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DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE HISTÓRIA
Florianópolis
2014
OBJETIVO
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Cobban, 1964.
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Denis Richet, 1969; Elizabeth Einstein, 1965.
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Hobsbawm, 1962
divisão de impostos era drasticamente diferente para habitantes da zona rural e da zona
urbana.4
Portanto, para entender como a conjuntura de 1789 levou à Revolução Francesa,
é necessário compreender a importância do sistema agrário na França setecentista. Os
próprios fisiocratas franceses – a primeira escola sistematizada de economistas da
europa – tomavam como verdade absoluta o fato de que a terra – e, portanto, o aluguel
da terra – era a única fonte de renda líquida possível. O ponto crucial do problema
agrário, portanto seria a relação entre os que possuíam a terra e os que produziam nela.
A partir disso, é possível fazer uma relação com a definição marxista de “capital”, onde
em um sistema que busca o lucro, há uma divisão abismal entre aqueles que o produzem
e aqueles que o acumulam através da força de trabalho de terceiros.
No que se refere à conjuntura de propriedade da terra no fim do século XVIII,
podemos dividir a Europa – bem como todas as suas estruturas de influência, como as
colônias – em três grandes segmentos.
Nas colônias da América (com exceção dos Estados Unidos da América), a
mão-de-obra caracterizava-se por ser predominantemente de escravos nativos ou vindos
da África, tendo em muito menor escala grupos de camponeses arrendatários. Ou seja: o
cultivador, responsável pela produção advinda da terra, trabalhava sob coerção ou não
tinha liberdade – em contraponto com o proprietário da terra, que era dono de
latifúndios enormes, quase feudais. Sua economia era primitiva e voltada para a
exportação de commodities.
A leste da Europa Ocidental, perto da atual República Tcheca 5, havia, desde o
século XV, a chamada região de servidão agrária. Nesta zona haviam trechos onde
viviam camponeses virtualmente livres, colonos alemães e clãs independentes, mas, no
geral, o lavrador típico não era livre, e a situação de servidão nesta área foi se agravando
ainda mais na entrada para o século XVI e no século XVII. É possível concluir,
portanto, que mesmo no leste europeu, a situação de servidão do campesinato era grave.
De acordo com Hobsbawm, a falta de liberdade do camponês do Leste Europeu era “tão
grande que mal se poderia distinguir da escravidão”. O autor cita um anúncio da
Gazette de Moscou da primeira década do século XIX que colocava, à venda,
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Hobsbawm toma como exemplo a Prússia, onde o governo, ansioso em manter seus contribuintes sob
uma adequada fiscalização, operava uma separação quase total entre as atividades rurais e as urbana, com
uma mobilidade social praticamente inexistente. (A Era das Revoluções, p. 29)
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Em A Era das Revoluções, de 1962, no auge da Guerra Fria, Hobsbawm cita não a atual República
Tcheca, mas a Tchecoslováquia, na época aliada ao bloco soviético, e que se dividiu após a derrocada da
URSS.
“Três cocheiros, bem treinados e bastante apresentáveis, duas moças de 18
e 15 anos, ambas de boa aparência e hábeis em vários tipos de trabalhos
manuais. A mesma casa tem à venda duas cabeleireiras, sendo uma de 21,
que sabe ler e escrever, tocar instrumentos musicais e fazer trabalhos de
mensageira, e a outra apta a arrumar os cabelos de cavalheiros e damas;
vendemos também pianos e órgãos.”
Na Europa Ocidental, a estrutura social feudal era ainda muito viva nas regiões
agrárias, embora estivesse entrando já em uma profunda obsolescência do ponto de vista
econômico. Essa economia obsoleta, aliada a um sistema social ainda feudal – dividido
em servos, claro e nobreza –, foi fazendo com que os rendimentos da nobreza fossem
ficando cada vez mais para trás, levando a aristocracia a explorar cada vez mais
intensamente o único bem econômico inalienável que possuía – seus privilégios de
status e nascimento.
REVOLUÇÃO BURGUESA?
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É necessário um adendo neste ponto: quando se trata de nobre proprietários, refiro-me a uma parcela da
população que possuía privilégios do Estado para estabelecer rotas comerciais mercantis, principalmente
no além-mar. Essa classe social artificial e forçosa é chamada, pelo historiador Modesto Florenzano, de
burguesia parasitária: era uma primeira burguesia que não oferecia qualquer benefício à sociedade no
que se referia à produção de bens – mesmo porque é pré-industrial –, mas, ao mesmo tempo, não possuía
títulos de nobreza através da linhagem.
Ao examinar as relações de caráter burguês da Europa moderna, Florenzano
aponta para o comportamento pouco revolucionário da burguesia francesa naquele
momento. Segundo o autor, tal afirmação se embasa no fato de as revoluções burguesas
não terem, em praticamente momento algum, pelas mãos desta classe, assim como não
foi ela que, nos momentos mais cruciais, conduziu o movimento revolucionário à vitória
sobre a nobreza e o Estado absolutista.
Para o autor, o que determina o caráter revolucionário de uma classe é a sua
capacidade de elaborar e pôr em prática um projeto novo de sociedade. No caso da
burguesia, o liberalismo iluminista tinha, sim, caráter revolucionário diante da
conjuntura francesa do antigo regime, com uma nobreza persistente e dominadora aliada
a um Estado dominador e que mantinha relações de poder de caráter ainda feudal.
Sob a ótica marxista, para que haja uma possibilidade de revolução, existem
circunstâncias excepcionais que devem ser atingidas em uma conjuntura de “crise
revolucionária” – que seria o momento em que a ordem anteriormente vigente
sucumbiria aos próprios erros. No entanto, Florenzano defende a tese de que, para a
instauração da sociedade capitalista, a burguesia não agiu como classe revolucionária na
derrubada da antiga ordem, tendo caráter meramente reformista. Uma explicação
possível para isto é o fato de que, durante o Antigo Regime, a burguesia mercantil não
era contra as características feudais que rondavam uma França 80% agrária. A classe
burguesa mercantil que precedeu a Revolução Industrial8 se beneficiava da economia
mercantil absolutista, e lucrava muito com as reformas que o Estado monárquico
realizava desde o fim da Idade Média, e acabou por ser absorvida por este Estado.
Segundo Florenzano:
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Florenzano cita o historiador Louis Althusser, autor de Montesquieu: a Política e a História, acerca da
burguesia mercantil característica do período pré-Revolução Industrial: “o maior erro em que se pode
incorrer o historiador desse período consiste e projetar sobre esta burguesia a imagem da burguesia
posterior, a burguesia industrial, esta sim transformadora da estrutura econômica e social feudal”.
O que significa a frase “a revolução industrial explodiu”? Significa que a
certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da
humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das
sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da
multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens
mercadorias e serviços.
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Hobsbawm, 1962.
As duas únicas universidades da Inglaterra na época, Oxford e Cambridge, eram
consideradas intelectualmente nulas, assim como as escolas públicas. Até mesmo
famílias aristocráticas, que buscavam educação de ponta para seus filhos, confiavam em
tutores e universidades escoceses. Até o início do século XIX não houve qualquer
sistema de educação primária na Inglaterra que já desenvolvia sua economia industrial.
Na questão agrária, no entanto, a Inglaterra já buscava solucionar seus
problemas. Uma quantidade relativamente grande de proprietários com visão comercial
já começava a monopolizar a terra, que era cultivada a partir de arrendatários que
empregavam pequenos agricultores ou camponeses sem terra. As atividades agrícolas já
eram predominantemente dirigidas para o mercado; a agricultura já se preparava para
aumentar a produção e a produtividade de modo a alimentar uma população não-
agrícola em rápido crescimento – visto que um dos pontos cruciais para o sucesso da
revolução foi o êxodo rural e uma agressiva urbanização; pensava-se em fornecer um
grande e crescente excedente de recrutas em potencial para as cidades e indústrias
(produção humana); e, por fim, fornecer um mecanismo para o acúmulo de capital a ser
usado nos setores mais modernos da economia.
Com isso, é possível perceber o surgimento não somente de uma nova e já
expoente burguesia industrial, mas também de uma necessidade crescente de busca por
poder político por parte de quem, no momento, detinha o poder econômico. A burguesia
industrial alicerçou-se em bases iluministas de pensamento voltado para o humanismo
liberal, como Adam Smith, economista britânico considerado pai do liberalismo
econômico.
CONCLUSÃO
Para a realização deste artigo, foram utilizadas fontes muito diversificadas, de
marxistas a revisionistas até estruturalistas. No entanto, algo continua evidente no que
se refere às relações de poder criadas no período das revoluções burguesas: a ascensão
de uma nova classe social, aliada aos Estados Nacionais e renovadora do pensamento
tradicional foi imprescindível para que as relações feudais que ainda se estabeleciam em
plena Europa Moderna caíssem por terra. A burguesia ocidental europeia foi
responsável pela modernização dos meios de produção e pela industrialização na mesma
medida em que perpetuou uma sociedade que manteve as classes populares à margem.
Renovou, também, o modo de pensar com o humanismo e o iluminismo em suas
universidades, mas, novamente, trouxe as classes subalternas para que ficassem à
margem. Embora transformadoras – e muito – da sociedade, as revoluções burguesas
foram feitas por uma minoria letrada e que deteve os meios de produção rapidamente
durante o período aqui trabalhado. E, mesmo com todos esses pontos negativos, seria
impossível – para não falar inconsequente – desconsiderar sua fabulosa importância
para a formação da sociedade capitalista contemporânea.
FONTES HISTORIOGRÁFICAS