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Disregard : nas dissoluções afetivas e nas ações de alimentos

Inicialmente, trazemos o conceito de do termo “ disregard” é uma


expressão inglesa que significa ignorar;desprezar . É um remédio legal utilizado
para se chegar até a verdadeira realidade economica de alguém que se esconde
“ atrás” de uma pessoa juridica, isto é que blindou o seu patrimônio de forma a
falsear a realidade econômico-financeira. É conhecido popularmente como “
desconsideração da personalidade jurídica”.

Historicamente a “ disregard “ tem inicio na Inglaterrra caso Salomon e


Co , em 1897, posteriormente o instituto foi recepcionado pelo Direito Europeu e
norteamericano. Na experiência norte-americana a desconideração era aplicada
sempre quando o conceito de pessoa juridica fosse empregado para fraudar
credores, burlar a norma, em evdidente má-fé para burlar terceiro ou a propria
sociedade.1

No código civil –o instituto aparece disciplinado art. 50, o qual


recentemente foi alterado ´com o advento da Lei n. 13.874, de 2019, dispondo
como requisitos para a desconsideraçao : o abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de
administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou
indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

No âmbito do direito de familia, a disregard foi adaptada e utilizada pela


primeira vez pelo jurista Rolf Madaleno,nas ações de divórcio, pela teoria da
disregard inversa, modalidade especial que desconsidera o patrimônio do sócio
que agiu fraudulentamente e atinge o patrimônio da empresa.

Quanto a disregard inversa ou a desconsideração inversa é relativação


da personalidade juridica da sociedade empresária de modo a responsabilizá-la
patrimonialmente por ato lesivo ou abusivo praticado por seus sócios ou
administradores. È chamada de INVERSA, tendo em vista que ao contrario da
desconsideração que atinge o patrimonio dos sócios pelos prejuizos causados à
empresa. A disregard ou desconsideração inversa ela atinge o patrimonio da

1
MADALENO. Rolf. A desconsideração da pessoa jurídica e da interposta pessoa fisica no direito de
familia e sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 75).
pessoa juridica quando o sócio ou administrador se vale dela para simular um
negócio ou fraudar um credor com abuso de personalidade juridica.

No âmbito do direito de família podemos usar da disregard quando um dos


cônjuges e companheiros se utiliza de sua pessoa jurídica, ou de interposta pessoa
física, como forma de uma verdadeira “blindagem patrimonial” para diminuir o número
de bens partilháveis, entra em jogo a teoria da disregard no direito de família.Tal
situação também é aplicável no direito sucessório quando se evidencia fraude e
se quer proteger a legitima do herdeiro.

Exemplificando, nas relações direito de familia, será aplicável, por


exemplo, na hipótese de um dos parceiros, maliciosamente, ao adquirir bens de
maior valor, registrá-los em nome da pessoa jurídica sob o seu controle, para livrá-los
da partilha a ser realizada com o outro cônjuge ou companheiro.

A disregard inversa é muito utilizada nas ações de alimentos em que se


apura os ganhos reais do devedor pela teoria da aparência ou pelos sinais
exteriores de riqueza.

Nesse sentido, alerta Rolf Madaleno que a penetração do véu societário se


torna uma poderosa arma a favor da parte mais débil do relacionamento afetivo e que,
usualmente, se torna vitima da fraude ou do abuso societário, permitindo-se
verdadeira “oxigenação do direito societário”, responsabilizando0se quem dele se
utiliza com torpeza.

Aplica-se de forma inversa a redação do artigo 50 de nossa codificação civil


para permitir que, frente ao comportamento abusivo do parceiro afetivo, os bens de
uso pessoal indevidamente registrado em nome de sua pessoa jurídica, possam
integrar os aquestos do casal.

José Tadeu Neves Xavier, em um dos trabalhos pioneiros sobre a matéria,


aduz que na mistura de patrimônios, as fronteiras da autonomia patrimonial da
sociedade e de seus sócios tornam-se fluidas, ensejando a perda da responsabilidade
limitada de quem lhe dá causa. Tal situação pode apresentar-se em várias
configurações, desde a inexistência de separação patrimonial adequada na
escrituração social até a situação em que, na prática, os patrimônios de ambos não
forem suficientemente diferenciados.

Tal possibilidade tem assento no artigo 187 do código civil, bem como o 884 do
citado diploma legal que, em nosso ordenamento jurídico, proíbe o enriquecimento
sem causa. No mesmo sentido é o enunciado n 183 da IV jornada de direito civil: é
cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada inversa para
alcançar bens de socio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens
pessoais, com prejuízo a terceiros.

Portanto, em regra, não poderá haver a responsabilização da sociedade em


face de obrigações assumidas, de forma particular, pelos seus sócios, haja vista que,
legalmente, os bens da sociedade fazem parte do patrimônio autônomo da pessoa
jurídica. Todavia, tal regra não subiste quando demonstrada a transferência de bens
particulares para a sociedade, com o intuito de prejudicar terceiros.

As manobras realizadas através do mau uso da personalidade societária, além


de buscar a fraude da meação, também são utilizadas para sonegar alimentos, pois a
incorporação de bens a uma sociedade empresária ou mesmo o afastamento do
cônjuge do quadro societário da empresa conjugal equivale à sua alienação para
terceiro.

Vale assinalar, que a disregardoctrine na esfera dos alimentos esta submetida


aos mesmos requisitos exigidos pelo art. 50 do codex, quais sejam, a existência de um
ato irregular, a comprovação do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial como
consequência desse ato e o requerimento da parte interessada ou do ministério
público, enquanto fiscal da lei. Não se exige o elemento anímico (culpa latu sensu),
uma vez que o sistema brasileiro perfilhou-se à concepção objetiva da
desconsideração.

Alerta-se, por oportuno, que nos casos de empresa individual, a confusão


patrimonial entre o socio e a pessoa jurídica é presumida, não necessitando qualquer
prova nesse sentido. Prescinde, também, de instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, porquanto não possui personalidade
jurídica própria. Nesse sentido é o entendimento do superior tribunal federal de que “a
empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no
mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique
distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma
individual.

Por outro lado, nem sempre os patrimônios da empresa e do empresário que a


titula se distinguem. É o caso das “empresas sem sócios”: microempreendedor
individual (MEI), empresário individual (ei) e empresa individual de responsabilidade
limitada (EIRELI – cc, arts 44, vi e 980-a). Constituídas por microempreendedores de
perfil multifacetado – trabalhadores do mercado formal com carteira profissional
assinada, estudantes, prestadores de serviços, empreendedores informais e donas de
casa que resolveram trabalhar por conta própria -, elas possuem na confusão
patrimonial uma de suas principais características. A exceção fica por conta da
EIRELI, que apresenta separação entre os patrimônios. Afora ela, portanto, nãohá que
se cogitar da desconsideração de personalidade jurídica inversa para atingir o
patrimônio do microempreendedor ou do empresário individual, o que possibilita que
os atos constritivos alcancem diretamente seus bens, ainda que estejam
eventualmente registrado em nome da empresa, que sequer pode alegar sua
ilegitimidade passiva no caso.

Mesma exceção aplicada à EIRELI deve também se manter para os casos de


sociedade limitada unipessoal, tipo societário implementado com a lei 13874/2019, e
atualmente previsto no art 1052, §2 do código civil, que tem como escopo básico a
instituição de uma empresa com apenas um socio, que terá responsabilidade limitada
ao capital social, protegendo, assim, o patrimônio particular desse socio
(diferentemente do que ocorre com a empresa individual). Diverge da EIRELI por não
apresentar um valor mínimo de capital social para sua composição (100 vezes o
salário mínimo, nos casos da EIRELI).

Lembre-se, também, que consoante a combinação dos artigos 50 e 187 da lei


civil, a desconsideração inversa independe da prova do elemento subjetivo,
decorrendo de uma concepção objetivista, podendo ser admitida mesmo quando o
socio não atuou culposamente, bastando a prova do abuso de direito ou da confusão
patrimonial. Facilite-se com isso a prova dos elementos ensejadores da medida, que
são de difícil prova no caso concreto.

A tese, que de longa data tem sido admitida pela jurisprudência, passou a ter
expresso seu procedimento no diploma processual civil de 2015 (133, §2, cpc). De
acordo com o caput do art 133 do código de processo civil, o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do
ministério público, quando lhe couber intervir no processo.

O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de


conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título
executivo extrajudicial (134, cpc). Sua instauração suspenderá o processo (134, §3,
cpc).

Dispensa-se a instauração do incidente em apartado se a desconsideração da


personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o
socio ou a pessoa jurídica (134, §2, cpc). Assim, na prática, a disregard pode ser
arguida na peça vestibular de um divorcio ou de uma dissolução de união estável, e,
também, nas ações de alimentos.

Instaurado o incidente, o socio ou a pessoa jurídica será citado para


manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de quinze dias, conforme
previsão do artigo 135 do cpc. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será
resolvido por decisão interlocutória (135 cpc).

Por derradeiro, é importante registrar que o Superior Tribunal de Justiça


tem aplicado o instituto da desconsideração inversa no ambito do Direito de
Familia – assim destacamos o julgado Resp n. 1522142/PR, no qual a Corte
claramente admite a aplicação da desconsideração inversa da personalidade
jurídica toda vez que um dos cônjuges ou companheiros utilizar-se da sociedade
empresária que detém controle, ou de interposta pessoa física, com a intenção
de retirar do outro consorte ou companheiro direitos provenientes da relação
conjugal. No acordão mencionado restou admitida a desconsideração tendo em
vista que se traava de uma situação em que a sócia da empresa, cuja
personalidade jurídica se pretendia desconsiderar, teria sido beneficiada por
suposta transferência fraudulenta de cotas sociais ,no bojo da ação de divórcio
se requereu a declaração de ineficácia do negócio jurídico que teve por
propósito transferir a participação do sócio/ex-marido à sócia remanescente
(sua cunhada), dias antes da consecução da separação de fato2.

Quanto a jurisprudencia a respeito do direito sucessório, podemos fazer


menção ao julgado, do Egrégio Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul em
que restou reconhecida a desconsideração da personalidade jurídica inversa,
respondendo o patrimônio pessoal dos sócios por uma divida deixada pelo
falecido. No caso em tela, após o falecimento do sócio, a herança por ele
deixada responderá pelo débito exequendo, com fundamento no art. 1.997 do CC
e art. 1.017 do CPC. Assim, não apenas o herdeiro que recebeu quinhão relativo
à sociedade será responsável pela satisfação do crédito, mas todos os herdeiros
beneficiados com a herança, respondendo cada qual no limite do que recebeu.
Agravo de instrumento provido.(Agravo de Instrumento, Nº 70062350004, Décima
Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes,
Julgado em: 09-04-2015).

2
(REsp 1522142/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 22/06/2017)
Por fim, destacamos que o instituto da disregard já vinha sendo aplicado
no ambito do direito civil e empresarial e, atualmente, cada vez mais usual no
ambito do direito de familia e sucessões - a fim de evitar fraudes na partilha em
casos de divorcios e dissoluções, bem como nas ações de alimentos, nos casos
de falsas informaçoes quanto aos rendimentos do alimentante e, no direito
sucessório, a fim de evitar fraude aos credores do falecido .

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