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O TROVADORISMO GALEGO-PORTUGUÊS
E A EUROPA
J o s é C a r l o s R ib e ir o M i r a n d a
(Universidade do Porto)
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A Península Ibérica, confinando com o sul de França e possuindo um a
intensa rede de ligações ao sul da Europa, dificilm ente poderia ficar alheia à
vaga trovadoresca e ao predom ínio do occitànico. A ssim sucedeu em todos os
reinos do N orte peninsular que, à excepção do novel reino de Portugal, conhe
cem a frequência de trovadores occitânicos desde m eados do séc. X II, tendo
em alguns casos, com o o de A ragão, havido um a inserção directa nesse pro
cesso literário, através do surgim ento de um grupo de trovadores locais que
adoptaram o occitànico com o língua de "trobar".
A segunda m etade do séc. XII é, porém , um período de irradiação m ais
intensa do fenómeno trovadoresco, que o há-de levar a geografias onde, por questões
de valorização e prom oção de form as de sociabilidade de âm bito m ais restrito,
o occitànico poderá vir a ser substituído por outras línguas de maior difusão local.
N a Península Ibérica, o prim eiro núcleo que é possível identificar onde se
observa um processo de sim ultânea convergência e concorrência entre o occi
tànico e as línguas locais situa-se no N orte de Castela, num a zona próxim a da
N avarra e de A ragão, m ais precisam ente no senhorio dos Cam eros. Activo
após 1190, esse núcleo é sobretudo conhecido por dele ter saído o m ais antigo
cantar galego-português datável com segurança - o Ora fa z ost'o senhor de
N avarra, de Joan Soares de Paiva, redigido nos inícios de 1196. Em bora não
tenha sido possível aceder directam ente a m ais nenhum texto proveniente da
produção deste grupo, o facto de os elem entos que o terão integrado - entre os
quais, Rui Díaz, o senhor dos Cam eros - serem conhecidos antes de m ais por
estarem presentes na tradição m anuscrita da poesia galego-portuguesa leva a
pensar que se trataria de um grupo exclusivam ente galego-português, o que
pode revelar-se não totalm ente correcto.
Os Cam eros sobressaem pelo apoio que prestaram a vários trovadores
occitânicos, desde o tem po de Diego Jim énez até à segunda década do séc.
XIII, o que leva a concluir que, nesse m eio, se tom ou perm anente um convívio
estreito entre ibéricos e occitânicos. A lém disso, conquanto seja visível a liga
ção estreita deste núcleo ao O cidente peninsular, particularm ente a Portugal e à
zona galega do reino de Leão, a um olhar atento não escapa a presença de cas
telhanos no seu seio. Por outro lado, não estavam ausentes deste laboratório
poético condições propícias a que o castelhano ou outros falares peninsulares
fizessem os seus prim eiros ensaios. Isso m esm o poderá de algum m odo con-
firm ar-se tendo em conta a natureza linguística dos textos deste grupo que
terão sido conhecidos e indirectam ente utilizados por trovadores occitânicos da
dim ensão de R aim baut de V aqueiras e de Ramon Vidal de Besalú, num a troca
literária que terá provavelm ente decorrido no âmbito da corte italiana dos m ar
queses de M onferrato.
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Seja com o for, parece tam bém evidente que nem o castelhano, nem qual
quer outro falar do centro ibérico acabou por reunir adesões significativas
como língua trovadoresca, não apenas porque o galego-português veio a
conhecer um a afirm ação natural na sequência da ocidentalização deste núcleo
senhorial em direcção às suas raízes, mas tam bém porque só Leão, e m ais tarde
Portugal, se ofereciam com o regiões onde se encontravam im plantados grupos
sociais capazes de reconhecer na linguagem típica do serviço feudo-vassálico
os sím bolos da afirm ação de um poder aristocrático autónom o. O centro penin
sular, m arcado por form as diversas de organização da realeza e da aristocracia,
im plicando a um a escassa autonom ia desta últim a, perm aneceu naturalm ente
alheio a este desenvolvim ento, sobretudo no tocante à sua adaptação em língua
local.
A relação literária e cultural entre o O cidente ibérico e o Sul de França
fluiu, assim , naturalm ente, pelo m enos até 1220, altura em que evoluções
divergentes foram ditando um inevitável afastam ento. M as a prim eira geração
de trovadores galego-portugueses fica sendo aquela que m anteve um a ligação
mais estreita à poesia occitànica, traduzida em processos variados de apropria
ção textual levados a cabo quer pelos peninsulares, quer pelos occitânicos,
sinal seguro de que havia relações próxim as entre os grupos senhorias que
patrocinavam toda esta actividade. Os Cam eros, Ricardo Coração-de-Leão,
B onifácio de M onferrato, A fonso IX de Leão, Saveric de M auléon e até os
portugueses Sousões são os nom es das entidades feudais que prim eiro ocorrem
quando se trata de equacionar a rede de relações trans-europeias que suporta
ram ou influenciaram as form as da cultura trovadoresca do O cidente peninsular
na fase inicial.
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guesa. N a realidade, é durante este período, nas décadas de 1220 e 1230, que se
constitui realm ente aquilo que é o fundam ental do legado galego-português,
vindo a perm anecer intangível para a posteridade apesar das várias convulsões
poéticas posteriores.
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tánico, vier por estes anos a censurá-lo em tom áspero pela falta das virtudes
que elevavam os potentados senhoriais à condição de m ecenas de trovadores.
Este conjunto de circunstâncias leva a pensar que as grandes esperanças de
apoio efectivo e m ecenático do m undo trovadoresco se centravam não no rei
mas na em ergente figura do seu filho. Terá sido, aliás, por esta época, e não
m ais tarde, que o jovem A fonso “tençoa” em galego-português com o proven
çal A m aut Catalan, enquanto este lhe responde em occitànico, docum entando
na prática em tom o de quem circulavam os trovadores da esfera occitànica que
encetavam viagem a terras do centro peninsular. E tam bém desta altura outra
interessante tenção, entre o português Joan Soares Coelho e Picandon, “segrel”
ao serviço de Sordello, reveladora do cosm opolitism o e do espírito de troca
literária que se passara a viver em am biente castelhano sob a protecção do
futuro R ei-Sábio.
M as o jo v em príncipe, já então designado “Rei de L eão” e um bilical
m ente ligado à expressão poética em galego-português que não abandonará ao
longo de todo o seu trajecto, desde cedo m ostrou não ser apenas um m ecenas
passivo, m ero recolector dos benefícios públicos da actividade poético-m usical
alheia. C onhecia bem o modo poético occitànico e a form a de relacionam ento
dos trovadores de além -Pirenéus com os poderes senhoriais que os acolhiam , e
pôde facilm ente confrontar esse modo com a evolução divergente que desde os
tem pos do seu avô, A fonso IX, rei de Leão, o trovadorism o ibérico vinha
conhecendo em terras atlânticas. A sua atitude ter-se-á tom ado cada vez m ais
reservada relativam ente à sobranceria e pouca reverencialidade dos trovadores
galego-portugueses oriundos de Portugal e da Galiza, ao desrespeito que reve
lavam pela ordem fundada no serviço vassálico, tendo assim procurado reo
rientar os rum os do fazer poético dos que se acolhiam ao seu apoio com o pro
pósito de repor esses valores, que se preservavam ainda intactos nos occitânicos.
É esse o sentido das célebres palavras doutrinárias e program áticas dirigi
das por D. A fonso a Pero da Ponte em louvor dos “provençais” e m enosprezo
da arte de Bernal de Bonaval e de todos os que haviam saído da segunda gera
ção de trovadores sediada em Portugal e na Galiza. U m a vaga de re-provença-
lização da poesia galego-portuguesa estava em marcha, sendo antes de m ais a
essa luz que é necessário com preender os rum os do trovadorism o galego-por
tuguês no período alfonsino.
Pelos dados disponíveis, é facilm ente verificável que todo este processo
se refina e aprofunda depois da entronização de Afonso X em 1252. Se até
então o candidato ao trono régio assum ira o seu lugar no seio da aristocracia e
agira a partir desse lugar para cristalizar um a pirâm ide de prestígio e de poder
que arredasse do horizonte qualquer hipótese de rivalidade senhorial, com a
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ocupação do trono castelhano tal projecto vem a adquirir um a outra am plitude
e um m ais am plo raio de acção. Por um lado, adquirida a suprem acia ibérica
pela quase total reconquista dos reinos m uçulm anos, A fonso X virá a reclam ar
o trono imperial do centro da Europa, enquanto por outro congregará junto de
si representantes de vários grupos sociais, regionais e religiosos e acolherá a
cultura específica desses grupos na pluralidade da sua expressão linguística. O
projecto universalista e globalizante da General Estorta é, em si, a melhor expressão
de com o este hom em procurara transfigurar-se de rei em autêntico axis m undi.
É neste contexto que cresce exponencialm ente o apoio prestado aos tro
vadores quer galego-portugueses, quer occitânicos, particularm ente a estes
últim os, já que constituíam um extraordinário veículo de divulgação da figura
régia e do seu projecto para além do espaço ibérico ao m esm o tem po que con
substanciavam um a form a de exercício do poder e do m ando que o m onarca
não renegava, antes integrava e ultrapassava num projecto m uito m ais vasto do
que o previsto no m odelo aristocrático que estava na raiz da cultura trovado
resca. H om ens com o o genovês Bonifaci Calvo, trovador em occitànico e
em penhado panegirista alfonsino, mais adiante tam bém trovador em galego-
português, encabeçam um extenso naipe de trovadores que se situam em
m om entos diversos desta charneira de culturas em que se transform ará a corte
do R ei-Sábio. N enhum a corte senhorial ou régia terá algum a vez rivalizado
com a intensa actividade tovadoresca propiciada por A fonso, o Sábio, ao longo
do seu trajecto com o príncipe e com o rei, ou poderá vir a fazê-lo, m esm o que
tenham os em m ente apenas a quantidade de textos e de autores nessa activi
dade envolvidos.
A pesar das vicissitudes e, sobretudo, fracassos dos anos finais do reinado
de A fonso X, nom eadam ente a falência dos projectos im periais, o apoio régio
aos trovadores, e destes ao rei, m anteve-se constante, com o o prova a figura e a
obra de G uiraut R iquier, para m uitos o últim o dos grandes trovadores proven-
çais. A liás, num a altura em que, noutros prestigiados pontos da Europa, se
faziam já sentir as m anifestações literárias que iriam assum ir e transform ar a
herança trovadoresca occitànica, a corte alfonsina com portava-se com o o
últim o reduto entrincheirado onde essa já arcaica poesia ainda persistia, a par
com a galego-portuguesa, em bora o decréscim o de trovadoress, de textos e a
rarefacção de públicos se fosse tom ando inevitável.
De tudo isto, pouco irá sobreviver à m orte do rei. O "período alfonsino"
não terá qualquer sucessor na corte castelhana onde predom inantem ente se
situara, em bora a poesia galego-portuguesa vá ainda prolongar-se na orla
atlântica pelo final do século X III e ainda, num a agonia lenta e persistente, por
todo o séc. XIV. A perda de peso político da G aliza trará com o efeito que a
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actividade trovadoresca exterior à corte de A fonso X venha a centrar-se sobre
tudo em Portugal. M as os círculos afectos à corte de A fonso III, parte deles
possuidores de um estágio prolongado em França e noutras paragens da
Europa, não farão reflectir senão de um modo episódico esse trajecto externo
na produção poética que prom overam . Aliás, a actividade trovadoresca no
O cidente ibérico, confinada a um a dim ensão local e de pouco alcance, não
produziu ecos noutros pontos da Europa, nem há notícias de intercâm bio ou
integração em am bientes europeus prom ovidos nesta fase a partir do exterior
da Península. A penas se docum entam esporádicos contactos entre os meios
portugueses e os castelhanos num a altura em que, com o dissem os, A fonso X
polarizava em tom o de si o fundam ental do apoio à actividade trovadoresca.
É assim que, quando D. Dinis, neto do R ei-Sábio, em erge no panoram a
trovadoresco galego-português, nem o fôlego político extem o, nem as ligações
m atrim oniais do rei e dos seus áulicos a conhecidas estirpes ibéricas, sobretudo
aragonesas, farão m ais do que prom over a apropriação para o galego-português
de um obscuro jogral leonés, de seu nom e João, que m ais adiante se encarre
gará de fazer as honras fúnebres do grande mas isolado rei-poeta.
É notório que D. D inis teve um am plo conhecim ento quer das tradições
poéticas que se haviam forjado na Península, quer do já longínquo legado
occitànico, para além de ter sido prom otor ou participante de um a actividade
literária inovadora que m ais adiante viria a dar frutos tanto na escrita rom a
nesca com o na historiográfíca ou linhagística. M as nem a m em ória lhe foi
favorável. O negro esquecim ento que se abateu sobre o conjunto do legado
galego-português na Península e fora dela, apenas quebrado por algum as vozes
isoladas, com o a do M arquês de Santillana em pleno séc. XV castelhano,
pouco m ais fizeram do que ir lem brando que houvera outrora um rei-poeta de
seu nom e D inis, sem que isso representasse, no entanto, qualquer conheci
mento efectivo do que esse rei algum a vez de facto "trobara"...
M esm o o seu filho, D. Pedro, Conde de Barcelos, preferirá recordá-lo
com o exem plo de liberalidade e virtudes senhoriais do que com o poeta, con
quanto esteja fora de dúvida o conhecim ento que possuía da obra poético-
m usical do pai, que se dedicou a preservar no seio do conjunto do legado tro
vadoresco galego-português, em bora num am biente em que já nenhum im pacto
notável produzia.
Conquanto autor do m ais copioso cancioneiro conservado para a posteri
dade, D. Dinis, “Quel di Portogallo” , como dirá Dante, não se tom ará conhe
cido na Europa com o trovador, mas apenas como um rei cujas atitudes políticas
tiveram algum a im portância no m undo de então.
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BIBLIOGRAFIA
M eneghetti, Maria Luisa - I l publico dei trovatori, Modena, Mucchi Editore, 1984.
M iranda, José Carlos Ribeiro -A u r s Mesclatz ab Argén, Porto, Ed. Guarecer, 2004.
— Tra Galiza e Provenza. Saggi sulla poesia medievale galego-portoghese, Roma, Carocci
editore, 2002.
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