Até hoje não há consenso sobre o que, de fato, é estratégia, seja nas pesquisas acadêmicas, seja no dia-a-dia das empresas. Por Ivan Correa, sócio-diretor da GS&MD - Gouvêa de Souza
Até hoje não há consenso sobre o que, de fato, é estratégia, seja nas pesquisas acadêmicas, seja no dia-a-dia das empresas. Por Ivan Correa, sócio-diretor da GS&MD - Gouvêa de Souza
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Até hoje não há consenso sobre o que, de fato, é estratégia, seja nas pesquisas acadêmicas, seja no dia-a-dia das empresas. Por Ivan Correa, sócio-diretor da GS&MD - Gouvêa de Souza
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Ivan Corrêa (ivan@gsmd.com.br), sócio-diretor de Consultoria da
GS&MD - Gouvêa de Souza
O titulo não é exatamente original. Na verdade, é nada original. Em
1996, Porter publicou um artigo com esse mesmo título na Harvard Business Review, fazendo uma acalorada defesa da sua tese da estratégia como posicionamento relativo de uma empresa na indústria em que atua. Em 2000, Richard Whittington publicou, com esse mesmo título, um pequeno e excelente livro, cobrindo as diferentes correntes em estudos sobre estratégia e fazendo uso de uma abordagem muito inteligente. O original, em inglês, recebeu ainda o provocativo subtítulo “e isso importa?”.
Obviamente, a intenção aqui não é estar no patamar desses
autores. O resgate do título é uma mera provocação, porque até hoje não há consenso sobre o que, de fato, é estratégia, seja nas pesquisas acadêmicas, seja no dia-a-dia das empresas.
Um levantamento feito sobre os estudos acadêmicos em estratégia
desde a década de 1960 indica uma espécie de movimento pendular. No início as atenções eram voltadas predominantemente para dentro da empresa, fazendo uso de estudos de caso para embasar as teorias apresentadas. Seu auge veio por meio de pesquisadores como Alfred Chandler, com o livro “Estratégia e estrutura”, de 1962; e Igor Ansoff, com “Estratégia Corporativa”, de 1965. Foi nessa década que começou a se formar a estratégia empresarial como a conhecemos hoje, inclusive com a clássica delimitação “estratégico-tático-operacional”.
Nesse período, o berço da estratégia corporativa foram os Estados
Unidos, com suas escolas de negócios e consultorias especializadas em estratégia. Vêm dessa mesma época os conceitos da conhecida matriz SWOT, de Keneth Andrews, que, de simplicidade tão eficaz, é amplamente utilizada pelas empresas até hoje em seus exercícios de planejamento estratégico.
Perto da virada para a década de 1970, o enfoque foi migrando para
o ambiente externo, com a visão contingencialista, na qual a empresa precisaria se adaptar ao ambiente externo para ter sucesso ou, no mínimo, sobreviver. Essa visão foi ganhando força com a tese da “organização industrial”, na qual a estrutura industrial determinaria as decisões empresariais, que por sua vez definiriam o seu desempenho. É o trinômio “estrutura-conduta- performance”, que teve seu ápice nos trabalhos de Michael Porter, no final daquela década, e se refletem até hoje.
Já na metade da década de 1980 a ênfase retornou para dentro das
empresas, com a popularização da abordagem da visão baseada em recursos (RBV, em inglês). Nessa abordagem, a empresa é vista como um conjunto de recursos que, combinados, determinam seu desempenho. A RBV se tornou a abordagem dominante nos estudos em estratégia nos anos 1990, também com reflexos até hoje.
Na década de 2000 parece não ter havido uma abordagem
dominante. Evoluções das principais teorias sobre estratégia foram apresentadas, com ênfase tanto na empresa como no ambiente externo. Da RBV vieram a visão baseada em conhecimento (KBV, em inglês) e o conceito de capacidades dinâmicas. Porter começou a incorporar a visão dos stakeholders à sua teoria, inclusive pelo aspecto de sustentabilidade (vejam seu artigo para salvar o capitalismo na Harvard Business Review deste bimestre). Alguns autores defendem que a tendência é a chamada “organização econômica”, cuja principal estratégia é exatamente equilibrar a visão interna e externa, maximizando seus recursos internos conforme as oportunidades e restrições do ambiente externo.
Mas na década de 2000 vimos também o ressurgimento de um
conceito dos anos 1970, quase subterrâneo, que tinha encontrado pouco eco na comunidade acadêmica e empresarial: a estratégia como prática (SAP, em inglês). Por essa abordagem, a estratégia é algo realizado no cotidiano das empresas, e, nesse sentido, praticamente tudo que é feito apresenta impacto estratégico. Um de seus principais representantes é o canadense Henry Mintzberg, que inclusive parece fazer mais sucesso por aqui do que no resto do mundo. Richard Whittington, citado no início deste artigo, é outro representante dessa abordagem.
A grande diferença da estratégia como prática é que não existe aqui
a figura do “estrategista”, ou pelo menos não com a ênfase e o glamour existente nas demais abordagens. Se a estratégia for algo realizado no dia a dia, então sua formulação e execução passam tanto pelo presidente como pelo vendedor da empresa. Talvez por isso essa abordagem não tenha obtido tanto sucesso: ela desmistifica a idéia do herói corporativo, o super-homem dos negócios que as empresas e a mídia tanto buscam. Com toda pompa e circunstância, o conceito de planejamento estratégico também é trazido para a realidade de que nem tudo pode ser planejado e controlado no detalhe, principalmente no longo prazo.
Algo que apóia essa abordagem é o conceito de estratégias
emergentes, que defende que algumas estratégias simplesmente não são planejadas a priori, mas sim “descobertas” ao longo da execução de um plano maior. É como mirar na codorna e acertar no cachorro. E o mundo dos negócios está repleto de histórias assim, como os perfumes da Avon, a máquina de pipoca da Sony e o jato de tinta da Canon.
Mas, enfim: o que é estratégia? Essa é uma pergunta que
provavelmente ainda levará décadas para ser satisfatoriamente respondida, se é que o será. Porém, alguns pontos comuns podem ser depreendidos das principais correntes teóricas dos últimos 50 anos. Necessariamente, estratégia envolve visão de longo prazo, mesmo em se tratando de decisões de curto prazo. Tem muito de exercício de fé. Geralmente envolve grande mobilização de recursos, como tempo, pessoas ou capital. Da mesma forma, a desmobilização de tais recursos é complexa e, por vezes, muito cara. E, principalmente, a qualidade da formulação estratégica parece ser indissociável da sua qualidade de execução. Com tudo isso, não parece razoável dar ênfase a apenas um dos lados da moeda: a estratégia é tanto para dentro como para fora da empresa. Faça o que eu digo, e faça o que eu faço.
Assim, tão importante quanto responder a essa pergunta talvez seja
refletir sobre onde está a estratégia. Está no gabinete, onde as decisões são tomadas para a turba implementar? Está na operação, esse mal necessário que faz com que a estratégia funcione? Ou está em ambos os locais? Pensando no varejo, é quase impossível não considerar que de pouco adianta investir milhões para montar uma loja em um shopping center e pagar o piso salarial para o funcionário que vai executar parte crucial daquela formulação estratégica, que consumiu um final de semana da alta cúpula em um bucólico hotel-fazenda. Fica então um desafio: todos os envolvidos deveriam ter capacidade de lidar com os pontos comuns sobre estratégia, listados no parágrafo anterior? É aí que a coisa pode começar a desandar. É o que discutiremos em nosso próximo artigo, sobre visão estratégica.