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Estudo de caso: HABEAS CORPUS COLETIVO Nº 143.

641

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

TAYNA FISCHER PIONTEKE

O presente estudo advém da decisão que concedeu às mulheres/mães presas, a


prisão domiciliar no HC nº 143.641, perante o STF, impetrado pelo Coletivo de
Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), o qual requisitou a substituição de prisão
preventiva por prisão domiciliar.

A impetrante fundamentou seu pedido nas condições desumanas a que essas


mães e seus filhos eram submetidas, a ilegalidade do ato do poder judiciário em permitir
essa situação; acesso à justiça.

Por sua vez, a Procuradoria, alegou inexistência do HC coletivo no ordenamento


jurídico brasileiro; por não se tratar de tutela de direito individual; ausência de situação
concreta e de ato coator.

CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COLETIVO

O Habeas Corpus está presente na Constituição e tem por finalidade, garantir a


liberdade de ir e vir, garantir a liberdade individual diante do poder do Estado, isso
porque ao mesmo tempo que o Estado deve agir coercitivamente utilizando-se de seu
poder de polícia, deve garantir os direitos fundamentais, e quando isso não acontece
devem ser usados os remédios constitucionais conforme disposto em seu artigo 5º ,
especificamente o HC, nos incisos:

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,


podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer
ou dele sair com seus bens.
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou
se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

E pelo Código de Processo Penal é disposto seus requisitos e formalidades:

Art. 647.  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se


achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua
liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Art. 648.  A coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa
causa; II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que
determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver
competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que
autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar
fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for
manifestamente nulo; VII - quando extinta a punibilidade.
Art. 649.  O juiz ou o tribunal, dentro dos limites da sua jurisdição,
fará passar imediatamente a ordem impetrada, nos casos em que tenha
cabimento, seja qual for a autoridade coatora.  Art. 650.  Competirá
conhecer, originariamente, do pedido de habeas corpus: I - ao
Supremo Tribunal Federal, nos casos previstos no Art. 101, I, g, da
Constituição;

Segundo Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2019, p. 1125): Como tutela do direito à


liberdade de locomoção, o habeas corpus está intimamente ligado à prisão. Isso quer
dizer que essa ação tem por função prevenir ou reprimir prisões ilegais.

No entanto de um ponto de vista abrangente, tem-se que o habeas corpus deve


garantir um direito fundamental, independente de uma lesão a esse direito numa esfera
individual. E é esse sentido que tem caminhado a justiça, a doutrina brasileira.

Costumeiramente as cortes nacionais e internacionais vem decidindo pela


concessão do writ coletivo mesmo que às minorias, justamente, por entenderem
violados esses direitos.
Novamente, Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2019, p. 682/683), informam que a
Constituição amplia este direito de locomoção, vejamos:
(...) O caráter abrangente da liberdade de locomoção na Constituição
Federal, por sua vez, não nos parece conciliável com uma definição
fechada, no sentido do direito de toda e qualquer pessoa a não ser
presa ou detida arbitrariamente, a não ser que também tal fórmula seja
compreendida em sentido aberto, ainda mais em face da existência de
dispositivos específicos, no título “Dos direitos e garantias
fundamentais”, (...) Assim, a liberdade de locomoção compreende,
desde logo, o direito (faculdade) de qualquer pessoa, em tempo de paz
(como decorre já do teor do art. 5.º, XV, da CF), de se deslocar
livremente, sem embaraços, em todo o território nacional, ou seja, sem
que seja imposta qualquer restrição no âmbito interno das fronteiras
territoriais brasileiras. A liberdade de locomoção, à míngua de
dispositivo específico que proteja tal dimensão, abrange também a
livre permanência no território nacional e o direito de nele fixar
residência em caráter definitivo ou temporário, assim como contempla
o direito de qualquer pessoa sair, ingressar e retornar ao território
nacional, inclusive o direito de emigração e imigração. A livre
circulação de bens (de que qualquer pessoa possa circular no território
nacional, dele sair e nele ingressar com seus próprios bens!), por sua
vez, também costuma ser reconduzida ao âmbito de proteção da
liberdade de locomoção.

Nesse HC Coletivo, o Coletivo De Advogados Dos Direitos Humanos, elencou


várias razões para seu cabimento: a) condições desumanas do cárcere no Brasil, ferindo
assim o princípio da dignidade humana; b) processo lento; c) acesso à justiça; d)
aplicação análoga da lei 13300/2016, pois trata-se de direitos individuais homogêneos.
O que seriam esses direitos individuais homogêneos? Direitos que decorrem de
um interesse comum, perfazendo uma transindividualidade, ou seja, todos
individualmente têm direito a locomoção, sendo desnecessária, onerosa e lenta, a
garantia desse direito um a um.
É esta amplitude que permite a operação do HC Coletivo, haja vista se tratar de
um direito fundamental a todos, permitindo a eficácia do instituto.
O que mais se pretendeu com essa ação, foi garantir as condições necessárias de
sobrevivência entre os destinatários, sejam as prisioneiras como seus filhos e de forma
rápida.
Nesse sentido é o artigo 25º1 da Convenção de Direitos Humanos, o qual permite
a todos se valerem de um recurso rápido.

CONCLUSÃO

A conclusão que se chega, é a famosa democratização do direito, pois se


continuássemos a aplica-lo do ponto de vista formal, como requerido pela PGR, a lei
pura e simples, realmente não seria aceito esse remédio constitucional in casu.
Ademais, o direito brasileiro vem passando por inúmeras atualizações, tornando
suas leis materiais e processuais, cada vez mais em consonância com a lei maior, a
Constituição.
Portanto é urgente a análise dos problemas de um ponto de vista constitucional,
abrangente, a fim de permitir a efetiva prestação jurisdicional, função do Estado.

1
 Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os
juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais
reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja
cometida por pessoas que estejam atuando no exercícios de suas funções oficiais.

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