas pelo crime do artigo seguinte peculato mediante erro de
outro. Este erro não pode ter sido provocado pelo funcionário que vai se
apropriar da coisa, tem que ter sido espontâneo. Afastada a posse ilegal,
porque houve violência, porque houve erro, porque houve fraude, o
sujeito vai responder por outro crime que não o peculato.

Para que se configure o peculato, então, são


necessários estes pressupostos:

1) Posse do objeto material;


2) Posse em razão do cargo;
3) Posse legítima.

Quanto ao objeto material do crime de peculato,


a lei fala em dinheiro, e quando fala em dinheiro termina com aquela
celeuma se as coisas fungíveis podem ser objeto do peculato. Dentro da
expressão “valor” devemos entender: ações, apólices, títulos de crédito e
todos aqueles outros documentos negociáveis. O que é importante
ressaltar são dois aspectos sobre o objeto do peculato.

Primeiro aspecto: vamos supor que um


determinado funcionário público se valha do serviço de outro funcionário
público para executar uma tarefa particular para ele. Um superior diz ao
subalterno que em determinado dia ele não vai trabalhar na repartição,
neste dia ele vai na casa do superior para lhe prestar um determinado
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serviço. Prestação de serviço não é objeto do peculato. Neste caso não
há previsão de que ele venha a responder por peculato.

Outro aspecto é o peculato de uso que não é


crime. Por exemplo, o uso particular de viaturas por policiais. Não temos
previsão normativa de incriminação pelo peculato de uso, portanto, é um
fato atípico. Vale ressaltar que em se tratando de prefeito municipal, se
analisarmos o artigo 1º do Decreto Lei n.º 201/67, lá está tipificada a
conduta do peculato de uso, diferentemente dos demais mortais,
funcionários públicos do CP. No que diz respeito ao objeto material, o
que importa considerar, fundamentalmente, é esta questão do peculato
de uso que parece vai vir a previsão normativa.

No peculato temos duas razões típicas. A


primeira delas é o “apropriar-se” e a segunda o “desviar” a coisa que se
tem em razão do cargo em proveito próprio ou alheio. Não há maior
dificuldade no que diz respeito a conduta do “apropriar-se”, porque se faz
o mesmo raciocínio que se faz no crime de apropriação indébita.
Apropriar-se é fazer sua a coisa, é inverter o título da posse, é passar a
agir em relação a coisa como se dono fosse. Mesmo raciocínio que se
faz no crime de apropriação indébita. Inverte o título da posse, passa a
agir como dono, faz sua a coisa. Nesta modalidade do “apropriar-se”
quando se faz a inversão do título da coisa temos a consumação do
peculato.

No peculato, diferentemente da apropriação


indébita, existe, ainda, a conduta do “desviar” em interesse próprio ou
alheio. No “desviar” não se exige a intenção de se apropriar da coisa,
uma vez efetuado o desvio, desde que seja em interesse próprio ou
alheio, está configurado o peculato. O “desviar” nada mais é do que dar a
coisa, uma destinação diversa daquela pela qual se recebeu a sua
posse. O funcionário público recebe a posse da coisa com um
determinado fim, ele desvia a coisa deste fim inicial, neste caso vai
responder por peculato quando este desvio for em interesse próprio ou
alheio. Não há necessidade de que o interesse seja meramente
patrimonial.

Atualmente se tem entendido que o emprego


irregular da coisa constitui a ação típica de “desviar”. Pesquisando em
decisões judiciais, se encontra uma outra modalidade típica. Um médico,
chefe de um posto de saúde, se apoderou de remédios com selo do
Estado, pertencentes a este posto de saúde, e levou para o seu
consultório particular. No consultório, passou a ceder os remédios
gratuitamente para os seus pacientes particulares. Por que ele fez isto?
Onde havia o interesse? Era época de campanha eleitoral e o médico era
candidato. Como se constata, o interesse não precisa ser patrimonial,
pode haver outro tipo de interesse, como este, um interesse eleitoreiro.

12
Esta conduta de “desviar” é onde mais
comumente nós vamos enquadrar os agentes do poder público. Porque é
mais amplo do que o “apropriar-se”, onde se exige aquele ânimo de
apossamento, aquela conduta de inversão do título da posse. E aqui no
“desviar”, o próprio emprego irregular da coisa já pode configurar o
peculato-desvio, que vai se configurar com o próprio ato de desvio. É
importante observar que o desvio se dê em proveito próprio ou alheio. Se
o agente desviar a coisa em proveito da própria administração pública,
ele não vai responder pelo crime de peculato. Pode vir a responder pelo
crime do artigo 315 do CP, que é o emprego irregular de verbas ou
rendas públicas. Aqui, embora haja o desvio ele se dá em proveito da
própria administração pública, ao contrário do peculato, onde o desvio se
dá em proveito próprio ou de terceiro.

Elementos Subjetivos:

O primeiro elemento subjetivo do peculato é o


dolo, aquela consciência e vontade de praticar os elementos descritos no
tipo objetivo. A vontade de se apropriar da coisa que tenha em razão do
cargo ou desviar esta coisa.

Na conduta do “desviar” temos além do dolo


outro elemento subjetivo do tipo. Este outro elemento é o “em proveito
próprio ou alheio”. Este ao lado do dolo, mas que não se confunde com o
dolo, é o outro elemento subjetivo do tipo. Ao se analisar os livros mais
comuns da nossa doutrina, podemos constatar que os autores ao se
referirem à tipicidade subjetiva, ao se referirem aos elementos subjetivos
nos crimes contra a administração pública, eles utilizam aquela antiga
classificação de dolo genérico e dolo específico. Esta classificação não
existe mais, o que temos é o dolo como consciência e a vontade de
praticar os elementos descritos no tipo objetivo, e podemos ter ao lado
do dolo e não se confundindo com ele, outros elementos subjetivos do
tipo.

Que elementos subjetivos são estes? São


aqueles delitos de tendência, são os delitos de intenção, são
determinados estados anímicos. Como, por exemplo, praticar o crime de
homicídio por motivo fútil, por motivo torpe. E aqui, no peculato, em
proveito próprio ou alheio, há a intenção de uma ação ulterior, de usufruir
desta coisa. Assim, temos no peculato um elemento subjetivo, que se
classificaria entre os delitos de intenção.

Peculato–Furto (§1º do artigo 312 do CP):

§1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo


a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja
subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe
proporciona a qualidade de funcionário.
13
Quando se fala nos pressupostos do peculato,
temos que observar a posse em razão do cargo. Já no peculato–furto,
não temos a posse em razão do cargo. O sujeito ativo, funcionário
público, não tem posse em razão do cargo. Deste modo, o agente pratica
uma conduta violadora da posse de outrem, e aí muda a ação típica, não
mais o “apropriar-se” ou “desviar”, mais sim o “subtrair”.

A proximidade aqui do peculato–furto com o


peculato é de que o sujeito ativo se vale, embora não tenha a posse da
coisa, da qualidade de funcionário público, que vai lhe propiciar uma
maior facilidade na prática da subtração. Esta maior facilidade decorre,
via de regra, do fácil acesso que o funcionário tem ao local onde a coisa
está guardada, ou das próprias relações pessoais que aquele funcionário
público com aquele funcionário que tem a posse da coisa que será
subtraída. Então, ele se vale destas relações, ou do prestígio que ele tem
dentro de uma determinada repartição, por exemplo, para nela adentrar
sem qualquer tipo de vigilância.

Agora, para que se configure o peculato–furto é


preciso que a subtração tenha sido praticada com o funcionário valendo-
se das facilidades mencionadas anteriormente.

O peculato–furto prevê, ainda, além da


subtração direta uma outra possibilidade, que é a de o funcionário
público, mais uma vez valendo-se daquelas facilidades, concorrer para a
subtração de outrem. O tipo penal, no §1º, descreve “...ou concorre para
que seja subtraído...”.

Nesta segunda modalidade de peculato–furto,


temos um crime plurisubjetivo. Um crime de concurso necessário, ou
seja, o funcionário público, valendo-se das facilidades da sua condição,
pratica a subtração em concurso com o particular. Vale salientar, que se
o funcionário não utiliza as facilidades da função, não vai responder por
peculato–furto, vai responder por furto.

Peculato Culposo (§2º do artigo 312 do CP):

§2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem

O §2º descreve: “...para o crime de outrem”.


Esta expressão se refere as hipóteses do “caput” e do §1º, ou seja, só
pratica o peculato culposo aquele que com desídia, inobservando o dever
de cuidar do objeto, acaba permitindo que outrem pratique o peculato–
apropriação–desvio, do “caput”, ou o peculato–furto do §1º do artigo 312
do CP.

14
Portanto, “...para o crime de outrem” refere-se
ao “caput” ou ao §1º (troca de lado da fita)...

...Existe divergência na jurisprudência quanto


uma peculiar situação: se devemos entender “para o crime de outrem...”
uma referência apenas ao “caput” e ao §1º do artigo 312 do CP, no caso
de um particular não praticar nenhum destes crimes, o fato para o
funcionário público desidioso seria atípico. Esta é uma corrente, dentre
os seguidores está o Mirabete.

Outra corrente diz que como a conduta


praticamente seja a mesma (caso do particular praticar um furto, em
razão da desídia do funcionário, por exemplo), ainda que a tipificação
seja diferente. Embora, o particular tenha praticado um furto, e não as
hipóteses do “caput” e do §1º, o funcionário vai responder por peculato
culposo, não importando que a conduta de outrem não seja as referidas
no “caput” e no §1º do artigo 312 do CP.

Aqui, parece injusto que venhamos a considerar


o fato atípico. O que é mais grave? Onde há uma culpa mais intensa do
funcionário público, quando ele por desídia permite que um colega seu
ingresse na sala e subtraia o dinheiro, por exemplo, ou é mais grave
quando um particular subtrai? A culpa mais intensa é no caso do
particular, desta forma prece que a Segunda conduta é mais coerente.

§3º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à


sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de
metade a pena imposta.

No §3º temos a causa de extinção da


punibilidade que se aplica, exclusivamente, ao peculato culposo,
naqueles casos que há a reparação do dano até a sentença condenatória
irrecorrível. No caso do parágrafo anterior, se a reparação do dano se
precede a sentença irrecorrível extingue a punibilidade; se lhe é posterior
reduz pela metade a pena imposta.

Se aplica somente ao peculato culposo. Neste


caso, não vai ser beneficiado o outro funcionário ou o particular, que
tenham praticado os peculatos previstos no “caput” e no §1º do artigo
312 do CP.

Concussão:

Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda


que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem
indevida.

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A concussão nada mais é do que uma forma
especial de extorsão, que é praticada pelo funcionário público. Ainda que
seja uma modalidade especial de extorsão, a concussão se diferencia da
extorsão. Na concussão o tipo penal fala em exigir vantagem indevida,
na extorsão o meio executório para a prática do delito é a violência ou a
grave ameaça. Na concussão não há o emprego de violência ou grave
ameaça, então, os meios executórios de um ou de outro delito são
diversos, embora haja similitude entre os dois crimes. Na concussão o
meio de coação é a própria condição de funcionário público
desempenhada pelo agente do crime. O particular pode não sofrer
violência, mas por temor, temendo represálias por parte da autoridade
(funcionário público) acaba cedendo às exigências.

Elementos do Delito:

Exigência de vantagem indevida é um dos


elementos do delito. Esta exigência pode ser direta ou indireta. Exigência
direta é aquela feita face a face, quando o funcionário público chega para
o particular e na frente dele exige a vantagem indevida. Exigência
indireta é aquela que pode ser praticada por interposta pessoas, o
funcionário público se vale de uma terceira pessoa para fazer a exigência
indevida. No caso da exigência indireta pode ocorrer de a interposta
pessoa, de o terceiro vir a ser responsabilizado pelo crime de concussão
em concurso com o funcionário público.

A exigência, também, pode ser explícita ou


implícita, a que mais corriqueiramente ocorre é a implícita. A explícita é a
aquela em que o funcionário com “todas as letras” faz a exigência ao
particular. O que mais comumente ocorre é que esta exigência seja feita
de forma velada, porque ele não diz, não faz a exigência com “todas as
letras”. Ele age com uma certa manha, ele age com malícia, mas ele faz
ver ao particular que ele está querendo receber alguma coisa e se não
receber, o particular poderá sofrer consequências. Esta é a exigência
implícita onde o funcionário se vale desta manha, desta malícia para
fazer a exigência.

Depois, veremos que quando a exigência é


explícita não há dificuldade de caracterizar o crime de concussão.
Todavia, em se tratando de uma exigência implícita surge uma certa
dificuldade de, no caso concreto, conseguirmos diferenciar a concussão
mediante exigência implícita, do crime de corrupção passiva. Ainda que o
verbo do tipo da corrupção seja diferente da concussão, na corrupção o
verbo nuclear é “solicitar” e na concussão “exigir”, não é tão fácil fazer
uma diferenciação entre dois delitos. Muitas vezes esta noção de verbos
nucleares diferentes não permite verificarmos, no caso concreto, se
estamos diante de um ou de outro delito. Vamos analisar esta
diferenciação ao final da exposição do crime de corrupção passiva.

16
Outra consideração importante é de que a
vantagem exigida deve ser indevida. Se a vantagem exigida pelo
funcionário público for devida nós afastamos o delito de concussão, mas
o funcionário público poderá ser responsabilizado pelo crime de abuso de
autoridade. Esta vantagem, segundo a doutrina, deve ser econômica ou
patrimonial, mais do que isto, esta vantagem deve ser em favor do
funcionário público ou para outrem. Quando o funcionário exigir esta
vantagem para a administração, haverá a possibilidade de ocorrer o
chamado excesso de exação. Esta ocorrência é condicionada, porque
enquanto na concussão nós temos a exigência de uma vantagem, na
exação nós temos a exigência de tributo ou contribuição social indevida.

Outro elemento do delito é a observância de que


esta exigência esteja ligada a função desempenhada pelo funcionário
público. O tipo penal fala em exigir para si ou para outrem, ainda fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela. Então, o crime de
concussão pode ser praticado pelo funcionário licenciado, em férias, por
exemplo, desde que aquela exigência seja em razão da função exercida
pelo funcionário afastado ou em férias. Portanto, o funcionário público
não precisa estar no efetivo exercício da sua função, em se tratando de
exigência feita em razão desta função pública. Assim, já podemos
caracterizar o delito de concussão se presentes os demais elementos do
delito.

Tanto na concussão quanto no peculato temos o


abuso do cargo, e se procura evitar este abuso. Se procura tutelar na
concussão a probidade administrativa evitando-se o abuso do cargo. A
tutela mediata na concussão é o patrimônio do particular de quem se
exige a vantagem indevida, e também a sua própria liberdade individual,
na medida em que ele esta sendo coagido a agir de determinadas
formas.

Elementos Subjetivos:

Na concussão temos o dolo e outro elemento


subjetivo descrito no artigo, na expressão “...para si ou para outrem”.

No que diz respeito a consumação, e este,


talvez, seja o ponto mais importante deste tema da concussão,
seguidamente cai em concurso. O crime de concussão é um crime
formal, o que significa que a concussão é um crime de consumação
antecipada. A contar do momento que o funcionário faz a exigência,
e chegando esta exigência ao conhecimento do sujeito passivo do
crime, o delito está consumado. Não há necessidade para a
consumação do delito de concussão que o sujeito ativo, funcionário
público, obtenha a vantagem ilícita. Feita a exigência e chegando esta
exigência ao conhecimento do sujeito passivo, o crime está consumado.
O exaurimento do crime se dá com a obtenção da vantagem indevida; a
17
consumação se dá com a mera exigência, chegando esta exigência ao
conhecimento do sujeito passivo.

Existe a possibilidade de tentativa no crime de


concussão? O Magalhães Noronha diz que há esta possibilidade, citando
um exemplo, e neste exemplo ele procura fazer uma diferenciação. Aqui,
na concussão, a conduta é a exigência, o exigir; o Noronha divide em
conduta unissubsistente e conduta plurissubsistente. Por exemplo, se a
exigência for verbal o crime não admite a tentativa, porque nos estamos
diante de uma conduta de ato único, uma conduta unissubsistente, onde
se confundem no tempo e no espaço o processo executivo e o resultado.
Então, se a exigência for feita de forma verbal,, nós estamos diante de
uma conduta única, unissubsistente, que não admite tentativa.. Mas o
Noronha traz a possibilidade desta exigência se dar através de uma
conduta plurissubsistente, e dá o exemplo da exigência feita por escrito.
O funcionário faz a exigência por carta, e esta carta por algum motivo
qualquer se perde ou se extravia, e chega ao conhecimento da
autoridade policial antes de chegar ao conhecimento do sujeito passivo.
Neste caso, segundo o Noronha, teríamos uma conduta
plurissubsistente, e estaríamos diante de uma tentativa de concussão.

Portanto, para verificarmos a tentativa, temos


que analisar as condutas unissubsistentes ou plurissubsistentes...(troca
de fita)

...Excesso de Exação:

Ao lado da concussão temos o excesso de


exação. O excesso está previsto no §1º do artigo 316.

§1º Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou


deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio
vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza.

Exação é a cobrança rigorosa de uma dívida ou


imposto. O que se procura punir, neste caso, é exatamente o excesso
existente nesta cobrança. O que caracteriza o excesso é, neste caso, o
funcionário público ao efetuar a cobrança, ao praticar esta conduta,
presume o legislador, ao fazer esta exigência de tributo ou contribuição
social indevidos, ele a faz para recolher aos cofres públicos. A intenção
do funcionário público, aqui, não é ele auferir uma vantagem patrimonial,
é recolher o que está exigindo aos cofres públicos. É por isso que se diz,
que neste caso há um excesso no desempenho da função.

Temos duas modalidades de conduta no


excesso de exação: 1ª)exigência de tributo ou contribuição social
indevidos; 2ª)emprego de meio vexatório ou gravoso, que a lei não
autoriza, na cobrança de tributo ou contribuição social devidos.
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Na primeira modalidade, o funcionário exige um
tributo ou contribuição social indevidos. Sendo que a característica
“indevido”, advém do fato do pagamento já ter sido efetuado, do fato de
não haver previsão legal deste tributo ou contribuição social, ou pelo fato
de haver exigência de uma quantia maior do que a devida. Nesta
modalidade em que a exigência é indevida, temos um elemento subjetivo
do tipo que diz com o estado de consciência, de conhecimento de
determinados fatos descritos no tipo penal. No §1º do artigo 316,
encontramos as instruções: “que sabe”(dolo direto) e “que deveria saber”.
Estes são elementos subjetivos do tipo referentes ao conhecimento.

Há uma certa divergência sobre a instrução


“deveria saber”. Esta divergência existe entre o Damásio de Jesus e o
Mirabete. O Damásio entende que esta instrução é indicativo do dolo
eventual. Tanto que, em suas obras, ele menciona, ao fazer referência
aos elementos subjetivos do tipo, que não há previsão da modalidade
culposa no excesso de exação. O Mirabete diverge afirmando que a
instrução “deveria saber” caracteriza a modalidade culposa do excesso
de exação. Mas, o Mirabete mesmo alerta que desta forma a modalidade
dolosa e culposa são punidas da mesma forma.

A segunda modalidade de excesso de exação é


aquela em que o funcionário público exige tributo ou contribuição social
devidos, empregando meio vexatório ou gravoso para o sujeito passivo
do delito. Nesta modalidade o que se procura punir não é a ação
“exigência”, mas a forma como esta “exigência” se dá.

Outra discussão, dentro do excesso de exação,


diz respeito ao sujeito ativo do delito. Alguns autores defendem que o
sujeito ativo do excesso de exação é o funcionário que pratica as
condutas previstas no §1º do artigo 316. Outros entendem que o sujeito
ativo é o funcionário público competente par arrecadar o tributo ou a
contribuição social, somente o funcionário responsável pela arrecadação
seria o sujeito ativo do excesso de exação. O argumento é que neste
caso o legislador presume que a quantia arrecadada será recolhida aos
cofres públicos. Portanto, se o funcionário não é competente não se pode
presumir o recolhimento aos cofres públicos.

A forma qualificada do excesso de exação está


prevista no §2º do artigo 316.

§2º Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que


recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos

Este parágrafo é aplicado ao excesso de


exação, está expressamente descrito na lei: “...o que recebeu
indevidamente para recolher aos cofres públicos...”. Agora, as reformas
19
pontuais na legislação penal nos trazem problemas, se observarmos a
pena da forma qualificada e a pena do §1º, veremos que a pena mínima
da forma qualificada do excesso de exação é menor do que a pena
mínima do excesso de exação, modalidade simples. É que esta pena de
reclusão de 10 a oito anos advém da Lei n.º 8137/90, e o legislador não
se apercebeu disto, e aí ficamos com este problema. A forma de se
resolver este problema, seria o Juiz adequar a pena no momento da
sentença.

A conduta do funcionário no §2º é desviar, em


proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente. Então,
quando o funcionário pratica a conduta do “desviar”, ele já consumou o
§1º, porque ele já fez a exigência do tributo ou contribuição social
indevidos, e aí é que ele vai efetuar o desvio. Quer dizer, antes ele
consuma o §1º, ele faz a exigência do tributo indevido, e antes de
recolher aos cofres públicos ele desvia em proveito próprio ou alheio.

A questão que surge é se quando o funcionário


fez a exigência, ele já tinha a intenção de desviar ou não. O raciocínio
que a doutrina faz é que tanto faz, se ele resolveu desviar depois de
receber, ou mesmo que ele já tenha feito a exigência do tributo indevido
com a intenção de posteriormente desviar.

Um ponto bastante interessante e também


discutido na doutrina, é que na forma qualificada nós temos a conduta do
desvio. E a doutrina diverge no que diz respeito a uma possibilidade que
pode ocorrer, se o funcionário público faz a exigência, recebe e recolhe o
tributo aos cofres públicos, e depois disto pratica o desvio. Segundo
alguns, esta conduta onde ele faz a exigência, recolhe aos cofres
públicos e depois desvia em proveito próprio ou alheio; esta conduta
ainda assim seria um excesso de exação qualificado, é a posição do
Paulo José da Costa Júnior. Mas pelo que se pode observar na doutrina,
a maioria entende que não, que este desvio efetuado após o
recolhimento aos cofres públicos caracteriza peculato. E aí, pode-se
estabelecer um concurso material entre o excesso de exação e o
peculato. Mas a grande divergência é esta, quando o ato de desvio
ocorre após o recolhimento aos cofres públicos, onde alguns entendem
que ainda assim seria forma qualificada do excesso de exação, e outros
entendem que caracterizaria o crime de peculato.

Outra possibilidade aventada, é a possibilidade


do sujeito tentar desviar e não conseguir, desviar o que recebeu
mediante a exigência do tributo indevido. Segundo Heleno Fragoso, o
sujeito responderia pela forma tentada dessa modalidade qualificada do
excesso de exação. Mas, se o sujeito pratica a tentativa da forma
qualificada do excesso de exação, temos o excesso de exação na forma
simples já consumado, parece mais lógico denunciá-lo pelo crime
consumado do §1º, até porque a pena mínima é maior.
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Em termos de concussão e excesso de exação
seriam estas as considerações mais importantes.

Corrupção Passiva:

A corrupção passiva é outro delito de


fundamental importância, está prevista no artigo 317 do CP.

Art. 317. Solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou


indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Quando se fala em corrupção é importante


salientar, que o nosso Código Penal prevê duas modalidades de
corrupção, a corrupção passiva prevista no artigo 317, e a corrupção
ativa prevista no capítulo seguinte prevista no artigo 333. A corrupção
ativa visa a figura do corruptor, a corrupção passiva visa a figura do
corrupto, do funcionário corrompido. O fato de termos estas duas
modalidades não significa que sempre que tivermos um crime de
corrupção passiva teremos de outro lado um crime de corrupção ativa.
Não se trata de um delito de mão dupla, onde há um, haveria ao mesmo
tempo o outro. Isto porque na corrupção passiva temos uma ação típica,
temos um verbo que não tem o seu correspondente no tipo penal da
corrupção ativa. Este verbo é o “solicitar”, pratica a corrupção passiva o
funcionário que solicita do particular a vantagem indevida. Na corrupção
ativa temos duas condutas o “oferecer” e o “prometer” a vantagem
indevida. Então não há um correlato, não há correspondência desta
conduta do “solicitar” para que se possa denunciar o particular pelo crime
de corrupção ativa. O que se significa que podemos ter o crime de
corrupção passiva sem que tenhamos o crime de corrupção ativa. Este
raciocínio também pode ser feito de forma inversa. No crime de
corrupção ativa temos o “oferecer”, o sujeito que oferecer a vantagem
indevida ao funcionário público vai responder pelo crime de corrupção
ativa, mas, se por sua vez, o funcionário público não aceitar, não receber
esta oferta, não será responsabilizado pelo crime se corrupção passiva.

A corrupção passiva, nas ações típicas “solicitar”


e “receber”, também pode se dar de forma indireta. Na forma indireta
haverá uma terceira pessoa. Exemplo: na época em que a confecção das
carteiras de motorista estava sob a responsabilidade da Polícia Civil, das
Delegacias de Trânsito. Tínhamos aquele enorme volume de carteiras
compradas pelos motoristas. Ali, podemos configurar muitos casos de
corrupção passiva, que se dava de forma indireta, onde a interposta
pessoa eram os funcionários das auto escolas, que intermediavam a
negociação, entre o policial civil da Delegacia de Trânsito e o
pretendente da carteira de motorista.

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Uma questão que vou deixar para a próxima
aula, porque vai ser mais discutida, é sobre o pressuposto da corrupção
passiva. Vou expor a classificação da corrupção passiva rapidamente
para encerrarmos a aula. A corrupção passiva pode ser própria ou
imprópria.

Na corrupção passiva temos um funcionário


público que está comercializando a sua função, o funcionário está
vendendo o seu ato de ofício, o seu ato funcional. A corrupção passiva
será própria quando o ato que se pretende que seja praticado seja
contrário a lei, quando o funcionário está infringindo um dever funcional
dele praticando um ato contra a lei. Também, quando ele está omitindo
ou retardando de forma indevida a prática de um ato.

Na corrupção imprópria o funcionário público


não pratica ato contrário a lei, pratica um ato funcional normal sem
qualquer infrigência, mas de qualquer forma, houve a comercialização
deste ato. Na corrupção passiva própria o ato que se pretende que o
funcionário pratique ou deixe de praticar é irregular, já na corrupção
passiva imprópria, não, o ato é perfeitamente legal.

São 12h45min, paramos aqui, retomamos na


próxima aula com a corrupção passiva e mais alguns crimes.

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