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Modelo de Organização de Indicadores

para Operacionalização dos Determinantes


Socioambientais da Saúde
Model of Organization of Indicators for Operationalizing the
Social-Environmental Determinants of Health

André Sobral Resumo


Mestre em Saúde Pública. Pesquisador Assistente do Centro de
Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola O tema dos determinantes sociais e suas relações
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Cesteh/Ensp/Fiocruz). com o processo saúde–doença entre diferentes
Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, CEP 21040- grupos populacionais é de grande relevância para a
360, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: andre.sobral@ensp.fiocruz.br
Saúde Pública e vêm ganhando cada vez mais des-
taque. Nesse processo, modelos teórico-conceituais
Carlos Machado de Freitas
vêm sendo adotados para explicar como os deter-
Doutor em Saúde Pública. Pesquisador Titular do Centro de Estudos
da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional
minantes sociais geram iniquidades em saúde, de
de Saúde Pública Sergio Arouca (Cesteh/Ensp/Fiocruz) modo a subsidiar ações voltadas para as “causas das
Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, CEP 21040- causas” e indicadores relacionados aos diferentes
360, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. determinantes vêm sendo organizados por meio de
E-mail: carlosmf@ensp.fiocruz.br metodologias que possibilitem análises integradas.
Apesar desses avanços, os problemas ambientais
que hoje se constituem em importantes elementos
indutores da geração de doenças por meio da degra-
dação dos ecossistemas e das mudanças climáticas
têm sido pouco considerados como determinantes
ambientais da saúde em conjunto com os sociais.
Este artigo tem o objetivo de ampliar as discussões
teóricas sobre os determinantes socioambientais da
saúde, apresentando, para isso, uma metodologia
de organização de indicadores de saúde ambiental
denominada Força Motriz-Pressão-Situação-Ex-
posição-Efeito-Ação, a fim de operacionalizar os
determinantes sociais da saúde.
Palavras-chave: Determinantes sociais da saúde;
Determinantes ambientais da saúde; Indicadores
em saúde ambiental; Sustentabilidade; Saúde am-
biental.

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Abstract Introdução
The theme of social determinants and their rela- A revista Saúde e Sociedade tem se destacado por
tionship to the health-disease process in different publicar artigos sobre temas relevantes para a Saúde
population groups is highly relevant to public health Pública e outros pouco abordados nesta área, como
and has been attracting increasing attention. In this é o caso dos determinantes sociais e ambientais da
process, theoretical-conceptual models have been saúde. Exemplo deste esforço é a publicação de um
adopted to explain how social determinants gene- número especial deste periódico que fez a discussão
rate inequalities in health. Such models aim at sup- do tema dos determinantes sociais e ambientais e as
porting measures focusing on ‘causes of the causes’, suas relações com a saúde por meio de três artigos
while indicators related to different determinants que contribuíram com valiosas reflexões (Villar,
have been organized by means of methodologies that 2007; Periago e col., 2007; Zioni e Westphal, 2007).
allow integrated analyses. Despite such progress, en- A publicação desses artigos veio contribuir para
vironmental problems that currently constitute im- o debate fomentado pela Organização Mundial da
portant disease-generating factors through ecosys- Saúde, por meio da criação da Comissão sobre De-
tem degradation and climate changes have received terminantes Sociais da Saúde, para promover, em
little attention as environmental determinants âmbito internacional, o reconhecimento da impor-
of health, jointly with social determinants. This tância dos determinantes sociais e o combate das
paper aims to expand the theoretical discussions iniquidades em saúde que eles geram, resultando em
on the socio-environmental determinants of health um relatório internacional (WHO, 2008). O governo
by presenting a methodology for the organization brasileiro também criou a sua Comissão Nacional
of environmental health indicators called Driving sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) tra-
Forces-Pressures-State-Exposure-Effects-Action zendo esse debate para o nível nacional, resultando
(DPSEEA), with the objective of operationalizing the em um relatório nacional (CNDSS, 2008).
social determinants of health. Outro tema relevante para a área da saúde, e que
Keywords: Social Determinants of Health; Envi- a revista também tem abordado, é a importância da
ronmental Determinants of Health; Environmental aplicação de sistemas de indicadores para monito-
Health Indicators; Sustainability; Environmental ramento e análise do processo de desenvolvimento
Health. sustentável por meio de abordagens utilizadas pela
área ambiental e que vem influenciando a criação
e aplicação de modelos voltados para a saúde am-
biental que procuram abordar a saúde e o ambiente
como elementos fundamentais do processo de
desenvolvimento (Malheiros e col., 2008; Tayra e
Ribeiro, 2006).
A CNDSS, em seu relatório final (CNDSS, 2008),
propôs a utilização de um modelo conceitual de
determinação social da saúde que estratifica os
determinantes em diferentes camadas, desde os
macrodeterminantes, relacionados às condições
socioeconômicas, culturais e ambientais gerais, até
os determinantes proximais, tais como estilo de vida
dos indivíduos, idade, sexo e fatores hereditários. A
CNDSS também trabalhou com um conjunto de in-
dicadores relacionados aos diversos determinantes
sociais, porém a temática ambiental foi tratada de
forma restrita.

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Ainda que a criação da CNDSS represente um “Ares, Águas e Lugares”, de Hipócrates, datado do
avanço para a retomada de estudos relacionados ao século V a.C. constitui o primeiro esforço sistemático
tema dos determinantes sociais na área da saúde, de apresentação das relações causais entre fatores
o tratamento restrito do tema saúde e ambiente, do meio físico e social e a produção das doenças (Ro-
desarticulado dos indicadores sociais e econômicos, sen, 1994). Esforços mais recentes datam do período
representou sua limitação. Além disto, o modelo compreendido entre fins do século XVIII e meados
conceitual adotado não permitiu tratar de modo do século XIX, quando foram intensos os efeitos dos
integrado as inter-relações existentes entre os de- processos de industrialização e urbanização sobre
terminantes sociais e ambientais e as condições de o ambiente e as condições de vida e trabalho das po-
saúde ambiental. pulações, emergindo neste contexto abordagens que
Com este artigo pretendemos contribuir para procuravam compreender os determinantes sociais
o avanço das discussões sobre esses dois temas, e ambientais do processo saúde–doença.
que consideramos altamente interligados (o dos No final do século XIX, surgiu um novo modelo
determinantes sociais e o dos indicadores de saúde explicativo para o processo de produção de doenças,
ambiental), em um modelo que possibilite a opera- a partir do trabalho de bacteriologistas como Koch
cionalização através de indicadores dos determinan- e Pasteur, que culminou com o surgimento de novas
tes sociais e ambientais da saúde. ciências como a Bacteriologia e a Imunologia (Buss
Este artigo está estruturado de forma a discutir, e Pellegrini Filho, 2007; Rosen, 1994). Esse novo
inicialmente, os determinantes sociais e ambientais paradigma fundou uma nova forma de lidar com o
da saúde, a importância da retomada dos estudos nes- processo saúde–doença, estabelecendo o conceito de
sa área no âmbito da saúde pública e o contexto em que saúde pública orientada ao controle de doenças es-
ocorreu esse processo com a criação das Comissões, da pecíficas, passando a dar um tratamento secundário
ONU e do Brasil, sobre os determinantes sociais. Além aos estudos sobre a relevância dos determinantes
disso, faz uma breve discussão sobre as abordagens sociais na gênese e na evolução do processo saúde–
conceituais propostas por ambas as comissões para doença, ficando o ambiente restrito ao saneamento
tratar os determinantes sociais e ambientais da saúde e ao controle de vetores (Freitas e Porto, 2006; Paim,
e a geração das iniquidades em saúde. 1997).
A análise das abordagens conceituais revela a No século XX, como destacam Buss e Pellegrini
importância da utilização de indicadores para a (1997), houve um permanente embate entre os dife-
geração de conhecimento sobre os determinantes so- rentes enfoques da saúde pública, com momentos
ciais e ambientais, portanto, o artigo também aborda em que se intercalaram enfoques mais centrados
os indicadores em saúde ambiental e os modelos em aspectos biológicos, individuais e tecnológicos
de organização de indicadores como instrumentos com outros que destacaram a importância de deter-
metodológicos fundamentais para ampliar o conhe- minantes sociais e ambientais.
cimento sobre as inter-relações entre os diversos No momento atual, segundo Villar (2007), alguns
determinantes sociais e ambientais e a geração de acontecimentos contribuíram para o redireciona-
condições favoráveis à saúde das populações. mento do foco das atenções da Saúde Pública para o
tema dos determinantes sociais como, o desgaste do
Determinantes Sociais e Ambientais modelo neoliberal de desenvolvimento e as tensões
geradas pela crescente iniquidade socioeconômica
da Saúde e seus efeitos sobre a saúde. Somam-se a isso, as
A preocupação de entender as condições sociais e preocupações com as mudanças climáticas e seus
ambientais e suas relações com o processo saúde–do- possíveis efeitos adversos sobre a saúde que vêm afe-
ença e intervir sobre elas sempre fez parte, de dife- tando um grande número de grupos populacionais
rentes modos, de diferentes momentos da história em todo o mundo, porém com mais ênfase sobre as
do desenvolvimento do que hoje denominamos de populações mais pobres e vulneráveis. Entendemos
Saúde Pública. Podemos considerar que o tratado que o mais importante é que esses acontecimentos

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colocam simultaneamente, nas atuais agendas glo- Figura 1 - Modelo de produção social da doença
bal e nacional da saúde, a necessidade de se tratar
os determinantes sociais e ambientais dos processos
saúde–doença.
Atualmente, duas iniciativas institucionais, uma
internacional e outra nacional, representam uma
retomada da abordagem do processo saúde–doença
a partir da análise das iniquidades em saúde e suas
causas estruturais. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) criou, em 2005, a Comissão sobre Determi-
nantes Sociais da Saúde (CSDH, em inglês). Seu
objetivo foi promover, em âmbito internacional, uma
tomada de consciência global sobre a influência dos
determinantes sociais na situação de saúde de indi-
víduos e grupos populacionais e sobre a necessidade
Fonte: Solar e Irwin (2007).
de combate às iniquidades em saúde por eles gera-
das. A CSDH centrou seus trabalhos em países com grupos sociais que compartilham características
diferentes níveis de renda e desenvolvimento, pois de inserção econômica (ocupação), prestígio social
entende que as iniquidades em saúde são questões (escolaridade) e poder ou riqueza (renda), relações
que afetam todos os países e, em todos os casos, são de gênero, entre outros (WHO, 2008; Barata, 2006).
influenciadas de forma considerável pelo sistema Esses elementos, que definem as posições ou estra-
econômico e político mundial (WHO, 2008). tos sociais, influenciam os diferenciais de exposição
Para a CSDH, a situação de saúde não depende e vulnerabilidade aos riscos de danos à saúde (II) na
exclusivamente das ações e dos serviços de saúde, forma de doenças ou acidentes (III), bem como das
pois a carga de doenças, tanto em países pobres consequências sociais e o estado de saúde (IV).
quanto em países ricos, está intimamente relaciona- Além da questão dos determinantes sociais e da
da às condições em que as pessoas nascem, vivem e geração das iniquidades em saúde, a CSDH reco-
trabalham, e são moldadas pela estratificação social nhece que, embora esteja além da sua competência,
e pelas condições econômicas, culturais, sociais e a depleção e o comprometimento da integridade
ambientais. Portanto, fortalecer a equidade em saú- ecológica dos ecossistemas ambientais naturais,
de significa ir além das intervenções concentradas incluindo os efeitos das mudanças climáticas, têm
exclusivamente sobre as causas imediatas das doen- profundas implicações para a vida e a saúde das
ças (WHO, 2008; Marmot, 2006; Barata, 2006). populações e de todos os outros organismos vivos.
A abordagem conceitual adotada pela CSDH tem Portanto, os determinantes sociais da saúde e as
como base teórico-conceitual o modelo de produção questões ambientais se constituem duas importan-
social da doença elaborado por Diderichsen e cola- tes agendas que devem ser incorporadas por todos
boradores (Solar e Irwin, 2007) (Figura 1). os países, de forma interssetorial, entre a saúde e
Essa abordagem foi adotada pela CSDH para os demais setores envolvidos com as questões am-
ampliar o conhecimento sobre os determinantes bientais (WHO, 2008).
sociais e serviu de base para a proposição de ações A outra iniciativa foi do Brasil, primeiro país
voltadas para as “causas das causas”, ou seja, os membro da OMS a criar a sua Comissão Nacional
elementos estruturantes da estratificação social, sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS),
como as políticas macroeconômicas, sociais e de em 2006, com um mandato de dois anos. Os obje-
saúde, o contexto político e social e os valores e tivos estabelecidos pela CNDSS foram: produzir
normas sociais e culturais. Esses elementos estru- informações e conhecimentos sobre determinantes
turantes determinam e condicionam as posições sociais da saúde no Brasil; contribuir para o desen-
ou estratos sociais (I) ocupados pelos indivíduos e volvimento de políticas públicas e programas para

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a promoção da equidade em saúde; e promover a DSS. Na camada seguinte, encontram-se os fatores
mobilização de diferentes instâncias do governo e relacionados às condições de vida e de trabalho (de-
da sociedade civil sobre o tema (Buss e Pellegrini terminantes intermediários), e a disponibilidade de
Filho, 2007). Para alcançar esses objetivos a atua- alimentos e acesso a ambientes saudáveis e serviços
ção da CNDSS foi orientada por três compromissos essenciais, como saúde e educação, indicando que as
éticos: assegurar a equidade em saúde, recomendar pessoas em desvantagem social apresentam diferen-
intervenções baseadas em evidências científicas, e ciais de exposição e de vulnerabilidade aos riscos à
agir por meio de políticas e programas no combate saúde. Por fim, o último nível apresenta aqueles que
às iniquidades em saúde (CNDSS, 2008). são considerados os macrodeterminantes, que pos-
A abordagem conceitual que serviu de base para suem grande influência sobre as demais camadas e
orientar as atividades e o conteúdo do relatório final estão relacionados às condições socioeconômicas,
da CNDSS foi o modelo de determinação social da culturais e ambientais da sociedade, incluindo tam-
saúde proposto por Dahlgren e Whitehead (CNDSS, bém determinantes supranacionais, como o modo de
2008). Esse modelo foi adotado em virtude de sua produção e consumo de uma cidade, Estado ou país
simplicidade e facilidade de compreensão para os e o processo de globalização (CNDSS, 2008).
diversos tipos de público e pela clara visualização Para alcançar seus objetivos, e baseando-se
gráfica dos diversos DSS (Figura 2). nessa abordagem conceitual, a CNDSS realizou uma
análise da situação de saúde, congregando dados,
Figura 2 - Modelo de determinação social da saúde informações e conhecimentos disponíveis sobre as
proposto por Dahlgren e Whitehead relações entre os diversos DSS e a situação de saúde
de diversos grupos populacionais. A análise da situ-
ação de saúde compreendeu os seguintes temas: si-
tuação e tendências da evolução demográfica, social
e econômica do país; estratificação socioeconômica
e da saúde; condições de vida, ambiente e trabalho;
comportamentos, estilos de vida e saúde; saúde ma-
terno-infantil e saúde indígena (CNDSS, 2008).
Para cada um desses temas foi utilizado um
conjunto de indicadores com o objetivo de apontar
a evolução do desempenho de cada determinante
social. Foram utilizados mais de 80 indicadores, e
a grande maioria referia-se a temas como urbaniza-
ção, transição demográfica, crescimento econômico,
Fonte: CNDSS (2008). distribuição de renda e desenvolvimento social, to-
dos relacionados com o tema “Situação e tendências
O modelo de Dahlgren e Whitehead dispõe os da evolução demográfica”. Nesse caso, a maioria dos
DSS em diferentes camadas, segundo seu nível de indicadores utilizados refere-se aos determinantes
abrangência, desde uma camada mais próxima aos distais, ou macrodeterminantes econômicos e so-
determinantes individuais até a camada mais distal, ciais, segundo a abordagem conceitual utilizada
em que se situam os macrodeterminantes. Os indiví- (CNDSS, 2008).
duos, com suas características individuais de idade, A temática ambiental, presente no tema “Con-
sexo e fatores genéticos, que exercem influência dições de vida, trabalho e ambiente”, ficou restrita
sobre o seu potencial e suas condições de saúde, a uma breve descrição das inter-relações entre a
estão na base do modelo (determinantes proximais). exposição à poluição atmosférica e as doenças res-
Em seguida, em uma camada subjacente, estão o piratórias nos grandes centros urbanos e regiões
comportamento e os estilos de vida individuais, metropolitanas. Também foi considerada a impor-
situados no limiar entre os fatores individuais e os tância da conversão dos ecossistemas naturais em

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decorrência da expansão da fronteira de colonização estar (Villar, 2007). Ainda segundo esse autor, além
em função de fatores, como especulação fundiária, do aumento das iniquidades em saúde, em particular
movimentos populacionais vinculados a grandes a distribuição de renda e o acesso aos serviços de
obras de infraestrutura, assentamento de colonos, saúde, somam-se os problemas ambientais, especial-
atividades agropecuárias e atividades madeireiras mente as mudanças climáticas, que vêm afetando
ilegais (CNDSS, 2008). Entretanto, para esse tema, um grande número de populações vulneráveis e que
não foi utilizado nenhum indicador que permitisse se constitui em uma ameaça para toda a humanidade
acompanhar a evolução do desempenho dos deter- (Villar, 2007).
minantes ambientais. Para Periago e colaboradores (2007), os impactos
A CNDSS reconhece que uma série de temas que ecossistemas deteriorados causam em comuni-
importantes ficou ausente do relatório ou foram dades locais e as mudanças climáticas que provocam
parcialmente desenvolvidos, tais como a saúde impactos globais se constituem importantes evi-
ambiental nas grandes cidades. Portanto, há a ne- dências das consequências que riscos emergentes
cessidade de se ampliar as discussões, no âmbito trazem para a saúde e o bem-estar. Embora alguns
da Saúde Pública, da importância de se considerar países reconheçam a urgência de se considerar os
os aspectos ambientais, mais precisamente os desequilíbrios ambientais e outros determinantes
relacionados à degradação dos ecossistemas e as associados à deterioração da qualidade de vida da
possíveis repercussões negativas sobre a saúde e sociedade e a saúde ambiental tenha se tornado um
o bem-estar. dos pilares para o desenvolvimento sustentável,
Por um lado, deve-se considerar que a criação os avanços na área das intervenções e aplicações
de uma Comissão Nacional sobre determinantes específicas são bastante limitados (Periago e col.,
sociais da saúde, no contexto de um movimento 2007).
internacional capitaneado pela OMS, representa um Em ambos os relatórios, da ONU e da CNDSS,
importante avanço para a retomada dos estudos vol- embora as Comissões reconheçam a importância
tados para a análise da situação de saúde, segundo a das questões ambientais como importantes DSS,
influência dos determinantes sociais e ambientais. muito pouco foi discutido sobre o tema. Portanto,
Por outro lado, se o modelo de determinação social para que as intervenções sobre os DSS, baseadas em
da saúde adotado pela CNDSS possibilita uma rápida evidências, sejam efetivas é necessário, entre outras
visualização gráfica dos DSS, segundo seu nível de coisas, trabalhar com um conjunto de indicadores
abrangência, carece de uma matriz de indicadores em diferentes níveis de abrangência (globais, nacio-
que permita estabelecer as inter-relações entre os nais, regionais e locais), incorporando os problemas
determinantes distais e proximais, o que se constitui ambientais nas abordagens conceituais que relacio-
em uma importante limitação. nam os DSS (contexto social, econômico e político)
Esse modelo é uma abordagem teórica bem estru- e os determinantes ambientais.
turada para se entender a dinâmica dos determinan-
tes sociais da saúde, porém falta um modelo de orga-
nização de indicadores que permita operacionalizar
Indicadores em Saúde
a análise desses determinantes e seus efeitos sobre Ambiental: instrumentos
a saúde de forma integrada, contemplando questões para a operacionalização dos
fundamentais, porém insuficientemente trabalha-
das pela Comissão, como a questão ambiental.
determinantes sociais da saúde
As abordagens conceituais utilizadas por ambas Um indicador é uma ferramenta importante, pois
as Comissões apresentam uma série de dimensões informa sobre o progresso em direção a uma deter-
que se inter-relacionam e que têm sua origem no minada meta, sendo utilizado como recurso para
contexto estrutural socioeconômico e político da deixar mais perceptível uma tendência ou fenômeno
sociedade que estão distantes, porém determinam não imediatamente detectável através dos dados
e condicionam o resultado final da saúde e do bem- isolados (Bellen, 2005). Ele não é um elemento

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explicativo ou descritivo, mas uma informação operacionalização da análise dos DSS, por meio de
pontual no tempo e no espaço, cuja integração e um conjunto de indicadores integrados, propomos a
evolução permitem o acompanhamento dinâmico da utilização do modelo de organização ou sistema de
realidade. Portanto, para os gestores, os indicadores indicadores denominado Força Motriz-Pressão-Si-
são ferramentas essenciais no processo de tomada tuação-Exposição-Efeito-Ações (FPSEEA), elaborado
de decisões; para a sociedade, são instrumentos pela OMS, em conjunto com o Programa das Nações
importantes para o controle social (Sobral, 2008). Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), para abor-
Ainda que reconhecidamente utilizados para os dar as inter-relações entre os fatores ambientais e
documentos de análise dos DSS, os modelos de orga- a saúde (Corvalán e col., 1996). Esse modelo é uma
nização podem contribuir para determinados modos adaptação de outras duas abordagens frequente-
de análises que permitam explicitar e explicar as mente utilizadas pela área ambiental conhecidas
inter-relações entre os seus diversos níveis. como Pressão-Estado-Resposta (PER) (Figura 3) e
Com o objetivo de contribuir para o processo de Pressão-Estado-Impacto-Resposta (PEIR).

Figura 3 - Modelo Pressão-Estado-Resposta

Fonte: PNUMA (2002)

O modelo PER, elaborado pela Organização para a de monitorar os efeitos das pressões das atividades
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), humanas sobre as condições ambientais e os pos-
baseia-se no conceito de causalidade: as atividades síveis impactos sobre a saúde dos seres humanos
humanas exercem pressões sobre o ambiente, mo- (PNUMA, 2002).
dificando sua qualidade e a quantidade de recursos A abordagem FPSEEA, adotada pela OMS, vem
naturais; a sociedade, por sua vez, responde a essas sendo aplicada no Brasil pela Coordenação Geral de
mudanças por intermédio de políticas ambientais, Vigilância em Saúde Ambiental da Secretaria de Vi-
econômicas e setoriais. O modelo PEIR, desenvol- gilância em Saúde do Ministério da Saúde (CGVAM/
vido pelo PNUMA, adota o componente “impacto” SVS/MS) como um instrumento da saúde ambiental
como desdobramento do componente “estado”, a fim para a organização de indicadores que permitam

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uma análise integrada dos efeitos na saúde decor- Figura 4 - Modelo de organização de indicadores
rentes da situação ambiental, em nível nacional e FPSEEA
estadual (Brasil, 2007). Além disso, como possibilita
a análise integrada da saúde ambiental dentro de
um contexto econômico e social, esse modelo pode
ser aplicado para subsidiar o monitoramento das
condições de sustentabilidade ambiental e de saúde
também nos níveis regional e municipal.
O modelo representado na figura 4 se baseia na
concepção de que as forças motrizes geram pressões
que alteram a situação ambiental e, em última ins-
tância, a saúde humana, por meio de diversas formas
de exposição, que se caracterizam pelo contato dos
indivíduos com os elementos do ambiente, causando
efeitos na saúde. Para cada um desses elementos do
sistema podem ser desenvolvidas diferentes ações
na forma de monitoramento, políticas públicas
e programas interssetoriais complementares ao
setor saúde. Portanto, essa metodologia amplia
as dimensões abordadas pelas metodologias que a
precederam e sistematiza as principais etapas do
processo de geração, exposição dos riscos ambien-
tais e os possíveis efeitos para a saúde (Barcellos e
Quitério, 2006).
Entretanto, alguns autores consideram que uma
das limitações de modelos como esse é a falta de
estrutura teórico-conceitual que subsidie a operacio- Fonte: Adaptado de Kyle e colaboradores (2006).
nalidade e a viabilidade do sistema de indicadores
(Tayra e Ribeiro, 2006). Essa limitação também
permite identificar alguns pontos de convergência conjunta desses dois modelos conceituais permite o
que podem viabilizar a aplicação do modelo de orga- fortalecimento da saúde ambiental que, no relatório
nização de indicadores FPSEEA utilizado na saúde final da CNDSS, ficou restrita a temas, como a po-
ambiental, como um modelo teórico que amplia a luição atmosférica que foi relacionada ao processo
análise dos determinantes sociais da saúde, segun- de urbanização, ao crescimento do setor de trans-
do o modelo de Dahlgren e Whitehead, e destaca a portes e às atividades industriais, e a conversão de
importância das inter-relações entre as condições ecossistemas em função da expansão da fronteira de
ambientais e a situação de saúde. colonização que vem contribuindo para o aumento
Ambos os modelos podem ser utilizados de for- dos casos de malária nos municípios da Amazônia.
ma complementar. Enquanto o modelo de Dahlgren Porém, não foi utilizado nenhum indicador para os
e Whitehead fornece a fundamentação teórica temas abordados.
para a análise da situação de saúde segundo seus Embora algumas publicações nacionais tenham
determinantes sociais, o modelo FPSEEA permite utilizado listas com diferentes indicadores relacio-
a operacionalização dos indicadores de forma inte- nados às dimensões social, econômica, ambiental e
grada e sistêmica, organizando-os em uma matriz de saúde, na tentativa de superar as dificuldades já
que facilita a visualização e a análise das possíveis mencionadas, os indicadores não foram organizados
inter-relações entre os diferentes indicadores am- segundo um modelo que permite uma análise inte-
bientais, sociais, econômicos e de saúde. A aplicação grada dos diferentes elementos da realidade que se

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inter-relacionam na produção das condições de vida dos ecossistemas são as bases fundamentais da vida
e a situação de saúde da população (RIPSA, 2008; e da saúde embora, para as sociedades modernas,
CNDSS, 2008; IBGE, 2008). essa dependência possa ser indireta, deslocada
As forças motrizes e pressões, assim como os no tempo e no espaço e, portanto, pobremente re-
determinantes distais da saúde, representam os conhecida. Geralmente quem vive em ambientes
macrodeterminantes que possuem grande influên- urbanos relativamente cômodos assume que uma
cia sobre as demais camadas de ambos os modelos boa saúde é alcançada apenas por meio de opções e
e estão relacionadas ao modelo de desenvolvimento comportamentos prudentes de consumo, da posse
adotado pela sociedade, às condições socioeconômi- de bens de consumo e do acesso a bons serviços de
cas, políticas, culturais e ambientais. Indicadores saúde (OMS, 2005).
como distribuição de renda, crescimento popula- Embora o tema ambiental seja relativamente
cional, trabalho e emprego, atividades econômicas recente e, portanto, não conte com larga tradição na
e níveis socioeconômicos devem ser analisados con- produção de indicadores, o que dificulta uma análi-
juntamente com outros indicadores para analisar se mais ampla da situação ambiental, não restrita
em que contexto se produz e reproduz o processo apenas ao saneamento, é importante insistir no fato
saúde–doença. Os determinantes relacionados às de que a integridade ecológica dos ecossistemas e
condições de vida e trabalho, como produção agríco- a manutenção dos serviços que deles fazemos uso
la e de alimentos, habitação, saneamento ambiental são temas que precisam ser incorporados de forma
e as condições de trabalho, considerados determi- mais contundente no âmbito da Saúde Pública, por
nantes intermediários, podem ser representados por meio de parcerias entre diferentes áreas afeitas às
indicadores de pressão, pois provocam alterações na questões ambientais. Entender as relações entre os
situação ambiental, e por indicadores de exposição, determinantes sociais e ambientais e a degradação
pois a disponibilidade de acesso a ambientes sau- dos ecossistemas é, por meio da utilização de indi-
dáveis, serviços de saúde, educação, saneamento e cadores, fundamental para intervir na melhoria das
habitação, entre outros fatores, indica que diferentes condições de vida e de saúde de diversas populações
grupos populacionais em situação de vulnerabili- em condições de vulnerabilidade social e ambiental
dade social e ambiental apresentam diferenciais (IBGE, 2008).
de exposição e de riscos à saúde (CNDSS, 2008). A incorporação de indicadores ambientais no mo-
No quadro a seguir apresentamos um conjunto de delo FPSEEA, juntamente com os de saúde, permite
indicadores utilizados pela saúde ambiental que trabalhar com uma concepção ampliada de saúde,
estão relacionados a alguns determinantes sociais buscando superar a visão fragmentada do processo
da saúde, organizados segundo o modelo FPSEEA. saúde–doença que ainda prevalece nas análises da
Além dos indicadores sociais e econômicos que situação de saúde ou mesmo no uso de indicadores
são utilizados mais frequentemente na análise da ambientais que incluem o tema saúde.
situação de saúde, o modelo FPSEEA permite a in- De modo geral, os indicadores utilizados pelo
corporação de indicadores ambientais relacionados setor saúde estão mais relacionados aos eventos de
com a integridade ecológica dos ecossistemas na morbidade e mortalidade com restrições ou mesmo
camada situação. Essa abordagem permite reco- o desaparecimento de indicadores relacionados
nhecer a importância que a qualidade ambiental e aos aspectos sociais, econômicos e principalmente
os serviços prestados pelos ecossistemas como, a ambientais que, de modo geral, estão limitados à
provisão de alimentos, água e combustíveis, a regu- descrição das condições de saneamento (Freitas e
lação do clima e de doenças, os serviços recreativos col., 2007a). Com certeza utilizar indicadores de
e culturais, entre outros, têm para se alcançar a mortalidade infantil, por exemplo, é importante para
saúde e o bem-estar. Em um sentido fundamental, monitorar os resultados de políticas e ações de saúde
os ecossistemas são os sistemas de suporte à vida voltadas para a atenção pré-natal e de proteção à saú-
no planeta, para a espécie humana e para todas as de infantil, porém a queda da mortalidade infantil
outras formas de vida, portanto os bens e serviços não depende apenas das ações do setor saúde, mas

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Quadro 1 - Exemplos de Indicadores de Saúde Ambiental organizados segundo o modelo FPSEEA

Força motriz Pressão Situação Exposição Efeito Ação


Índice de Gini Coleta de Saneamento Água encanada Taxa de Existência
da distribuição esgoto sanitário inadequado (percentual de pessoas mortalidade de conselhos
do rendimento (percentual de (percentual que vivem em domicílios infantil (número municipais de
mensal de pessoas domicílios sem de domicílios sem água canalizada de óbitos de Saúde e Meio
de 10 anos ou mais serviço de rede sem condições para um cômodo ou menores de um Ambiente.
de idade com coletora de simultâneas de mais, provenientes de ano de idade, por
rendimento. esgotamento abastecimento rede geral, de poço, mil nascidos vivos,
sanitário e/ou de água por de nascente ou de na população
pluvial). rede geral, reservatório abastecido residente em
esgotamento por água das chuvas ou determinado
sanitário por carro-pipa). espaço
rede geral e geográfico, no
lixo coletado ano considerado).
diariamente).
Taxa de Tratamento Coleta de lixo Tratamento de água Internação Gastos públicos
crescimento de esgoto (percentual (volume em percentual de menores de com saúde, como
populacional (percentual de de domicílios água distribuída por dia cinco anos por proporção do
(diferença distritos sem sem serviço de sem tratamento). DDA1 (taxa de PIB (percentual
percentual entre tratamento de coleta direta ou internação do produto
a população em esgoto sanitário indireta regular hospitalar por interno bruto
dois ou mais anos coletado). de lixo, inclusive DDA de crianças que corresponde
considerados). queimado ou menores de 5 anos ao gasto público
enterrado, e a população com saúde,
jogado em residente de desagregado por
terreno baldio menores de 5 esfera de governo
ou logradouro, anos, por 1.000 – federal, estadual
rio, lago ou mar crianças). e municipal).
e outros).
Taxa de Consumo de Inundações Instalações inadequadas Internação Cobertura
urbanização energia elétrica ou enchentes de esgoto (percentual de de menores populacional por
(percentual de (consumo (percentual pessoas que vivem em de cinco anos equipes de PSF3 e
pessoas que vivem residencial de municípios domicílios particulares por IRA2 (taxa ACS4 (percentual
em domicílios per capita de que sofreram permanentes sem acesso a de internação da população
urbanos). eletricidade). inundações ou instalações adequadas de hospitalar por residente em
enchentes nos esgoto, ou seja, que têm IRA de crianças determinado espaço
últimos dois banheiro de uso exclusivo menores de 5 geográfico, no ano
anos). e com escoadouro anos e população considerado, que
conectado a rede coletora residente de recebe atendimento
de esgoto ou pluvial ou a menores de 5 regular pelas
fossa séptica). anos, por 1.000 equipes de PSF e
crianças). ACS).
Renda familiar Frota de Cobertura Coleta de lixo (percentual Taxa de
per capita (total automóveis vegetal de pessoas que vivem em mortalidade por
de rendimentos por habitante (variação domicílios em que a coleta causas externas
de uma família (razão entre a percentual de lixo não é realizada (número de
dividido pelo frota total de da cobertura diretamente por empresa óbitos por
número de automóveis e vegetal em pública ou privada, causas externas
pessoas família). o número de diferentes ou em que o lixo não é – acidentes e
habitantes). estágios de depositado em caçamba, violência, por 100
regeneração). tanque ou depósito fora mil habitantes).
do domicílio).

Fontes: CNDSS (2008); Brasil (2007); RIPSA (2008); Sobral (2008). 1Doença diarréica aguda; 2Infecção respiratória aguda; 3Programa Saúde da Família; 4Agentes
Comunitários de Saúde.

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de outros fatores sociais, econômicos, culturais e dos indicadores, por si só não consegue contemplar
ambientais, que contribuem de forma relativa para toda a complexidade de inter-relações das dimensões
a evolução, positiva ou negativa desse indicador. que determinam e mediam o processo de produção
Da mesma forma ocorre na área ambiental, que social da saúde–doença e suas desigualdades entre
tem utilizado, com restrições, os indicadores de os grupos sociais.
saúde. Instituições internacionais e nacionais que
vêm desenvolvendo indicadores ambientais para
o monitoramento do processo de desenvolvimento
Considerações Finais
sustentável, quando utilizam indicadores de saúde, Embora o tema dos determinantes sociais da saúde
recorrem àqueles mais tradicionais como os de sa- não seja novo, sobretudo na América Latina, ele
neamento (abastecimento de água e coleta de esgoto tem sido negligenciado tanto pelas políticas de
sanitário) e de mortalidade por causas específicas, saúde quanto pelas políticas de desenvolvimento
como mortalidade infantil, doenças infecciosas e da maioria dos países (Villar, 2007). A criação da
respiratórias (Freitas e col., 2007b). Isso decorre, em Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde da
parte, da escassez de indicadores ambientais rela- OMS representou um avanço para a retomada das
cionados aos ecossistemas e aos recursos naturais, atenções para esse tema e uma tentativa de fomentar
como já foi dito, mas também da visão fragmentada uma mudança do foco das políticas de saúde de seus
da relação entre saúde e ambiente que se manifesta na países membros. Nesse contexto, o governo brasi-
pequena produção científica que considera a interface leiro, ao criar sua Comissão Nacional sobre os DSS,
entre ecossistemas e saúde humana, o que dificulta a reconhece que as políticas de saúde isoladamente,
superação dessas falhas (Freitas e col., 2007a). bem como as ações e os serviços de saúde, exercem
Uma das grandes vantagens do modelo FPSEEA um papel muito menor na manutenção da saúde
não é somente constituir uma evolução dos modelos dos grupos populacionais, o que se constitui em um
anteriores ao incorporar os efeitos sobre a saúde, grande desafio para a Saúde Pública.
o que de certo modo já encontramos em muitos Entretanto, tão importante quanto reconhecer
sistemas de indicadores ambientais ou de saúde. a importância dos DSS e diagnosticar sua situação
Seu grande mérito é reconhecer, em um sistema de por meio de uma lista de indicadores, é fundamental
indicadores, que alterações na situação ambiental, aplicar uma abordagem que reúna esses indicadores
que decorrem de forças motrizes (decisões sobre as referidos às dimensões econômica, social, ambien-
políticas sociais e econômicas que norteiam o mode- tal, institucional e de saúde, tratando-os de forma
lo de desenvolvimento) e pressões (geradas por todos integrada, para um monitoramento sistemático das
os setores de atividades econômicas – transporte, mudanças das condições de vida e a situação de
energia, habitação, agricultura, indústria, turismo, saúde da população.
etc. – através de todos os estágios da cadeia produ- O modelo FPSEEA permite o fortalecimento da
tiva – extração, produção, distribuição, consumo, saúde ambiental na análise dos DSS, pois os riscos
disposição final – atingindo diferentes meios – água, à saúde não são simplesmente o resultado de ex-
solo, ar, cadeia alimentar) resultam em exposições posições localizadas nas formas “tradicionais” de
que poderão ter efeitos diretos e indiretos, não só contaminação, embora elas certamente existam. São
em curto, mas também em médio e longo prazo, exi- também o resultado de pressões mais amplas sobre
gindo que as intervenções orientadas para a saúde os ecossistemas, desde o esgotamento e a degrada-
ambiental ultrapassem aquelas restritas aos efeitos ção dos recursos, como água doce, até os impactos
e incluam simultaneamente aquelas presentes nas das mudanças climáticas globais sobre os desastres
dimensões anteriores. naturais e a produção agrícola; eventos que têm seus
Entretanto, é importante destacar que o modelo efeitos amplificados sobre a saúde pelas condições
de indicadores FPSEEA deve ser utilizado como fer- de desigualdade, pobreza e vulnerabilidades sociais
ramenta auxiliar do modelo de determinação social e ambientais, que estão na base da geração das ini-
da saúde, pois embora permita uma visão integrada quidades em saúde (OMS, 2005).

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O modelo de organização de indicadores FPSEEA, CNDSS – Comissão Nacional sobre Determinantes
utilizado na saúde ambiental, apresenta-se como Sociais da Saúde. As causas sociais das
instrumento promissor para auxiliar os modelos de iniqüidades em saúde no Brasil. Rio de Janeiro:
determinação social da saúde na operacionalização Editora Fiocruz, 2008.
de indicadores, porém é preciso reconhecer que esse Corvalán, C.; Briggs, D.; Kjellström, T.
modelo de organização de indicadores não é sufi- Development of environmental health indicators.
cientemente capaz de abranger toda a complexidade In: Briggs, D.; Corvalán, C.; Nurminem,
de indicadores que podem vir a ser utilizados para a M. (eds). Linkage methods for environment and
análise e monitoramento dos DSS, pois o processo health analysis – General Guidelines. Geneva,
de produção da saúde–doença é resultante de um 1996. p. 19-53.
processo mais amplo e complexo de determinações e
mediações entre diferentes dimensões da realidade FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e
que não podem ser restritas à mediação dos proble- sustentabilidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
mas ambientais. 2006.
Portanto, espera-se que este artigo contribua FREITAS, C. M. et al. Ecosystem approaches and
para a discussão acerca da aplicação de metodolo- health in Latin America. Cadernos de Saúde
gias que permitam o monitoramento e a análise dos Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 283-296,
DSS, contribuindo com uma abordagem integrada 2007a.
e sistêmica de indicadores que abordem as ques-
FREITAS, C. M.; SCHÜTZ, G. E.; OLIVEIRA, S. G.
tões de saúde de forma indissociável das questões
Environmental sustainability and human well-
ambientais.
being indicators from the ecosystem perspective
in the Middle Paraiba Region, Rio de Janeiro State,
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Recebido em: 28/04/2009


Reapresentado em: 21/07/2009
Aprovado em: 05/08/2009

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