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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
TÓPICO ESPECIAL: HISTÓRIA E CONTRACULTURA – HST5910
Professora: Renata Palandri Sigolo Sell
Aluno: Victor Wollinger da Cunha

O TIRO PARTIU DA DIREITA


MANIFESTAÇÕES ESTUDANTIS BRASILEIRAS ÀS VÉSPERAS DO AI-5

Florianópolis, 04 de novembro de 2014


“O senhor Presidente da República, após ter ouvido os

membros do conselho de segurança nacional, resolveu

baixar um ato institucional, que tem como finalidade

fundamental preservar a revolução de março de 1964 a

fim de que possamos sanear esse clima de

intranquilidade e que gera a desconfiança e o

desconforto e procura de qualquer forma atingir o

Regime... E para que o possamos defender, baixar um

Ato Institucional.”

Ministro da Justiça Gama e Silva, em pronunciamento oficial de 13 de dezembro de 1968.

Capa do jornal Última Hora, 14 de dezembro de 1968, um dia depois da instauração do AI-5
INTRODUÇÃO

Não foi fácil fazer este trabalho. Precisei encontrar fontes que jamais imaginei
que consultaria, e em lugares que jamais pensei que as encontraria. São apresentados,
aqui, documentos que tratam de algumas das últimas manifestações estudantis antes da
instauração do Ato Institucional Nº 5, que cerceou o direito à liberdade de forma brutal
no Brasil, e representou um retrocesso que jamais havia sido visto na história recente de
nosso país - e que, espera-se, jamais torne a acontecer.
A pergunta que eu quis responder com este trabalho foi: o que aconteceu
ANTES do AI-5? O povo ficou quieto? Deixou que os primeiros quatro anos de regime
militar ocorressem sem resistência? A resposta, obviamente, é não. Diversos setores da
sociedade brasileira se revoltaram de forma veemente contra o terrorismo de estado que
se desenvolvia, até o momento, a passos mais lentos, embora igualmente pesados. Mas,
dentro do movimento estudantil – ao qual eu, Victor Cunha, pertenço ativamente nos
dias de hoje -, como se deu essa resistência?
Para encontrar a resposta a estas perguntas, foi necessária ampla bibliografia
digital e impressa: arquivos de jornais, relatos jornalísticos de antigos militantes, artigos
acadêmicos sobre o ano de 1968 e até artigos panfletários de partidos políticos de
esquerda.
Meu objetivo maior com este trabalho é oferecer uma leve lembrança das lutas
que a juventude brasileira precisou travar diante de uma ditadura militar para que
tivesse, também, um espaço para sua revolução cultural, como ocorria, ao mesmo
tempo, na Europa. O 1968 brasileiro foi, assim como o francês, conturbado e explosivo
para as juventudes universitárias e secundaristas. A diferença é que estávamos em uma
América Latina pobre, assolada por ditaduras militares e pela hegemonia norte-
americana.
Por fim, àqueles que se atreverem a ler esse breve artigo, só peço uma coisa:
NÃO ESQUEÇAM. A liberdade e o direito à manifestação devem ser protegidos a todo
o custo, pois, como as páginas a seguir mostrarão, pessoas lutaram aguerridamente por
esses direitos. E pessoas morreram por eles. Às vezes sem nem saber que estavam
lutando.
CONJUNTURA INTERNACIONAL DOS PROTESTOS ESTUDANTIS DE 1968

O ano de 1968 foi o estopim da revolta estudantil em diversos países. Em 3 de


maio de 1968, em Paris, a polícia municipal, a pedido do reitor da Universidade
Sorbonne, invade uma assembleia estudantil em uma ação de prisão massiva que leva
mais de três horas para que todos os detidos embarcassem nos veículos policiais. Em
resposta, os estudantes cercam os carros e reagem com pedras às bombas da polícia. São
seguidos por chuvas de bombas de gás e pancadas de cassetetes a esmo. Os estudantes
da Sorbonne conseguem adesão de civis que se aglomeravam no local, e logo uma série
de barricadas de pedra toma conta da paisagem do bairro. Era o início das revoltas
estudantis que marcaram o ano na França.
No México, por sua vez, o estopim estudantil ocorre em 26 de julho de 1968,
quando cerca de cinco mil estudantes secundaristas marcharam em direção à Plaza de la
Constitución. No caminho, têm a adesão de uma massa de estudantes universitários que
comemoravam o aniversário da Revolução Cubana, mas acabam logo sendo
emboscados pelos granaderos, força especial da polícia mexicana. O choque é violento,
e os estudantes são caçados pelas ruas da capital. Paralelamente ao conflito, o governo
ordena a invasão das oficinas do jornal do Partido Comunista Mexicano, de modo a
atribuir aos militantes deste a responsabilidade pela revolta. Uma vez terminada a ação,
a prefeitura da Cidade do México anuncia um saldo de 76 presos. O Movimento
Estudantil realiza o balanço e contabiliza 200 presos, 500 feridos e oito mortos. Era uma
sexta-feira.
É possível, com estes exemplos, ter uma ideia do que representou o ano de 1968
para os Movimentos Estudantis: as juventudes do mundo inteiro estavam em polvorosa,
tomando as ruas e se revoltando contra as estruturas tradicionais de poder. Foram
citados dois exemplos, mas poderiam ser citados diversos outros igualmente
importantes:
 A Invasão da Universidade de Madri, na Espanha, sob a ditadura de Franco;
 A tomada da, até então considerada “intocada” por conflitos, “La Sapienza”,
a Universidade de Roma, por estudantes;
 A invasão da Universidade de Louvain, na Bélgica;
 A invasão da Universidade de Dakar por jovens do Senegal, em fevereiro de
1968;
 Protestos de estudantes da Tchecoslováquia em maio de 1968 contra a visita
do dirigente russo Kosygin;
 Em março de 1968, em Tóquio, a Federação Nacional de Estudantes
Japoneses (Zengakuren - 全学連) trava uma batalha contra as forças policiais
que dura cerca de dez horas ininterruptas.

No Brasil, como em toda a América do Sul, não foi diferente. Os estudantes se


organizaram, se rebelaram e também se fizeram ouvir pela sociedade civil como poucas
vezes havia acontecido antes na história. No entanto, os acontecimentos posteriores à
conjuntura de luta da juventude brasileira de 68 foram diferentes da maioria dos países
europeus e americanos. Alguns meses depois, toda a esquerda brasileira sofreu um
nocaute derradeiro, com a imposição do Ato Institucional Nº 5, assinado pelo Presidente
Marechal da Costa e Silva.

AS REVOLTAS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL BRASILEIRO EM 1968

Em 1968, ocorreram mudanças drásticas de táticas de passeata no Movimento


Estudantil carioca, como a chamada “tática da contramão”, que consistia em andar pelas
ruas na contramão do trânsito, de forma a paralisar o fluxo e dificultar a vinda dos
carros da polícia. Além disso, até aquele ano, as passeatas estudantis do Rio de Janeiro
costumavam ser consideradas pacíficas, cenário este que mudou com o atentado ao
restaurante estudantil Calabouço.

Rio de Janeiro, 28 de março de 1968

O restaurante estudantil Calabouço era um espaço que oferecia refeições a baixo


custo para estudantes de baixa renda no Rio de Janeiro. Segundo o jornalista Bernardo
Joffily, que em 1968 era vice-presidente da União Brasileira de Estudantes
Secundaristas,
Como juntava 10 mil estudantes por dia, inevitavelmente,
se transformou num centro de efervescência estudantil. A
Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC) foi
inundada nesse meio. Seu presidente era o Elinor Brito,
um nordestino. Só que alguém do staff pensante da
ditadura militar chegou à conclusão de que eles tinham de
acabar com o restaurante Calabouço. Usaram como
desculpa a construção de um viaduto. Por isso iriam
demolir o restaurante.

A polícia já estava preparada para a possibilidade de manifestações estudantis


contra o aniversário de 4 anos da “revolução de 64”, como era chamado o golpe. Como
o restaurante era um local perfeito para grandes mobilizações jovens, o governo do Rio
de Janeiro deu a ordem para que o espaço fosse invadido. Durante o tumulto, um
estudante secundarista de 16 anos é morto com um tiro no peito. Segue abaixo trecho do
livro de João Roberto Martins Filho que trata do momento exato do acontecimento.

O tiro partiu da direita. Desta vez, os soldados do


pelotão de choque da Polícia Militar da Guanabara
responderam com fogo às pedras e vaias dos
secundaristas. Em frente ao restaurante estudantil do
Calabouço, caiu morto o jovem Edson Luís Lima Souto,
aluno do curso de madureza, que viera de Belém do Pará
para tentar uma faculdade no Rio de Janeiro. Segundo
testemunhas, o estudante tentou correr, mas seus
joelhos se dobraram, no rosto um olhar mais de espanto
que de dor. A bala veio da direita, da entrada da galeria
que dava para uma transversal da avenida General
Justo, perto do centro da ex-capital do país. O rapaz foi
atingido no peito. Os estudantes carregaram-no em
passeata até o prédio da Assembleia Legislativa, onde
entraram à força. No caminho, romperam a pedradas os
vidros da Embaixada dos Estados Unidos, na avenida
Presidente Wilson. Até chegar o caixão, o corpo ficou
exposto sobre uma mesa. Sem camisa, coberto por uma
bandeira, um cartaz improvisado pendendo para a
frente, permaneceu protegido por um grupo de
militantes que impedia a aproximação de estranhos. O
crime ocorreu no final da tarde.

Três dias depois, o ministro do Exército, General Lyra Tavares, faz um


comunicado aos seus subordinados: “O Governo está seguramente informado de que se
projeta para amanhã, dia primeiro, um movimento de agitação com base em passeatas
públicas de orientação nitidamente comunista”. Os militares tinha a certeza de que
haveria grande represália por conta do que havia acontecido no Calabouço,
principalmente pelo que havia acontecido após os ataques ao restaurante: o velório de
Edson Luís na Assembleia Legislativa juntou cerca de 20 mil pessoas, e 50 mil
seguiram o cortejo fúnebre; nas calçadas, é dito por testemunhas que “centenas de
milhares” saudavam-no à medida que passava. A cidade do Rio de Janeiro havia parado.
Sindicatos, forças políticas, setores progressistas da Igreja Católica, todos se
solidarizavam. Na edição de sábado, 30 de março, a edição do jornal Última Hora trazia
na capa uma foto do cortejo e um editorial escrito pelo humorista Arapuã, em que este
escreveu:

ACABOU A GRAÇA

Há um estudante morto. Um tiro no peito de uma


criança de 16 anos. Vinha com as mãos vazias de arma,
quentes de amor. Era o gesto generosos de quem pede,
de quem luta – limpa a alma, certo o gesto. Seus olhos
ainda unidos da infância traziam reflexos da aurora que
ele sonhava. Está morto. Um tiro no peito tão criança,
uma bala no coração tão menino. Hoje não tem graça
fazer graça. Ele era meu irmão. Podia ser meu filho. Hoje
não tem graça. O Brasil perdeu a graça. Não é um país
para rir. É um funeral para chorar. Também eu quero
carregar nos ombros seu corpo sem vida. Em silêncio.
Corpo de Edson Luís na Assembleia Legislativa, protegido por militantes. Fonte: SEPE-RJ

Dias depois, na missa de sétimo dia pelo estudante, ficou mais claro o processo
de radicalização política pelo qual estavam passando os confrontos entre estudantes e
forças policiais, quando, na missa da tarde, os pelotões de cavalarias atropelaram os
presentes, e os soldados montados partiam para cima dos estudantes com sabres
desembainhados. A repressão sintetizou a atitude de Costa e Silva diante de
manifestações estudantis. Gradativamente, a violência foi aumentando, culminando no
dia 19 de julho, a chamada “quarta-feira sangrenta”.

Rio de Janeiro, 19 de junho de 1968

Na quarta-feira, 19 de junho, os estudantes universitários e secundaristas


decidiram ocupar o prédio do Ministério da Educação. O jornalista Vladimir Palmeira,
no livro, Memórias Estudantis, conta que

Na quarta-feira sangrenta, nós decidimos ocupar o MEC,


para mostrar que nós queríamos realmente conversar
com o ministro e ele é que não queria. Preparamos com
antecedência coquetel molotov. Foi a primeira vez que a
gente decidiu usar de violência, cacete, pedra. Levamos
pau e fomos para o cacete.
***

Quando a polícia veio, naquele passo terrível, aquele


passo de ganso, disseram: “Que a gente faz?” Eu disse:
“Vamos resistir”. Quando chegou, sei lá, a uns cinquenta
metros, a gente disse: “Vamos para cima deles!”. E
fomos e batemos na polícia pela primeira vez. A polícia
saiu correndo e nós atrás por aquelas ruelas do centro,
invertendo as coisas. Nós passamos quatro anos
correndo deles. Dessa vez, eles estavam correndo da
gente. Aí, pronto, virou uma batalha campal, porque
mandaram a cavalaria e a gente jogou bola de gude,
rolhas. [...] Até que tocaram fogo num caminhão do
exército. Nesse momento, a barra pesou, chegou a PE
[Polícia do Exército] e eu me mandei.

No dia seguinte, durante uma discussão sobre reforma universitária no prédio do


Conselho Universitário, a polícia invadiu o local de reunião e prendeu diversos
estudantes, que foram levados para o campo de futebol do Botafogo. Lá, sofreram
violência e humilhações. No Dia seguinte a este, a repressão a um ato popular na praça
Tiradentes foi tamanha que é estipulado um saldo de cerca de 14 mortos.

São Paulo, 02 de outubro de 1968

A Rua Maria Antônia, na capital paulista, que vai da Consolação até


Higienópolis, já vivia um momento de tensão antes dos acontecimentos que aqui serão
contados. Mas nada comparado ao que aconteceu em 02 de outubro. Acontece que, de
um lado da rua, havia a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), onde se reunia grande parte do movimento
estudantil de São Paulo; enquanto isso, do outro lado da rua, a Universidade
Presbiteriana Mackenzie, embora abarcando estudantes dos mais variados perfis
ideológicos, também era o local de organização do Comando de Caça ao Comunista
(CCC), grupo paramilitar que visava a identificação, delação e extermínio de grupos de
esquerda.
Durante o dia todo, os estudantes da USP realizavam um “pedágio” na Rua
Maria Antônia, região do centro, para arrecadar fundos para um novo congresso da
União Nacional dos Estudantes (UNE), que já havia sido extinta em 1964. Era uma
empreitada arriscada, visto que a organização tinha entrado na ilegalidade e havia
grande exposição por parte dos jovens.
A ação dos estudantes transcorria sem problemas, até que começaram a ocorrer
agressões e arremessos de objetos vindos das janelas do prédio do Mackenzie. Segundo
entrevista cedida ao livro de M. P. Araújo por José Dirceu, que na época era presidente
da União Estadual de Estudantes de São Paulo (UEE-SP) e estudante da FFLCH,

Não é verdade que houve um conflito entre o Mackenzie


e a Maria Antônia. Dos cinco Centros Acadêmicos do
Mackenzie, nós dirigíamos quatro. Nós tínhamos maioria
no DCE, 60% dos estudantes do Mackenzie apoiavam o
movimento estudantil, a UEE, a UNE.

***

Houve uma minoria do Mackenzie armada e treinada


pelo DOPS, com agentes do DOPS lá dentro, com armas,
inclusive armas exclusivas das forças armadas [...]. Era
um grupo pequeno do Mackenzie organizado pelo CCC
que montou uma provocação para ocupar e destruir a
Maria Antônia e para tirar o movimento estudantil do
centro da cidade. Foi isso que aconteceu.

Foi então no período noturno que estudantes do Mackenzie e da USP realizaram


suas respectivas assembleias para discutir os encaminhamentos das ações do dia
seguinte. Na manhã do dia 03 de outubro, a provocação partiu dos estudantes do
Mackenzie, quando um grupo de estudantes saiu pelos portões da universidade e foram
até a faculdade de filosofia para arrancar uma faixa com os dizeres "CCC, FAC e MAC
= Repressão - Filosofia e Mackenzie contra a Ditadura". Esta ação foi considerada uma
declaração de guerra. Tijolos, pedras, paus e rojões entraram em cena. Janelas eram
estilhaçadas e a fachada do prédio da USP foi incendiado.
As três forças paramilitares da extrema-direita que atuavam no Mackenzie: CCC, MAC (Mov.
Anticomunista) e FAC (Frente Anticomunista). Fonte: Revista O Cruzeiro, 09/11/1968

A guerra já estava deflagrada e os estudantes já haviam montado barricadas e


trincheiras, e de lá combatiam com as armas disponíveis: enquanto o CCC e a extrema-
direita organizada combatia com armas de fogo de médio e alto calibre nos telhados e
janelas do Mackenzie, os estudantes da USP e secundaristas simpatizantes da esquerda
combatiam com rojões, foguetes de mão, coquetéis molotov e pedras.
Enquanto estudantes da FFLCH-USP dominavam a rua e convocavam secundaristas para ajudar
na luta...

... o CCC se utilizava de fuzis e armas exclusivas das Forças Armadas contra a massa estudantil.

No dia 03 de outubro, no auge da batalha campal na qual a Maria Antônia já


havia se convertido, um estudante secundarista cai morto. Imediatamente, os estudantes
de esquerda se mobilizam para aparar o corpo, protege-lo e organizar uma passeata em
homenagem ao jovem José Guimarães. Ele não estava lutando em nenhum dos dois
lados, era um terceiranista do Colégio Maria Cintra que estava de passagem pelo local.
Não há dúvidas quanto a autoria do disparo, uma vez que somente os membros do CCC
possuíam armas de grosso calibre, e o resultado da autópsia do jovem revelou que:

“A bala é de calibre superior a 38 ou de fuzil. Havia seis


ou sete pedaços de chumbo no cérebro. O tiro entrou 1
centímetro acima da orelha direita e saiu à altura da
linha mediana da cabeça, atrás, ligeiramente à
esquerda. A bala fez um percurso de cima para baixo,
em sentido oblíquo”.

Ao saber da morte, Dirceu subiu em uma barricada improvisada e realizou um comício-


relâmpago para os estudantes que apoiavam a USP.

Não é mais possível mantermos militarmente a


Faculdade. Não nos interessa continuar aqui lutando
contra o CCC, a FAC e o MAC, esses ninhos de gorilas.
Um colega nosso foi morto. Vamos às ruas denunciar o
massacre. A polícia e o exército de Sodré que fiquem
defendendo a fina flor dos fascistas. Viva a UNE, abaixo
a reação! Jorge, o rapaz morto, é um segundo Edson
Luís. Vamos às ruas!

Com essa oratória José Dirceu conseguiu pôr a maioria dos assistentes em
posição de passeata. Estavam todos atordoados, não sabiam nem ao menos o nome da
vítima. Às 3 horas e meia da tarde, uma janela se abriu no prédio da USP, e através dela
um aluno gritou: "Estão contentes? Vocês já mataram um". Logo a atenção tornou a
voltar-se para a pontaria das pedradas, que continuaram mesmo depois de oitocentos
estudantes e apoiadores da USP saírem em passeata pela cidade.

A edição de 09 de outubro da revista Veja realizou extensa reportagem sobre o


acontecido. Segue abaixo trecho que trata dos acontecimentos posteriores à passeata, já
de volta ao prédio da USP:

Na Rua Maria Antônia a batalha arrefecia. No


prédio da USP sobravam poucos estudantes.
Algumas partes do teto ruíam. Às 18h30, Luís
Travassos, o presidente da ex-UNE, entrou na
Faculdade de Economia dizendo: "É preciso
desmobilizar isso. Daqui a pouco não temos mais
munição, o prédio pode ser invadido, vai ser um
massacre." Os mais atirados queriam ir buscar o
corpo de José Guimarães. "E que vamos fazer
com o corpo aqui dentro?", perguntou Travassos
dando de ombros. Às 20h30, José Dirceu
apareceu com uma camisa suja de sangue. Subiu
numa janela e, cercado por fotógrafos e
cinegrafistas, teve um gesto dramático: "Colegas,
esta camisa é do nosso companheiro morto pelas
forças da repressão. Vamos todos para a Cidade
Universitária. Haverá assembleia." Duzentos e
quarenta soldados da Força Pública, cem
cavalarianos, dois tanques e cinquenta cães
amestrados começaram a chegar na Rua Maria
Antônia e vizinhança. O Mackenzie foi ocupado
sem problemas, mas alguns estudantes ainda
atiravam bombas Molotov contra o velho prédio
da USP e pedras caíam sobre os jornalistas que
tentavam se aproximar. [...]

***

Os mackenzistas cantavam o Hino Nacional e davam


vivas. A reitora Esther Figueiredo Ferraz apertou a mão
de alguns funcionários e estudantes. E os estudantes
gritaram: Vamos tomar uns chopes para comemorar a
vitória". E foram beber.

Capa da revista Veja de 09 de outubro de 1968, que fez matéria cronológica sobre os ocorridos
na Rua Maria Antônia

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